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Análise de situação dos recursos humanos da vigilância sanitária em Salvador - BA, Brasil

El Análisis de situación de los recursos humanos de vigilancia sanitaria en Salvador, Bahia, Brasil

Analysis on the situation of human resources for sanitary surveillance Salvador (Bahia, Brazil)

Resumos

Realizou-se uma análise situacional dos recursos humanos da Vigilância Sanitária de Salvador (VISA), a partir da identificação, pelos atores envolvidos, dos principais problemas e seus determinantes relacionados a categorias predefinidas. Trata-se de estudo de caso, descritivo e exploratório com estratégia metodológica baseada no Planejamento Estratégico Situacional. Foram fontes de evidências entrevistas individuais e com grupos focais entre gestores e técnicos da vigilância sanitária. Os resultados indicaram: insuficiência na quantidade, multiprofissionalidade e distribuição dos profissionais; insuficiente capacitação; desmotivação dos profissionais; insuficiente gratificação; não institucionalização do Plano de Cargos, Carreiras e Salários; baixa utilização do potencial dos técnicos e indefinição de requisitos éticos para exercer funções de fiscalização sanitária. Sugere-se melhor estruturação do serviço de Visa, o estabelecimento de uma política de recursos humanos que contemple as especificidades do campo e que considere a necessidade da consolidação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, bem como investimentos na gestão de recursos humanos.

Análise situacional; Recursos humanos; Vigilância sanitária; Planejamento e gestão; Descentralização


Se ha realizado un análisis situacional de los recursos humanos de la Vigilancia Sanitaria de Salvador (VISA) a partir de la identificación, por los actores correspondientes, de los principales problemas y sus determinantes relacionados a categorías pre-definidas. Se trata de estudio de caso, descriptivo y exploratorio, con estrategia metodológica basada en el Planeamiento Estratégico Situacional. Las fuentes de las evidencias han sido entrevistas individuales y con grupos focales entre gestores y técnicos de la vigilancia sanitaria. Los resultados indican insuficiencia en la cantidad, multi-profesionalidad y distribución de los profesionales; insuficiente capacitación; profesionales desmotivados; insuficiente gratificación; no institucionalización del Plan de Cargos, Carreras y Salarios; baja utilización del potencial de los técnicos e indefinición de requisitos éticos para ejercer funciones de fiscalización sanitaria. Se sugiere una mejor estructuración del servicio de VISA, el establecimiento de una política de recursos humanos que contemple las especificidades del campo y que considere la necesidad de consolidación del Sistema Nacional de Vigilamcia Sanitaria, así como inversiones en la gestión de recursos humanos.

Análisis situacional; Recursos humanos; Vigilancia sanitaria; Planeamiento y gestión; descentralización


A situational analysis on human resources for sanitary surveillance in Salvador was conducted by asking the players involved to identify the main problems and their determinants within preestablished categories. This was a descriptive, exploratory case study with a methodological strategy based on situational strategic planning. The sources of evidence were individual and focus group interviews among sanitary surveillance managers and technical staff. The results indicated deficiencies in the numbers, multiprofessional nature and distribution of professionals; insufficient capacitation; lack of motivation; insufficient remuneration; failure to institutionalize the position, career and salary plan; low utilization of the technical staff's potential; and lack of definition for the ethical requisites for performing sanitary inspection functions. Better structuring of the sanitary surveillance service is recommended, together with establishing human resources policies that take into account the specific field characteristics and the need to consolidate the national sanitary surveillance system, with investments in human resources management.

Situational analysis; Human resources; Sanitary surveillance; Planning and management; Decentralization


ARTIGOS

Análise de situação dos recursos humanos da vigilância sanitária em Salvador - BA, Brasil* * Elaborado com base em Leal (2007), dissertação realizada com apoio financeiro da ANVISA/MS mediante o Projeto Centro Colaborador Instituto de Saúde Coletiva/Agência Nacional de Vigilância Sanitária UFBA/ISC/ANVISA.

Analysis on the situation of human resources for sanitary surveillance Salvador (Bahia, Brazil)

El Análisis de situación de los recursos humanos de vigilancia sanitaria en Salvador, Bahia, Brasil

Cristian Oliveira Benevides Sanches LealI; Carmen Fontes TeixeiraII

IDoutoranda do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA). Rua Marechal Floriano, 396, apto 704, Canela, Salvador, BA, Brasil. 40.110-010. cristianoliveiraleal@yahoo.com.br

IIDepartamento de Saúde Coletiva, Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia

RESUMO

Realizou-se uma análise situacional dos recursos humanos da Vigilância Sanitária de Salvador (VISA), a partir da identificação, pelos atores envolvidos, dos principais problemas e seus determinantes relacionados a categorias predefinidas. Trata-se de estudo de caso, descritivo e exploratório com estratégia metodológica baseada no Planejamento Estratégico Situacional. Foram fontes de evidências entrevistas individuais e com grupos focais entre gestores e técnicos da vigilância sanitária. Os resultados indicaram: insuficiência na quantidade, multiprofissionalidade e distribuição dos profissionais; insuficiente capacitação; desmotivação dos profissionais; insuficiente gratificação; não institucionalização do Plano de Cargos, Carreiras e Salários; baixa utilização do potencial dos técnicos e indefinição de requisitos éticos para exercer funções de fiscalização sanitária. Sugere-se melhor estruturação do serviço de Visa, o estabelecimento de uma política de recursos humanos que contemple as especificidades do campo e que considere a necessidade da consolidação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, bem como investimentos na gestão de recursos humanos.

Palavras-chave: Análise situacional. Recursos humanos. Vigilância sanitária. Planejamento e gestão. Descentralização.

ABSTRACT

A situational analysis on human resources for sanitary surveillance in Salvador was conducted by asking the players involved to identify the main problems and their determinants within preestablished categories. This was a descriptive, exploratory case study with a methodological strategy based on situational strategic planning. The sources of evidence were individual and focus group interviews among sanitary surveillance managers and technical staff. The results indicated deficiencies in the numbers, multiprofessional nature and distribution of professionals; insufficient capacitation; lack of motivation; insufficient remuneration; failure to institutionalize the position, career and salary plan; low utilization of the technical staff's potential; and lack of definition for the ethical requisites for performing sanitary inspection functions. Better structuring of the sanitary surveillance service is recommended, together with establishing human resources policies that take into account the specific field characteristics and the need to consolidate the national sanitary surveillance system, with investments in human resources management.

Keywords: Situational analysis; Human resources. Sanitary surveillance. Planning and management. Decentralization.

RESUMEN

Se ha realizado un análisis situacional de los recursos humanos de la Vigilancia Sanitaria de Salvador (VISA) a partir de la identificación, por los actores correspondientes, de los principales problemas y sus determinantes relacionados a categorías pre-definidas. Se trata de estudio de caso, descriptivo y exploratorio, con estrategia metodológica basada en el Planeamiento Estratégico Situacional. Las fuentes de las evidencias han sido entrevistas individuales y con grupos focales entre gestores y técnicos de la vigilancia sanitaria. Los resultados indican insuficiencia en la cantidad, multi-profesionalidad y distribución de los profesionales; insuficiente capacitación; profesionales desmotivados; insuficiente gratificación; no institucionalización del Plan de Cargos, Carreras y Salarios; baja utilización del potencial de los técnicos e indefinición de requisitos éticos para ejercer funciones de fiscalización sanitaria. Se sugiere una mejor estructuración del servicio de VISA, el establecimiento de una política de recursos humanos que contemple las especificidades del campo y que considere la necesidad de consolidación del Sistema Nacional de Vigilamcia Sanitaria, así como inversiones en la gestión de recursos humanos.

Palabras clave: Análisis situacional. Recursos humanos. Vigilancia sanitaria. Planeamiento y gestión. descentralización.

Introdução

O intenso desenvolvimento tecnológico experimentado nos últimos anos aumentou os riscos sanitários, devido à globalização dos mercados e o consequente aumento na circulação de mercadorias e pessoas, tornando-se necessária a construção de ações de vigilância sanitária (Visa) baseadas em políticas consistentes e serviços organizados de modo a atender de forma ágil aos mercados em expansão, ao mesmo tempo em que garanta a proteção da saúde da população (Lucchese, 2006; 2001; Costa; Rozenfeld, 2000).

Dentre os inúmeros aspectos que vêm sendo abordados no campo da Visa, especialmente com a intensificação do seu processo de descentralização, destacam-se a capacitação e o desenvolvimento dos seus recursos humanos (RHs), considerados um ponto crítico na saúde. Para a Visa, a questão dos recursos humanos reveste-se de maior complexidade, por não haver cursos de graduação e pelo fato de que as disciplinas que dão suporte à área, nos cursos de nível superior de saúde, não oferecerem qualificação específica, ficando a formação profissional sujeita a capacitações em cursos de pósgraduação, nem sempre disponíveis na maioria dos municípios brasileiros. Há, ainda, a considerar, as características do processo de trabalho em Visa, que envolve a multiprofissionalidade, ações intersetoriais e interinstitucionais, capacidade gerencial e técnica nas diferentes áreas de atuação para a regulação do risco sanitário, em sociedades de riscos crescentes, movida pelo consumo de produtos, serviços e tecnologias, inclusive as de saúde, que muitas vezes produzem iatrogenias (Lucchese, 2006; Brasil, 2003; Souza, 2002; Costa; Souto, 2001).

Recursos humanos bem capacitados em Visa são especialmente importantes, também, porque suas ações, tanto as básicas, quanto as de média e alta complexidade, exigem especialização dos profissionais, um serviço organizado de forma a desenvolver potencialidades e autonomia, assim como o planejamento de atividades de forma participativa. Tais condições se impõem pela variedade de objetos do campo, desde os mais antigos, como alimentos e medicamentos, aos mais inovadores, como as tecnologias existentes nos equipamentos médicos (Brasil, 2006, 2005).

Outra habilidade importante para os profissionais de Visa é a capacidade de articular-se com várias instâncias da sociedade, como instituições que mantêm interface entre a saúde e a sociedade organizada, para o controle social e a mediação de conflitos. Preconiza-se que estes profissionais ajam com o conhecimento do que dita a legislação e trabalhem em equipes de forma cooperativa e padronizada, pois lidam com objetos variados. A padronização deve ser alcançada por meio da elaboração, teste e avaliação prévia dos seus instrumentos de ação, como, por exemplo: roteiros de inspeção; check list; autos de infração, de imposição de penalidade, de apreensão e inutilização de produtos, entre outros - sempre de acordo com as necessidades do mercado e de proteção da saúde da população, em permanente acompanhamento das inovações tecnológicas (Bastos, 2006; Costa, 2004; Souza, 2002; Costa, Souto, 2001).

Os profissionais que atuam neste subcampo da Saúde Coletiva (Almeida-Filho, 2000) devem agir, também, de forma ética, imparcial, autônoma e transparente, pois podem responder administrativamente, penal e civilmente por seus atos. São representantes do poder público para a limitação de interesses conflitantes entre mercado e saúde, individual e coletivo. Faz-se necessário, portanto, que os agentes sejam funcionários admitidos em concurso público e sigam a carreira de Estado, não devendo ter vínculos com o setor regulado pela Visa, sob pena de contrariar princípios éticos (Bastos, 2006; Souza, 2002).

Na Bahia, a Resolução CIB/BA 120/2006 estabeleceu a equipe mínima necessária, em cada serviço de Visa, de acordo com o número de habitantes do município, assim como a necessidade de capacitação e alocação de profissionais com formação específica, dependendo do nível de complexidade das ações desenvolvidas. Explicitou, também, o papel do nível estadual, onde se destacavam: a cooperação técnica prestada aos municípios, a avaliação do serviço e a assessoria na capacitação dos recursos humanos (Bahia, 2006).

No âmbito nacional, o Plano Diretor de Vigilância Sanitária (PDVISA), aprovado, em 2007, pelo Conselho Nacional de Saúde, estabelece um conjunto de ações de responsabilidade dos municípios para a concretização do processo de descentralização das ações de Visa, com ênfase na regulação do risco. Além do mais, o Pacto de Gestão do SUS e a Portaria 1.998/2007, que estabelece o teto financeiro para suas ações, requerem das Visas municipais capacidade estrutural para desenvolver o controle do risco sanitário, sendo necessária autonomia administrativa e técnica por parte de seus profissionais, inclusive, para a elaboração dos Planos de Ação, articuladamente com as vigilâncias federal e estadual (Brasil, 2007a, 2007b).

Para fazer frente aos desafios atuais, as Visas municipais necessitam aperfeiçoar a organização dos seus serviços, definindo um modelo de gestão e de atenção que favoreça a reorganização das práticas de saúde e uma política de recursos humanos que vá ao encontro das especificidades do campo.

Esse estudo teve como objetivo analisar a situação dos recursos humanos da vigilância sanitária de Salvador (VISA), capital da Bahia, Brasil, baseando-se no Enfoque por Problemas, do Planejamento Estratégico Situacional (Matus, 1996). Buscou identificar e descrever problemas e determinantes, segundo a perspectiva dos atores envolvidos nas ações de Visa, com base em categorias previamente definidas e consideradas relevantes para o desenvolvimento dos RHs. Analisou os problemas identificados, à luz do preconizado para uma política de recursos humanos que favoreça o desenvolvimento do campo da vigilância sanitária, conforme encontrado na literatura e nas normas para o processo de descentralização das ações de Visa, em vigor à época do estudo.

Metodologia

A investigação adotou como estratégia metodológica o estudo de caso, descritivo e exploratório e, como objeto, a situação dos recursos humanos da VISA, nas categorias: quantitativo de profissionais e multiprofissionalidade; relação entre nível superior e nível médio, representados pelo técnico em Visa e o apoio administrativo; vínculo e jornada, considerando o vínculo como sendo único ou não, já que todos os profissionais eram estatutários; motivação para o trabalho; capacitação, para as ações básicas e de média complexidade; distribuição dentro do sistema, em relação ao nível central (NC) da Secretaria Municipal de Saúde e os distritos sanitários (DSs); autonomia decisória; salários e estabelecimento de Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS); ética no serviço e utilização do potencial do saber dos técnicos pelo serviço.

Utilizou-se, como fontes de evidências, entrevistas semiestruturadas individuais, complementadas com grupos-focais, com gestores e técnicos da VISA. Elaborou-se um roteiro com perguntas predefinidas para cada categoria analisada (Laville; Dionne, 1999; Minayo, 1992).

Inicialmente, realizou-se o levantamento dos dirigentes, técnicos e trabalhadores do nível central da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e dos doze distritos sanitários que compõem o SUS municipal. O levantamento foi feito a partir da solicitação à VISA, pelos autores, de uma listagem de profissionais, fornecida mediante autorização da Coordenação de Saúde Ambiental (COSAM), órgão ao qual a VISA está subordinada no organograma da SMS. Nesta listagem constavam o cargo ou função, lotação, carga horária e formação dos atores.

A seguir, selecionaram-se os informantes-chave. Estes tiveram como critério de seleção, o posto de trabalho ocupado na estrutura organizacional do SUS municipal, focalizando, especificamente, os cargos ocupados na área de VISA, entre técnicos e gestores. Revisou-se o organograma da SMS, destacando-se a linha hierárquica que conecta a direção superior (Gabinete do Secretário) à COSAM e à subcoordenação de VISA, no nível central, bem como suas chefias nos distritos sanitários que já estruturaram suas ações.

No nível central, foram realizadas entrevistas individuais com três gestores (coordenação da COSAM, subcoordenação de VISA e subcoordenação de vigilância ambiental) e um técnico. No nível distrital, realizaram-se oito entrevistas, que corresponderam aos oito DSs que tinham equipes de VISA. Destas oito, duas foram com grupo focal, composto pela equipe do próprio distrito, formada por seis profissionais cada uma. O objetivo de inclusão dos grupos focais foi o de complementação de informações sobre o conhecimento dos profissionais de VISA acerca das categorias analisadas, estimulando as diferentes opiniões e relevâncias entre técnicos e gestores (Minayo, 1992). Os grupos foram escolhidos de forma aleatória.

A realização das entrevistas aconteceu no local de trabalho dos entrevistados, com duração de cerca de uma hora e meia cada, por 12 dias consecutivos. As entrevistas foram gravadas em um gravador digital, ouvidas e copiadas em computador e em CD-Rom antes do encaminhamento ao processo de transcrição, que foi "terceirizado". Todo o trabalho de transcrição foi revisado por um dos autores, a fim de garantir que as entrevistas representassem o máximo de fidedignidade às falas dos atores, ou ao que queriam exprimir, quando demoravam para responder, riam ou demonstravam algum tipo de sentimento que pudesse ser revelador de um aprofundamento, no momento posterior, de interpretação das falas (Minayo, 1992). Esta técnica mostrou-se bastante pertinente ao processo.

A análise situacional das informações coletadas tomou, como ponto de partida, a identificação e classificação dos problemas apontados pelos atores, por meio da análise de conteúdo das transcrições das entrevistas realizadas. As falas dos atores foram selecionadas e arquivadas, em meio magnético, com cores diferentes para problemas e determinantes, em cada categoria estudada. Construiu-se, desta forma, uma matriz denominada "Identificação dos Problemas" e uma outra, denominada "Descrição dos Problemas", onde esses problemas e seus determinantes "ganharam um nome" - esta última etapa consistindo no trabalho de interpretação das falas. A seguir, sistematizou-se a situação atual dos RHs do Sistema Municipal de VISA (SMVISA) em Salvador, especificando confluências e divergências na visão dos distintos atores. As entrevistas são descritas neste artigo com a letra E, seguida do número correspondente à ordem em que foram realizadas.

O projeto de investigação foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) - Registro: 019-06/CEP-ISC - para que fosse analisado em relação ao cumprimento dos requisitos éticos necessários para a realização de pesquisa, envolvendo seres humanos (Brasil, 1996). Não houve conflitos de interesse para a realização desta pesquisa.

Resultados e discussão

Os atores identificam os problemas de RH do sistema de VISA e seus determinantes

Com relação ao quantitativo de profissionais e à multiprofissionalidade, os atores relataram que havia carência de profissionais, especialmente em distritos distantes do centro da cidade. Problema que se tornava maior devido à extensão territorial de Salvador e às demandas geradas pela gestão plena do sistema, assumidas em 2005. Do ponto de vista qualitativo, havia carência, sobretudo, de enfermeiros, engenheiros, arquitetos, advogados e de pessoal de nível médio:

Nós não temos nenhum profissional de nível médio, de apoio... nós não temos quem digite um oficio... quem organize um processo, nada! Toda a parte administrativa somos nós, técnicos, que fazemos! [...] O distrito ele tem... 42 km, 117 mil habitantes... com uma oferta de serviços muito grande... muitas lanchonetes, muito estabelecimento comercial, então é muito populoso! (E1 DS, E8 DS)

Na tentativa de suprir essa insuficiência, a SMS fez a admissão de enfermeiros, nutricionistas e biólogos, como aproveitamento de concurso anterior; no entanto, esses profissionais estavam atuando sem treinamento e sem investidura no cargo de fiscal, gerando conflitos internos. Um ator revelou que o salário era pouco atrativo para determinadas profissões, como médicos e enfermeiros, que tradicionalmente têm uma melhor condição salarial na área da saúde. Os RHs tornavam-se mais insuficientes em períodos de férias e afastamentos:

Aí eu questiono, mas como é que você tá numa equipe que tem um fiscal de controle sanitário, que tem uma especificidade, é um profissional de vigilância sanitária e entra um outro que é técnico, que vai trabalhar na mesma equipe com um salário menor, sem poder de polícia e trabalhando paralelo numa situação que foi antigamente definida como ilegal, que agora passou a ser legalizada? (E10 NC)

Segundo os atores, estes problemas tinham como determinantes a falta de incentivo para trabalhar em distritos distantes da residência dos técnicos e a indefinição de um organograma que promovesse o incentivo ao técnico no distrito, inclusive com novas definições de cargos, o que podia ser reflexo da falta de critérios para definir o quantitativo dos RHs para o sistema. Segundo um dos atores, a norma vigente à época (CIB/BA 120) não levava em conta as especificidades dos municípios. Além disto, ela definia o número mínimo de profissionais, e cada município tinha de fazer adequações em relação à sua realidade, considerando os riscos sanitários envolvidos. Com relação a Salvador, a própria restrição do espaço físico era fator limitante ao quantitativo, pela inadequação das acomodações. Havia, ainda, falta de autonomia do gestor do distrito para resolver essa questão e falta de concurso para a VISA, especialmente neste momento de nova habilitação:

Lá tem... uma restrição de espaço físico como um todo, e tem também essa dificuldade de tá conseguindo mais pessoal pra trabalhar... é difícil... já foi reivindicado, já foi solicitado, mas até hoje não aconteceu. A gente não tem mais onde colocar pessoas lá dentro. (E7 DS)

Analisando a proporção entre profissionais de nível universitário e nível médio, observou-se que todo o quadro de fiscais era de nível superior, ou seja, havia ausência de técnicos de nível médio em Visa, ou profissional de nível médio que atuasse no campo da Visa, a exemplo de técnico em radiologia, enfermagem, construção civil ou auxiliar de laboratório. Havia ausência de pessoal de apoio administrativo em alguns DSs e carência no nível central e distritos, com desvio de técnicos de nível superior para atuar como apoio administrativo:

Muitos colegas nossos trabalham em funções que na verdade não necessitaria ser nível superior... Eu acho que esse apoio devia ser feito por nível médio. O pessoal de nível superior, que está lá dentro fazendo isso,... Atendem ao público, no balcão... um trabalho que poderia ser feito por nível médio, porque não existe nenhum. (E5 DS)

Nas festas populares - comuns em Salvador durante todo o ano, a exemplo do carnaval e "festas de largo", como Festa da Conceição da Praia, Bonfim, Yemanjá, entre outras - contratavam, temporariamente, pessoas de nível médio sem qualificação/vínculo para atuar no serviço. Este fato é relevante, porque, além de esses profissionais não estarem qualificados para a função de inspeção sanitária, não podiam lavrar autos de infração ou imposição de penalidade, contribuindo pouco em um momento onde a fiscalização sanitária se torna relevante, não só pelo contingente de pessoas que participam dessas festas, como pelo aumento de riscos envolvidos, especialmente em relação aos alimentos comercializados naqueles momentos:

Só que essas pessoas não são capacitadas, entendeu?... Muitas, não têm o perfil, atuando nessas festas. São pessoas que vêm às vezes de setores que não tem muito vínculo... e não têm muito a oferecer, não têm muito a contribuir. (E7 DS).

Além da falta de concurso para nível superior em áreas específicas, a VISA não realizou concurso para nível médio com formação em vigilância sanitária, até pelas limitações do Plano de Cargos, Carreiras e Salários. Um ator relatou que houve uma priorização, da gestão anterior, em aumentar o quadro de nível superior da Prefeitura, não levando em conta as especificidades da VISA. Não se buscou, também, a cooperação técnica com instituições acadêmicas para capacitação de pessoal, o que podia ser reflexo da pouca capacidade de articulação, dos gestores locais, em buscar e propor parcerias, e indefinição de prioridades dos níveis estadual e federal, como, por exemplo, a definição de estratégias dos Centros Colaboradores em Vigilância Sanitária (CECOVISAs) para a qualificação de profissionais:

O ideal, primeiro, era você garantir que eu pudesse ter um concurso pra nível médio, para ser técnico, "auxiliar de vigilância sanitária"... Tem uma comissão que está estudando a possibilidade do concurso, é algo que a gente pode tá encaminhando, essa necessidade. (E11 NC)

Com relação ao vínculo e jornada de trabalho, os dados revelaram que, apesar de ter um quadro de nível superior com 100% dos profissionais concursados, a carga horária de trinta horas para técnicos e quarenta horas para chefias era considerada insuficiente, porque havia descumprimento, como consequência dos baixos salários. A maioria dos profissionais considerava a VISA "um bico". Havia duplos vínculos, inclusive, com profissionais atuando como Responsável Técnico - profissional que responde pela implementação de processos que se destinem à qualidade de produtos e serviços, segundo o preconizado tecnicamente - para o setor regulado. Um DS revelou não ver problema neste fato, o que pode refletir um desconhecimento da especificidade do campo da Visa por parte do ator, desconhecimento este que, talvez, se deva pelo fato de o mesmo não ser profissional da VISA, e sim da vigilância epidemiológica local. Fato que pode ser revelador de falta de critérios para assumir cargos de chefia e coordenação na VISA:

Todo mundo tem duplo vínculo, eu não consigo imaginar como é que a coordenação pode ter duplo vínculo! Como o coordenador pode exigir que o técnico tenha dedicação exclusiva, se ele não tem dedicação exclusiva, o coordenador tem que estar ali presente! (E10 NC)

Os profissionais tinham outros vínculos, como consequência dos baixos salários, e o não cumprimento da carga horária devia-se ao fato de priorizarem esses outros vínculos. Questões subjetivas relacionadas à complexidade das relações de trabalho na VISA foram relacionadas a esse problema. Havia, inclusive, dificuldade para capacitar o quadro em consequência da carga horária comprometida:

Porque acaba que esse trabalhador, ele tenha que ter outro vínculo com outra instituição, pública ou privada, o que dificulta, inclusive, capacitações ou um tempo melhor, uma definição da sua carga horária, por exemplo: integral, dos cinco dias, das seis horas, conforme tá preconizado no seu contrato de trabalho e no seu edital de concurso. (E11 NC)

As dificuldades da VISA em se fazer ouvir por outros setores da Prefeitura - a exemplo da Secretaria de Administração, que elaborou o PCCS, não contemplando as 40 horas para os profissionais - podiam refletir a falta de autonomia e capacidade de negociação da mesma dentro da Prefeitura.

Com relação à motivação, um aspecto subjetivo da gestão, os dados revelaram que esta não era estimulada pela instituição, apesar de haver uma motivação interna pelo fato de os profissionais gostarem do campo em que atuavam. Segundo os atores, esta motivação não encontrava ressonância, sendo considerada pior no nível central:

As pessoas não são valorizadas, não são ouvidas, e se você não ouve as pessoas, não tem como você valorizar... então, não se sentem parte integrante do sistema. Se sentem um pedaço. Eu acho que isso desmotiva muito! Eu não sinto uma equipe de vigilância no nível central! Existem pessoas trabalhando no mesmo local, saindo, fazendo coisas como se fossem totalmente distintas. (E10 NC)

A desmotivação foi relacionada à falta de infraestrutura para trabalhar e atropelos da demanda espontânea, onde o trabalho não era sistematizado, planejado e com resolutividade. Questões mais abrangentes e complexas, como o histórico descompromisso do servidor público, falta de cobrança de responsabilidades e metas e os baixos salários, foram relatadas. Chamou a atenção o não esclarecimento, por parte da gestão, a respeito dos incentivos financeiros para as ações de média complexidade e previstos pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária:

[...] porque a gente, por exemplo, volta num lugar, tenta fazer um trabalho...retorna dois anos depois!... é difícil trabalhar quando você não tem uma infra-estrutura correta entende?... Na realidade é difícil a gente trabalhar a partir do momento que não se tem um planejamento do que se vai fazer, de como se fazer, a finalidade, o objetivo, daquele trabalho. (E5 DS)

Também foram relatadas: a falta de comunicação interna e a falta de autonomia dos técnicos, como inerentes às limitações da própria gestão, a exemplo da falta da presença da subcoordenação, pelas questões relacionadas à carga horária, ocasionando a falta de reuniões e socialização dos trabalhos. Os atores consideravam que os gestores da VISA não estavam suficientemente presentes para a condução do quadro de profissionais, no sentido de estimularem o trabalho em equipe, coordenarem atividades, ouvirem as propostas de ação, promoverem o planejamento participativo:

Acho que o principal problema tem sido agora a comunicação, ninguém tá sendo ouvido, as coisas estão acontecendo assim, as informações não são perpassadas... Eu acho que você chega num trabalho pra coordenar uma equipe, o mínimo que você pode chegar é ouvir as pessoas e se apresentar, dizer quem é você. (E10 NC)

Ao serem abordados sobre a capacitação, os atores consideraram que a qualificação para atuar sempre foi assistemática. Dois atores consideraram que não houve treinamento para as ações básicas e classificaram o de média complexidade como sem aprofundamento, sem espaço para discussões e carente de avaliação:

Nós já sabemos que a capacitação é insuficiente! A de baixa complexidade ainda foi pior do que a de média complexidade, porque não houve capacitação nenhuma! Nós saíamos na rua, quem quisesse que pegasse a legislação para saber como você poderia cobrar... Não é só capacitar, é realmente ver... avaliar a capacitação... Porque é a credibilidade da gente que está em jogo! (E3 DS)

O fato de alguns atores considerarem que não houve capacitação para as ações básicas e outros considerarem que foi pontual, talvez se devesse ao fato de que esses treinamentos nunca contemplaram toda a rede, como foi revelado posteriormente. Havia, também, falta de treinamento para os profissionais de apoio administrativo:

Eu vejo que os profissionais - de apoio administrativo - que chegam aqui estão totalmente despreparados no que eles devem fazer, na competência deles... As pessoas não passam o trabalho que tem que ser feito, do requerimento, de licença inicial, renovação de alvará, liberação de alvará... Chega uma hora que o agente administrativo fica perdido, sem ter função aqui. (E3 DS)

Os atores não se consideraram capacitados para assumir as ações de média complexidade, que já começavam a ser repassadas pelo Estado, porque tanto a esfera federal, quanto a estadual, não estavam cumprindo o que é determinado em lei, qual seja, a capacitação, supervisão e acompanhamento para ações de maior densidade tecnológica, e consideravam que, devido ao fato de Salvador ser um município de grande porte e um município Polo, deveria ser tratado de forma diferenciada ao assumir a gestão plena do sistema. Consideravam, portanto, que não estava sendo dado a Salvador um tratamento à altura de sua complexidade:

Se você for olhar as competências da ANVISA, da DIVISA, que agora teriam que assessorar, supervisionar e treinar a gente... os treinamentos, que estão sendo passados para a gente, são muito pequenos para dar competência para a gente exercer essas ações! O tratamento tem que ser especial pra Salvador... [...] Nós não nos sentimos seguros, capacitados totalmente, pra fazer média e alta complexidade! (E3 DS, E5 DS)

Houve falta de planejamento para as capacitações e falta de definição de equipes específicas para cada objeto da Visa. Essa é uma questão considerada importante, pois o conhecimento para as ações especiais requer do serviço uma setorização e especialização dos saberes e práticas por parte da equipe, ou seja, equipes específicas por área de atuação, o que não ocorria na VISA de Salvador, nem mesmo com a nova habilitação do município:

"O cara não consegue, o profissional não consegue absorver todas as informações, então, essa coisa tem que ser passada com um pouco mais de calma, porque você tá passando pra um público genérico e ele tem que absorver essa informação" (E9 NC).

Segundo os atores, a equipe designada pelo Estado para dar as primeiras capacitações não estava preparada, pois os mesmos trabalhavam em outras áreas que não a do objeto de qualificação. Relacionouse, também, a dificuldade em promover as capacitações, por causa dos duplos vínculos dos técnicos.

Os atores relataram má distribuição dos RHs dentro do sistema da VISA, tanto de nível médio administrativo, quanto de nível superior, especialmente, considerando as especificidades dos distritos. Com relação à distribuição por turno, um ator demonstrou indignação com o fato de o serviço aceitar que os profissionais trabalhassem no turno da noite, só porque tinham outros vínculos durante o dia e seria mais pertinente, do ponto de vista pessoal, em detrimento das necessidades do serviço:

"Tem áreas mais complicadas... que tem maior concentração, vamos dizer, do serviço de saúde.... E que o Subúrbio tem uma equipe reduzidíssima lá, quando é uma área bem grande. Então eu acho que essa distribuição tá insuficiente. Não atende" (E4 DS).

A má distribuição no sistema se devia a fatores variados: falta da definição do organograma da VISA; falta de planejamento, considerando as especificidades dos distritos; falta de definição do papel do nível central; atrasos na descentralização; falta de critérios para distribuição dos horários, que seguiam, muitas vezes, o interesse próprio, em detrimento do interesse do serviço; resistência dos técnicos em irem para locais distantes, que, por sua vez, estava relacionada à falta de incentivos para o trabalho em periferia, um problema geral da secretaria, segundo um ator social:

Existe uma má distribuição dos recursos humanos! Não só em quantidade, mas também a distribuição do organograma. [...] Eu acho que não tem planejamento! Porque aqui... é o distrito que tem o maior contingente de clínicas, consultórios e estabelecimentos de saúde, e na equipe que foi designada pra aqui não tinha enfermeiro! [...] Existe uma resistência por parte dos profissionais de trabalharem no Subúrbio. É a distância, a realidade do próprio distrito.... É geral, o problema é crônico e tem que ser olhado com um outro olhar pra o Subúrbio Ferroviário. (E1 DS, E5 DS, E12 NC)

No quesito autonomia - considerando-a como liberdade que os atores têm de agir, escolher, decidir e propor ações no serviço - esta foi considerada insuficiente, tornando-se mais evidente no nível central. Os distritos estavam sempre condicionados às demandas do nível central havendo, portanto, uma centralização decisória:

A gente não tem... pra definir prioridades... Muitas vezes a gente toma uma determinada atitude... - e é desautorizado em outra instância! [colega acrescenta]... e depois em outra instância, as coisas se modificam! Mas naquele momento que a gente está ali, a gente tem autonomia. Mas o que acontece posteriormente, isso foge da nossa alçada! (E5 DS)

A insuficiente autonomia devia-se aos atropelos da demanda espontânea; à falta de comunicação interna e à descontinuidade administrativa, que não dava prosseguimento a projetos executados pelos atores nas diversas áreas da vigilância, como hotéis, estabelecimentos de alimentos e outros, e que davam uma boa resolutividade às ações:

Na hora de planejar nós não participamos! A gente tem que aceitar! Então, não está certo, eu acho que a insatisfação vem daí. [...] Por que eu não posso pensar, ouvir as pessoas que têm maior experiência naquele assunto, ouvir e ver a proposta que elas têm para aquilo? E dar a elas a oportunidade de fazer aquilo? (E5 NC, E10 NC)

Havia, na VISA, uma centralização do processo decisório, uma dimensão que não foi aprofundada neste trabalho, mas que apareceu nas entrevistas. Havia, também, falta de autonomia decisória das chefias do nível central e falta de capacidade em gestão:

Há uma centralização de poder. As chefias, elas não têm autonomia decisória. Elas podem ter autonomia pra organizar, mas pra decidir elas não têm... Falta capacidade de gestão mesmo, não são gestores... E ainda tem uma coisa aqui, ainda tem isso: aqui tem um poder muito concentrado, você tem medo de abrir mão do poder... É como se o serviço público fosse seu:... "agora eu tô aqui, é minha vigilância sanitária, é minha imagem". (E10 NC)

Os salários foram considerados baixos, segundo um dos atores, até mesmo vergonhosos, especialmente, observando-se o nível educacional dos profissionais, muitos com pós-graduação. Existia, também, falta de isonomia salarial entre colegas na mesma função e do mesmo ano de ingresso. Mesmo considerando um aumento concedido na gestão atual, havia, ainda, uma defasagem muito grande em decorrência do período político anterior e, sobretudo, com as demandas da gestão plena:

Nós não temos isonomia: isto é um absurdo: dentro de um concurso, que a gente fez na mesma época, quem entrou até tal dia e foi chamado, até tal dia, tem um salário. [...] Não, o salário não tem melhorado para as ações, as responsabilidades que a gente vai ter de um determinado tipo de ação! Se você chegar num laboratório, onde você tem que fazer toda uma auditoria de qualidade, um monitoramento externo e interno... (E1 DS, E3 DS)

Um ator pontuou que a questão salarial era uma questão relacionada à política de RH da Prefeitura, mesmo com o repasse das ações de média complexidade pelo sistema de Visa, pois esse dinheiro seria para a melhoria da estrutura física e material da VISA, e não para melhoria das condições dos trabalhadores - o que demonstra o desconhecimento do gestor com relação à norma do Sistema Nacional de Visa, especialmente a Portaria 2.473/2003, que enfatizava o desenvolvimento de recursos humanos, além da descentralização e uma política de financiamento que tivesse como objetivo diminuir a escassez de recursos nessa área. No entanto, a VISA não tinha autonomia para estabelecer critérios para o desenvolvimento de seus recursos humanos, estando sujeita aos critérios da gestão municipal, que, muitas vezes, desconhecia o marco normativo do sistema de Visa para o processo de descentralização de suas ações:

Há um dinheiro novo para eu fazer as ações de média complexidade, a vigilância sanitária vai receber os recursos por essas ações, mas esse recurso, ele não é pra pagar pessoal, ele é para implementar as melhorias do setor. Então, a melhoria salarial ainda é uma discussão da secretaria como um todo, eu não posso particularizar. (E11 NC)

No que diz respeito aos salários e PCCS, os profissionais passaram um longo período sem receber aumento na gestão anterior, que foi de 1997 ao final de 2004. A própria falta de visibilidade da VISA era causa desse quadro, por não reivindicar gratificações concedidas a outros setores da Prefeitura, que trabalhavam em funções consideradas de risco, por falta de capacidade de negociação. Existia, também, falta de critérios para definição de cargos de coordenação, subcoordenação e chefias, e limitação da secretaria, em dar conta das especificidades da VISA, com relação ao PCCS:

Nós passamos oito anos sem receber nenhum tipo de incentivo, de aumento ... algumas coisas muito insignificantes!. [...] Muitas vezes, a gente utiliza um cargo por questões de amizade, por questões políticas, por questões de que a pessoa acha/ gostaria de ter uma pessoa trabalhando junto com ela... Mas a pessoa não tem competência para estar ali! (E1 DS, E3 DS)

Como determinantes desta categoria, houve um desconhecimento, pela maioria dos profissionais, das discussões em torno da consulta pública relativa ao PCCS. A gestão iniciada em 2005 elaborou um Plano de Carreiras, Cargos e Salários para todos os servidores e colocou em consulta pública. Seria de se esperar que os profissionais de Visa, tendo em vista as especificidades do seu campo de atuação, contribuíssem com adequações. Entretanto, foi relatado o não acompanhamento, pelos atores, do processo de discussão. Um ator relatou ter observado a não inclusão de algumas categorias, como, por exemplo, engenharias, no PCCS. Esse fato pode ser revelador, por um lado, de um desconhecimento, por parte do órgão da prefeitura responsável pela implementação do Plano, das especificidades do campo da Visa, considerando sua multiprofissionalidade, e por outro, de uma desmobilização dos atores, apesar de considerarem os salários muito baixos: "O de cargos e salários eu desconheço... nem houve discussão! Assim, pelo menos que a gente tenha sido convidado a participar!

[...] Bem, eu devo confessar que não acessei o Plano de Cargos e Salários, né, li assim só o esboço, mas não acessei, então não posso..." (E1 NC, E8 DS).

Quanto ao aspecto ético, as opiniões não foram unânimes. Um ator revelou não conhecer comportamentos antiéticos entre os fiscais; dois consideraram o corpo de técnicos bom, do ponto de vista ético; um ator deu uma resposta vaga e um outro considerou só o seu distrito e revelou que lá eles procuravam agir com ética. Entretanto, sete atores relataram problemas éticos, a exemplo de condutas com o setor regulado, como profissionais da VISA atuando como Responsável Técnico e criando conflitos internos; postura arrogante por parte de alguns técnicos; abdicação do poder de polícia em situações onde se fazia necessário, a exemplo da interdição de estabelecimento. Um ator revelou que o próprio conceito de ética não era apreendido pelos fiscais; outro disse que o que mais via como antiéticas eram condutas referentes à insatisfação dos técnicos, não reveladas de forma transparente e que acabavam gerando comentários maldosos. Isto pode demonstrar que as questões relativas a essa dimensão da Visa devem ser mais bem analisadas, pois que a sua ação é essencialmente ética, pela sua natureza de promoção e proteção da saúde:

"Eu fui fazer inspeção e o colega era Responsável Técnico pelo estabelecimento e ai eu encontrei ele lá e ele começou a questionar a minha ação... não como fiscal, mas como defensor do estabelecimento... defendendo o interesse do proprietário!" (E10 NC).

Como determinantes da dimensão ética, só foram apontadas pelos atores a falta de um código de comportamentos e a própria insatisfação dos trabalhadores. Se considerarmos os problemas relativos às dimensões subjetivas, como capacidade de motivação da equipe e a histórica precarização do trabalho em saúde, poderemos dizer que, talvez, essa seja a grande causa de comportamentos antiéticos e da necessidade de se trabalhar melhor essa dimensão, inclusive, estabelecendo um código de ética para o serviço, a exemplo dos códigos profissionais:

Eu acho que não há ética pelo seguinte: as pessoas estão insatisfeitas, as pessoas não querem falar o que pensam e ficam falando por trás!... Você está gerando não só a falta de ética, como a fofoca e outros problemas mais: discórdia, conflitos internos, que é o principal para você trabalhar direito. (E3 DS)

O potencial do quadro de técnicos foi considerado subestimado por todos os entrevistados: técnicos com bom potencial e má utilização desse potencial. Os atores consideraram que poderiam ser mais produtivos. Havia, segundo os atores, um trabalho de rotina que sufocava:

Tem pessoas com uma boa qualificação, porém com aquele trabalho de rotina que realmente sufoca, e que, pelo mau planejamento, a gente não consegue aproveitar essas características, essas qualidades desses profissionais [...] É subestimado, acho que tudo isso passa pela questão do planejamento, da comunicação. (E7 DS, E10 NC)

O subaproveitamento do potencial foi apontado, com unanimidade, como tendo as seguintes causas: baixos salários e falta de critério para gratificações; falta de condições estruturais de trabalho; falta de visibilidade da Visa enquanto ação de saúde e falta de valorização do trabalhador da VISA; indefinição de equipes especializadas para as ações de média complexidade; falta de planejamento e comunicação interna; dificuldades inerentes à máquina administrativa e as ingerências político-administrativas da Prefeitura, além da falta de modernização administrativa, que redundava em ineficiência:

Acaba voltando para aquela questão que eu te falei, da valorização, do reconhecimento, da própria visibilidade, saber quanto é importante a vigilância sanitária. [...] Aí vem a máquina administrativa: eu preciso de móveis, eu preciso de computador e que a secretaria... tá num momento muito difícil e a Prefeitura como um todo... você caminha dez passos, aí volta cinco passos. (E4 DS E12 NC)

Considerações finais

Este estudo procurou demonstrar a situação dos profissionais de vigilância sanitária de uma grande capital brasileira, à luz do marco normativo do sistema de Visa, vigente à época da pesquisa, bem como dos estudos relacionados ao seu campo e constatou profundas fragilidades nas categorias analisadas.

Este fato é preocupante, porque os recursos humanos são considerados ponto crítico das organizações prestadoras de serviço (De Seta, Lima, 2006) e, no caso da vigilância sanitária, a complexidade de suas ações e a variedade de seus objetos requerem profissionais com variadas formações e qualificação para atuar. Somado a este fato, não há formação específica para atuar em Visa e há, ainda, pouca visibilidade da mesma enquanto ação de saúde (Costa, 2004; Souza, 2002; Costa; Souto, 2001).

Saliente-se que, apesar de suas ações serem consideradas as mais antigas no campo da saúde pública, os estudos na área de Visa são, ainda, escassos (Costa, 2004). Entretanto, têm revelado fragilidades na estruturação das Visas municipais e na coordenação do sistema (De Seta, 2007). Fragilidades que vêm se traduzindo em problemas referentes à infraestrutura, gestão e organização e têm revelado profundas dificuldades técnico-operacionais para o desenvolvimento das ações de Visa, indicando: limites ao processo de descentralização; desarticulação com o nível regional; interferência política e a necessidade de os gestores municipais buscarem parcerias com o órgão estadual (Leal, 2007; Garibotti et al., 2006; Cohen et al., 2004; Juliano, Assis, 2004).

Importante considerar que recurso humano em saúde "é gente que cuida de gente" e, para a vigilância sanitária, é gente que cuida das necessidades das pessoas expressas no consumo de produtos, serviços e na qualidade dos ambientes, incluindo os ambientes de trabalho, para que atendam aos requisitos exigidos pela norma sanitária. É gente, portanto, que cuida da qualidade de vida das pessoas.

No que concerne aos profissionais da VISA, este estudo, ao encontrar fragilidades em todas as categorias analisadas, pode ser revelador da ausência de uma política e gestão de RH que conheça as especificidades do trabalho da VISA, tanto pelo sistema de Visa, quanto dentro da SMS, além do desconhecimento da importância da vigilância sanitária enquanto ação de saúde, responsável por ações de promoção e proteção da saúde (Almeida-Filho, 2000).

Dentre os problemas encontrados, chama a atenção a indefinição do organograma e também a ausência de um núcleo de RH no organograma da VISA que dê conta de sua complexidade atual. Destaca-se, ademais, a pouca visibilidade da mesma e a baixa capacidade de vocalização de seus atores na SMS, onde a área limita-se a uma subcoordenação, o que lhe confere pouco poder.

Saliente-se, também, o fato de os RHs serem quantitativa e qualitativamente insuficientes, destacando-se tanto a insuficiência de pessoal de apoio administrativo, quanto a insuficiência de pessoal de nível médio capacitado em Visa, tão necessário às atividades. Além do que, a distribuição desses recursos vem se dando de forma irregular, sem um planejamento adequado, haja vista a carência de profissionais em alguns distritos, inclusive a ausência de pessoal de apoio administrativo em alguns, enquanto, em outros, há mais de um.

Neste sentido os resultados deste trabalho complementam o encontrado na revisão de literatura, o que aponta para a necessidade de a coordenação do sistema de Visa - representada pelos níveis estadual e federal do sistema -, estabelecer critérios mais apropriados ao desenvolvimento destes RHs, tão necessários às ações de promoção e proteção da saúde da população.

Agradecimentos

Agradecemos à Profª Ediná Costa, coordenadora do Centro Colaborador em Vigilância Sanitária ISC/ANVISA, pelo apoio; ao Profº Handerson Leite (IFBA), pelas sugestões na elaboração deste artigo, e ao Profº Luís Eugênio Portela Fernandes de Souza (ISC/UFBA), Secretário de Saúde de Salvador à época da realização deste estudo, pela facilidade proporcionada para a realização desta pesquisa.

Colaboradores

A autora Cristian Leal contribuiu na coleta, sistematização e análise de dados. Com relação à redação do texto do artigo, houve igual participação de ambas as autoras.

Recebido em 05/06/2008.

Aprovado em 01/02/2009.

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  • *
    Elaborado com base em Leal (2007), dissertação realizada com apoio financeiro da ANVISA/MS mediante o Projeto Centro Colaborador Instituto de Saúde Coletiva/Agência Nacional de Vigilância Sanitária UFBA/ISC/ANVISA.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Aceito
      02 Jan 2009
    • Recebido
      05 Jun 2008
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