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Docência em saúde: temas e experiências

LIVROS

Regina Maria Giffoni Marsiglia

Professora, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; pesquisadora, Centro de Estudos de Cultura Contemporânea; Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão (CEALAG), São Paulo, SP. <regina.marsiglia@fcmscsp.edu.br>

Batista, N. A.; Batista, S. H. (Orgs.). Docência em saúde: temas e experiências. São Paulo: Editora Senac, 2004.

Com prefácio de Antonio Joaquim Severino e Ivani Catarina Fazenda, o livro conta com textos de 19 autores, abordando nove temas atuais a respeito da docência em saúde e apresentando sete experiências de formação docente. Busca uma abordagem interdisciplinar da saúde e educação, ao tratar da docência em saúde, da troca de idéias e de experiências sobre a formação e da prática docente nos cursos de graduação, especialização e pós-graduação em saúde.

Os temas abordados dizem respeito ao planejamento da prática docente, à aprendizagem, às metodologias do ensino superior, ao trabalho em grupo, aos ciclos básico e profissional, às metodologias problematizadoras, à avaliação educacional e aos currículos inovadores.

A maioria das experiências apresentadas é de docentes da área de saúde que freqüentam os cursos de especialização e pós-graduação do Cedess/Unifesp, mas há experiências de docentes da Unicamp, Unesp (Campus de Botucatu) e da Universidade Nacional de Córdoba.

A formação do docente de nível universitário tem sido relegada a segundo plano. Nos Programas de pós-graduação existem disciplinas como Pedagogia e Didática, mas privilegia-se a pesquisa e divulgação do conhecimento científico em revistas especializadas. Em geral, a docência na graduação baseia-se na experiência e competência profissional do professor.

Na introdução do livro, Batista & Batista apontam a complexidade e a prioridade da formação de professores para a área de saúde, diante das perspectivas teórico-metodológicas e das necessidades sociais que emergem da realidade em que os futuros profissionais deverão atuar.

Como afirmam os autores, na área de saúde há uma triangulação que envolve ensino-aprendizagem-assistência, além da produção do conhecimento. Assim, a formação do professor universitário para a área de saúde apresenta desafios importantes e exige um olhar interdisciplinar sobre as concepções, experiências e a interlocução sobre as práticas docentes. Daí a importância de se evitar o espontaneísmo, a repetição, tradição oral ou transposição pura e simples das competências profissionais para a prática docente.

Nildo Batista enumera as especificidades do planejamento no ensino das Ciências da Saúde: interface saúde-educação, campos abrangentes, complexos e interdisciplinares, necessidade de profissionalização do docente na área, evitando-se a fragmentação, ausência ou repetição de conteúdos. Articulação entre objetivos, conteúdos, procedimentos e formas de avaliação, equilíbrio entre os conteúdos, as habilidades e atitudes na formação dos futuros profissionais.

Sylvia Batista aborda a diversidade do processo de aprendizagem, seja no campo das motivações ou opções político-educativas. O ensino preso ao conteúdo programático acaba por levar a uma aprendizagem compartimentalizada, apenas justapondo as disciplinas, sem conseguir relacioná-las. Daí a importância de usar metodologias diversificadas, ater-se aos conhecimentos relevantes, contextualizar a aprendizagem e valorizar o grupo como espaço privilegiado para o processo de aprendizagem. Lembra também a importância de se articular ensino, aprendizagem e pesquisa, buscando superar o hiato entre graduação e pós-graduação.

O trabalho em grupo, para Ruiz-Moreno, é uma forma de organizar a discussão e ação de um conjunto de pessoas que, movidas por necessidades semelhantes, desenvolvem uma tarefa específica, cujo resultado é uma produção coletiva na área de educação. O psicodrama pode ser usado na educação em saúde, constituindo espaços formativos nos quais se desenvolve uma teia de reflexões, análises, estudos e investigações. A discussão em pequenos grupos (DPG) poderá substituir uma aula expositiva para um conjunto de dez alunos: o professor funciona como um tutor, orientando a discussão, recuperando conhecimentos prévios dos alunos, estimulando a troca de idéias. É uma dinâmica de trabalho grupal que visa estimular o interesse dos alunos pelo tema e buscar ativamente o conhecimento, possibilitando uma aprendizagem significativa. Poderá inclusive, substituir os exames parciais e as provas escritas ou de múltiplas escolhas, como ocorre na experiência da disciplina de Bioquímica da Escola de Medicina da Universidade Nacional de COMAHUE.

Relembrando que "currículo" vem do latim "curriculum" e significa um caminho, capaz de ordenar o processo de formação, Maia considera que, além dos conteúdos, esse caminho pode incorporar experiências e atividades realizadas pelos estudantes sob orientação da instituição de ensino. Nesta perspectiva, o currículo deve ser visto como uma construção social que delimita o espaço e o tempo em que vão ocorrer as experiências de ensino e aprendizagem, visando ao processo de formação. Como ideário educacional da escola, o currículo pode ser captado no projeto político-pedagógico da instituição. A abordagem disciplinar não considera o conjunto de relações que existem entre os conteúdos de uma área com os de outros campos do saber, levando à fragmentação e simplificação da análise de problemas complexos e integrais, com repercussões na atuação profissional futura do estudante. Disciplinas superpostas pela grade curricular em uma seqüência de conteúdos que "parece óbvia", pode levar a um ensino sem aprendizagem, que utiliza livros-textos ou anotações de aula, em vez de artigos e textos complementares, com links para aprofundar conceitos ou remeter os estudantes a outros conteúdos e reflexões.

Ao abordar a dicotomia ciclos básico-profissional no ensino, Silva parte de suas origens na proposta do Relatório Flexner nos EUA, de sua implantação no Brasil durante décadas e do reforço da formação das disciplinas básicas em institutos isolados. Esta estratégia tem levado a ensinar-se nos mínimos detalhes as disciplinas básicas, desconhecendo-se o processo de formação integral em cada área profissional, sem articulações horizontais ou verticais entre as disciplinas e os ciclos básico-profissional. As metodologias problematizadoras no ensino em saúde baseiam-se na observação da realidade, na reflexão e ação, destacando-se a relação ensino/serviços e enfatizando-se o "aprender fazendo", mediante grupos e equipes multiprofissionais.

Iochida apresenta a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), distribuindo os conteúdos das disciplinas em módulos ou blocos organizados pelos sistemas ou pelas fases do desenvolvimento. E a avaliação vai além dos aspectos conjuntivos, incluindo habilidades e atitudes, bem como procurando enfatizar a avaliação formativa como parte do processo de aprendizagem.

Seiffert & Abdalla discutem a avaliação educacional na formação docente para o ensino superior em saúde e apontam seis definições básicas de vários autores: avaliação como medida, como verificação da congruência entre resultados e objetivos, como tomada de decisão, como julgamento de valor, responsiva (interativa) e como potenciação (powerment).

O último tema, abordado por Gordan, refere-se aos desafios de inserção docente nos currículos inovadores: a inclusão de todos no processo de mudança, as novas e diferentes atividades que devem desenvolver nos novos currículos, a administração das inovações em velhas estruturas acadêmicas, a dificuldade de profissionalização docente nos cursos de medicina e a limitada capacitação docente nas escolas.

A segunda parte do texto apresenta uma experiência internacional e seis nacionais de formação docente: análise da disciplina de Formação Didático-Pedagógica em Saúde na Pós-Graduação Stricto Sensu da Unifesp (Batista, Sonzogno, Seiffert, Batista, RuizMoreno, Maia e Iochida); a Formação Pedagógica do Docente de Odontologia (Masetto e Antoniazzi); a Experiência da Disciplina de Pedagogia Médica e Didática Especial na Faculdade de Ciências Médicas/Unicamp (Zeferino e Barros Filho); a Experiência de Preparação Pedagógica na Medicina e Fisiopatologia Experimental da Usp (Basile); a Experiência da Unesp - Campus de Botucatu na formação docente em programas de pós-graduação em saúde (Foresti e Pereira); a Formação Docente em Saúde em nível de Especialização no Cedess/Unifesp (Batista, Batista, Seiffert, Sonzogno, Goldemberg, Ruiz-Moreno, Maia, Abdalla e Iochida); e o Projeto de Formação Docente em Ciências de Saúde da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nacional de Córdova/ Argentina (Eymard e Ruiz-Moreno).

O livro contribui para a discussão da formação dos profissionais de saúde, processo complexo e interdisciplinar, na interface entre os campos da educação e da saúde, bem como para o avanço das reflexões sobre as bases epistemológicas da ciência moderna, sobre as quais se assenta a produção do conhecimento na sociedade atual.

A importância desta publicação pode ser comprovada por abordar os vários ângulos da questão da formação de profissionais: educacionais, pedagógicas, metodológicas e técnicas, essenciais para as 14 profissões da área de saúde, de acordo com as Diretrizes Nacionais para os Cursos Universitários definidas pelo Ministério da Educação e com participação do Ministério da Saúde, das comissões de especialistas e das associações de educação de cada uma dessas profissões.

O dinamismo da discussão e as inovações das experiências na formação em saúde no Brasil, particularmente nas últimas duas décadas, necessita do subsídio de publicações como esta, já que o material bibliográfico ainda é restrito e, na prática, a formação dos professores universitários como docentes ainda é relegada a segundo plano na maioria das universidades e escolas de nível superior. O esforço de alguns grupos de docentes para transformar a formação das novas gerações tem sido muito grande, mas muitas vezes com resultados limitados, pois tem que fazê-lo no interior de estruturas acadêmicas ultrapassadas, e enfrentando as resistências de muitos colegas que ainda consideram que para ensinar, basta ser um bom profissional ou pesquisador experiente.

O currículo é uma construção histórica e social e hoje é preciso identificar novas estruturas curriculares, mais adequadas para a formação de profissionais que possam atender às necessidades da sociedade contemporânea. Estão em discussão as bases que orientaram a estruturação dos currículos dominantes em nossas faculdades, implantadas a partir do inicio do século XX: de acordo com essas bases, propugnou-se a separação entre os ciclos básico e profissional e a primazia do conhecimento da teoria antes da experiência prática, entre outros princípios, na formação dos futuros profissionais.

O que se exige hoje são modelos curriculares baseados na interdisciplinaridade, que possam abordar a complexidade dos objetos e problemas concretos, a articulação entre teoria e prática, a continuidade entre ação-reflexãoação no cotidiano da prática profissional, a preocupação com a educação permanente dos profissionais, princípios que se contrapõem ao ensino fragmentado, tendo como base disciplinas isoladas ou apenas justapostas ao longo dos anos de formação.

O livro chama atenção, ainda, para a discussão sobre a importância de estabelecerem-se relações horizontalizadas entre professores e estudantes no processo de ensino e aprendizagem, apontando para a discussão de metodologias ativas de ensino que busquem o envolvimento e participação do corpo discente, exigências que no futuro poderão contribuir para a constituição de relações também horizontalizadas e cooperativas entre os vários profissionais que compõem as equipes de saúde e entre estas e a população.

Recebido em 28/09/06. Aprovado em 05/11/06.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2008
  • Data do Fascículo
    Abr 2007
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