Introdução
Os meios jornalísticos vêm demonstrando um crescente interesse na veiculação de conteúdos sobre saúde1,2. A maioria dos jornais de maior circulação no país (impresso e digital) conta com espaços destinados ao tema. No caso da Folha de São Paulo, há a editoria diária “Saúde + Ciência” e a semanal Equilíbrio e Saúde. Já o Globo veicula notícias sobre saúde, ciência e tecnologia na seção Sociedade. O Estadão tem a editoria diária Saúde, e o sulista Zero Hora, o suplemento semanal Caderno Vida3.
Essa temática ainda pode estar presente em diversas editorias de um jornal diário, como: em Cidade, ao abordar questões relacionadas às unidades de pronto-atendimento; em Polícia, ao retratar a agressão a profissionais de saúde em hospitais públicos; na seção de Política, ao trazer a fala de autoridades sobre o financiamento do sistema público de saúde, assim como em Esportes, quando noticia alguma dieta para corredores2.
Esse assunto também ganha, com periodicidade, as páginas das revistas Veja, Isto É e Época e de programas televisivos3, além de sua presença em sites de notícias e nas redes sociais, ampliando as possibilidades de veiculação de conteúdos sobre saúde.
Como é, entretanto, a cobertura jornalística quando trata de temas de interesse para a saúde coletiva brasileira? Aqui compreendida como um campo interdisciplinar, voltando-se para a compreensão da saúde e a explicação dos determinantes sociais do processo saúde-doença. Seu olhar não é apenas para o indivíduo, mas para a coletividade, com enfoque prioritário na promoção da saúde, mas, também, contemplando a prevenção e o cuidado a agravos e doenças4.
Apesar da relevância dessa pergunta, são escassos os estudos de revisão no âmbito da comunicação e saúde que contribuam para iluminar tal questão. Segundo apontam Terrón et al.5, ao analisarem as publicações sobre comunicação nas revistas de saúde pública disponíveis na base de dados Scielo, contemplando 11 países, entre eles, o Brasil, o número de artigos publicados sobre essa temática, pelo período de dez anos, foi inexpressivo.
Motivado por traçar um panorama amplo como, também, identificar lacunas, o presente trabalho buscou caracterizar o perfil da produção científica na área da saúde – no período de 2000 a 2015 – que analisou a cobertura jornalística sobre temas pertinentes a esse campo.
Estratégia metodológica
A scoping review – opção metodológica do presente trabalho – objetiva mapear os principais conceitos sobre determinado tema. Caracteriza-se por não partir de uma pergunta específica e, como se propõe a trazer um panorama geral, não faz uma análise qualitativa do material. Possibilita incluir estudos com diferentes desenhos e metodologias. Tem ainda, como principal função, apontar os hiatos no conhecimento do objeto em questão6. Na América do Norte, especificamente no Canadá, é forte a tradição em desenvolver a scoping review; no Brasil, entretanto, ainda é escassa a utilização desse método.
Foi realizada uma busca sistemática nas bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), que reúne bases nacionais e internacionais, de artigos em português, inglês e espanhol (Quadro 1), havendo sucesso nas bases descritas na Figura 1. O período investigado foi de 2000 a 2015, por ser mais representativo da produção científica do campo da comunicação e saúde no Brasil, pois sua estruturação é recente e as primeiras iniciativas mais significativas datam do final dos anos 19907. O primeiro periódico científico no Brasil e América Latina com esse enfoque, a revista Interface - Comunicação, Saúde, Educação, por exemplo, foi lançada em 19978.
Quadro 1 Palavras-chave e estratégia de cruzamento das palavras-chave.
MÍDIA | Mídia AND saúde pública; Mídia AND Sistema Único de Saúde; Mídia AND saúde; Mídia AND doença; Imprensa AND saúde; Imprensa AND doença. |
JORNALISMO | Cobertura jornalística AND Sistema Único de Saúde; Cobertura jornalística AND saúde pública; Jornais AND saúde pública; Jornais AND Sistema Único de Saúde; Jornais AND doença; Notícias AND saúde pública; Notícias AND Sistema Único de Saúde; Jornalismo AND saúde; Jornalismo AND doença. |
Entendemos a cobertura jornalística não só como o ato de cobrir uma série de fatos, que resultam na notícia veiculada, mas também como uma “estratégia de apuração e angulação”9 (p. 1), o que inclui o processo de produção de notícias. Ainda consideramos a perspectiva do público em relação à cobertura de determinando tema.
Foram adotados como critérios de inclusão: estudos empíricos cujo objetivo foi investigar a cobertura jornalística brasileira sobre questões, problemas ou temas pertinentes à Saúde Coletiva brasileira; estudos que analisaram os meios de comunicação generalistas, salvo os estudos que analisaram concomitantemente mídia generalista e especializada.
Foram excluídos: artigos em que o enfoque da cobertura jornalística sobre a saúde individual não estabeleceu qualquer ligação com uma perspectiva coletiva; estudos empíricos que fizeram referência aos meios sem apresentar dados relacionados à mídia; estudos que analisaram a mídia especializada.
As etapas do processo de obtenção dos artigos selecionados foram orientadas pelo “Guidance for conducting systematic scoping reviews”10. Nesta proposta, o primeiro autor e o terceiro autor fizeram a seleção inicial dos artigos e o quarto autor fez a revisão final, dirimindo eventuais dúvidas. Para ampliar a busca, foram incluídos os artigos obtidos das referências cruzadas, que são as referências capturadas a partir de artigos incluídos na revisão (Figura 1).
Resultados e discussão
Foram selecionados 64 artigos para análise (Figura 1). Esses manuscritos foram organizados nas seguintes categorias: temas, produção de dados, métodos de análise e meios de comunicação investigados. Algumas subcategorias foram criadas a partir destas, tomando como referência a frequência de aparecimento dentro dos estudos investigados. Cumpriram, ainda, a função de agrupar elementos que se repetiram com pouca frequência dentre os artigos incluídos.
Foram categorizados 11 temas em que a produção científica enfocou, sobretudo, sua análise na cobertura jornalística sobre as ‘doenças físicas e mentais’, conforme especificado no Quadro 2. É importante salientar, entretanto, que não foram contempladas bases de dados do campo da comunicação, o que poderia trazer outra configuração a esses resultados, conforme nos alertam Terrón et al.5
Quadro 2 As doenças como tema principal da produção científica.
Temas | Autores | N. | % |
---|---|---|---|
Doenças físicas e mentais | Diniz e Guedes11; Castro12; Jurberg e Macchiute13; Jurberg e Verjovsky14; Jurberg et al.15; Jurberg, Gouveia e Belisário16; Jurberg e Macchiute17; Bertol18; Silva, Bousfielde e Cardoso19; França, Abreu e Siqueira20; Ferraz e Gomes21; Villela e Natal22; Malinverni, Cuenca e Brigagão23; Lódola e Góis Júnior24; Maciel-Lima et al.25; Medeiros e Massarani26; Medeiros e Massarani27; Ferraz e Gomes28; Silva e Camargo29; Spink et al.30; Rangel-S31; Bevilacqua et al.32; Villela e Natal33; Schneider, Tavares e Musse34; Rangel-S35; Tomita e Padula36, Guarniero, Bellinghini e Gattaz37; Soares e Caponi38; Rios et al.39; Santos e Cardoso40. | 30 | 46,88 |
Sistema Único de Saúde | Machado41, Menegon42; Silva e Rasera43,44; Morais et al.45; Scremin e Javorski46; Luz, Cambraia e Gontijo47; Ortona e Fortes48; Silva, Pereira e Lopes Filho49. | 9 | 14,06 |
Drogas | Lacerda, Mastroianni e Noto50; Romanini e Roso51; Conceição et al.52; Macedo, Roso e Lara53; Noto et al.54; Ronzani et al.55. | 6 | 9,38 |
Medicamento | Ortega et al.56; Nascimento57; Diniz e Castro58; Leandro e Santos59; Saraiva et al.60. | 5 | 7,80 |
Violência | Njaine61; Garbin e Fischer62; Campos, Vieira e Mota63; Saraiva e Coutinho64. | 4 | 6,25 |
Risco | Di Giulio et al.65; Spink, Medrado e Mello66; Di Giulio, Pereira e Figueiredo67. | 3 | 4,69 |
Saúde Bucal | Cavaca et al.68; Cavaca, Gentilli e Marcolino69. | 2 | 3,13 |
Aborto | Fontes70; Souza e Brandão71. | 2 | 3,13 |
Idoso | Stacheski e Massi72. | 1 | 1,56 |
Saúde da Mulher | Oliveira et al.73. | 1 | 1,56 |
Suicídio | Côrtea, Khoury e Mussi74. | 1 | 1,56 |
Total | 64 | 100% |
Dentre as de origem física, destacaram-se as investigações sobre as doenças infecciosas (Quadro 3), tais como: gripe H1N1 (28,57%), dengue (21,43%), Aids (14,28%), febre amarela (14,28%), encefalite (7,14%), meningite (7,14%) e leishmaniose visceral (7,14%). Sobre as mais investigadas, os estudos verificaram que o enfoque da cobertura sobre a epidemia da gripe H1N1 centrou-se no pânico, risco e medo relacionados à doença. No caso da dengue, as pesquisas apontaram para uma responsabilização e culpabilização da população sobre sua ocorrência.
Quadro 3 Caracterização do perfil de doenças físicas analisadas.
Doenças | Autores | N. | % |
---|---|---|---|
Infecciosa | França, Abreu e Siqueira20; Ferraz e Gomes21; Villela e Natal22,33; Malinverni, Cuenca e Brigagão23; Lódola e Góis Júnior24; Maciel-Lima et al.25; Medeiros e Massarani26,27; Ferraz e Gomes28; Silva e Camargo29; Spink et al.30; Bevilacqua et al. 32; Schneider, Tavares e Musse34. | 14 | 53,85 |
Crônica | Castro12; Jurberg e Macchiute13,17; Jurberg e Verjovsky14; Jurberg et al.15; Jurberg, Gouveia e Belisário16; Bertol18; Silva, Bousfield e Cardoso19. | 8 | 30,77 |
Intoxicação | Rangel-S31,35; Tomita e Padula36. | 3 | 11,54 |
Genética | Diniz e Guedes11 | 1 | 3,84 |
Total | 26 | 100 |
Para Waisbord75, essas duas doenças têm prioridade na agenda midiática latino-americana, compondo o que se denomina como ciclos “mediáticos epidêmicos” (relaciona-se à dinâmica de temas na agenda jornalística). Alguns fatores que, para o autor75, põem a gripe H1N1 e a dengue no ciclo informativo são, entre outros, orientados: pelo fato de a velocidade e a expansão de casos se adequarem ao requisito jornalístico de veicular informação atualizada diariamente; e as duas enfermidades extrapolarem as divisões sociais e geográficas de outras doenças ao se transmitirem com alta efetividade entre diferentes grupos. Como não se concentram somente em populações de baixo recurso, como ocorrem com outras doenças, instalam-se onde moram e trabalham os próprios meios de comunicação e suas audiências, contando, assim, com maior valor jornalístico.
Tais achados nos fazem refletir quanto as doenças tendem a ser mostradas pela mídia de forma isolada, sem se considerarem os determinantes sociais, podendo mudar o foco da percepção da população quanto à origem do problema, bem como legitimar a desresponsabilização do Estado em relação a isso76. Não se trata aqui de adotar uma atitude paternalista em relação à população e criminalista para com o Estado, mas, sim, oferecer oportunidade para que uma crítica mais abrangente seja feita por meio do que é veiculado pela imprensa.
As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) – que impactam significativamente a população e o próprio sistema de saúde – representaram cerca de 70% das mortes em 2007, tornando-se uma demanda de saúde prioritária no país77. Fazem parte desse rol as relacionadas ao sistema circulatório, o número um em causa de morte, seguidas pelo câncer, que ocupa o segundo lugar no ranking. Nesta revisão, não encontramos estudos sobre a cobertura jornalística voltada para as doenças circulatórias.
Referente ao câncer, a enfermidade crônica mais investigada, encontramos sete estudos12-18, cuja maioria foi conduzida pelo mesmo pesquisador13-17. Parte deles mostrou que os meios de comunicação deram mais espaço para notícias sobre prevenção12-14,16, ainda que o enfoque na cobertura das pesquisas científicas também estivesse presente12,17,18. Encontramos somente um estudo sobre hipertensão19. Todavia, não foram encontrados estudos sobre diabetes, apesar do aumento na prevalência dessa doença no país77.
Foi baixo o número de pesquisas que se debruçou sobre as doenças e transtornos mentais37,39-41, apesar de sua expressiva prevalência, atingindo entre 20% e 56% da população adulta brasileira, sobretudo mulheres e trabalhadores78. O impacto na qualidade de vida dessas pessoas e nas repercussões que têm no mundo do trabalho colocam os transtornos mentais como um sério problema de saúde pública79,80.
A visibilidade de notícias sobre as doenças e transtornos mentais pode ser central na compreensão e percepção que se tem sobre elas. Entretanto, a baixa produção científica não nos dá muitos elementos para se estabelecer um panorama em relação à cobertura jornalística, considerando a diversidade de transtornos existentes. Dos quatro manuscritos, podemos apontar um estudo, relacionado à esquizofrenia, que constatou que os meios investigados reforçaram o estigma em relação à doença37. Esse estudo destacou ainda que as notícias não deram voz ao portador de esquizofrenia. Tal constatação vai ao encontro de uma tendência já demonstrada por diversos estudos da sociologia do jornalismo: os meios de comunicação priorizam as fontes(e) oficiais em detrimento das vozes da sociedade. Ao lançar mão dessa estratégia, a mídia tende a reproduzir simbolicamente a estrutura de poder existente na ordem institucional da sociedade81. Sobre a depressão, houve um estudo que destacou que a mídia investigada enfatizou a medicalização como o tratamento prioritário, demonstrando que a concepção da cobertura noticiosa em relação à doença foi biomédica39.
A segunda temática mais investigada foi sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) com nove artigos (Quadro 2). Resultado de longas lutas sociais, o SUS foi implementado, há mais de vinte anos, por meio da Lei Orgânica da Saúde, de 1990, tendo como proposta ser um sistema público de saúde de caráter universal, gratuito, descentralizado e democrático. Apesar dessa trajetória, para Paim82, os políticos, profissionais de saúde, meios de comunicação e população conhecem pouco seu sistema de saúde e têm concepções distintas e distorcidas sobre ele.
Ao analisarmos a categoria SUS, identificamos cinco subtemas, encabeçando esse rol a cobertura jornalística sobre o Programa Mais Médicos (Quadro 4). Sua implantação ocorreu em 2013, sendo apresentado pelo governo federal como uma estratégia para o fortalecimento da Atenção Básica no país.
Quadro 4 Subtemas relacionados ao Sistema Único de Saúde
Temas | Autores | N. | % |
---|---|---|---|
Programa Mais Médicos | Morais et al.45; Scremin e Javorski46; Luz, Cambraia e Gontijo47 | 3 | 33,34 |
Serviços de saúde | Menegon42; Ortona e Fortes48 | 2 | 22,22 |
Gestão, profissionais de saúde e usuários | Silva e Rasera43,44 | 2 | 22,22 |
Ações de saúde | Silva, Pereira e Lopes Filho49 | 1 | 11,11 |
Política de saúde mental | Machado41 | 1 | 11,11 |
Total | 9 | 100 |
Os artigos analisados mostraram o papel que a mídia desempenhou na repercussão do programa Mais Médicos45, sua interferência na concepção que se tem sobre os médicos estrangeiros, e na aceitação que o público poderia ter em relação a eles45, identificando, ainda, um distanciamento da cobertura em relação aos objetivos da lei que criou o programa47.
Em relação aos subtemas 2 e 3 (tabela 4), os estudos identificaram que a cobertura jornalística centrou-se nos períodos de crise dos serviços de saúde42,43, construindo uma desqualificação dos gestores e dos usuários do SUS44. Esses achados dialogam com Oliveira83, ao considerar que as principais imagens e informações divulgadas sobre o sistema partem de uma suposta ineficiência do Estado, incompetência das autoridades ou dos profissionais da área, levando à construção de uma ordem simbólica pouco reflexiva sobre o campo da política de saúde representada pelo SUS.
Para Araújo84, todavia, é importante ter em conta os diferentes interesses que estão em jogo, considerando que tanto o SUS quanto a mídia não são homogêneos: “a sociedade contra a mídia”, “o SUS contra a mídia”, e que essa polarização “prejudica o entendimento real do processo de produção social dos sentidos […]”84 (p. 69).
Abordagem metodológica: a predominância dos estudos qualitativos
A abordagem metodológica utilizada na maioria dos estudos foi a de cunho qualitativo. Houve apenas um estudo quantitativo, conforme especificado no Quadro 5. A maioria dos estudos valeu-se somente de uma técnica de produção de dados: a pesquisa documental (textos, em 93,85%; imagens, em 6,15%). Foram poucos que a combinaram com outras técnicas, como: entrevistas, grupos focais e aplicação de questionários (Quadro 6). Para Minayo85, a triangulação de técnica de obtenção de dados é um importante recurso para conferir maior validade ao estudo; contudo o uso ou não de variadas técnicas, ou mesmo de métodos de pesquisa, dependerá do objetivo da investigação e do objeto investigado. Estes, sim, têm a última palavra quanto a escolhas a serem feitas.
Quadro 5 Abordagens metodológicas nos estudos investigados
Abordagem | Autores | N | % |
---|---|---|---|
Qualitativa | Diniz e Guedes11; Castro12; Jurberg e Macchiute13; Jurberg et al.15; Jurberg, Gouveia e Belisário16; Jurberg e Macchiute17; Bertol18; Silva, Bousfielde e Cardoso19; França, Abreu e Siqueira20; Ferraz e Gomes21; Villela e Natal22; Malinverni, Cuenca e Brigagão23; Lódola e Góis Júnior24; Maciel-Lima et al.25; Medeiros e Massarani26; Medeiros e Massarani27; Ferraz e Gomes28; Silva e Camargo29; Spink et al.30; Rangel-S31; Bevilacqua et al.32; Villela e Natal33; Schneider, Tavares e Musse34; Rangel-S35; Tomita e Padula36, Guarniero, Bellinghini e Gattaz37; Soares e Caponi38; Rios et al.39; Santos e Cardoso40, Machado41; Silva e Rasera43,44; Scremin e Javorski46; Luz, Cambraia e Gontijo47; Ortona e Fortes48; Silva, Pereira e Lopes Filho49; Romanini e Roso51; Conceição et al.52; Macedo, Roso e Lara53; Noto et al.54; Ronzani et al.55, Ortega et al.56; Nascimento57; Leandro e Santos59; Saraiva et al.60, Njaine61; Garbin e Fischer62; Campos, Vieira e Mota63; Saraiva e Coutinho64, Di Giulio et al.65; Di Giulio, Pereira e Figueiredo67; Cavaca, Gentilli e Marcolino69, Fontes70; Souza e Brandão71, Stacheski e Massi72, Oliveira et al.73, Côrtea, Khoury e Mussi74. | 57 | 89,06 |
Quali-quantitativa | Cavaca et al.68, Menegon42, Morais et al.45, Lacerda, Mastroianni e Noto50, Diniz e Castro58, Spink, Medrado e Mello66. | 6 | 9,38 |
Quantitativa | Jurberg e Verjovsky14. | 1 | 1,56 |
Total | 64 | 100 |
Quadro 6 Identificação e frequência da produção de dados.
Produção de dados | Autores | N | % |
---|---|---|---|
Pesquisa documental | Diniz e Guedes11; Jurberg et al.15; Jurberg, Gouveia e Belisário16; Jurberg e Macchiute17; Bertol18; Silva, Bousfield e Cardoso19; França, Abreu e Siqueira20; Ferraz e Gomes21; Villela e Natal22,33; Malinverni, Cuenca e Brigagão23; Lódola e Góis Júnior24; Maciel-Lima et al.25; Medeiros e Massarani26,27; Ferraz e Gomes28; Leandro e Santos59; Silva e Camargo29; Bevilacqua et al.32; Schneider, Tavares e Musse34; Rangel-S35; Tomita e Padula36; Guarniero, Bellinghini e Gattaz39; Machado41; Soares e Caponi38; Rios et al.39; Menegon42; Silva e Rasera43,44; Morais et al.45; Scremin e Javorski46; Luz, Cambraia e Gontijo47; Lacerda, Mastroianni e Noto50; Romanini e Roso51; Conceição et al.52; Macedo, Roso e Lara53; Noto et al.54; Ronzani et al.55; Nascimento57; Diniz e Castro58; Leandro e Santos59; Saraiva et al.60; Garbin e Fischer62; Saraiva e Coutinho64; Spink, Medrado e Mello66; Cavaca et al.68; Cavaca, Gentilli e Marcolino69; Fontes70; Souza e Brandão72; Côrtea, Khoury e Mussi74; Oliveira et al.73; StacheskiI e Massi72. | 51 | 79,69 |
Pesquisa documental e outras técnicas | Castro12; Jurberg e Macchiute17; Jurberg e Verjovsky14; Spink et al.30; Rangel-S31; Silva, Pereira e Lopes Filho49; Ortega et al.56; Campos, Vieira e Mota63; Di Giulio et al.65; Di Giulio, Pereira e Figueiredo67. | 10 | 15,63 |
Entrevistas | Santos e Cardoso40; Ortona e Fortes48. | 2 | 3,12 |
Grupos focais | Njaine61 | 1 | 1,56 |
Total | 64 | 100% |
A observação não foi utilizada em nenhum estudo, apesar de ser um recurso possível para se analisarem as rotinas jornalísticas e a produção de notícias. No campo do jornalismo, a teoria interacionista parte da premissa de que a notícia é uma construção, resultante de processos complexos de interação social entre agentes sociais: os jornalistas e as fontes de informação; os jornalistas e a sociedade; os membros da comunidade profissional, dentro e fora da sua organização. Orienta-se para a produção e os produtores da notícia, ao estudar a influência da rotina jornalística na representação dos acontecimentos. A produção noticiosa é pensada como rotina industrial, e a notícia é vista como resultado dos diversos fatores, isto é: a ação pessoal, social, ideológica, cultural, do meio físico e histórico86.
Os estudos conhecidos como newsmaking se enquadram nessa perspectiva e lançam mão da observação participante. Com tradição nos estudos americanos87, mostra-se potente, sobretudo se alinhado a outras técnicas de produção de dados, para se compreenderem os processos internos da produção da notícia (acompanhamento das reuniões e discussão de pautas, acompanhamento da cobertura e entrevistas com repórteres e editores).
Podemos considerar, entretanto, que há dificuldades e limitações para incluir a observação nas pesquisas no campo da comunicação e saúde, tanto pela viabilidade desse tipo de estudo – que demanda tempo e disponibilidade do pesquisador – como pela dificuldade de acesso aos meios de comunicação.
Sobre os estudos de noticiabilidade, Ponte88 destaca a importância de articular várias estratégias de produção de dados, contemplando, nos estudos de redação a observação participante e a análise da cobertura jornalística por períodos mais longos para dar mais atenção às rotinas do que a eventos pontuais.
Outro aspecto verificado é o de que os estudos investigados centraram-se na análise do produto jornalístico (82,82%), indo ao encontro de uma tendência já identificada em pesquisas na área da comunicação89. Foram poucas as investigações que incluíram alguma dimensão relacionada ao processo de produção jornalística (10,93%); ou que analisaram a percepção do público sobre as notícias veiculadas, os chamados estudos de recepção, “um sujeito receptor que ressignifica as mensagens midiáticas, identificando suas negociações e resistências à lógica dos meios”90 (p. 22), representando 6,25% dos estudos investigados. Em um breve mapeamento sobre a publicação de artigos em periódicos científicos de comunicação e saúde, Lerner e Sacramento90 também chegaram à mesma constatação sobre a tímida presença de estudos voltados para a recepção.
Tais constatações remetem à repetição de fórmulas metodológicas comumente utilizadas em estudos sobre os meios de comunicação, e nos mostram certa dificuldade em incorporar essas abordagens, considerando os diversos processos que compreendem a cobertura jornalística – a fim de cercar esse fenômeno tão complexo por diversos prismas.
Ausência de informações sobre os métodos de análise empregados
Os métodos de análise mais frequentes – considerando aqueles que especificaram essa informação – foram análise do discurso e de conteúdo, tendência também presente em estudos sobre meios de comunicação89. No primeiro caso, alguns estudos basearam-se em autores como: Foucault, Orlandi, Charaudeau e Maingueneau (Quadro 6). Todavia, em alguns manuscritos, não houve referência direta a uma determinada corrente de análise de discurso ou, mesmo, quais autores haviam embasado essa escolha teórico-metodológica. Essas informações, entretanto, são relevantes se consideramos que há especificidades e nuances entre as diversas correntes, como a análise de discurso, de linha francesa, e análise crítica do discurso, de linha anglo-saxônica.
Em um artigo, os autores combinaram métodos diversos de análise: discurso com agenda setting e framing analysis. Já em relação à análise de conteúdo, a referência majoritária foi a de Bardin. Outros referenciais teórico-metodológicos utilizados foram: análise de enquadramento de notícias (framing analysis) e Representações Sociais (RS). No primeiro caso, nem todos os artigos fizeram uma referência a autores que embasassem essa opção, e os que o fizeram recorreram a Erving Goffman. No entanto, há uma diversidade de interpretações em termos conceituais sobre framing analysis bem como sobre sua aplicabilidade91,92, por isso essa escolha deveria ser bastante clara e embasada na metodologia. Em relação às representações, o autor de referência foi Serge Moscovici. Em três casos, as RS foram combinadas com outros métodos, como análise de conteúdo e Discurso do Sujeito Coletivo93. Houve um número considerável de artigos em que a informação sobre o método de análise não estava disponível. Esta informação é, entretanto, importante para que os leitores possam avaliar os resultados apresentados nas publicações. Os métodos que apareceram somente em um manuscrito ou que não foram combinados com outras metodologias foram agrupados em ‘Outros’ (Quadro 7).
Quadro 7 Métodos de análise utilizados.
Métodos de análise | Autores | Artigos | % |
---|---|---|---|
Análise de discurso (AD) | Ferraz e Gomes23,28; Rangel-S31; Bevilacqua et al.32; Villela e Natal33; Schneider, Tavares e Musse34; Tomita e Padula36; Silva e Rasera44, Côrtea, Khoury e Mussi74; Macedo, Roso e Lara53; Nascimento57; Spink, Medrado e Mello66; Saraiva et al.60; Garbin e Fischer62; Stacheski e Massi72. | 15 | 23,43 |
Análise de conteúdo | Jurberg e Verjovsky14; Jurberg e Macchiute17; Maciel-Lima et al.25; Soares e Caponi38; Morais et al.45; Ortona e Fortes48; Lacerda, Mastroianni e Noto50; Romanini e Roso51; Conceição et al.52; Noto et al.54; Ronzani et al.55; Di Giulio et al.65; Di Giulio, Pereira e Figueiredo67; Cavaca et al.68; Cavaca, Gentilli e Marcolino69. | 15 | 23,43 |
Informação não disponível | Diniz e Guedes11; Castro12; Jurberg e Macchiute13; Jurberg et al.15; Jurberg, Gouveia e Belisário16; França, Abreu e Siqueira20; Spink et al.30; Rios et al.39; Menegon42; Leandro e Santos59; Souza e Brandão72; Côrtea, Khoury e Mussi74; Oliveira et al.73. | 13 | 20,31 |
Outros | Lódola e Góis Júnior24; Rangel-S35; Guarniero, Bellinghini e Gattaz37; Santos e Cardoso40; Luz, Cambraia e Gontijo47; Silva, Pereira e Lopes Filho49; Njaine61; Campos, Vieira e Mota63. | 8 | 12,53 |
Framing analysis | Bertol18; Medeiros e Massarani26,27; Scremin e Javorski46; Diniz e Castro58; Fontes70. | 6 | 9,37 |
Representações Sociais (RS) | Silva, Bousfield e Cardoso19; Silva e Camargo29; Saraiva e Coutinho64; Ortega et al.56. | 4 | 6,25 |
RS e outros métodos | Villela e Natal22; Machado41. | 2 | 3,12 |
AD e outros métodos | Malinverni, Cuenca e Brigagão23. | 1 | 1,56 |
Total | 64 | 100% |
Jornal: o meio de comunicação mais investigado
Sobre os meios investigados, conforme o Quadro 8, o predomínio foram os jornais, como também identificado por Catalan-Matamoros e Peñafiel-Saiz94 e Terrón et al.5 Houve somente três que investigaram programas de televisão, todos veiculados pela Rede Globo; um estudo analisou o conteúdo divulgado em um programa de rádio e outro investigou sites de notícias, entretanto, esse manuscrito não especificou, na metodologia, quais foram os sites investigados, sendo possível perceber tal informação durante a apresentação dos resultados.
Quadro 8 Relação dos meios de comunicação mais investigados.
Meios | Autores | N | % |
---|---|---|---|
Jornais | Diniz e Guedes11; Jurberg et al.15; Jurberg, Gouveia e Belisário16; Bertol18; França, Abreu e Siqueira20; Ferraz e Gomes21; Malinverni, Cuenca e Brigagão23; Lódola e Góis Júnior24; Maciel-Lima et al.25; Spink et al.30; Rangel-S31,35; Bevilacqua et al.32; Villela e Natal33; Schneider, Tavares e Musse34; Tomita e Padula36; Machado41; Menegon42; Silva e Rasera43,44; Morais et al.45; Luz, Cambraia e Gontijo47; Silva, Pereira e Lopes Filho49; Romanini e Roso51; Leandro e Santos59; Garbin e Fischer62; Campos, Vieira e Mota63; Saraiva e Coutinho64; Di Giulio et al.65; Spink, Medrado e Mello66; Cavaca et al.68, Cavaca, Gentilli e Marcolino69; Souza e Brandão71; Stacheski e Massi72. | 37 | 52,30 |
Jornais e revistas | Castro12; Villela e Natal22; Guarniero, Bellinghini e Gattaz37; Soares e Caponi38; Rios et al.39; Lacerda, Mastroianni e Noto50; Noto et al.54; Ortega et al.56; Nascimento57; Diniz e Castro58; Fontes70. | 11 | 16,92 |
Revistas | Jurberg e Macchiute17; Silva, Bousfield e Cardoso19; Ferraz e Gomes21; Silva e Camargo29; Conceição et al.52; Ronzani et al.55; Saraiva et al.60; Oliveira et al.73. | 8 | 12,30 |
Televisão | Jurberg e Verjovsky14; Medeiros e Massarani26,27; Scremin e Javorski46; Macedo, Roso e Lara53. | 5 | 7,69 |
Rádio | Jurberg e Macchiute13. | 1 | 1,53 |
Revista e site notícias | Côrtea, Khoury e Mussi74. | 1 | 1,53 |
Tevê e jornais | Di Giulio, Pereira e Figueiredo67. | 1 | 1,53 |
Total | 64 | 100% |
É possível ainda inferir que essa tendência de escolher a análise de jornais pode estar relacionada à facilidade de viabilizar esse tipo de estudo: ter acesso ao objeto (jornal) é mais fácil5 porque, em geral, principalmente nos jornais de circulação nacional, o conteúdo está disponível na internet.
Para análise de outros meios, como rádio e televisão, é necessário gravar o conteúdo, quando nos referimos à atualidade, ou recorrer ao banco de dados das emissoras, quando nos referimos aos períodos anteriores, o que, em ambos os casos, pode representar um empecilho. Outro aspecto é o tempo curto de duração dos estudos, que pode restringir o investigador limitando-o a estudar mídias que exigem menos disponibilidade e tempo89.
Não houve a análise das redes sociais dos meios informativos, como Facebook, Twitter, o que poderia ser interessante para se refletir sobre o importante papel que essas mídias vêm desempenhando na sociedade atual, além de se mostrar uma possibilidade para acessar os diversos públicos em uma investigação sobre suas audiências.
Uma análise que contemplasse a diversidade dos meios poderia ainda nos oferecer mais elementos para aprofundar nossa compreensão relacionada à cobertura jornalista sobre a saúde pública brasileira. Não se pode confundir os diferentes suportes mediáticos porque estes não seguem as mesmas regras de funcionamento: “No trabajan con el mismo material y no producen los mismos tipos de efecto sobre un público que además no es el mismo”95 (p. 321).
Entre os jornais mais investigados, estavam aqueles relacionados à grande imprensa, como Folha de São Paulo, o Globo e Estado de São Paulo. Houve, entretanto, estudos de periódicos regionais, sobretudo aqueles que contemplaram, em sua amostra, uma quantidade maior de publicações. As análises de revistas foram menos frequentes, e os estudos centraram seu olhar sobre as mais tradicionais e de alcance nacional, como Veja, Isto É e Época. A maioria dos estudos – que analisou jornais e revistas concomitantemente – não considerou algumas diferenças desses meios durante sua análise: os jornais são diários, tendem a enfocar notícias factuais, e as revistas semanais tendem a trazer reportagens mais aprofundadas, elementos que poderiam ter implicações durante a análise dos resultados.
Em relação aos estudos comparativos, houve poucos que se utilizaram desse recurso; mesmo aqueles que analisaram mais de um veículo não o fizeram, na maioria dos casos, em uma perspectiva comparativa. Houve dois estudos, por exemplo, que compararam a cobertura em jornais brasileiros e americanos, ambos relacionados ao câncer15,18. Essa metodologia vem sendo utilizada em outras áreas do conhecimento, mas, na Comunicação, embora o volume de investigação seja alto em relação às notícias, poucas são comparativas, mostrando ser baixo o número de estudos em jornalismo com esse perfil86. Já na Saúde Coletiva, seu uso é relativamente novo96. Para Conill96, “comparar é buscar semelhanças, diferenças ou relações entre fenômenos que podem ser contemporâneos ou não, que ocorram em espaços distintos ou não para melhor compreendê-los” (p. 564). Por esse motivo, a utilização dessa metodologia mostra-se potente para identificar diferenças ou semelhanças na cobertura jornalística considerando os diferentes contextos sociais de produção das notícias.
Considerações finais
Esta revisão trouxe um amplo panorama da produção científica sobre temas da Saúde Coletiva brasileira. Todavia, nos indicou a existência de várias lacunas: houve poucos estudos sobre as doenças crônicas e as doenças negligenciadas, que impactam significativamente a saúde da população. Novos estudos poderiam oferecer um panorama sobre: a frequência desses conteúdos, qual abordagem utilizada, se trazem alguma perspectiva sobre promoção de saúde, se centram na descoberta de novos medicamentos, na qualidade da informação, ou, mesmo, com outro enfoque teórico-metodológico, como são os sentidos e discursos produzidos sobre essas DCNT nos meios de comunicação.
É possível fazer, ainda, uma reflexão se a própria agenda midiática pode ter pautado a produção científica na área, considerando que as doenças epidêmicas foram um dos temas mais investigados. Em relação à categoria SUS, o ‘Programa Mais Médicos’ – que recebeu ampla cobertura jornalística – também foi um dos temas que mais despertou interesse por parte dos investigadores.
Referente à metodologia, houve baixa diversidade de técnicas de produção de dados, não ocorrendo,, em nenhum estudo a utilização de observação. Poucos trabalhos contemplaram outros aspectos que também estão relacionados à cobertura jornalística, como a produção de notícias e a percepção dos usuários sobre seus conteúdos. Tais constatações nos levam a refletir sobre a importância de novas investigações que possam englobar esses outros processos. Em relação ao método de análise, houve um número considerável de artigos que não especificou essa informação. Essa questão metodológica mostra-se um desafio a ser enfrentado pelos pesquisadores em novos estudos nesse campo. É importante ainda destacar a baixa diversidade de meios de comunicação investigados.