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O uso da narrativa na educação permanente em Saúde: sentidos, êxitos e limites educacionais

El uso de la narrativa en la educación permanente en Salud: sentidos, éxitos y límites educativos

Resumos

O artigo tem como objetivo discutir sentidos, êxitos e limites educacionais de narrativas produzidas em curso de capacitação de tutores e facilitadores em Educação Permanente em Saúde.

Marcos conceituais

Temporalidade, Experiência, Hermenêutica-dialética e Metodologias Ativas. O estudo – de abordagem qualitativa – pautou-se no método da narrativa, com vinte textos reflexivos, buscando o significado atribuído a fatos, relações e práticas.

Resultados

O grupo dos cursistas afigurou-se como personagem central. Em termos de cenários, as ideias foram mais exploradas como espaços de construção de experiências subjetivas. Os enredos tanto seguiram a ordem cronológica dos encontros do curso, como se constituíram de agrupamento das experiências por núcleos de sentido.

Conclusão

As narrativas, enquanto ferramentas educacionais inovadoras em educação na saúde, aprofundaram a autonomia e autodeterminação, levando os sujeitos a serem “autores” de sua própria vida, tão intensa e transformadora que foi a “experiência do eu”.

Narrativa; Temporalidade; Experiência; Metodologias ativas; Educação permanente


El objetivo del artículo es discutir sentidos, éxitos y límites educativos de narrativas producidas en un curso de capacitación de tutores y facilitadores en Educación Permanente en Salud.

Marcos conceptuales

temporalidad, experiencia, hermenéutica-dialéctica y metodologías activas. El estudio, de abordaje cualitativo, tuvo como base el método de la narrativa, con veinte textos reflexivos, buscando el significado atribuido a hechos, relaciones y prácticas.

Resultado

el grupo de los cursillistas se presentó como personaje central. En términos de escenarios, las ideas fueron más exploradas como espacios de construcción de experiencias subjetivas. Las tramas siguieron tanto el orden cronológico de los encuentros del curso, como se constituyeron en agrupación de las experiencias por núcleos de sentido.

Conclusión

Las narrativas, como herramientas educativas innovadoras en educación en la salud, profundizaron la autonomía y la autodeterminación, llevando a los sujetos a ser “autores” de su propia vida, tan intensa y transformadora fue la “experiencia del yo”.

Narrativa; Temporalidad; Experiencia; Metodologías activas; Educación permanente


The aim of this article was to discuss the educational directions, successes and limits of narratives produced in a training course for tutors and facilitators within continuing health education.

Conceptual landmarks

temporality, experience, hermeneutics-dialectics and active methodologies. This study took a qualitative approach and was based on the narrative method. It used 20 reflective texts and sought the meanings attributed to events, relationships and practices.

Results

The course participant group was the central character. In terms of scenarios, the ideas were explored more as spaces for construction of subjective experiences. The plots not only followed the chronological order of the course meetings but also formed groupings of experiences according to core meanings.

Conclusion

The narratives, as innovative educational tools within health education, deepened autonomy and self-determination. They led the subjects to be “authors” of their own lives and were as intense and transformative as “experiences of the self”.

Narrative; Temporality; Experience; Active methodologies; Continuing education


Introdução

A base de nossa cultura atual foi formulada, em suas linhas essenciais, nos séculos XVI e XVII: “a noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo como se ele fosse uma máquina...”11. Capra F. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. 20a ed. São Paulo: Editora Cultrix; 1997.(p. 49). Nessa visão, o “sujeito cartesiano é um ‘sujeito desancorado’, instantâneo, vazio, sem história, não é praticamente nada, simplesmente não é um sujeito”22. Viana CA. Tempo e sujeito em Paul Ricoeur: uma introdução a partir da leitura ricoeuriana do livro XI das Confissões de Santo Agostinho. Contemplação. 2012; (4):1-19. (p. 3). Por volta da década de 1930, emerge a visão sistêmica de mundo, onde o todo sempre é maior que a soma das partes, e sua visão completa somente emerge a partir das conexões/relações das partes em seu contexto33. Gomes LB, Bolze SDA, Bueno RK, Crepaldi MA. As origens do pensamento sistêmico: das partes para o todo. Pensando Fam. 2014; 18(2):3-16..

Em educação, tendo-se em mente que essa mudança não é somente de compreensão, mas de conduta que deve ser traduzida na prática diária, “há o reconhecimento consensual da necessidade de transformações na educação de profissionais de saúde e novas formas de trabalhar com o conhecimento”44. Souza CS, Iglesias AG, Pazin-Filho A. Estratégias inovadoras para métodos de ensino tradicionais – aspectos gerais. Medicina (Ribeirão Preto). 2014; 47(3):284-92. (p. 285).

Essa ideia foi difundida pela UNESCO em 197055. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2009., por meio de centros de pesquisa e do projeto Cidade Educativa66. Gadotti M. A educação contra a educação. 5a ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra; 1992.. Lemos nos conta que a “denominada Educação Permanente em Saúde (EPS) surge em meados da década de 1980, disseminada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)”77. Lemos CLS. Educação permanente em saúde no Brasil: educação ou gerenciamento permanente? Cienc Saude Colet. 2016; 21(3):913-22. (p. 914) como diretriz, visando à melhoria da qualidade da atenção e dos serviços de saúde55. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.,88. Haddad QJ, Roschke MAC, Davini MC. Educación permanente de personal de salud. Washington, DC: Organização Panamericana de Saúde – OPAS; 1994. (Serie Desarrollo de Recursos Humanos)..

A EPS, implantada como política nacional em duas fases (2004 e 2007) como um processo educativo aplicado ao trabalho99. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série B. Textos Básicos de Saúde. Série Pactos pela Saúde 2006; v. 9).

10. Lopes SRS, Piovesan ÉTA, Melo LO, Pereira MF. Potencialidades da educação permanente para a transformação das práticas de saúde. Com Cienc Saude. 2007; 18(2):147-55.
-1111. Coriolano MWDL, Lima MDM, Queiroga BAM, Ruiz-Moreno L, Lima LS. Educação permanente com agentes comunitários de saúde: uma proposta de cuidado com crianças asmáticas. Trab Educ Saude. 2012; 10(1):37-59.costuma ser trabalhada com ferramentas de metodologias ativas de ensino-aprendizagem (MAEA)1010. Lopes SRS, Piovesan ÉTA, Melo LO, Pereira MF. Potencialidades da educação permanente para a transformação das práticas de saúde. Com Cienc Saude. 2007; 18(2):147-55. e impõe o desenvolvimento de novas competências profissionais no ensinar, alicerçada num princípio teórico significativo: a autonomia1212. Mitre SM, Siqueira-Batista R, Girardi-de-Mendonça JM, Morais-Pinto NM, Meirelles CDAB, Pinto-Porto C, et al. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem na formação profissional em saúde: debates atuais. Cienc Saude Colet. 2008; 13(2):2133-44.,1313. Berbel NAN. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de estudantes. Semina Cienc Soc Hum. 2011; 32(1):25-40..

Nesse sentido, a educação ocorre “em função de experiências que [...] vivencia diante de desafios cognitivos e de situações-problema”1414. Conterno SFR, Lopes RE. Inovações do século passado: origens dos referenciais pedagógicos na formação profissional em saúde. Trab Educ Saude. 2013; 11(3):503-23. (p. 514), para que se possa refletir criticamente, e de forma constante, sobre a prática cotidiana dos serviços de saúde: espera-se o protagonismo dos trabalhadores1515. Lima JVC, Turini B, Carvalho BG, Nunes EDFPA, Lepre RDL, Mainardes P, et al. A educação permanente em saúde como estratégia pedagógica de transformação das práticas: possibilidades e limites. Trab Educ Saude. 2010; 8(2):207-27. na transformação de seu próprio contexto de trabalho1111. Coriolano MWDL, Lima MDM, Queiroga BAM, Ruiz-Moreno L, Lima LS. Educação permanente com agentes comunitários de saúde: uma proposta de cuidado com crianças asmáticas. Trab Educ Saude. 2012; 10(1):37-59..

Lima observa que diversas MAEA “vêm sendo desenvolvidas, tais como: aprendizagem baseada em problemas – ABP, a problematização, e aprendizagem baseada em projetos, em equipes, por meio de jogos ou uso de simulações”1616. Lima VV. Espiral construtivista: uma metodologia ativa de ensino-aprendizagem. Interface (Botucatu). 2017; 21(61):421-34. (p. 4).

Embora seja relevante considerarmos as diferenças existentes entre as metodologias ativas, [...] é necessário que o docente que as emprega assuma uma nova postura [...] de coparticipação no processo de ensino-aprendizagem1717. Ballarin MLGS, Palm RCM, Carvalho FB, Toldrá RC. Metodologia da problematização no contexto das disciplinas práticas terapêuticas supervisionadas. Cad Bras Ter Ocup. 2013; 21(3):609-16.. (p. 611)

No Brasil, seu uso buscou uma formação de profissionais de saúde voltada para o Sistema Único de Saúde (SUS)1212. Mitre SM, Siqueira-Batista R, Girardi-de-Mendonça JM, Morais-Pinto NM, Meirelles CDAB, Pinto-Porto C, et al. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem na formação profissional em saúde: debates atuais. Cienc Saude Colet. 2008; 13(2):2133-44.,1818. Melo BC, Sant’Ana G. A prática da metodologia ativa: compreensão dos discentes enquanto autores do processo ensino-aprendizagem. Comun Cienc Saude. 2012; 23(4):327-39.. Assim, a capacitação de educadores em MAEA, uma necessidade para o desenvolvimento de soluções educacionais para o SUS, foi colocada em prática em 2012 pelo Núcleo de Educação Permanente (NEP) do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) 192 – Regional Fortaleza (NEP SAMUFor). Essa capacitação visava, inicialmente, formar educadores para o próprio NEP SAMUFor, mas hoje capacita educadores para toda a Secretaria Municipal de Saúde. Utilizando ABP, problematização, aprendizagem baseada em equipes, simulações realísticas e filmes, o curso escolheu, como estratégia de avaliação formativa, o portfólio reflexivo; e, como avaliação somativa, um Trabalho de Conscientização do Percurso (TCP), construído na forma de narrativa reflexiva.

Dutra considera que a narrativa é a “forma de comunicação mais adequada do ser humano, já que reflete a própria experiência humana”1919. Dutra E. A narrativa como uma técnica de pesquisa fenomenológica. Estud Psicol. 2002; 7(2):371-8. (p. 373), com seu “conteúdo emocional e detalhes sensoriais [...]. Uma narrativa mescla detalhes [...] em um todo que é maior do que a soma das partes...”2020. Brusamolin V. Narrativas para a gestão de mudanças: um estudo de caso na indústria vidreira. Transinformação. 2011; 23(1):15-28. (p. 20), transportando e constituindo um “infinito reservatório de significados e compreensões”2121. Bury M. Illness narratives: fact or fiction? Sociol Health Illn. 2001; 23(3):263-85. (p. 264) sobre aspectos culturais e individuais da experiência humana. Para Bondía, experiência "é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece enquanto experiência"2222. Bondía JL. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev Bras Educ. 2002; (19):20-8. (p. 21).

Numa narrativa, a organização da “experiência do eu”, “um processo psicológico referente à pessoa que está construindo significados de uma experiência ao contar uma história e ao recebê-la”2323. Ribeiro AK, Lyra MCDP. O processo de significação no tempo narrativo: uma proposta metodológica. Estud Psicol. 2008; 13(1):65-73. (p. 67), não necessariamente segue a ordem cronológica dos fatos. Para Ricoeur2424. Ricoeur P. Tempo e narrativa (Tomo I). Campinas: Papirus; 1994., a “temporalidade” é central numa narrativa. Investigar a temporalidade é investigar o próprio sujeito, compreender sua vivência de passagem, compreender melhor sua subjetividade: “não é que o sujeito passa pelo tempo; antes, nós somos tempo; não é o tempo que passa, somos nós que nos constituímos temporalmente”22. Viana CA. Tempo e sujeito em Paul Ricoeur: uma introdução a partir da leitura ricoeuriana do livro XI das Confissões de Santo Agostinho. Contemplação. 2012; (4):1-19. (p. 3).

Além da temporalidade, há a espacialidade da narrativa, onde o tempo é organizado e os significados das experiências são criados, num “processo psicológico referente à pessoa que está construindo significados de uma experiência ao contar uma história e ao recebê-la”2323. Ribeiro AK, Lyra MCDP. O processo de significação no tempo narrativo: uma proposta metodológica. Estud Psicol. 2008; 13(1):65-73. (p. 67): “não se referem primariamente a definições meramente físicas do espaço, eles remetem a construções de nichos sociais nos quais relações pessoais e interpessoais específicas são postas a funcionar”2323. Ribeiro AK, Lyra MCDP. O processo de significação no tempo narrativo: uma proposta metodológica. Estud Psicol. 2008; 13(1):65-73. (p. 70).

Assim, no sentido de delimitar a pesquisa, fizemos algumas perguntas: i) Qual a compreensão dos educandos sobre o processo de ensino-aprendizagem vivido no curso? ii) Como o processo educacional contribuiu para mudanças pessoais e profissionais na prática do trabalho? iii) Como a ideia inovadora de narrativas reflexivas pode contribuir para a autonomia de sujeitos em processos de educação permanente?

Definiu-se como objeto deste estudo os TCP, não como ferramentas de avaliação somativa, mas com o objetivo geral de explorar os sentidos, os êxitos e os limites educacionais dessas narrativas reflexivas como estratégia pedagógica.

Metodologia

Esse estudo compõe uma pesquisa maior, cujo objetivo geral é explorar o uso da narrativa como forma de compreensão do processo saúde-doença-cuidado, gestão do conhecimento e inovação em saúde, aprovada em 21/10/2013 pelo Comitê de Ética de Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, parecer 430.067. Um dos objetivos específicos da pesquisa maior tornou-se foco desse estudo – baseado numa dissertação de mestrado defendida em abril/2017.

Ambos pautam-se numa abordagem de pesquisa qualitativa, entendida como um conjunto de práticas interpretativas que buscam investigar os sentidos que os sujeitos atribuem aos fenômenos e ao conjunto de relações em que eles se inserem2525. Denzin NK, Lincoln YS. Introduction: the discipline and practice of qualitative research. In: Denzin NK, Lincoln YS, editors. Handbook of qualitative research. London: Sage; 2000. p. 1-29.,2626. Deslandes SF, Gomes R. A pesquisa qualitativa em serviços de saúde: notas teóricas. In: Bosi M, Mercado F, editors. Pesquisa qualitativa de serviços de saúde. Petrópolis: Editora Vozes; 2004. p. 99-120.. O método desse estudo foi o de narrativa, entendido como um estudo sobre a problematização da “relação entre as formas culturais ou simbólicas e a experiência”2727. Good BJ. Medicina, racionalidad y experiencia. Una perspectiva antropologica. Barcelona: Edicions Belaterra; 2003. (p. 254-5). Aqui as narrativas não estão sendo empregadas como apenas técnica, mas como método, uma vez que este estudo envolve aspectos epistemológicos e teóricos especificamente voltados para a produção e interpretação de narrativas2828. Gomes R, Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípio para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo MCS, Deslandes SF, editors. Caminhos do pensamento: epistemiologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002. p. 109-32..

Realizado entre outubro/2016 e março/2017, esse estudo trabalhou com os TCP produzidos no âmbito da Capacitação de Tutores e Facilitadores em Educação Permanente do NEP SAMUFor, ou seja, não foram produzidos especificamente para esse estudo, mas eram sínteses das aprendizagens e realizações alcançadas, apresentadas de forma lógica/encadeada, fundamentadas em literatura pertinente, ou evidências empíricas, dando visibilidade aos ganhos/mudanças na prática profissional.

A capacitação iniciou em 2013 e já concluiu sua Turma XIV, tendo produzido 56 TCP (a Turma I não produziu TCP). Devido à extensão desse acervo, foram sorteados manualmente vinte TCP, sem nenhum critério de exclusão, conforme tabela 1.

Tabela 1
Tabela de distribuição de TCP sorteados nas turmas do curso

Foram assim denominadas de N1 a N20 as narrativas sorteadas, distribuídas aleatoriamente segundo a seguinte matriz de análise, tabela 2.

Tabela 2
Tabela demonstrativa das legendas das narrativas sorteadas.

Para nossa análise e interpretação, a perspectiva da crítica hermenêutica-dialética2929. Alencar TOS, Nascimento MAA, Alencar BR. Hermenêutica dialética: uma experiência enquanto método de análise na pesquisa sobre o acesso do usuário à assistência farmacêutica. Rev Bras Promoc Saude. 2012; 25(2):243-50. foi a “abordagem de escolha, pois, enquanto a hermenêutica busca um consenso na interpretação e leitura do “contexto” contido dentro do “texto” narrativo, a dialética é a ciência e a arte do diálogo, da pergunta e da controvérsia, método auxiliar para interpretar como o conflito entre diferentes pensamentos gera novas ideias e atitudes.

A análise e interpretação das narrativas foi realizada a partir dos princípios da proposta de Gomes e Mendonça2828. Gomes R, Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípio para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo MCS, Deslandes SF, editors. Caminhos do pensamento: epistemiologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002. p. 109-32.: (a) compreensão do contexto; (b) desvendamento dos aspectos estruturais, e (c) síntese interpretativa.

Compreensão do contexto

Na perspectiva da temporalidade de Ricoeur, aqui buscamos a relação do “presente” tanto com memórias e expectativas quanto com a projeção para o futuro, o antes e o após a experiência narrada, para tentar compreender os sentidos atribuídos ao curso. Gomes e Mendonça2828. Gomes R, Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípio para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo MCS, Deslandes SF, editors. Caminhos do pensamento: epistemiologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002. p. 109-32. sugerem quatro modos de análise, os quais foram seguidos como etapas para o propósito desse estudo:

᛫ Primeira etapa: identificar/descrever “situações espaço-temporais” prévias nas quais as narrativas foram produzidas, para compreender a experiência vivida;

᛫ Segunda etapa: compreender os “campos de interação”, como o narrador se apropria/transforma sua representação de educador a partir de sua posição no espaço social e na trajetória de interações de saberes/afetos vivenciadas;

᛫ Terceira etapa: analisar as “instituições sociais”, conjuntos relativamente estáveis de regras, recursos e relações sociais estabelecidas; e

᛫ Quarta etapa: analisar semelhanças, assimetrias e diferenças dos campos de interação e das realidades das instituições sociais.

Desvendamento dos aspectos estruturais

Aqui, Gomes e Mendonça2828. Gomes R, Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípio para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo MCS, Deslandes SF, editors. Caminhos do pensamento: epistemiologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002. p. 109-32. ressaltam dois princípios para a análise de aspectos estruturais das narrativas, também seguidos como etapas:

᛫ Quinta etapa: analisar como o curso contribuiu para mudanças pessoais e profissionais e como a experiência foi reelaborada a partir do ato de escrever; e

᛫ Sexta etapa: perceber os “personagens”, o “enredo” e os “cenários das experiências”.

Síntese interpretativa

Essa etapa refere-se ao diálogo entre os achados, resultados de outros estudos e o marco referencial-analítico.

Resultados

Situações espaço-temporais prévias

Percebemos a espera por conceitos prontos advindos do professor e a obrigação de ser o melhor em provas, notas ou na opinião dos outros: “estamos tão acostumados com experiências educativas cujo foco é a transmissão de conteúdos que institivamente já esperamos apenas ‘ouvir sobre’ ou ‘ler sobre’ algo para aprender sobre aquilo” (N20, p. 4). Nesse modelo “os erros são punidos, as salas são grandes e cheias de estudantes e o professor, muitas vezes por uma questão de ego, assume uma postura de carrasco” (N8, p. 11).

Essa experiência de educação gerou trauma, sendo monótona, cansativa e menos proveitosa. Nela a aprendizagem se converte, na maioria das vezes, em simples memorização de informações desvitalizadas: “É este tipo de máquina, repetidora, que meu filho vai ser?” (N6, p. 4).

Havia uma curiosidade/ansiedade pelo curso por já se saber que seu conteúdo era de grande importância para mudanças e crescimento pessoal e profissional dentro da instituição:

[...] eu tinha dentro de mim alguma expectativa de transformação, de evolução, pois sabia que as metodologias ativas tinham uma perspectiva diferente de modelo de ensino-aprendizagem, diferente do que vivi em minha vida educacional quando mais jovem. (N2, p. 4)

As narrativas falavam de um longo caminho para o uso dessas novas tecnologias no ensino. Uma frase resume como o narrador projetou sua experiência para o futuro: “Hoje meu desafio é: como readequar meu fazer num processo em andamento, com alguns vícios estabelecidos e se encaminhando para o final?” (N1, p. 10).

Campos de Interação

O conjunto das narrativas demonstra como essa aprendizagem foi significativa no desenvolvimento de habilidades sutis e importantes desse novo educador:

habilidade de dirigir sem controlar” e de ser um “sensibilizador” em primeiro lugar [...] permanecer neutra [...] entender sem julgar; dar e receber feedback sobre ritmo, conteúdo e processo, não olhar muito pra pessoa que está falando; perceber a linguagem não verbal; perceber o funcionamento do coletivo enquanto sistema; favorecer a criação de vínculos. (N1, p. 10)

Percebeu-se a importância de qualidades como: empatia, disposição para novas ideias, capacidades de favorecer redes de comunicação, de promover o envolvimento e motivação dos profissionais e destaque para o desenvolvimento de características de liderança/mediação nos encontros em grupo. Para isso seria necessária a superação de inseguranças naturais, o controle emocional e o desenvolvimento de paciência e sabedoria.

Cabe ao educador: melhorar sua sensibilidade em relação ao grupo, controlar suas opiniões, discernir os momentos e a forma de intervir, e controlar o tempo da atividade sem que isso seja um corte no processo de construção do pensamento grupal.

[...] de tanto falar, senti-me exposta e capturada pelas armadilhas de minhas palavras: expus um pensamento do qual conceitualmente não tinha certeza [...] Habilmente o tutor atento não deixou passar (eu também não teria deixado)... que habilidade.... [...] Busquei o conhecimento para não ser engolida pela dúvida. (N16, p. 8)

Cabe ao educando superar a lógica da “tarefa”, acreditar em si mesmo, expressar-se com as próprias palavras e desvencilhar-se das amarras de ainda se deter na opinião e no julgamento do outro, pois, nesse processo, não há certo nem errado, e sim diferentes tempos e aprendizados por diferentes razões: "e agora, eu gostaria de destacar o quanto o curso se tornou intenso neste ponto do processo. Minha sensação é como se 'nada passasse batido'. O grupo estava tão envolvido que tudo virou uma oportunidade de aprendizagem" (N8, p. 14).

Instituições sociais

Afora os diversos ambientes de trabalho, a família foi a instituição social mais citada, tanto no contexto do lar quanto no contexto da escola dos filhos. A rede de amigos, instituições sociais frequentadas ou até grupos em que são partilhadas as experiências do ensinar-aprender também foram exemplos de espaços institucionais narrados:

Na minha vida pessoal, sempre priorizei a família e os amigos... (N18, p. 22); Em casa os meus pequenos começam a me pedir uma nova brincadeira... (N4, p. 14); Como desenvolver esta motivação, especificamente, nos nossos colegas do PSF? (N6, p. 27); Comentei sobre minha recente experiência como assessora técnica da coordenadoria de saúde da Regional II (N10, p. 5). [grifo nosso]

Notou-se uma ampla abrangência de instituições sociais presentes nas narrativas, mostrando como o método utilizado consegue trazer a realidade individual à tona, como base para que uma aprendizagem significativa ocorra. Ou seja, reflete-se as relações ocorridas na instituição formadora com instituições do mundo do trabalho e outras instituições sociais.

Semelhanças, assimetrias e diferenças

O conjunto das narrativas demonstra como o uso de metodologias ativas envolve limites e desafios: “A formação de pessoal docente é um obstáculo real e incontornável à realização das perspectivas de desenvolvimento do país. Não há alternativa senão superá-lo” (N14, p. 5).

Existem muitas frustrações durante o processo de ousar construir o novo. Temos, assim, que pensar caminhos/diálogos de enfrentamento e de como lidar com alguns aspectos negativos ou limitadores: “domínio tecnológico de professores e alunos, o acesso às tecnologias, a ainda baixa autonomia dos educandos e a necessidade de capacitação docente para aplicação da EaD em sua prática docente” (N20, p. 12).

As ações governamentais não formam indivíduos éticos, criativos e com autocontrole, nem conseguem, por si, promover grandes transformações na vida dos jovens. Fazem-se necessários novos valores institucionais para que possamos “formar um profissional com liberdade e autonomia na realização de escolhas e na tomada de decisões” (N11, p. 6):

As instituições de ensino, principalmente, precisam agregar novos valores aos instrumentos de ensino, valorizar e democratizar mais as atividades de pesquisa, instruir e fornecer ferramentas que facilitem o novo perfil do educando e do educador para o ensino através das metodologias ativas. (N5, p. 12-13 e p. 50)

As narrativas trazem inúmeras contradições, muito pessoais. Dessa forma, para funcionar, é preciso o engajamento ativo e autônomo de cada um dos participantes:

Como equilibrar esta aceitação com a minha tendência de me retirar (indiferença) do mundo, se o que urge hoje é justamente o contrário. De novo pude me aproximar das minhas contradições, muito pessoais, numa visão muito influenciada pela paixão idealizada... (N13, p. 8-9)

Mesmo assim, houve alguns êxitos: na aplicação prática do aprendizado no ambiente profissional, no planejamento e reorganização compartilhada dos processos de trabalho, na construção coletiva do conhecimento, no dar e receber críticas com afetividade e escuta, e no uso de novas ferramentas educacionais na graduação e em treinamentos. (N15, p. 10)

Mudanças pessoais e profissionais

O curso possibilitou repensar e transformar conceitos e opiniões formais, e começar a reconstruir práticas de vida em vários aspectos pessoais e profissionais, reconhecendo a contribuição de cada participante e agregando valores que antes não estavam bem fundamentados: “Sofri uma rica transformação, sinto que mudei em muitos aspectos em busca de ser uma pessoa melhor e reconheço o enorme potencial do trabalho em equipe” (N4, p. 6).

No campo profissional, o curso disparou várias reflexões sobre o papel do tutor e do uso das metodologias ativas, tanto relacionado ao ensino quanto aos processos de trabalho:

Sobre a Capacitação, sem dúvida alguma tornou-se umas das experiências educativas mais marcantes da qual já participei. [...] a importância da amorosidade para a aprendizagem. Meu sentimento é de profunda gratidão por essa experiência, da qual saio transformada como pessoa e como profissional da educação em saúde. (N20, p. 19)

Foi citada a aquisição de habilidades para a percepção da dinâmica de grupos, acolhimento de pensamentos diferentes, administrar a própria linguagem não verbal, a forma de se relacionar, o que motiva/desmotiva as pessoas, extrapolado para os colegas de trabalho (N1, p.15), para a família (N19, p. 4), para a vida (N18, p. 52)... . Não se conseguia fazer mais aquelas “velhas” palestras de antes:

[...] essa (metodologia) pode ser aplicada para estimular os profissionais, para fazê-los desabafar e problematizar as demandas da unidade de saúde, bem como é um método onde o facilitador pode ouvir críticas do sistema, bem como sugestões de melhoria por parte do (próprio) grupo. (N10, p. 8-9)

No foro pessoal, as narrativas relatam um crescimento jamais imaginado e em curto espaço de tempo: “foi como se eu tivesse subido vários degraus de uma escada, esta escada seria meu crescimento pessoal...” (N17, p. 24). A cada dia sentiam mais convicção da dimensão terapêutica que o estar em grupo assumia na própria vida: “ser facilitador não é tarefa fácil e requer autoconhecimento” (N7, p. 15).

Os educandos refletiam sobre a própria postura no enfrentamento de problemas, numa maturidade que antes não existia, pois, normalmente, fugiam ou adiavam esse enfrentamento como forma de defesa.

A experiência desse primeiro encontro, também me fez, em fórum bem íntimo, perceber que pouco sou tolerante e paciente com as diferenças de opiniões, bastante julgadora e que ainda me preocupo com o julgamento dos outros ao meu respeito. Percebi que também não sou tão amorosa quanto me imagino ser... (N13, p. 5)

A cada encontro se percebiam questionando a si mesmos e a “verdades” por muito tempo inquestionáveis:

[...] tudo aconteceu de repente de maneira intensa e o fato de conseguir externar e registrar todo esse sentimento [...] mostra que mudei. Agora escrevo. Sinceramente não acho que mudei minha visão de mundo, mudei minha visão do processo e de como me coloco nele. (N9, p. 4)

A experiência de receber críticas foi algo novo e estimulante. As narrativas mostram como educandos perceberam existir abertura em si próprios para receber o olhar do outro, algo que não imaginavam:

Mas os aprendizados dolorosos são necessários e permitem deslocamentos interessantíssimos. Fiz dois grandes deslocamentos essa semana: I – Minha “máscara” caiu; II – Percebi meus padrões de repetição. Deveras, isso me ajudará a trilhar novos caminhos. Assim espero. (N7, p. 19)

Foi interessante observar, também, como o ato de escrever foi disparador de reflexão e reelaboração de prática e sentidos do processo vivido no curso:

fazer uma releitura das minhas sínteses produzidas a partir de cada encontro me fez reviver o curso, ter novas dúvidas, procurar novas respostas (N16, p. 26). Preciso explicar uma mudança na minha forma de escrever, que surgiu semana passada, justamente como resposta a essa minha necessidade de organizar as ideias. (N9, p. 5)

Personagens, enredo e cenários das experiências

O “grupo” foi o personagem onipresente em todas as narrativas, implícita ou explicitamente, ora representado como um espaço de psicoterapia (N2, p. 7), ora como personagem ativo que influencia nos aprendizados obtidos: “o grupo serviu muitas vezes de escape para os potenciais sentimentos negativos, que acredito em outras circunstâncias poderiam bloquear o aprendizado” (N9, p. 4).

O “educador” é o outro personagem que mais aparece, seja como tutor, facilitador ou preceptor. Em vários pontos nas narrativas, surgem: nomes de participantes ou de educadores envolvidos, quase sempre em situações de aprendizado, falas marcantes, incidentes críticos ou situações sociogrupais que falam muito sobre a experiência com o curso.

O enredo, como ordem subjacente à história narrada, funciona como uma estrutura, o projeto e a intenção da narrativa, sua direção e pretenso significado: “uma sequência para os eventos e para as relações de conexão desses eventos”2828. Gomes R, Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípio para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo MCS, Deslandes SF, editors. Caminhos do pensamento: epistemiologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002. p. 109-32. (p. 127). É no enredo que surge a experiência vivida com suas reflexões e aprendizados.

Em geral, seguiu-se a ordem cronológica dos encontros presenciais, embora, às vezes, isso não tenha dado muito certo: “estou escrevendo, tentando seguir uma linha de raciocínio, e a toda hora surgem ideias atravessadas, e me levanto e vou fazer outras coisas, enfim fico bastante ansioso” (N9, p. 5). Em algumas narrativas, o enredo escolhido foi agrupar as experiências por núcleos de sentido, separando a experiência em fases ou em tarefas que ocorreram nos encontros.

As narrativas analisadas são pobres em cenários como espaços/ambientes de trabalho, mas são ricas em cenários como espaços de construção das experiências subjetivas do “eu”. O cenário físico principal foi o espaço organizado para o desenvolvimento do curso, que ficou implícito nas narrativas, mas esse cenário foi o palco para outros cenários subjetivos da “experiência limítrofe entre ser eu e outro”, que separamos em categorias: com a metodologia do curso, com o conviver em grupo, com o facilitar o grupo e com as avaliações no curso.

Síntese interpretativa

Após a análise da estrutura das narrativas e da experiência, revelou-se-nos a complexidade das significações presentes. Percebemos a experiência prévia dos educandos, acostumados mas não adaptados a um “ensinar” baseado em ambiente competitivo, recebendo conteúdos transmitidos por um detentor do saber por meio de aulas expositivas e atividades teóricas; e a um “aprender” constituído, na maioria das vezes, em memorização e repetição de informações, posto que o educando é tolhido no seu direito de pensar e criar.

Era uma experiência com desafios, vantagens e desvantagens que ocorriam em espaços educacionais (instituições de ensino), espaços de encontro (ambientes profissionais de saúde no SUS), em grupos de amigos e com os filhos, no contexto do lar e da escola.

Foram narrados inúmeros eventos onde a experiência com o curso fomentou mudanças pessoais e profissionais, inclusive com alguns educandos já aplicando, em sua vida pessoal e profissional, com desafios e êxitos, sua compreensão sobre o método.

Narra-se, inclusive, a aquisição de habilidades específicas para esse novo papel do educador: empatia, escuta, acreditar em si mesmo, fortalecer a grupalidade, amor e afetividade, desvencilhar-se das amarras de ainda se deter na opinião e no julgamento do outro, ensinar o outro a pensar, controle emocional, saber lidar com as próprias fragilidades, inseguranças e impaciências, e saber administrar o tempo.

O uso de metodologias ativas envolve aspectos que vão desde a permissão curricular e autorização da gestão à disponibilidade de recursos e baixa autonomia dos educandos. Diante dos desafios e até frustrações, narra-se a necessidade de novos valores institucionais para formar um profissional com liberdade e autonomia de escolhas e tomada de decisões.

As narrativas analisadas apontam como um grande desafio a própria mudança pessoal e as armadilhas que fazem com que se volte a antigos padrões. Como conviver em grupo, lidando com inúmeras diferenças se a tendência individual é de se retirar? Como ser responsável por processos de educação permanente sem nenhuma formação em educação? Como transformar o encontro de obrigação em prazer?

O engajamento individual e das instituições parece ser de crucial importância, esse último dependendo totalmente daquele primeiro para que se resolvam as dificuldades de compreensão dos gestores e dos profissionais sobre o método, até que a possibilidade do diálogo sobre questões da realidade individual, por si, seja motivador intrínseco ao encontro.

Por meio da prática da escuta, surgiu abertura para o olhar do outro sobre si mesmo, sobre as próprias contradições. E essa escuta incluiu a própria escuta de si mesmo, num processo de autoaprendizagem vivido até no momento da escrita da narrativa. Cresceu-se em autoestima, curiosidade e criatividade, questionando-se sobre o anteriormente inquestionável. Mudou-se a pessoa!

Dessa forma, o conviver em grupo teve uma inesperada dimensão terapêutica em refletir sobre si próprio, sobre sua metacognição e sobre como seus pensamentos e sentimentos influenciam suas atitudes. Isso ocasionou mudanças de pensamento, mudanças de sentimento e mudanças de atitudes.

A partir disso foi notório como os educandos passaram a observar e dar mais importância ao olhar do outro, à escuta e aos sentimentos que todos carregam, suas histórias de vida, seus sonhos.

O espanto com a metodologia, longe de afugentar, atiçou a curiosidade e potencializou o encanto por uma proposta inovadora de escuta e integração, aprendizado e transformação. Além de encanto, termos como “magia”, “manter viva a chama”, “singularidade”, “desafio”, “mergulho” foram utilizados para retratar a experiência com a metodologia do curso.

O uso de filmes foi a ferramenta mais marcante como experiência, fonte de vários aprendizados e percepções, parecendo reunir em si mesmos o espanto poético, o encanto mágico, o desafio do mergulho e a chama da vida. A construção de espaços reflexivos e de prática também foram pontos fortes no curso, sendo o ponto alto a vivência do papel de facilitador.

O conviver em grupo, em um espaço de confiança e troca, gerou vínculo e afetos, e tornou os encontros intensos em emoção, prazerosos e terapêuticos. O maior aprendizado foi a habilidade da escuta, perceber outros pontos de vista, especialmente no processo contínuo de avaliação e autoavaliação no qual estava imerso o grupo.

Considerações finais

A experiência com o curso proporcionou, aos educandos, perceberem um novo papel de educador e de educação. Aprendeu-se com as inúmeras riquezas de sentido que estiveram ao alcance, e, para isso, precisou-se de um tempo-espaço de confiança para que se saboreasse um novo olhar/percepção. O processo de reflexão produzido contribuiu para o ressignificado de sentidos e crescente autonomia de sujeitos.

Um tempo-espaço para ressignificar memórias, sentidos e pensamentos, por meio de uma “experiência do eu”: único território possível de mudança de hábitos, condicionamentos e atitudes. Vimos nas narrativas como essa “experiência do eu” foi intensa e transformadora, com o narrador se transformando em “autor” de sua própria vida, e como esse tomar posse de si mesmo foi compartilhado na vida pessoal e profissional de cada narrador. Nasciam sujeitos autônomos, com a faculdade de se governarem por si mesmos, sem controle externo ou motivações extrínsecas.

As narrativas constituíram ferramentas de autorreflexão que contribuíram para a reelaboração de prática e sentidos, embora sua confecção, às vezes, tenha se tornado confusa pela intensidade de ideias e sentidos que surgiram a partir da experiência vivida. Escrever e refletir sobre o próprio processo, como forma de conscientização da experiência vivida do curso, faz do uso de narrativas reflexivas uma ferramenta inovadora em educação na saúde, contribuindo sobremaneira para processos de educação permanente.

No contexto de produção dessas narrativas, pode ser que alguns sentidos/reflexões possam ter sido omitidos, afinal o trabalho era apresentado para certificação final do curso, e, talvez, possa ter havido alguns filtros sobre aspectos considerados negativos em relação ao curso para que não melindrassem os avaliadores das narrativas. Além disso, podem ter sido omitidos, conscientemente ou não, alguns aspectos emocionais pessoais difíceis para a psique lidar, mas que foram despertados durante o curso.

Como nas narrativas o tempo é constituinte do sujeito, e não uma realidade externa a ele, não podemos esperar um caráter histórico nas narrativas, mas tão somente um relato dos sentidos atribuídos à experiência pelo narrador. Esse é outro limite das narrativas como ferramenta educacional. As implicações tardias também estão naturalmente ausentes, pois a narrativa tinha um prazo de 30 dias para ser entregue.

Agradecimentos

Núcleo de Educação Permanente do SAMU 192 – Regional Fortaleza Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa – Hospital Sírio-Libanês

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2018
  • Aceito
    25 Maio 2018
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