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Avaliação do processo de acolhimento em Saúde Mental na região centro-oeste do município de São Paulo: a relação entre CAPS e UBS em análise

Evaluación del proceso de recepción en salud mental en medio oeste de São Paulo: la relación de UBS y CAPS en analisis

Resumos

Este trabalho relata a experiência de avaliação do acolhimento em saúde mental na cidade de São Paulo-SP, utilizando entrevistas com trabalhadores de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e duas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Objetivou entender o acolhimento, considerando a percepção dos trabalhadores e identificando o vínculo e a articulação da rede nesse processo. Utilizou-se como método a hermenêutica filosófica, para identificar que elementos participantes do processo de acolhimento poderiam ser destacados. Procedeu-se à análise das narrativas a partir de três linhas de argumentação: vínculo, acolhimento e articulação da rede - resultando em quatro categorias: sensação de ausência; mistura de modelos; primazia em tecnologias duras; e ineficiência quanto à integralidade. A discussão apontou uma imbricação dessas categorias, colocando o investimento em tecnologias leves como centro do debate para a superação da sensação de ausência, da mistura dos modelos e para construção da integralidade do cuidado.

Avaliação; Saúde Mental; Acolhimento


Este articulo relata la experiencia de evaluación de la recepción en salud mental en São Paulo-SP. Fueron utilizadas entrevistas con trabajadores de uno Centro de Atención Psicosocial (CAPS) y dos Unidades Básicas de Salud (UBS). Objetivó comprender la recepción, la percepción de los empleados y la identificación de los lazos y la coordinación de la red. Fue utilizado como método la hermenéutica filosófica para identificar qué elementos de la recepción se destacan. Procedió al análisis de las narrativas partiendo de tres líneas de argumentación: lazo, recepción, y conexión de red. Los resultados llegaron en forma de cuatro categorías: sensación de falta, modelos mixtos, primacía de tecnologías duras, atención integral ineficiente. La discusión mostró una relación entre estas categorías, colocando la inversión en tecnologías blandas como el centro del debate para superar el sentimiento de falta, la mescla de modelos, y para la construcción de una atención integral.

Evaluación; Salud Mental; Acogimiento


This paper reports the evaluation experience of hosting in mental health care in São Paulo-SP, based on interviews with workers in a Psychosocial Attention Center (CAPS) and two Health Basic Unities (UBS). The goal was to understand the hosting, considering the perception of employees and identifying the link and network connection in this process. Was used as a method the philosophical hermeneutics, to identify which inner elements of the hosting process could be detached. Proceeded to the analysis of narratives from three lines of argumentation: link, hosting, and the network connection. The results came in form of four categories: feeling of lack, mix of models; precedence in hard technologies, and inefficient integrality. The discussion showed a relation of these categories, placing the investment in soft technologies as the center of the debate to overcome the feeling of lack, the mix of models, and for the construction of integrality of care.

Evaluation; Mental Health; Reception


Avaliação do processo de acolhimento em Saúde Mental na região centro-oeste do município de São Paulo: a relação entre CAPS e UBS em análise

Evaluation of the reception process in mental healthcare in the central-western region of the municipality of são paulo: analysis of the relationship between psychosocial care centers and primary healthcare units

Evaluación del proceso de recepción en salud mental en medio oeste de São Paulo: la relación de UBS y CAPS en analisis

Adriano Kasiorowski de AraujoI; Oswaldo Yoshimi TanakaI, II

IElaborado com base em Araujo (2012); pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, atendendo à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde

IIDepartamento de Práticas em Saúde Pública, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Av. Dr. Arnaldo, 715. São Paulo, SP, Brasil. 01.246-904. adrianokaraujo@gmail.com

RESUMO

Este trabalho relata a experiência de avaliação do acolhimento em saúde mental na cidade de São Paulo-SP, utilizando entrevistas com trabalhadores de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e duas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Objetivou entender o acolhimento, considerando a percepção dos trabalhadores e identificando o vínculo e a articulação da rede nesse processo. Utilizou-se como método a hermenêutica filosófica, para identificar que elementos participantes do processo de acolhimento poderiam ser destacados. Procedeu-se à análise das narrativas a partir de três linhas de argumentação: vínculo, acolhimento e articulação da rede - resultando em quatro categorias: sensação de ausência; mistura de modelos; primazia em tecnologias duras; e ineficiência quanto à integralidade. A discussão apontou uma imbricação dessas categorias, colocando o investimento em tecnologias leves como centro do debate para a superação da sensação de ausência, da mistura dos modelos e para construção da integralidade do cuidado.

Palavras-chave: Avaliação. Saúde Mental. Acolhimento.

ABSTRACT

This paper reports the evaluation experience of hosting in mental health care in São Paulo-SP, based on interviews with workers in a Psychosocial Attention Center (CAPS) and two Health Basic Unities (UBS). The goal was to understand the hosting, considering the perception of employees and identifying the link and network connection in this process. Was used as a method the philosophical hermeneutics, to identify which inner elements of the hosting process could be detached. Proceeded to the analysis of narratives from three lines of argumentation: link, hosting, and the network connection. The results came in form of four categories: feeling of lack, mix of models; precedence in hard technologies, and inefficient integrality. The discussion showed a relation of these categories, placing the investment in soft technologies as the center of the debate to overcome the feeling of lack, the mix of models, and for the construction of integrality of care.

Keywords: Evaluation. Mental Health. Reception.

RESUMEN

Este articulo relata la experiencia de evaluación de la recepción en salud mental en São Paulo-SP. Fueron utilizadas entrevistas con trabajadores de uno Centro de Atención Psicosocial (CAPS) y dos Unidades Básicas de Salud (UBS). Objetivó comprender la recepción, la percepción de los empleados y la identificación de los lazos y la coordinación de la red. Fue utilizado como método la hermenéutica filosófica para identificar qué elementos de la recepción se destacan. Procedió al análisis de las narrativas partiendo de tres líneas de argumentación: lazo, recepción, y conexión de red. Los resultados llegaron en forma de cuatro categorías: sensación de falta, modelos mixtos, primacía de tecnologías duras, atención integral ineficiente. La discusión mostró una relación entre estas categorías, colocando la inversión en tecnologías blandas como el centro del debate para superar el sentimiento de falta, la mescla de modelos, y para la construcción de una atención integral.

Palabras clave: Evaluación. Salud Mental. Acogimiento.

Introdução

Uma investigação, seja ela de qualquer natureza, deve surgir a partir de um incômodo naquele que pretende descobrir algo. A Saúde Mental sempre foi um campo bastante fértil para descobertas, uma vez que se caracteriza como uma área que suscita várias perguntas em quem participa de seu universo.

A investigação à qual o trabalho se destina encontra sua fundamentação no próprio processo histórico no qual participam os serviços de Saúde Mental (Brasil, 2001a, 1992, 1988, 1986), pois se trata de uma avaliação dos mesmos. A avaliação em serviços de saúde tem sido cada vez mais exigida no expediente da academia e nos próprios serviços de saúde, por se tratar de uma ferramenta capaz de desvelar problemas e identificar soluções (Onocko Campos et al., 2008).

O campo da Saúde Mental, herdeiro de uma história ligada à loucura e às tentativas de se lidar com ela (Foucault, 1978), vem, nos últimos vinte anos, produzindo diversas mudanças nos serviços de saúde mental (Brasil, 2002, 2001b), como consequência de diversos movimentos ocorridos na sociedade brasileira e que têm causado transformações significativas na concepção de sofrimento mental, assim como na prática que o seu cuidado demanda (Brasil, 2004).

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), serviços de saúde que se constituíram como equipamentos substitutivos a um modelo manicomial, centralizam as transformações na área e condensam trabalhadores que pleiteiam por inovações no modo de cuidar (Brasil, 2004, 2002).

Com respeito a esta investigação, o incômodo que interpelou o investigador situa-se sobre as práticas dos trabalhadores da Saúde Mental. Estes sujeitos que dedicam suas vidas a cuidar das pessoas que experimentam algum sofrimento psíquico têm suas práticas envoltas sobre ideais e realidades controversos. Entre limites e possibilidades muitas vezes de difícil identificação.

Estas dificuldades se apresentam em forma de barreiras que os trabalhadores encontram em superar um modelo antigo, de fugir à lógica que o encerra (Desviat, 1999). Em outras palavras, a investigação pondera sobre a própria transição desses modelos: o manicomial, com seus modos próprios de fazer; e o antimanicomial - também chamado de psicossocial, ou substitutivo, empreendendo diferentes maneiras de produzir saúde (Costa-Rosa, Luzio, Yasui, 2001).

Com este incômodo presente, o trabalho dedica-se ao objetivo de promover um diálogo com uma rede de saúde mental na região Oeste da cidade de São Paulo, tentando, com isso, entender como o processo de acolhimento se apresenta na citada região.

O acolhimento é tomado por objeto de estudo por se constituir em um dispositivo que expressa as transformações que os serviços de saúde vêm desenvolvendo no tocante às suas práticas. Desta forma, o entendimento sobre o estabelecimento do acolhimento, bem como os processos a ele concernentes e a percepção dos trabalhadores quanto a estes fenômenos, passaram a ser os objetivos desta investigação.

Por se tratar de uma avaliação de serviço, torna-se importante delinear qual a perspectiva de avaliação que o trabalho compartilha. A avaliação em saúde pode ser considerada como um processo que visa à medição, comparação e à emissão de um juízo de valor (Tanaka, Melo, 2001). Sendo esta última dimensão a que se apresenta passível de uma intersecção.

Mas como se chega a esse juízo de valor? A hermenêutica (Gadamer, 2008) pode contribuir com esta discussão já que atribui à linguagem a característica eminentemente humana de se chegar a tal juízo, através das mediações possíveis que vão acontecer no mundo de compartilhamentos da experiência humana. Isto é, o juízo de valor é presumido a partir da experiência própria que o intérprete estabelece com aquilo que pretende interpretar. Neste sentido, não se trata de confiar o entendimento a uma metodologia, conforme a ciência moderna acostumou-se a fazer, mas identificar os elementos que participam das relações que produzem determinado valor para determinado sujeito, em um contexto também determinado.

Assim, o resultado que se pretende com a hermenêutica não visa uma verdade absoluta, mas uma aproximação da realidade. O valor da avaliação, ou, na concepção hermenêutica, a validade do conhecimento que surge, está colocado sobre a relação que o intérprete estabelece com a coisa - seu objeto de análise - partindo de seus conhecimentos prévios num movimento dialético com o enunciado por este objeto.

Conforme esta concepção, busca-se questionar os sujeitos participantes do processo de trabalho acerca do tema investigado, e as possíveis respostas são colocadas em suspensão de sentido, para que o novo, ou o juízo, possa ser emitido, tendo-o sempre como uma aproximação que se dá em um tempo e espaço determinados, e podendo ser "re-questionado" sempre.

No entendimento de Ayres (2008), a avaliação em saúde deve enfocar a dimensão prática do cotidiano, ou seja, as relações microscópicas, e não macroscópicas, no acontecer do fazer saúde. Para este autor, avaliar segundo a hermenêutica é considerar que a linguagem é diálogo. Trata-se de um modo de participar do mundo vivido; a essência do diálogo está na dialética da pergunta e resposta; e a verdade seria alcançada por meio da fusão de horizontes.

Para tanto, é preciso recorrer ao conceito de aplicação hermenêutica, que, segundo o autor, é o próprio tema da conversa que acontece (Ayres, 2008). No caso específico desta pesquisa, o tema é acolhimento, e este se constitui no elemento precipitador dos questionamentos.

Quando se visitam apontamentos sobre o tema aqui proposto, o acolhimento, e o identificam como um processo capaz de operar mudanças no modelo assistencial em saúde (Franco, Bueno, Merhy, 1999), percebe-se que estas características estão presentes e guardam a potencialidade de se aproximar da realidade a partir da aplicação proposta, isto é, chegar à compreensão de como o acolhimento tem acontecido em determinada região, composta por serviços de saúde específicos e prestando atendimentos com características peculiares.

Todas essas especificidades oferecem um desenho único, que carrega uma singularidade na apreensão de sua verdade. E, ao mesmo tempo, têm a potência de, a partir desse singular, se abrirem para o universal em forma de linguagem (Gadamer, 2008) e, assim, se chegar à validade da avaliação.

O acolhimento tem se mostrado uma palavra bastante frequente no cotidiano dos serviços de saúde, no entanto, quando se verificam alguns trabalhos acerca do assunto, logo se percebe a utilização dessa palavra para designar processos de trabalho que mantêm sua operacionalidade muito próxima do que se conhece por triagem, como pontuam Cunha e Vieira-da-Silva (2010), Souza (2008) e Campos (1998); e, embora o vocabulário entre os profissionais tenha se alterado, o fazer permanece mediado por uma lógica de princípios diferentes.

A diferença nos princípios pode ser balizada sobre a discussão com respeito ao que se objetiva com uma ou outra modalidade de intervenção. Isto é, o usuário que busca o serviço de saúde o faz movido por seu problema de saúde. O profissional que o recebe - e, sobretudo, como recebe - , o faz mediado pelo que sabe fazer em saúde.

A partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde (Brasil, 1986), estabelecida como marco histórico de construção do SUS, definem-se os princípios de uma saúde pública como direito de todos e em defesa da vida. Estes princípios implicam diretamente alterações operativas quanto ao trabalho em saúde.

Cabe apontar que já nesta Conferência é debatido que, para a concretização destes princípios, novos parâmetros devem ser construídos; bem como os paradigmas dos quais a saúde se serve devem ser alterados. É a propósito dessas transformações que se torna importante a discussão sobre as tecnologias relacionadas às práticas que acontecem no interior da rede de cuidados.

O conceito de tecnologias adotado se refere a uma ação intencional no mundo e mediada por uma racionalidade (Franco, Merhy, 2003). Segundo esta compreensão, as tecnologias seriam capazes de capturar os objetos e transformá-los em bens/produtos (Merhy et al., 1997); no caso da saúde, a própria sanidade dos agravos seria seu produto, ou os elementos simbólicos oriundos das relações estabelecidas entre os profissionais e os usuários dos serviços.

Para Merhy (1997), há uma diferenciação entre o trabalho morto, cujos produtos já estão acabados - por exemplo, as medicações ou os procedimentos - e o trabalho Vivo em Ato, o qual se dá na própria relação estabelecida - seria o trabalho que "acontece acontecendo", mediado pela atuação dos agentes e se constituindo em trabalho sempre novo e criativo.

Conforme esta abordagem, haveria três maneiras de o processo de trabalho se apresentar: as tecnologias duras, que se constituem como equipamentos tecnológicos, normas e estruturas organizacionais; as tecnologias leve-duras, que dizem respeito aos saberes estruturados; e as tecnologias leves, que são basicamente tecnologias das relações, produzindo vínculos, autonomização, e acolhimento.

Desta maneira, a triagem representa uma modalidade específica de fazer saúde, ligada à lógica do saber médico hegemônico (Franco, Merhy, 2005), o qual se tornou, com o avanço do capital, cada vez mais dependente de tecnologias duras, encerrando a assistência em saúde em prescrições medicamentosas, produção de exames, e encaminhamentos a especialistas. Posicionando, assim, os usuários dos serviços como organismos biológicos, e seus problemas de saúde como objetos de saberes cada vez mais segmentados (Ayres, 2002).

Por outro lado, o acolhimento, neste panorama, passa a ser discutido como uma diretriz operacional (Franco, Bueno, Merhy, 1999), isto é, potencialmente transformador desses paradigmas, pois tenta concentrar estes princípios na concretude do cotidiano dos serviços, mantendo uma centralidade sobre as tecnologias leves.

Franco, Bueno e Merhy (1999) compreendem o acolhimento como um espaço intercessor que produz uma relação de escuta e responsabilização; a primeira garante a formação de vínculo com o usuário e a segunda traduz-se como o compromisso com os projetos de intervenção que surgirão dessa relação. Desta forma, é através desse espaço que o trabalhador utilizará sua tecnologia, seu saber, e onde o usuário se verá como sujeito da produção de sua saúde, e não um mero objeto de um saber impessoal.

A penetração desses princípios na realidade dos serviços de saúde, para além da mudança na nomenclatura de velhas práticas, produzindo uma efetiva transformação dos mesmos, converte-se em um processo que precisa ser explorado e entendido.

O problema da alteração na linguagem sem a correspondente alteração nas práticas, ou as dificuldades que os serviços atravessam para a implementação do processo de acolhimento, de maneira a produzir saúde de forma mais resolutiva, mais integralizada, mais econômica e mais humanizada, passam a ser uma necessidade premente para a saúde pública.

Método

Partindo destas perspectivas, o trabalho construiu um caminho metodológico que estabeleceu três fases, chamadas de giros, em alusão ao círculo hermenêutico que fundamenta o tratamento dos dados.

Trata-se de uma pesquisa que lida com dados secundários, isto é, houve um outro momento de coleta de dados, realizados em pesquisa anterior que data de 2006. Os dados foram construídos em forma de narrativa, a partir da seguinte questão: como é o serviço de saúde mental em que trabalha? Esta pergunta foi feita a seis profissionais de três serviços diferentes. Sendo um auxiliar de enfermagem e um médico clínico geral, de uma UBS que não possui equipe de saúde mental; um psicólogo e um médico psiquiatra de uma UBS com equipe de saúde mental; e, finalmente, um psicólogo e um médico psiquiatra do CAPS adulto da região.

O Primeiro Giro - a construção das linhas de argumentação. Iniciou-se a partir dos relatos. Foi possível construir três linhas de argumentação. Partindo da noção de fusão de horizontes (Gadamer, 2008), foram questionadas as narrativas acerca do acolhimento. Como se parte do princípio (concepção prévia) segundo o qual acolhimento seria um espaço intercessor (Franco, Bueno, Merhy, 1999), onde há uma relação entre subjetividades, o elemento vínculo se tornou um importante analisador deste aspecto, pois sobre ele se situam as ligações entre os sujeitos envolvidos. Outra faceta do acolhimento foi considerada quando este é descrito como diretriz operacional do serviço (Franco, Bueno, Merhy, 1999), isto é, como ferramenta capaz de reorganizar a rede de cuidados. Dessa forma, se estabeleceu a articulação da rede como outro elemento de análise.

Portanto, o primeiro contato com os relatos guia a interpretação por meio dessas três linhas de argumentação: vínculo, acolhimento, e articulação da rede.

Uma primeira visita aos dados, enquanto um todo sendo questionado pelas linhas de argumentação, direcionou o trabalho para a reconstrução das narrativas, em um primeiro momento individualizadas, relato por relato.

Esta etapa foi eminentemente interrogativa, ou seja, são construídos vários questionamentos aos dados, criando um debate com eles; cumprindo com a premissa segundo a qual a compreensão nunca é um comportamento meramente reprodutivo, mas, também e sempre, produtivo (Gadamer, 2008). Assim, se promove um choque que produz algo novo a partir das perguntas guiadas pelas linhas de argumentação.

Este choque se dá no decorrer do diálogo com os dados, pois a necessidade de contrapô-los com pressupostos teóricos vai se desenhando, o que possibilita às narrativas permanecerem abertas às perguntas que vão sendo levantadas. Isto faz essa fase ser marcada por uma presença bastante frequente dos discursos, tal como são emitidos pelos sujeitos.

Segundo Giro - a busca pela univocidade. Este segundo momento foi permitido pela abertura causada pela fase anterior. Nesta etapa do processo de interpretação, o caminho segue para o assentamento das questões apresentadas, em busca do entendimento sobre como os elementos abordados são aplicados à realidade local.

Esta fase da interpretação baseou-se na tentativa de responder às diversas questões levantadas na fase anterior. As linhas de argumentação continuaram guiando a análise, mas agora não mais pelas partes, senão na busca por uma univocidade dos dados, isto é, trazendo fala à rede como um todo, e em relação. Com isso, alguns aspectos que foram sendo questionados e contrapostos com teorias tornavam-se mais explícitos, ou - consoante com a hermenêutica - se destacavam no processo.

Para Gadamer (2008), conseguir ver além depende da relação em que se colocam os horizontes, a partir deste processo a compreensão se faz possível.

O diálogo proporcionado entre os dados e o intérprete produziu o surgimento de pontos não vistos ou percebidos anteriormente. E foram estes pontos considerados aquilo que se conservou no processo de produção do trabalho hermenêutico. Assim, foi possível levar estes novos elementos à discussão dos resultados, de forma a lapidá-los nesta que foi considerada a última fase do processo interpretativo.

Terceiro Giro - o destaque. Esta fase recebeu o nome de discussão dos resultados, pois evidenciou aquilo que permaneceu em aberto no decorrer de todo o trabalho. Longe de esgotá-los, o caminho do pensamento erigido no trabalho permitiu trazê-los à luz ou dar-lhes forma.

Os resultados foram construídos em forma de quatro categorias, e esta construção se deve à possibilidade de funcionarem como analisadores da rede, isto é, elementos capazes de apontar características semelhantes em outras regiões e serviços. Cumprindo, assim, com o objetivo da interpretação, que é promover uma aproximação com a realidade.

Discussão e resultados

A análise possibilitou notar que os profissionais entrevistados se encontram com suas práticas distantes do que vem sendo preconizado para serviços de saúde acolhedores, responsáveis e integralizadores do cuidado dos usuários. E que esta distância está diretamente ligada à ausência ou presença de equipes de saúde mental nos serviços, o que evidencia a contribuição que um modelo diferenciado do hegemônico pode trazer à rede de cuidados.

A análise buscou confrontar os paradigmas implícitos nestas características e, desta forma, alguns elementos surgiram a partir da investigação e do diálogo empreendido com os dados, são eles:

a) ausência;

b) mistura;

c) tecnologias;

d) integralidade.

Optou-se pela exposição em forma de categorias, e estas são dispostas conforme sua ordem de aparecimento no decorrer da discussão; contudo, entende-se que há uma relação entre os fenômenos no cotidiano do serviço, se constituindo, assim, em elementos importantes para se considerar, em termos de aplicação: o vínculo, o acolhimento e a articulação da rede.

Ausências. Conforme o trabalho foi avançando na busca pela compreensão do objeto em estudo, a sensação de que nas diversas falas havia uma espécie de ausência relatada pelos profissionais evidenciou-se. Em determinados momentos, se tentou dar forma a esses fenômenos. São expostos abaixo três exemplos extraídos dos relatos de distintos profissionais que apontam para esta tentativa, cada qual de um equipamento de saúde - a UBS A, sem equipe de saúde mental; a UBS B, com equipe de saúde mental, e o CAPS, respectivamente:

"Antes de ter ambulância usava seu próprio carro". (Aux. de Enfermagem)

"Durante o tempo em que trabalhou [...] como contratado de emergência no CAPS, o médico atendeu vários pacientes que moram na região da UBS X e na UBS Y (que não têm Saúde Mental). Continuou a atendê-los quando passou a trabalhar na UBS B. Por isso, sua agenda é aberta também a pacientes dessas unidades. Eles não têm matrícula na UBS B, não têm prontuário, o atendimento é registrado em folhas avulsas, todos os seus outros atendimentos são realizados na unidade próxima à sua residência. (Médico Psiquiatra)

"Não há profissionais suficientes [...] para tratar os pacientes de CAPS e os pacientes de Ambulatório. Principalmente o primeiro grupo não recebe a atenção necessária". (Psicólogo)

Essas tentativas surgem nas falas como ausências de recursos humanos, materiais, dificuldades comunicativas, incoerências entre os profissionais ou unidades etc.

Este raciocínio acabou levando ao entendimento de uma ausência estrutural, dizendo respeito à rede que se desenhava conforme as argumentações erigidas.

O aporte teórico adotado não possibilitou encontrar elementos correlatos que pudessem ser confrontados, ou mesmo conceitos que pudessem subsidiar o entendimento dessas ocorrências. Neste sentido, o contexto no qual estas ausências são manifestadas diz respeito ao trabalho inserido em uma instituição, um serviço de saúde, composto por profissionais dessa área. Se estes sujeitos passam a ser entendidos como integrantes de um grupo e se recorre à Psicanálise para se pensar essa rede como o lugar da ausência, alguns apontamentos podem ser construídos em busca de uma elucidação do referido fenômeno.

Quando se questiona sobre o sentido, o objetivo, ou o motivo de existência de um serviço de saúde, uma resposta bastante comum pode ser expressa: serve para cuidar da saúde. Se as ausências são várias vezes repetidas pelos profissionais, depreende-se daí que sua intenção, de cuidar da saúde, não tem alcançado sua finalidade.

Em Psicologia de Grupo e Análise do Ego, Freud (2006) apresenta como os grupos são capazes de se organizar em função de uma autoridade, podendo esta ser representada por uma pessoa, um setor, ou uma ideia. E mais, esta autoridade tem a função de, por seu caráter ambivalente, oferecer medo e proteção ao mesmo tempo; manter todos os indivíduos sob seu domínio, com o desejo individual inibido em sua finalidade.

O desejo inibido não garante que se alcance a satisfação, mas reproduz a promessa que isso seja possível. Em outras palavras, todos agem submetidos à voz da autoridade, permanecendo na falta (ausência) da consecução do desejo, neste caso, a produção do cuidado.

As tecnologias duras, assim, se apresentam como a autoridade que oferece a proteção da verdadea priori (Gadamer, 2008), gerando a manutenção/reprodução do modelo centrado no médico e em procedimentos (Franco, Merhy, 2005).

Freud (2006, p.139) considera que o indivíduo, quando inserido em um grupo, passa a compartilhar de seu ideal e se submete à ideia ali preponderante, esta "necessitando somente fornecer uma impressão de maior força [...]".

E, neste sentido, o trabalho mostrou como as tecnologias duras ainda mantinham sua força sobre a rede de cuidados, toda organizada em função desse paradigma, identificado nos relatos dos profissionais das diferentes unidades analisadas.

Mistura. Assim como no caso das ausências, o termo mistura não se trata de um conceito teórico ou técnico, mas de uma palavra com potencial de representar um fenômeno presente na rede estudada.

A concepção de Reforma Psiquiátrica traz, em seu bojo, um processo histórico marcado por uma tentativa de mudança de um modelo de atenção ao sofrimento mental, fugindo da lógica hospitalocêntrica para a do cuidado ao usuário em sua região, e investindo em sua autonomia e sociabilidade, como se pode verificar no tema da III Conferência de Saúde Mental (Brasil, 2001a), que é "cuidar sim, excluir não".

No entanto, a rede demonstra existir uma verdadeira mistura entre os modelos: o antigo, que mantém primazia sobre o atendimento médico e todos os procedimentos a ele correlatos, e o modelo novo, substitutivo.

No CAPS analisado, essa mistura foi mais evidente, não gratuitamente, pois este equipamento foi pensado e empreendido com a finalidade de ser o dispositivo "substitutivo" ao hospital psiquiátrico. Tornando-se, assim, o serviço que carrega os dois modelos misturados, como um momento deste processo de substituição que se pretende aplicar.

Esta situação é identificada no relato do profissional do CAPS:

"Depois da Portaria 336, o CAPS foi regulamentado como sendo a referência para todos os casos de Saúde Mental. Desde então, a equipe se achou obrigada a manter a 'porta aberta', e garantir pelo menos uma primeira escuta à demanda que recebe". (Psicólogo)

Verifica-se, na passagem, que a "porta aberta" não se constitui como um momento da atenção tendo o usuário como centro do cuidado, mas como uma obrigação jurídica externa que se sobrepôs à dinâmica do serviço.

Esta mistura, por vezes, foi debatida como o que teoricamente foi chamado de transição tecnológica, na transformação dos modelos de atenção à saúde mental. Como um produto da luta invisível que acontece entre a visão hegemônica manicomial e a contra-hegemônica antimanicomial.

No entanto, a transição tecnológica implica um investimento social, cultural, político e subjetivo sobre o núcleo tecnológico, com o objetivo de torná-lo leve dependente (Franco, Merhy, 2003); e este compromisso não foi verificado na rede analisada. Por este motivo, a mistura foi situada como um fenômeno próprio da convivência de dois modelos, tendo o contra-hegemônico sido empreendido de maneira normativa, e não como um investimento institucional.

Tecnologias. A discussão sobre as tecnologias no processo de trabalho analisado importou, do modelo de Defesa da Vida, as concepções para se debaterem as práticas da rede. Esta adoção se deu pelo entendimento de que o referido modelo mantém subjacentes elementos da Reforma Sanitária (Brasil, 1986), da mesma forma que a Reforma Psiquiátrica (Brasil, 2001b). Com esta perspectiva, o trabalho aderiu aos apontamentos teóricos que identificam a necessidade do investimento em tecnologias leves como uma possível solução para questões como a ausência e a mistura acima descritas; no primeiro caso, porque aumentaria a força e a liberdade (com poder de decisão) do trabalhador; e, no segundo caso, porque objetaria a mudança no núcleo tecnológico.

Embora as tecnologias leves se apresentem como um instrumento capaz de operar mudanças significativas na rede de cuidados, de forma a aumentar o coeficiente de vínculo e responsabilização, produzir serviços mais acolhedores e trabalhar em favor da integralidade do cuidado (Franco, Bueno, Merhy, 1999); ainda demonstra fragilidades, sobretudo quando se pensa em sua penetração nas práticas de saúde, após mais de uma década da criação do SUS. E há muito a ser desenvolvido para superar as ausências e misturas que sua implementação provoca sobre o modelo de atenção e às práticas nele inseridas.

Integralidade. A rede analisada pode ser comparada a um arquipélago, composto por ilhas, e caracterizada apenas por sua localização em uma mesma região, mas sem comunicação entre elas.

A apresentação dessa rede pode ser expressa segundo sua distância com relação ao que é preconizado pelas diretrizes da Reforma Psiquiátrica.

A unidade mais distante, UBS A, apresenta-se, segundo relatos, como um local onde procedimentos enrijecidos pelas normas e tradição técnica se sobressaem. Por exemplo, quando o usuário chega com queixa de saúde mental, a indicação que se tem é encaminhar ao PS local, lugar onde as decisões são tomadas.

Esse procedimento feito a priori foi relatado por ambos os trabalhadores entrevistados: o auxiliar de enfermagem, que reproduz o discurso da ordem: "saúde mental tem que encaminhar para o PS"; e o clínico geral, que se vale do conhecimento técnico para justificar o procedimento, segundo ele: "o saber sobre saúde mental é atribuído à psiquiatria".

A única rede que se configura a partir dos discursos é o fluxo da UBS A para o PS, sem outras comunicações.

Na UBS B, foi identificada uma possível divergência entre o trabalho do médico e de seu colega de unidade, o psicólogo, pois o primeiro mantém presente a primazia do PS, enquanto o segundo direciona-se mais ao CAPS. Contudo, essa divergência é esclarecida quando se entende o processo de trabalho no interior da UBS.

Segundo o médico psiquiatra, a UBS B tem o seguinte fluxo: recebe pacientes do Hospital Central e do Hospital Universitário através da marcação de consultas. Após avaliação, se o usuário não for conhecido, encaminha para o PS e esse decide se encaminha para o CAPS ou para hospital fechado. Se for conhecido e conforme a necessidade avaliada pelo médico, encaminha para psicoterapia com o Psicólogo da própria UBS, ou diretamente para o CAPS. Logo, o PS mantém-se como o centro decisório.

Quando analisada a fala do Psicólogo, atentou-se para o fato de ele omitir o PS e estabelecer uma comunicação bastante rica com outros recursos, dando a impressão de tentar uma atenção integral.

As conversações acontecem com maior frequência nessa unidade, denotando que a perspectiva da Reforma Psiquiátrica tem avançado sobre a rede, não sendo ainda capaz de superar o modelo antigo, mas causando sobre ele algumas alterações consideráveis. O fluxo se mostra da seguinte forma: da UBS para o CAPS, mediante contato telefônico; da UBS para o CAPS ad, quando o caso se tratar de dependência química; da UBS para clínica de psicoterapia da Universidade; da UBS para Ambulatório de especialidades; da UBS para outros recursos da comunidade, como ONGs, CECCO, oficinas etc.

Ao contrário da primeira UBS, portanto, a UBS B apresenta-se mais comunicante e ofertando maiores possibilidades de espaços de convivência e produção de saúde com produção de subjetividade.

Quando se chega ao CAPS, seu fluxo é descrito da seguinte forma pelo psiquiatra: recebe encaminhamentos do PS local, o centro decisório, como abordado. Recebe também usuários encaminhados por outros PS. Além dos pronto-socorros, as UBSs também encaminham para o CAPS, contudo, pela análise das ausências verificadas, possivelmente daquelas que possuem equipe de saúde mental, pois a UBS A deixa claro que a norma é encaminhar ao PS primeiro.

Uma vez no CAPS, existe o que o médico nomeia de triagem, da qual ele participa e, segundo avaliação, oferece encaminhamento. Essa avaliação leva o usuário para o tratamento ofertado pelo próprio serviço, ou, em outros casos, para a clínica de psicologia da universidade, para as UBSs ou outros serviços da região.

O psicólogo, por sua vez, define a rede da seguinte maneira: recebe os encaminhamentos e, conforme a gravidade verificada pela descrição do mesmo, direciona o usuário para a recepção, feita em grupo e destinada aos casos mais leves; ou para a triagem, realizada individualmente e reservada a casos mais graves. Essa segunda forma de recepção tem a participação do médico e, possivelmente, se trata do mesmo procedimento descrito acima e com o mesmo nome.

Se os usuários não forem inseridos para o tratamento no CAPS, são encaminhados para a UBS de referência, ou para a clínica da Universidade, ou mesmo para outros recursos da região, como CECCO, terapia comunitária, outros locais onde há psicoterapia, ONGs, cursos, oficinas etc.

Nessa unidade, percebe-se que ambas as descrições coincidem, e, embora se possa problematizar a maneira como são realizadas e o paradigma que as inspira, essa coincidência denota uma maior comunicação entre os atores envolvidos. Pode-se dizer que a coincidência é produto da comunicação, uma vez que o serviço estabeleceu uma dinâmica que tem sido respeitada pela equipe.

Com relação à comunicação e a necessidade do diálogo entre os atores envolvidos, é interessante notar que o fluxo aqui descrito se aproxima bastante da UBS B, que possui equipe de saúde mental. Essa aproximação, quando tangenciada para a questão comunicativa da rede, oferece indícios de que o trabalho de inter-relação entre os serviços CAPS e UBS B, mediado pela linguagem, é responsável pelo trânsito seguro do usuário na rede (Franco, Merhy, 2003).

A maior incidência comunicativa coloca o trabalhador como o agente fundamental na constituição do cuidado e na busca pela integralidade do mesmo. Utilizou-se como metáfora da rede analisada sua semelhança com um arquipélago, contendo ilhas separadas pelas especialidades, que apenas permanecem próximas, mas sem comunicação. Mas quando se volta o olhar para a potencialidade dos trabalhadores em reduzir esse distanciamento por meio da comunicação, percebe-se que ela se apresenta como o elemento condutor, ou a linha que estabelece o laço entre os serviços para buscar a resolutividade. Esse laço comunicativo, exclusivamente entendido como tecnologia leve, surge como o elemento capaz de promover a integralidade dessa rede não comunicante.

A visão médica hegemônica, produtora de procedimentos e consumidora de insumos tecnológicos, empobrece a clínica, reduzindo-a à realização de exames, prescrição medicamentosa e encaminhamentos a especialidades. Essa escassez no uso das possibilidades clínicas minimiza a resolutividade na UBS e reproduz, no caso da saúde mental, a lógica manicomial, consoante com o paradigma de busca por especialidades.

O CAPS em questão é concebido, pelos outros serviços da rede, como um hospital psiquiátrico, concentrando todos os casos de saúde mental, embora sua equipe tenha apresentado alguns avanços qualitativos.

A convivência de mais de um modelo foi apresentada como ponto central nas dificuldades de estabelecimento de vínculos, instituição do acolhimento conforme diretrizes do Ministério da Saúde e articulação da rede baseada na resolutividade e na integralidade.

Identificou-se ainda que essa mesma convivência propicia iniciativas contra-hegemônicas ou instituintes, ou, mesmo, de transição tecnológica. Ficou claro o limite que as tecnologias duras apresentam em promover a integralidade dos serviços, uma vez que se baseiam na reprodução de um modelo que não coloca o usuário como centro do trabalho realizado. Ao passo que o investimento na comunicação e nos espaços de diálogo pode se apresentar como a ferramenta capaz de construir as pontes necessárias entre as ilhas da rede em análise e proporcionar o trânsito seguro e cuidador do usuário entre elas.

Pessoas são capazes de atingir pessoas através da linguagem. Toda conversação pressupõe uma linguagem comum, ou melhor, toda conversação gera uma linguagem comum (Gadamer, 2008). Se integrar é unir, a linguagem é o meio de união, transformando os diversos serviços que compõem uma rede de cuidados em apenas um emaranhado, cujo objetivo principal seja o cuidado ao usuário.

O trabalho mostrou que onde ocorrem mais trocas mediadas pela linguagem entre os profissionais, maior a unidade do serviço e sua comunicação com os demais recursos da rede, isto é, maior a integralidade do cuidado.

A linguagem é o que subjaz às tecnologias leves, relacionais, pois estas buscam a criação de espaços de fala e de troca de saberes. Isso reduziria as ausências, pois alcançaria a satisfação do desejo de cuidado; a linguagem comum diminuiria as misturas, já que essas são produto da convivência de, pelo menos, dois modelos, com linguagens diferentes, mas buscando a fusão, a unidade.

Conclusões

Partindo da potência identificada sobre o processo de acolhimento, a pesquisa estabeleceu como seu objetivo geral avaliar a aplicação do mesmo em uma região determinada do município de São Paulo.

E, por se tratar de um campo específico - a Saúde Mental - , o olhar avaliativo se voltou para as UBS e para o CAPS daquela região. Assim procedendo, tentou-se compreender como os profissionais percebem suas práticas nestas unidades de saúde.

A avaliação em serviços de saúde foi tratada como a emissão de juízos de valor, neste caso, com respeito ao processo de acolhimento; e, para isto, empreendeu-se o caminho metodológico da Hermenêutica Filosófica, por esta abordagem se apresentar como uma maneira adequada de se alcançarem os objetivos.

No que concerne ao acolhimento nos serviços estudados, este esteve vinculado a um outro processo de trabalho, representante do modelo centrado sobre a figura do médico e de seus procedimentos, trata-se da triagem. Foi realizada uma revisão bibliográfica anteriormente e alguns trabalhos mostraram que estas duas práticas apresentam-se com esta proximidade. A pesquisa mostrou resultados semelhantes com relação a isso, com o complicador que, em algumas unidades, a triagem era aplicada e, ao mesmo tempo, levava o nome de acolhimento, sem, com isso, alterar significativamente as práticas, não possibilitando o espaço de fala, não reorganizando a rede de cuidados e não investindo em vínculos com os usuários.

Desta forma, a pesquisa partiu da análise das narrativas produzidas pela pergunta primaz: como é o serviço de saúde mental? E trilhou um caminho de pensamento interrogativo aos dados coletados, seguindo os fios condutores: vínculo, acolhimento, e articulação da rede. Este caminho empreendido necessitou ser confrontado com teorias e argumentações sobre as práticas de saúde, produzindo os círculos hermenêuticos, nos quais se transita diversas vezes pelo mesmo objeto. E, neste caminho, alguns destaques puderam ser construídos.

Alguns elementos vieram à luz como respostas aproximadas à pergunta primaz. Em resumo, o trabalho pode mostrar que os serviços de saúde da região analisada produzem uma sensação de ausência; convivem com uma mistura de modelos; mantêm tecnologias duras na produção de saúde; e não são eficientes quanto à integralidade.

Assim, a pesquisa apresentou um retrato de como o acolhimento e demais elementos participantes deste processo puderam ser aplicados naquela região e naquele momento histórico. É importante frisar que, embora a investigação tenha se fundamentado no princípio ético da pesquisa qualitativa, segundo o qual a descrição dos processos de manejo dos dados deve primar pela clareza e fidedignidade, um limite deve ser pontuado, e diz respeito à época em que os mesmos foram coletados, no ano de 2006; assim como à distância temporal para sua análise.

A Hermenêutica Filosófica proporciona um diálogo profícuo com material de qualquer época, mas entende que é, no próprio processo de interpretação, que o objeto pode ser atualizado.

Neste sentido, entende-se que os resultados apresentados têm o potencial de serem confrontados em futuros trabalhos; e, da mesma forma, podem ampliar o olhar sobre a temática do acolhimento se forem considerados como elementos participantes do mesmo.

Colaboradores

Os autores trabalharam juntos na concepção, delineamento, análise, interpretação dos dados e redação do artigo.

Referências

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Recebido em 19/12/11

Aprovado em 07/08/12

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Dez 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 2012

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2011
  • Aceito
    07 Ago 2012
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