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Poética do inacabado: postais cartográficos das expedições urbanas

CRIAÇÃO

Poética do inacabado - postais cartográficos das expedições urbanas

Gisele Dozono Asanuma

Terapeuta Ocupacional e Acompanhante Terapêutica, coordenadora do Projeto Encontrar-te na cidade de São Paulo. Av. Dr. Altino Arantes, 637, Vila Mariana, São Paulo, SP 04.042-033. gisele.asanuma@gmail.com

As imagens que compõem esta edição da revista Interface fazem parte da dissertação de mestrado "Poéticas do inacabado: verbetes para uma clínica em trânsito"1 1 Núcleo de Subjetividade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010. , de minha autoria. Tais imagens2 2 Carlos Andrés González, intercambista de artes visuais pela Universidade Estadual Paulista/ Instituto de Artes e Universidad Nacional de Cuyo/ Facultad de Artes y Diseño, colaborou com André Luís Nunes na arte das imagens para esta edição da Interface. compõem a dissertação como parte de um bloco de cartões postais construídos durante o processo de pesquisa, fruto de atravessamentos produzidos a partir das andanças por espaços urbanos e culturais e dos encontros com as pessoas que atendo como acompanhante terapêutica na cidade de São Paulo, e também como terapeuta ocupacional do grupo Encontrar-te.

O Encontrar-te é um projeto que investiga uma prática clínica contemporânea em Terapia Ocupacional, coordenado por mim e pela terapeuta ocupacional Isabela Valent, tendo como foco atravessamentos pela cidade, seus usos e deslocamentos possíveis. O projeto está em atividade desde 2005, com um grupo heterogêneo em atendimento que se encontra semanalmente para andanças/expedições por espaços da cidade escolhidos pelos participantes. Desenvolvemos ações que dão sustentação às experiências desse deslocamento coletivo e, a partir da cartografia dessas experiências, o grupo constrói um repertório de circulação singular, constituindo recursos para ampliação da autonomia e apropriação dos espaços públicos (www.wix.com/encontrar/te).

Um mapa em camada, com recursos que recortam a visão e ampliam o modo de olhar, e cartões postais construídos a partir de fotografias tiradas por mim e por participantes do grupo compuseram a dissertação numa dimensão sensível e poética da pesquisa.

Nas situações mais diversas, em que a fragilidade do outro coloca em evidência a minha própria, invento dispositivos singulares de registro, elaboração e apropriação das experiências, que são para mim dispositivos de sustentação do trabalho com o outro.

Os postais aqui publicados são especificamente de:

- fotos de sombra do grupo Encontrar-te;

- xilogravura realizada durante o processo de acompanhamento na organização de um espaço de moradia em uma ocupação, na tentativa de sair da situação de morador de rua;

- objeto-roupa-no-cabide "costurada" sensivelmente por um acompanhado depois da visita à exposição de Kazuo Ohno, artista com uma fina "pele-veste", no Sesc Paulista;

- colagem e registros de uma composição linguística produzida em um acompanhamento que se deu na Galeria Vermelho, na exposição do coletivo Chelpa Ferro.

São fotos, colagens, registros, xilogravuras, pequenos recortes e escritos, janelas que abrem as vistas. Olhar meu, olhar de outros, olhares trocados, olhares partilhados, olhares transmutados. Uma composição coletiva, múltipla, disparada por encontros na clínica, da clínica e dela com a cidade.

Encontros que me atravessam e inquietam, produzem deslocamentos e convocam à criação. Uma "máquina" é acionada e algo aí se opera: formigamento poético, sempre inacabado.

"São fotos, são registros, pequenos recortes, janelas que abrem as vistas.

Olhar meu, olhar de outros, olhares trocados, olhares partilhados, olhares transmutados.

Uma composição coletiva, maquínica, múltipla, disparada por encontros na clínica, da clínica e dela com a cidade.

Encontros que me atravessam e inquietam, produzem deslocamentos e convocam a criação. Uma "máquina" é acionada e algo aí se opera: formigamento poético, sempre, inacabado."

Gisele Asanuma

DA MINHA ALDEIA

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...

Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer

Porque eu sou do tamanho do que vejo

E não, do tamanho da minha altura...

Nas cidades a vida é mais pequena

Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.

Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,

Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe

de todo o céu,

Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos

nos podem dar,

E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver."

CAIEIRO, A. Obra poética: Fernando Pessoa.

12.reimp. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1992. p.208.

O meu olhar

O meu olhar é nítido como um girassol,

Tem o costume de andar pela estrada

Olhando para a direita e para a esquerda,

E, de vez em quando, olhando para trás...

E o que vejo a cada momento

É aquilo que nunca antes eu tinha visto,

E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial

Que tem uma criança, se ao nascer,

Reparasse que nascera deveras...

Sinto-me nascido a cada momento

Para a eterna novidade do Mundo...

[...]

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos..."

CAIEIRO, A. Obra poética: Fernando Pessoa.

12.reimp. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1992. p.204.

  • 1
    Núcleo de Subjetividade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.
  • 2
    Carlos Andrés González, intercambista de artes visuais pela Universidade Estadual Paulista/ Instituto de Artes e Universidad Nacional de Cuyo/ Facultad de Artes y Diseño, colaborou com André Luís Nunes na arte das imagens para esta edição da Interface.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2010
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