CRIAÇÃO
Natal Severino
Severino Birth
Navidad "Severina"
Djalma Agripino de Melo Filho
Médico, Jornalista, Docente Pesquisador do Núcleo de Saúde Pública, NUSP, Universidade Federal de Pernambuco; Assessor da Secretaria de Saúde do Recife. <djalmaf@truenet.com.br>
Palavras-chave: Ética; valores; valores sociais; Direitos Humanos.
Key words: Ethics; social values; Human Rights.
Palabras clave: Etica; valores sociales; Derechos Humanos.
A partir de nove quadros selecionados da exposição de artes plásticas Morte à Vida Severina, realizada em 1995, no Museu do Estado (Recife PE), em homenagem aos quarenta anos de criação do poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, realizou-se uma releitura da obra, enfocando fundamentalmente duas situações onde a vida humana é concebida como um ideal de valor: as reflexões de mestre carpina e Severino, retirante, e o nascimento de um outro Severino, às margens do rio Capibaribe, no Recife.
... a morte de que se morre
de velhice antes do trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
que diferença faria
se em vez de continuar
tomasse a melhor saída:
a de saltar fora, numa noite,
fora da ponte e da vida?
- Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga...
... e quando ponte não há?
quando os vazios da fome
não se tem com que cruzar?
quando esses rios sem água
são grandes braços de mar?
... em que nos faz diferença
que como frieira se alastre
ou como rio na cheia,
se acabamos naufrados
num braço do mar miséria?
... muita diferença faz
entre lutar com as mãos
e abandoná-las para trás,
porque ao menos esse mar
não pode adiantar-se mais.
Trechos do poema Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto, 1995, que integram o texto "Natal Severino: uma dupla maiêutica nos mangues do rio Capibaribe", de Djalma Agripino de Melo Fiiho.
"São severinos todos os retirantes que a seca escorraça do sertão e que o latifúndio escorraça da terra" (Nunes, 1971).
... todos os que pertencem ao grupo encontram-se sob a mesma condição severina, ou vivendo num mesmo ciclo severino de morte e vida.
A cabeça grande, o ventre crescido, as pernas finas, o sangue com pouca tinta e a morte antes dos trinta compõem o espectro de uma severinidade criada pelas relações sociais, econômicas, políticas, culturais e espirituais estabelecidas pelos próprios homens.
...Severino se depara com um enterro de um lavrador, vítima de violência... lavrar a terra, combater planta de rapina, pastorear gado tudo ele sabia, mas não rezava benditos, nem cantava excelências ou encomendava defuntos. Era isso o que havia para se fazer ali.
...Severino chega à zona da Mata: terra doce, feminina; verde da cana-de-açúcar; bueiros de usinas e, o que mais esperava, água! O encantamento dura pouco, chega a desilusão, pois percebe que não havia diferença entre o Sertão, o Agreste e a Mata. Em todas as paisagens, adoecia-se e morria-se à severina.
O anjo constitui a ligação entre Deus e o mundo e, "em sua qualidade de mensageiro, é sempre portador de uma boa notícia para a alma" (Chevalier & Gheerbrant, 1992). Não fazem diferente os filósofos.
À beira do Capibaribe, segundo o auto cabralino, uma criança havia nascido quando Severino estava a filosofar com Seu José, mestre carpina. Mais uma vida começava a integrar a ecologia dos mangues...
O mangue é o local "dos operários, dos sem-profissão, dos inadaptados e dos que desceram do sertão na fome e não puderam vencer na cidade" (Castro, 1957), mas é também uma fábrica de vida.
... a alimentação, a atividade sexual, o contato social, a atividade laborativa podem ser denominadas de "necessidades existenciais" ... o descanso superior ao necessário para a reprodução da força de trabalho, a atividade artística, a reflexão filosófica, a amizade, o amor, a realização de si na objetivação, atividade moral devem ser denominadas "necessidades propriamente humanas" (Heller, 1991).
... é difícil defender, só com palavras, a vida...
E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica... (Melo Neto, 1995).
Sem novas perguntas, sem suicídio, Morte e Vida Severina se conclui com uma louvação à vida.
Recebido para publicação em 11/12/02
Aprovado para publicação em 21/01/03
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Fev 2009 -
Data do Fascículo
Fev 2003