Acessibilidade / Reportar erro

A abordagem equitativa de gênero como uma estratégia de gestão para fixação de médicos em áreas vulneráveis

Resumos

Embora diversos programas governamentais tenham contribuído para aumentar expressivamente o número de médicos no Brasil, áreas distantes, vulneráveis e de difícil acesso continuam carentes de um quantitativo mínimo de profissionais, prejudicando o acesso à assistência e os indicadores de saúde da população. Estratégias governamentais, como incentivos financeiros especiais, têm conseguido atrair profissionais médicos para essas áreas remotas e com necessidades especiais; no entanto, a fixação desses profissionais não tem sido efetiva. Considerando a tendência de feminização da Medicina e a crescente influência familiar e econômica das mulheres nos processos decisórios da sociedade atual, neste ensaio teórico, propõe-se a utilização de abordagens contemporâneas direcionadas à equidade de gênero nos serviços de saúde para favorecer a fixação de profissionais médicos em regiões mais necessitadas.

Médicos; Serviços de saúde; Trabalho feminino; Gestão em saúde; Áreas pobres


Although several government programs have contributed to significantly increasing the number of physicians in Brazil, remote and vulnerable areas that are difficult to access continue to lack a minimum number of professionals, and this hampers access to health care services and the population’s health indicators. Government strategies, such as special financial incentives, have been able to attract physicians to these remote areas with special needs; however, the settlement of these professionals has not been effective. In view of the trend toward the feminization of Medicine and the increasing family and economic influence of women in decision-making in current society, this theoretical essay suggests the use of contemporary approaches aimed at gender equity in health services in order to favor the settlement of medical professionals in regions most in need.

Physicians; Health services; Working women; Health management; Poor areas


Aunque diversos programas gubernamentales hayan contribuido para aumentar expresivamente el número de médicos en Brasil, áreas distantes, vulnerables y de difícil acceso siguen carentes de una cantidad mínima de profesionales, perjudicando el acceso a la asistencia y los indicadores de salud de la población. Estrategias gubernamentales, tales como incentivos financieros especiales, han conseguido atraer a profesionales médicos para esas áreas remotas y con necesidades especiales; sin embargo, la fijación de esos profesionales no ha sido efectiva. Considerando la tendencia hacia la feminización de la Medicina y la creciente influencia familiar y económica de las mujeres en los procesos de decisión de la sociedad actual, en este ensayo teórico se propone la utilización de abordajes contemporáneos dirigidos a la equidad de género en los servicios de salud para favorecer la fijación de profesionales médicos en regiones más necesitadas.

Médicos; Servicios de salud; Trabajo femenino; Gestión en salud; Áreas pobres


Introdução

A despeito do aumento linear e constante do número de profissionais médicos no Brasil, o oferecimento de serviços de saúde resolutivos e de qualidade a regiões do País com necessidades especiais, remotas e pobres ainda é um desafio. Essa não é uma prerrogativa brasileira, desde que vários países sofrem com a distribuição irregular de profissionais de saúde, especialmente médicos, o que vem se tornando um problema grave, persistente, que resiste às mais variadas estratégias de enfrentamento11. Campos FE, Machado MH, Girardi SN. A fixação de profissionais de saúde em regiões de necessidades. Divulg Saúde Debate. 2009; 44: 13–24.,22. Carvalho MS, Sousa MF. Como o Brasil tem enfrentado o tema provimento de médicos? Interface (Botucatu). 2013; 17(47): 913–26..

O número de profissionais de saúde por habitante mede a disponibilidade de profissionais por categorias selecionadas, segundo a sua localização demográfica. Quando há escassez de médicos ou má distribuição regional, ocorre um aumento da população não assistida e um consequente impacto negativo nos indicadores básicos de saúde33. Soárez PC, Padovan JL, Ciconelli RM. Indicadores de saúde no Brasil: um processo em construção. RAS. 2005; 7(27):57–64..

A taxa de crescimento do número de médicos no Brasil é, aproximadamente, duas vezes superior à da população. A razão do número de médicos por 1.000 habitantes passou de 1,15 em 1980, para 2,11, em 2015. O efetivo médico chegou a 364.757 em 2010, crescimento de 24,95%, contra um aumento populacional de 12,48% no período compreendido entre 2000 e 2010. Esse resultado está relacionado, principalmente, à abertura de novas escolas médicas e à consequente expansão de vagas de graduação em Medicina44. Scheffer M, Demografia médica no Brasil 2015. São Paulo: Conselho Federal de Medicina; 2015..

Criado em 2013 e consolidado legalmente por meio da lei 12.871, o Programa Mais Médicos (PMM) foi pensado como parte de uma série de medidas para combater as desigualdades de acesso à atenção básica resolutiva.

O PMM foi estruturado em três eixos de ação: (1) investimento na melhoria da infraestrutura da rede de saúde, com foco na atenção básica; (2) ampliação e reformas na educação médica, o que colaborou para o aumento do número de cursos de graduação em Medicina e estabeleceu novos parâmetros para a formação profissional, privilegiando a integração ensino-serviço e a atuação assistencial na Atenção Básica a partir da articulação das ações de ensino, pesquisa e extensão, além de aumentar o número de programas de residência médica no País; e (3) provisão emergencial de médicos para áreas vulneráveis, carentes e de difícil fixação de profissionais55. Pinto HA, Sales MJT, Oliveira FP, Brizolara R, Figueiredo AM, Santos JT. O Programa Mais Médicos e o fortalecimento da Atenção Básica. Divulg Saúde Debate. 2014; 51: 105–120.,66. Oliveira FP, Vanni T, Pinto HA, Santos JTR dos, Figueiredo AM, Araújo SQ, et al. Mais Médicos: um programa brasileiro em uma perspectiva internacional. Interface (Botucatu). 2015; 19(54):623–34..

No entanto, esse aumento do número de médicos no País não assegura uma melhoria homogênea dos indicadores de saúde, desde que muitas regiões, especialmente aquelas mais desfavorecidas, continuam carecendo de profissionais. Em 2014, apesar de uma razão nacional de 2,09 médicos por 1.000 habitantes, constatam-se desigualdades na distribuição geográfica desses profissionais: as regiões Norte (1,09 médico por 1.000 habitantes) e Nordeste (razão de 1,3) estão abaixo da razão nacional; por outro lado, a região Sudeste conta com o maior número de médicos por 1.000 habitantes: 2,75, acima da região Sul, com 2,18; e da Centro-Oeste, com 2,2044. Scheffer M, Demografia médica no Brasil 2015. São Paulo: Conselho Federal de Medicina; 2015..

Considerando a problemática da fixação de médicos em áreas remotas e de difícil acesso, o presente ensaio teórico possui como objetivo central debater sobre estratégias de gestão em saúde capazes de atrair e reter profissionais médicos para áreas mais vulneráveis do País. Para tanto, fundamenta-se em uma abordagem contemporânea de equidade de gênero, capaz de utilizar como uma oportunidade para a gestão dos serviços de saúde o crescente número de mulheres no mercado de trabalho com formação médica.

O percurso metodológico utilizado foi associar a evolução contemporânea da demografia médica brasileira e seu impacto nos indicadores de saúde, utilizando-se para isso a análise de dados secundários relacionados a indicadores de saúde disponíveis para acesso público; descrever a inserção da mulher no mercado de trabalho brasileiro e seu impacto nas decisões de vida das famílias; e, finalmente, desenvolver, com base em estratégias voltadas à equidade de gênero no mercado de trabalho, propostas para retenção de profissionais médicos, principalmente mulheres, em áreas remotas e desfavorecidas.

Distribuição geográfica dos profissionais médicos e indicadores básicos de saúde

A expectativa de vida ao nascer e a mortalidade infantil são consideradas medidas indiretas da efetividade de um sistema de saúde33. Soárez PC, Padovan JL, Ciconelli RM. Indicadores de saúde no Brasil: um processo em construção. RAS. 2005; 7(27):57–64.. A mortalidade infantil é um indicador utilizado internacionalmente para avaliar o nível de saúde de uma população, estimando o risco de morte dos nascidos vivos durante seu primeiro ano de vida. Representa o número de óbitos de menores de um ano de idade, por mil nascidos vivos, na população residente em determinado espaço geográfico, em um determinado ano77. REDE Interagencial de Informação para a Saúde. Organização Pan-Americana da Saúde. Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações. 2a ed. Brasília: OPAS; 2008.. É um indicador de saúde que contribui para subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas e ações de saúde voltadas para a atenção pré-natal e para o parto, assim como para a proteção da saúde infantil.

As regiões de maior escassez de profissionais médicos são aquelas em que há uma elevada mortalidade infantil22. Carvalho MS, Sousa MF. Como o Brasil tem enfrentado o tema provimento de médicos? Interface (Botucatu). 2013; 17(47): 913–26., refletindo parâmetros de acesso e qualidade dos recursos disponíveis para a atenção à saúde materna e da população infantil77. REDE Interagencial de Informação para a Saúde. Organização Pan-Americana da Saúde. Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações. 2a ed. Brasília: OPAS; 2008. (Figura 1).

Figura 1
Correlação entre a Taxa de mortalidade infantil e Número de médicos/1.000 habitantes por unidade da Federação do Brasil nos anos de 2011 (A), 2013 (B) e 2014 (C).

Os estados que abrigam maior número de médicos a cada 1.000 habitantes são Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, enquanto o menor número de médicos do país, com 0,79 e 1,64 médicos por 1.000 moradores em 2014, é encontrado, respectivamente, nos estados do Maranhão e Pernambuco, resultando em uma taxa de mortalidade infantil acima da média brasileira (Figura 2).

Figura 2
Taxa de mortalidade infantil nas unidades de Federação do Brasil com maior e menor número de médicos por 1.000 habitantes no ano de 2014.

Embora muitos médicos, principalmente os recém-formados, optem por iniciar sua inserção no mercado de trabalho na Estratégia de Saúde da Família (ESF), nem todos têm intenção em constituir carreira na especialidade ou desejam se fixar em regiões remotas ou com necessidades especiais. Majoritariamente, os médicos ocupam espaços de decisão e mantêm certa independência no que diz respeito ao seu trabalho, sendo poucos aqueles que dependem unicamente do salário oferecido pela ESF88. Ribeiro EM, Pires D, Blank VLG. A teorização sobre processo de trabalho em saúde como instrumental para análise do trabalho no Programa Saúde da Família. Cad Saúde Pública. 2004; 20(2):438–46., tendo mais liberdade para redirecionar suas escolhas profissionais a partir do cenário socioeconômico da sua profissão.

No entanto, egressos de programas de residência em Medicina de Família e Comunidade tendem a trabalhar na assistência de saúde junto com equipes de ESF, o que fortalece a Atenção Básica e tende a melhorar os indicadores de saúde da população99. Matos FV, Cerqueira MBR, Silva AWM, Veloso JCV, Morais KVA, Caldeira AP. Egressos da residência de medicina de família e comunidade em Minas Gerais. Rev Bras Educ Med. 2014; 38(2):198–204..

Por outro lado, embora altos salários sejam atrativos para os médicos migrarem para regiões remotas, sua fixação depende de condições mínimas de desenvolvimento econômico e sociocultural, condições materiais de trabalho e capacitação na área de atuação22. Carvalho MS, Sousa MF. Como o Brasil tem enfrentado o tema provimento de médicos? Interface (Botucatu). 2013; 17(47): 913–26.,1010. Campos CVDA, Malik AM. Satisfação no trabalho e rotatividade dos médicos do Programa de Saúde da Família. Rev Adm Pública. 2008; 42(2):347–68..

Atração e fixação de profissionais em áreas pobres e remotas

Uma estratégia para a atração e fixação de profissionais para áreas remotas e com necessidades especiais é a focalização de esforços para atender desejos relacionados ao gênero feminino, pois a decisão de fixação da residência de uma família depende muito do posicionamento das mulheres.

Em geral, grande parte das decisões de vida de uma família depende da figura feminina. Essa inferência é possível a partir da análise de dados sociodemográficos, financeiros e associados ao consumo de bens e produtos ao redor do mundo:

As mulheres (women) são uma das três forças emergentes que moldam o século XXI, ao lado do aquecimento global (weather) e da internet (web). Nós as chamamos de 3 Ws: Clima/Weather – a aceitação geral da necessidade de sustentabilidade ambiental que está mudando a forma como pensamos sobre o planeta e nossa relação com ele; Mulheres/Women – a grande contribuição que as mulheres podem fazer para o crescimento econômico e a liderança futura; Internet/Web – a extraordinária transformação do modo como vivemos, trabalhamos e nos comunicamos através da nova tecnologia.1111. Maitland A, Wittenberg-Cox A. A era da mulher. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil; 2011 (recurso digital). (Posição 318 de 2783)

As mulheres contribuem com 40% do Produto Interno Bruto (PIB) do mundo desenvolvido, sendo que as mulheres fazem 83% de todas as compras de consumo, incluindo 91% de casas novas, 94% de móveis e decoração, 60% dos carros novos, 80% dos planos de saúde e 89% das novas contas bancárias1111. Maitland A, Wittenberg-Cox A. A era da mulher. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil; 2011 (recurso digital)..

Embora somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 tenham sido criadas condições no Brasil que assegurassem os direitos das mulheres, atualmente elas têm consciência do seu potencial e têm demonstrado o seu grande valor como cidadãs, mães e trabalhadoras, influenciando todo o desenvolvimento social e econômico do País1212. Santos GE, Nestor NF. A influência da mulher como líder no mercado de trabalho. Rev Ciênci Gerenc. 2013; 17(25): 207–25..

O fenômeno de feminização da Medicina

Um dado interessante é o aumento do número de mulheres na profissão médica, principalmente entre os profissionais mais jovens. Entre os médicos com 29 anos ou menos, as mulheres já são maioria, com 56,2% contra 43,8% dos homens. Entre os novos registros médicos, a entrada masculina é maior até 2010. Em 2011, 52,6% dos novos registros nos Conselhos Regionais de Medicina foram de mulheres e 47,4% de homens. A feminização da profissão tem sido sempre crescente, totalizando, em 2014, 54,8% de novos registros femininos, contra 45,2% masculinos44. Scheffer M, Demografia médica no Brasil 2015. São Paulo: Conselho Federal de Medicina; 2015..

A participação da mulher no mercado de trabalho brasileiro segue a tendência mundial, crescendo de forma significativa e constante desde a década de 1970. No entanto, como na maioria dos países, há uma desigualdade relacionada ao gênero nas organizações1111. Maitland A, Wittenberg-Cox A. A era da mulher. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil; 2011 (recurso digital).. Destacam-se a discriminação salarial, a segregação ocupacional e a dificuldade de ascensão profissional das mulheres1313. Cavazotte FSCN, Oliveira LB, Miranda LC. Desigualdade de gênero no trabalho: reflexos nas atitudes das mulheres e em sua intenção de deixar a empresa. Rev Adm. 2010; 45(1):70–83.,1414. Elborgh-Woytek K, Newiak M, Kochhar K, Fabrizio S, Kpodar K, Wingender P, et al. Women, work, and the economy: macroeconomic gains from gender equity. Washington: International Monetary Fund; 2013..

A participação feminina no mercado de trabalho no mundo todo ainda é menor do que a participação masculina, sendo que mais mulheres do que homens desenvolvem atividades de trabalho sem remuneração ou no mercado informal. Adicionalmente, no Brasil, a remuneração feminina é menor do que a masculina e essa diferença se acentua entre os profissionais com ensino universitário1414. Elborgh-Woytek K, Newiak M, Kochhar K, Fabrizio S, Kpodar K, Wingender P, et al. Women, work, and the economy: macroeconomic gains from gender equity. Washington: International Monetary Fund; 2013..

Na Medicina, como em outras profissões, embora as mulheres mantenham o mesmo número de vínculos empregatícios e um número de horas trabalhadas equivalentes aos homens, tendem a receber remunerações menores1515. Bruschini C, Lombardi MR. A bipolaridade do trabalho feminino no Brasil contemporâneo. Cad Pesqui. 2000; 110:67–104..

Em países desenvolvidos, como o Reino Unido, 70% das mulheres com formação em Ciências, Engenharia e Tecnologia não estão trabalhando nessas atividades. Ademais, as mulheres praticamente não ocupam cargos de liderança ou responsabilidade gerencial, tanto nas organizações privadas quanto nas públicas1111. Maitland A, Wittenberg-Cox A. A era da mulher. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil; 2011 (recurso digital)..

Nos países industrializados, os homens gastam, em média, 66% do seu tempo em atividades remuneradas e 34% em não remuneradas, e nos países em desenvolvimento a relação é de 74% para 24%. Para as mulheres, em ambos os tipos de países, a relação praticamente se inverte: elas gastam 34% do tempo em atividades remuneradas e 66% em não remuneradas; entre estas, encontram-se os afazeres domésticos. Atividades relacionadas ao cuidado dos filhos são aquelas que mais consomem o tempo disponível das mulheres, sendo que quanto mais novos, maior é o número de horas dessa dedicação1616. Cordeiro MC. Mulher, mãe e trabalhadora: breve balanço de recentes políticas de conciliação entre trabalho e vida familiar no Brasil. Rev SER Soc. 2008; 10(23):71–99..

Embora seja desejável que haja uma maior participação dos pais no cuidado despendido aos filhos, a divisão sexual do trabalho doméstico continua sendo dominada pelo padrão tradicional, no qual a clássica divisão de papéis é bastante enraizada e as mães respondem pela maior parte das atividades relacionadas a higiene, alimentação, cuidados de saúde, acompanhamento da escolarização e até brincadeiras com as crianças1616. Cordeiro MC. Mulher, mãe e trabalhadora: breve balanço de recentes políticas de conciliação entre trabalho e vida familiar no Brasil. Rev SER Soc. 2008; 10(23):71–99..

Dados demonstram que mais da metade das brasileiras possuem qualificação para o exercício profissional, mas ainda enfrentam desafios de colocação no mercado devido ao seu desejo de formar uma família1212. Santos GE, Nestor NF. A influência da mulher como líder no mercado de trabalho. Rev Ciênci Gerenc. 2013; 17(25): 207–25..

Essas diferenças de gênero tornam os empregos de meio período predominantemente femininos, sendo uma solução que as mulheres encontram para equilibrar as responsabilidades familiares com as atividades de trabalho1414. Elborgh-Woytek K, Newiak M, Kochhar K, Fabrizio S, Kpodar K, Wingender P, et al. Women, work, and the economy: macroeconomic gains from gender equity. Washington: International Monetary Fund; 2013..

As mulheres cujos filhos frequentam creche ou pré-escola possuem maiores níveis de rendimentos e uma jornada de trabalho maior, favorecendo sua permanência no mercado de trabalho e a produtividade relacionada ao gênero1616. Cordeiro MC. Mulher, mãe e trabalhadora: breve balanço de recentes políticas de conciliação entre trabalho e vida familiar no Brasil. Rev SER Soc. 2008; 10(23):71–99.. Dados demonstram, também, que uma educação infantil de qualidade com início precoce é capaz de melhorar o desenvolvimento social e econômico de um país1717. Warner ME, Prentice S. Regional economic development and child care: toward social rigths. J Urban Aff. 2013; 35(2):195–217.. Portanto, políticas públicas que garantam a inserção das crianças, desde a mais tenra idade, em instituições de cuidados e escolarização diários, promovem um círculo virtuoso de produtividade e desenvolvimento social.

Adicionalmente, as mulheres são mais propensas a investir grande parte de seus ganhos salariais na educação dos seus filhos; portanto, melhores oportunidades de trabalho direcionadas ao público feminino contribuem para o aumento da escolarização com consequente aumento do desenvolvimento da economia do país e redução da pobreza1414. Elborgh-Woytek K, Newiak M, Kochhar K, Fabrizio S, Kpodar K, Wingender P, et al. Women, work, and the economy: macroeconomic gains from gender equity. Washington: International Monetary Fund; 2013.

Entre os profissionais de nível superior que atuam nas equipes de saúde da família, predomina o gênero feminino e, entre os médicos especialistas em Medicina de Família e Comunidade, vigésima especialidade com mais profissionais no País, destacam-se as mulheres, representando um percentual de 56,5% contra um percentual masculino de 43,5%44. Scheffer M, Demografia médica no Brasil 2015. São Paulo: Conselho Federal de Medicina; 2015.,1818. Mendonça MHM, Martins MIC, Giovanella L, Escorel S. Desafios para gestão do trabalho a partir de experiências exitosas de expansão da Estratégia de Saúde da Família. Cienc Saúde Colet. 2010; 15(5):2355–65.. Esses profissionais são essenciais para o fortalecimento da atenção básica dos municípios e consequente melhoria dos indicadores de saúde da população.

A rotatividade de médicos nos serviços de atenção básica prejudica o vínculo desses profissionais com a comunidade, impactando diretamente na significação do trabalho da equipe e nos indicadores de saúde dos municípios1919. Medeiros CRG, Junqueira AGW, Schwinger G, Carreno I, Jungles LAP, Saldanha OMFL. A rotatividade de enfermeiros e médicos: um impasse na implementação da Estratégia de Saúde da Família. Cienc Saúde Colet. 2010; 15(Supl 1):1521–31..

Há correlação entre a capacitação e a rotatividade de médicos em Programas de Saúde da Família, sendo que, quanto mais os profissionais se sentem capacitados para exercer suas atividades, menor a rotatividade1010. Campos CVDA, Malik AM. Satisfação no trabalho e rotatividade dos médicos do Programa de Saúde da Família. Rev Adm Pública. 2008; 42(2):347–68..

Os primeiros programas de residência em Medicina Geral e Comunitária tiveram início em 1976. Impulsionada pela Estratégia Saúde da Família, em 2002, a especialidade passou a ser denominada Medicina de Família e Comunidade e o número de programas de residência se expandiu. Mesmo com uma oferta limitada de cursos quando comparada a outras especialidades médicas, os programas de Medicina de Família e Comunidade encontram dificuldade para preencher a totalidade das suas vagas. Uma das justificativas para a existência de tantas vagas ociosas seria o fato de não ser necessária uma formação específica para atuar na especialidade, principalmente na ESF2020. Mello GA, Mattos ATR, Souto BGA, Fontanella BJB, Demarzo MMP. Médico de família: ser ou não ser? Dilemas envolvidos na escolha desta carreira. Rev Bras Educ Med. 2009; 33(3):464–71..

É comum que esses médicos encontrem como fatores desmotivadores para se manterem na área de Medicina de Família problemas relacionados à insuficiência da composição básica das equipes; insuficiência de profissionais com o perfil proposto pelo programa; várias modalidades de contrato de trabalho; insuficiência em sua formação para atendimento na atenção básica; heterogeneidade na estrutura física das unidades de saúde da família, estando algumas inadequadas e em situação precária; sobrecarga de atendimentos; dificuldade em conciliar a vida profissional com seus interesses pessoais e familiares; comprometimento do fluxo e contrafluxo dos usuários e informações entre os diferentes níveis do sistema; problemas de fidedignidade no preenchimento do Sistema de Informação de Atenção Básica (Siab); diferentes estilos de gestão das equipes, configurando relações ora integradoras, ora conflituosas; expectativas contraditórias e conflitos das equipes de saúde da família com os poderes locais; e conflitos na relação entre a ESF e a população, quando as equipes não conseguem atender à demanda88. Ribeiro EM, Pires D, Blank VLG. A teorização sobre processo de trabalho em saúde como instrumental para análise do trabalho no Programa Saúde da Família. Cad Saúde Pública. 2004; 20(2):438–46.,1919. Medeiros CRG, Junqueira AGW, Schwinger G, Carreno I, Jungles LAP, Saldanha OMFL. A rotatividade de enfermeiros e médicos: um impasse na implementação da Estratégia de Saúde da Família. Cienc Saúde Colet. 2010; 15(Supl 1):1521–31..

Considerando a importância da especialização em Medicina de Família e Comunidade para o fortalecimento da Atenção Básica no Sistema Único de Saúde (SUS) e a preferência feminina por essa especialização, o desenvolvimento de políticas públicas e organizacionais direcionadas para a fixação de profissionais médicos do gênero feminino em áreas pobres, remotas e com necessidades especiais torna-se estratégico.

Políticas para equidade de gênero como uma oportunidade de gestão para fixação de médicos

A expressão “relações de gênero”, como utilizada no campo das Ciências Sociais, aponta para a ordem cultural como modeladora de mulheres e homens. Portanto, o que se chama de “homem” e “mulher” não é somente um produto da sexualidade biológica, mas sim de relações sociais baseadas em distintas estruturas de poder2121. Moraes MLQ. Usos e limites da categoria gênero. Cad Pagu. 1998; 11:99–105..

O tema “gênero” é abordado no contexto dos dilemas enfrentados pelas teorias contemporâneas de justiça, possuindo uma dimensão político-econômica em que há, por um lado, a divisão entre trabalho produtivo pago e trabalho reprodutivo e doméstico não pago e, por outro, a divisão dentro do trabalho pago entre ocupações mais bem remuneradas e profissionalizadas, dominadas pelos homens, e ocupações mal remuneradas e menos especializadas, dominadas pelas mulheres2222. Lima AMD, Rosa LCS. Equidade de gênero e welfare state pós-industrial: a contribuição de Nancy Fraser. Temporalis. 2014; 2(28):57–77..

É importante que se desinstitucionalizem padrões de valoração cultural que impedem a paridade de participação social entre homens e mulheres, substituindo-os por padrões que a promovam. Nesse sentido, surgem as políticas de reconhecimento e equidade de gênero no trabalho, tornando a mulher uma parceira integral na vida social, capaz de interagir com os outros como um par2323. Fraser N. Reconhecimento sem ética? Lua Nova. 2007; 70:101–38..

A premissa deste estudo é a de que a utilização de estratégias de gestão comprometidas com uma abordagem equitativa de gêneros pode ser capaz de aumentar a fixação de profissionais médicos, sejam eles homens ou mulheres, em regiões vulneráveis, melhorando seus indicadores básicos de saúde.

Usualmente, a maternidade é o primeiro dilema visível no plano de carreira das mulheres, principalmente na fase em que a profissional se encontra no auge da sua produtividade, entre trinta e quarenta anos de idade1111. Maitland A, Wittenberg-Cox A. A era da mulher. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil; 2011 (recurso digital).. Embora seja incomum que médicas abandonem suas carreiras para cuidar dos seus filhos, é esperado que busquem condições de trabalho mais compatíveis com sua nova situação de vida, o que implica em locais que ofereçam recursos para o desenvolvimento acadêmico, cultural e social da sua família.

Profissionais que tiveram a oportunidade de estudar vários anos da sua vida frequentemente buscam oferecer a mesma oportunidade para os seus filhos; portanto, não há possibilidades de retenção de médicos em áreas remotas que não ofereçam subsídios para a educação de qualidade dos seus filhos.

Mulheres mais jovens têm se programado para trabalhar em jornadas que garantam maior flexibilidade, permitindo que se equilibre a carreira com as demandas familiares. Portanto, a falta de flexibilidade na jornada de trabalho das unidades de ESF conduz as médicas a buscarem outras oportunidades como profissionais liberais em que possam exercem maior autonomia sobre o tempo disponível para a sua família.

As abordagens tradicionais de gênero, embora apresentassem o objetivo louvável de favorecer a inserção e manutenção das mulheres no mercado de trabalho, não se mostraram eficazes. Os sistemas legalistas que garantem igualdade de oportunidade, tratamento igual e igualdade salarial não são suficientes e acabam por retratar as mulheres como vítimas, os homens como opressores e as organizações como “a cena do crime”1111. Maitland A, Wittenberg-Cox A. A era da mulher. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil; 2011 (recurso digital).,2424. Almeida PP. ‘Essa empresa não é lugar de mulher parideira’: considerações feministas sobre as relações de gênero nas organizações. [dissertação]. Recife (PE): Universidade Federal de Pernambuco; 2012..

As abordagens equitativas de gênero, mais contemporâneas, voltadas para o reconhecimento e a equidade de gênero nas organizações, não desconhecem que as diferenças de constituição biopsicossocial entre homens e mulheres existem e devem ser consideradas. No entanto, afirmam que as mulheres não devem ser tratadas como minoria, pois representam metade da população, sendo que a maioria tem diploma universitário e detém a maior parte das decisões de compra1111. Maitland A, Wittenberg-Cox A. A era da mulher. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil; 2011 (recurso digital)..

Compreender e valorizar as diferenças de gênero torna possível a sua gestão, assegurando a permanência e a produtividade de homens e mulheres no trabalho. Há diferenças no estilo de comunicação, ritmo biológico, hormônios, funcionamento do cérebro e preferências de estilo de vida. Por exemplo, o estilo de liderança feminino pode ser bastante diferente do masculino e, quando é muito similar, tende a ser encarado como assertivo quando exercido por homens e rude quando são as mulheres ocupando os cargos de chefia1111. Maitland A, Wittenberg-Cox A. A era da mulher. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil; 2011 (recurso digital)..

Em suma, o que agrega valor no trabalho, tanto de homens quanto de mulheres, são suas diferenças que, uma vez reconhecidas e não suprimidas, incrementam o patrimônio humano das organizações.

Abordagem equitativa de gênero para fixação de médicos em áreas vulneráveis e com necessidades especiais

Estratégias governamentais e organizacionais voltadas para a atração e fixação de profissionais do gênero feminino, além de reter as mulheres talentosas e produtivas, beneficiam enormemente os homens da equipe de trabalho, aumentando a produtividade e a satisfação relacionada ao trabalho de todos os trabalhadores.

Nessa perspectiva, as ações para aumentar a atração e fixação de profissionais médicos em áreas pobres e remotas passam pelo manejo das políticas públicas e organizacionais no sentido de compreender e valorizar as necessidades interpessoais dos profissionais do gênero feminino.

A maior parte das mulheres não separa sua vida em esferas pessoal e profissional; muito pelo contrário: costuma misturar tudo e busca conhecer a subjetividade carregada por cada profissional com quem convive2525. Andrade JO, Carvalho-Neto A, organizadores. Mulheres profissionais e suas carreiras sem censura: estudos sob diferentes abordagens. São Paulo: Atlas; 2015.. Nesse sentido, propiciar espaços e momentos de convivência mais informais da equipe durante o horário de trabalho atrai e retém o gênero feminino, favorecendo o clima organizacional como um todo.

Um clima organizacional favorável propicia uma alta retenção de talentos, alta produtividade, baixa rotatividade, maior adaptação às mudanças, alta dedicação, maior aproveitamento dos treinamentos e raros adoecimentos psicossomáticos2626. Bispo CAF. Um novo modelo de pesquisa de clima organizacional. Produção. 2006; 16(2):258–73..

Os homens tendem a ser mais agressivos e competitivos, expressando claramente seus desejos de desenvolvimento na carreira e necessidades de ascensão profissional. No entanto, as mulheres sentem uma certa aversão à agressividade e competitividade tipicamente masculinas, retraindo-se e não se deixando ver em todo o seu potencial e competência. Gestores sensíveis para perceber as necessidades e potencialidades não manifestas da sua equipe são importantes para identificar os talentos escondidos e desenvolver as competências individuais.

As mulheres tendem a ser responsáveis com suas atividades de trabalho, mas sentem dificuldades em desempenhá-las adequadamente quando percebem sua família ameaçada, principalmente seus filhos. Nesse sentido, horários flexíveis de trabalho que permitam o equilíbrio entre suas responsabilidades profissionais e de mãe e esposa, programas de absorção no mercado de trabalho local para os seus cônjuges e garantia de cuidados e progresso acadêmico para os seus filhos são pontos fundamentais para a sua fixação no emprego e produtividade2525. Andrade JO, Carvalho-Neto A, organizadores. Mulheres profissionais e suas carreiras sem censura: estudos sob diferentes abordagens. São Paulo: Atlas; 2015..

Embora o acesso à educação, ao trabalho, à cultura e ao lazer de qualidade sejam direitos garantidos constitucionalmente, há grandes disparidades regionais no nosso país que colocam em questão em qual escala esses direitos são contemplados quantitativa e qualitativamente.

A despeito dessas desigualdades, o fato é que a classe médica do nosso país é composta por uma elite social com acesso a salários muito acima da média nacional, tanto no sistema público quanto no privado, em todo o território.

Sua alta remuneração permite que acessem o melhor que há de serviços e infraestrutura disponíveis em uma região. Portanto, como apontado por outros autores66. Oliveira FP, Vanni T, Pinto HA, Santos JTR dos, Figueiredo AM, Araújo SQ, et al. Mais Médicos: um programa brasileiro em uma perspectiva internacional. Interface (Botucatu). 2015; 19(54):623–34.,2727. Scheffer, M. Programa Mais Médicos: em busca de respostas satisfatórias. Interface (Botucatu). 2015; 19:637–640., os incrementos financeiros propostos pelo PMM são insuficientes, pois, além de ser uma política com custo elevado, estimula a permanência provisória e não fixa médicos em médio e longo prazo em regiões com poucas alternativas de qualidade de vida.

O acesso ao ensino médico no Brasil é (e talvez será por muito tempo ainda) elitizado2828. Ristoff D. O novo perfil do campus brasileiro: uma análise do perfil socioeconômico do estudante de graduação. Avaliação (Campinas). 2014; 19(3):723–47. e a profissão médica continua ideologicamente voltada para altos rendimentos pessoais associados a um elevado padrão de vida2727. Scheffer, M. Programa Mais Médicos: em busca de respostas satisfatórias. Interface (Botucatu). 2015; 19:637–640.. Portanto, regiões que não assegurem condições adequadas (e, por vezes, diferenciadas) de trabalho e estudo para o profissional médico e sua família não conseguirão reter esses profissionais por muito tempo.

A organização do trabalho é fonte de prazer e sofrimento para os trabalhadores2929. Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré; 1992.,3030. Dejours C. Trabalho vivo: sexualidade e trabalho. Brasília: Paralelo 15; 2012.. Programas voltados para o reconhecimento da qualidade e da importância do trabalho desenvolvido e ações que promovam o aumento do vínculo do médico com a comunidade tendem a aumentar a identificação do profissional com seu trabalho e o serviço de saúde do qual faz parte1919. Medeiros CRG, Junqueira AGW, Schwinger G, Carreno I, Jungles LAP, Saldanha OMFL. A rotatividade de enfermeiros e médicos: um impasse na implementação da Estratégia de Saúde da Família. Cienc Saúde Colet. 2010; 15(Supl 1):1521–31.,3131. Dejours C. Entre o desespero e a esperança: como reencantar o trabalho? Rev Cult. 2009; 12(139):49–53., favorecendo sua fixação no emprego e no município.

Trabalhar, além de possibilitar o sustento, é fonte de autorrealização. A partir dos desafios impostos pelo trabalho, desenvolve-se uma busca constante de novos aprendizados e um desenvolvimento de novas habilidades, o que impulsiona o alcance de fatores relacionados à autoestima.

O investimento em treinamento e desenvolvimento dos trabalhadores é um elemento essencial para manter a sua motivação. No que se refere à atenção básica, a parceria entre serviços e esferas governamentais para compartilhar o ônus relacionado ao treinamento especializado dos profissionais de saúde é fundamental e consiste em um investimento com retorno garantido, desde que, mesmo que o profissional que foi qualificado deixe o serviço, exista uma tendência dos trabalhadores que atuam em serviços públicos de saúde de se manterem na área, mesmo trocando de instituições ou municípios2525. Andrade JO, Carvalho-Neto A, organizadores. Mulheres profissionais e suas carreiras sem censura: estudos sob diferentes abordagens. São Paulo: Atlas; 2015.,3232. Gil CRR. Formação de recursos humanos em saúde da família: paradoxos e perspectivas. Cad Saúde Pública. 2005; 21(2):490–98..

As vagas de residência em Medicina da Família e Comunidade, bem como de todas as outras especialidades médicas, estão concentradas principalmente na região sudeste do país3333. Chaves HL, Borges LB, Guimarães DC, Cavalcanti LPG. Vagas para residência médica no Brasil: onde estão e o que é avaliado. Rev Bras Educ Med. 2013; 37(4):557–65.. Embora o PMM estimule a abertura de novas vagas nos cursos de medicina recém-implantados, esforços governamentais e locais ainda são necessários para que essa expansão se consolide, limitando o acesso dos profissionais que trabalham em ESFs, principalmente em áreas remotas e de difícil acesso. Nesse sentido, os municípios devem procurar promover uma política voltada a incentivos direcionados aos profissionais que propõem investir seu tempo e recursos em cursos de residência e especialização em Saúde da Família, oferecendo auxílios financeiros para o seu deslocamento e estadia, quando necessário, e possibilidade de redução ou flexibilização da sua jornada de trabalho em benefício do seu tempo dedicado aos estudos, o que restringe sua disponibilidade para a família.

O reconhecimento entre gestores e trabalhadores da equipe das necessidades de saúde específicas da mulher e uma atenção direcionada às morbidades que acometem mais o sexo feminino aumentam a satisfação no trabalho e reduzem o absenteísmo e a rotatividade profissional3434. Oliveira S. A qualidade da qualidade: uma perspectiva em saúde do trabalhador. Cad Saúde Pública. 1997; 13(4): 625–34..

Condições inadequadas de trabalho associadas a cargas horárias excessivas e má remuneração não favorecem a fixação do profissional médico2727. Scheffer, M. Programa Mais Médicos: em busca de respostas satisfatórias. Interface (Botucatu). 2015; 19:637–640., principalmente em regiões com indicadores sociais abaixo da média brasileira, onde as possibilidades de investimento na própria carreira são limitadas.

A seguir são sumarizadas algumas estratégias que podem ser desenvolvidas pelos governantes municipais e gestores de serviços de saúde para aumentar a fixação de profissionais médicos em áreas remotas e com necessidades especiais, utilizando como oportunidade as premissas de uma abordagem equitativa de gênero (Quadro 1).

Quadro 1
Sumário das estratégias governamentais e organizacionais para fixação de médicos em áreas remotas ou com necessidades especiais com base na abordagem contemporânea de gênero

Considerações finais

A fixação de médicos em áreas pobres, remotas e com necessidades especiais pode ser mais efetiva a partir da utilização de estratégias voltadas para a equidade de gênero na profissão médica.

Este estudo propõe que se voltem esforços para as necessidades femininas com o objetivo de retenção de profissionais médicos.

As mulheres que atuam no mercado de trabalho tornam-se mais produtivas e leais às organizações que utilizam abordagens de gênero estratégicas. Locais de trabalho mais atraentes para as mulheres também costumam favorecer a retenção masculina, impactando nos serviços de saúde, na qualidade da assistência e, consequentemente, nos indicadores de saúde da população.

Agradecimentos

A autora agradece ao Tiago Silveira pelo apoio técnico na coleta de dados secundários relacionados a indicadores de saúde, ao Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento (LP&D) e à Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Alfenas pelo apoio às atividades do Programa de Extensão Observatório de Gestão Hospitalar, programa no qual este trabalho foi desenvolvido.

Referências

  • 1
    Campos FE, Machado MH, Girardi SN. A fixação de profissionais de saúde em regiões de necessidades. Divulg Saúde Debate. 2009; 44: 13–24.
  • 2
    Carvalho MS, Sousa MF. Como o Brasil tem enfrentado o tema provimento de médicos? Interface (Botucatu). 2013; 17(47): 913–26.
  • 3
    Soárez PC, Padovan JL, Ciconelli RM. Indicadores de saúde no Brasil: um processo em construção. RAS. 2005; 7(27):57–64.
  • 4
    Scheffer M, Demografia médica no Brasil 2015. São Paulo: Conselho Federal de Medicina; 2015.
  • 5
    Pinto HA, Sales MJT, Oliveira FP, Brizolara R, Figueiredo AM, Santos JT. O Programa Mais Médicos e o fortalecimento da Atenção Básica. Divulg Saúde Debate. 2014; 51: 105–120.
  • 6
    Oliveira FP, Vanni T, Pinto HA, Santos JTR dos, Figueiredo AM, Araújo SQ, et al. Mais Médicos: um programa brasileiro em uma perspectiva internacional. Interface (Botucatu). 2015; 19(54):623–34.
  • 7
    REDE Interagencial de Informação para a Saúde. Organização Pan-Americana da Saúde. Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações. 2a ed. Brasília: OPAS; 2008.
  • 8
    Ribeiro EM, Pires D, Blank VLG. A teorização sobre processo de trabalho em saúde como instrumental para análise do trabalho no Programa Saúde da Família. Cad Saúde Pública. 2004; 20(2):438–46.
  • 9
    Matos FV, Cerqueira MBR, Silva AWM, Veloso JCV, Morais KVA, Caldeira AP. Egressos da residência de medicina de família e comunidade em Minas Gerais. Rev Bras Educ Med. 2014; 38(2):198–204.
  • 10
    Campos CVDA, Malik AM. Satisfação no trabalho e rotatividade dos médicos do Programa de Saúde da Família. Rev Adm Pública. 2008; 42(2):347–68.
  • 11
    Maitland A, Wittenberg-Cox A. A era da mulher. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil; 2011 (recurso digital).
  • 12
    Santos GE, Nestor NF. A influência da mulher como líder no mercado de trabalho. Rev Ciênci Gerenc. 2013; 17(25): 207–25.
  • 13
    Cavazotte FSCN, Oliveira LB, Miranda LC. Desigualdade de gênero no trabalho: reflexos nas atitudes das mulheres e em sua intenção de deixar a empresa. Rev Adm. 2010; 45(1):70–83.
  • 14
    Elborgh-Woytek K, Newiak M, Kochhar K, Fabrizio S, Kpodar K, Wingender P, et al. Women, work, and the economy: macroeconomic gains from gender equity. Washington: International Monetary Fund; 2013.
  • 15
    Bruschini C, Lombardi MR. A bipolaridade do trabalho feminino no Brasil contemporâneo. Cad Pesqui. 2000; 110:67–104.
  • 16
    Cordeiro MC. Mulher, mãe e trabalhadora: breve balanço de recentes políticas de conciliação entre trabalho e vida familiar no Brasil. Rev SER Soc. 2008; 10(23):71–99.
  • 17
    Warner ME, Prentice S. Regional economic development and child care: toward social rigths. J Urban Aff. 2013; 35(2):195–217.
  • 18
    Mendonça MHM, Martins MIC, Giovanella L, Escorel S. Desafios para gestão do trabalho a partir de experiências exitosas de expansão da Estratégia de Saúde da Família. Cienc Saúde Colet. 2010; 15(5):2355–65.
  • 19
    Medeiros CRG, Junqueira AGW, Schwinger G, Carreno I, Jungles LAP, Saldanha OMFL. A rotatividade de enfermeiros e médicos: um impasse na implementação da Estratégia de Saúde da Família. Cienc Saúde Colet. 2010; 15(Supl 1):1521–31.
  • 20
    Mello GA, Mattos ATR, Souto BGA, Fontanella BJB, Demarzo MMP. Médico de família: ser ou não ser? Dilemas envolvidos na escolha desta carreira. Rev Bras Educ Med. 2009; 33(3):464–71.
  • 21
    Moraes MLQ. Usos e limites da categoria gênero. Cad Pagu. 1998; 11:99–105.
  • 22
    Lima AMD, Rosa LCS. Equidade de gênero e welfare state pós-industrial: a contribuição de Nancy Fraser. Temporalis. 2014; 2(28):57–77.
  • 23
    Fraser N. Reconhecimento sem ética? Lua Nova. 2007; 70:101–38.
  • 24
    Almeida PP. ‘Essa empresa não é lugar de mulher parideira’: considerações feministas sobre as relações de gênero nas organizações. [dissertação]. Recife (PE): Universidade Federal de Pernambuco; 2012.
  • 25
    Andrade JO, Carvalho-Neto A, organizadores. Mulheres profissionais e suas carreiras sem censura: estudos sob diferentes abordagens. São Paulo: Atlas; 2015.
  • 26
    Bispo CAF. Um novo modelo de pesquisa de clima organizacional. Produção. 2006; 16(2):258–73.
  • 27
    Scheffer, M. Programa Mais Médicos: em busca de respostas satisfatórias. Interface (Botucatu). 2015; 19:637–640.
  • 28
    Ristoff D. O novo perfil do campus brasileiro: uma análise do perfil socioeconômico do estudante de graduação. Avaliação (Campinas). 2014; 19(3):723–47.
  • 29
    Dejours C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré; 1992.
  • 30
    Dejours C. Trabalho vivo: sexualidade e trabalho. Brasília: Paralelo 15; 2012.
  • 31
    Dejours C. Entre o desespero e a esperança: como reencantar o trabalho? Rev Cult. 2009; 12(139):49–53.
  • 32
    Gil CRR. Formação de recursos humanos em saúde da família: paradoxos e perspectivas. Cad Saúde Pública. 2005; 21(2):490–98.
  • 33
    Chaves HL, Borges LB, Guimarães DC, Cavalcanti LPG. Vagas para residência médica no Brasil: onde estão e o que é avaliado. Rev Bras Educ Med. 2013; 37(4):557–65.
  • 34
    Oliveira S. A qualidade da qualidade: uma perspectiva em saúde do trabalhador. Cad Saúde Pública. 1997; 13(4): 625–34.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2017
  • Data do Fascículo
    2017

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2016
  • Aceito
    14 Abr 2017
UNESP Distrito de Rubião Jr, s/nº, 18618-000 Campus da UNESP- Botucatu - SP - Brasil, Caixa Postal 592, Tel.: (55 14) 3880-1927 - Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br