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Atores, espaços e instrumentos de governança na Rede de Atenção à Saúde Bucal

Actors, spaces and instruments of governance in the oral health network

Actores, espacios e instrumentos de gobernanza en la Red de Atención a la Salud Bucal

Resumos

Este artigo buscou analisar a relação entre atores, espaços e instrumentos de governança da rede de Atenção à Saúde bucal em uma região de saúde do Paraná. Trata-se de estudo qualitativo, no qual foram realizadas 13 entrevistas semiestruturadas, utilizando-se a técnica de amostragem “bola de neve”, por meio de informante-chave. Os dados foram analisados por análise de discurso sob uma perspectiva teórica de governança. Foi evidente a ausência dos atores não governamentais no processo e a capacidade do ente municipal gerir assuntos públicos. As relações entre serviços foram estabelecidas majoritariamente de modo informal. Essa rede foi considerada periférica, considerando que se fez pouco presente nas agendas de espaços com poder decisório, dificultando a construção de relações regionais. É necessário potencializar interações, articulações e pactuações com vistas à governança, com aspiração de promover uma atenção mais integral e menos fragmentada.

Palavras-chave
Governança; Saúde bucal; Serviços de saúde


This article analyzes the relationship between actors, spaces and instruments of governance in the oral health network in a health region in the state of Paraná, Brazil. We conducted a qualitative study in which 13 semi-structured interviews were conducted using snowball sampling. The data were analyzed using discourse analysis drawing on theoretical perspectives on governance. The findings revealed the absence of non-governmental actors in the process and lack of capacity of the municipal government for the management of public affairs. Relationships between the services were largely informal. The network was regarded as peripheral, given that it had limited presence on the agendas of decision-making spaces, hampering the construction of regional relations. It is necessary to enhance interactions, articulations and agreements focused on governance in order promote more comprehensive and less fragmented care.

Keywords
Governance; Oral health; Health services


El objetivo de este artículo fue analizar la relación entre actores, espacios e instrumentos de gobernanza de la red de atención a la salud bucal en una región de salud del Estado de Paraná. Se trata de un estudio cualitativo, en el que se realizaron 13 entrevistas semiestructuradas, utilizándose la técnica de muestreo “bola de nieve”, a partir de informante-clave. Los datos se analizaron por medio de análisis de discurso bajo una perspectiva teórica de gobernanza. Quedó en evidencia la ausencia de los actores no gubernamentales en el proceso y la capacidad del ente municipal para gestionar asuntos públicos. Las relaciones entre servicios se establecieron mayoritariamente de modo informal. Esta red se consideró periférica, considerando que estuvo poco presente en las agendas de espacios con poder de decisión, dificultando la construcción de relaciones regionales. Es necesario potencializar interacciones, articulaciones y pactos con vistas a la gobernanza, con aspiración de promover una atención más integral y menos fragmentada.

Palabras-chave
Gobernanza; Salud bucal; Servicios de salud


Introdução

A governança é um elemento fundamental para o estabelecimento de uma rede regionalizada. Como ação coletiva, dispõe de processos em que se articulam atores em determinados espaços, com os quais se determinam condutas a fim de alcançar um bem comum. No contexto atual dos sistemas de saúde, esse processo engloba vários entes e sobrexcede os espaços institucionais do Estado ao incorporar membros da sociedade civil em processos decisórios; desse modo a governança assume um papel crucial por envolver sujeitos com diferentes interesses e graus de autonomia11 Godoi H, Andrade SR, Mello ALSF. Rede regionalizada de atenção à saúde no Estado de Santa Catarina, Brasil, entre 2011 e 2015: sistema de governança e a atenção à saúde bucal. Cad Saude Publica. 2017; 33(9):2-13..

O termo governança carrega inúmeros conceitos empregados em uma gama de abordagens e percepções distintas22 França LM, Mantovaneli Júnior O, Sampaio CAC. Governança para a territorialidade e sustentabilidade: a construção do senso de regionalidade. Saude Soc. 2012; 21 Supl 3:111-27.. Nesta pesquisa, adotaram-se como conceito geral os padrões de vínculo, interdependência entre atores e instituições, conectados por meios formais e informais, que se referem ao alcance de relacionamento entre Estado e sociedade ou entre governos e agentes privados e sociedade, permitindo a descentralização para além das instituições formais do Estado33 Marques EC. Government, political actors and governance in urban policies in Brazil and São Paulo: concepts for a future research agenda. Braz Polit Sci Rev. 2013; 7(3):8-35.,44 Marques EC. Notas sobre redes, Estado e políticas públicas. Cad Saude Publica. 2019; 35(2):2-11..

A organização das ações em saúde em redes regionalizadas, a fim de sobrepujar a fragmentação e proporcionar integração entre os níveis de atenção, pleiteia uma governança mais participativa, consistindo em um dos componentes de uma rede regionalizada55 Godoi H, Mello ALSF, Caetano JC. Rede de atenção à saúde bucal: organização em municípios de grande porte de Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica. 2014; 30(2):318-32. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00084513.
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,66 Santos AM, Giovanella L. Regional governance: strategies and disputes in health region management. Rev Saude Publica. 2014; 48(4):622-31.. Essa rede é definida como estruturas integradas de provisão de ações e serviços de saúde, institucionalizadas pela política pública em um determinado espaço regional pelo trabalho coletivamente planejado e pelo aprofundamento das relações de interdependência entre os atores77 Brasil. Ministério da Saúde. Redes regionalizadas de atenção à saúde: contexto, premissas, diretrizes gerais, agenda tripartite para discussão e proposta de metodologia para implementação. Versão para debate. Brasília: Ministério da Saúde; 2008..

No âmbito da saúde bucal (SB), as redes de Atenção à Saúde (RAS) surgem como uma das iniciativas para a integração e a articulação no sentido de ofertar ao usuário um cuidado contínuo e integral, superando modelos anteriores considerados pouco resolutivos55 Godoi H, Mello ALSF, Caetano JC. Rede de atenção à saúde bucal: organização em municípios de grande porte de Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica. 2014; 30(2):318-32. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00084513.
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. As ações de SB no Sistema Único de Saúde (SUS) eram anteriormente ofertadas de forma paralela ao processo de organização dos demais serviços, de maneira que eram incapazes de equacionar os principais problemas da população. Esforços para reorganização da atenção à SB no SUS têm sido realizados desde o início dos anos 2000 e um dos principais avanços foi a ampliação da oferta dos serviços por meio da reformulação da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) em 200488 Brasil. Ministério da saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília: Ministério da Saúde; 2016.,99 Pucca Júnior GA. Ten years of a national oral health policy in Brazil: innovation, boldness, and numerous challenges. J Dent Res. 2015; 94(10):1333-7..

A PNSB encontra-se estruturada em pressupostos, dentre os quais destaca-se a garantia de uma rede de Atenção Básica (AB) articulada com toda a rede de serviços e como parte indissociável dessa, assegurando a integralidade nas ações de SB1010 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.. Portanto, a organização dos serviços odontológicos sob a perspectiva de RAS se mostra favorecida pelo desenho atual da PNSB, delineada por princípios do cuidado e da integralidade1111 Pinto MHB, Araújo ME, Fujimaki M, Ditterich RG, Terada RSS, Martelli PJL. As Redes de Atenção à Saúde Bucal – O papel do CEO. In: Figueiredo N, Goes PSA, Martelli P. Os caminhos da saúde bucal no Brasil: um olhar quanti e quali sobre os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) no Brasil. Recife: Editora UFPE; 2016. p. 221-35..

No Paraná (PR), a Rede de Atenção à Saúde Bucal (Rasb) foi implantada em 2014 como política pública para o Estado, sendo considerada a sexta RAS prioritária1212 Ditterich RG, Graziani GF, Moyses SJ. Construindo os caminhos da saúde bucal no estado do Paraná. In: Ditterich RG, Graziani GF, Moisés SJ, organizadores. Caminhos e trajetórias da saúde bucal no estado do Paraná. Londrina: SESA/INESCO; 2019. p. 15-37.. A Rasb surge no Estado como um conjunto de ações que envolvem o controle das doenças bucais por meio da promoção, prevenção, limitação dos danos causados pelas doenças e reabilitação integral. Essa perspectiva se encontra alinhada com a mudança do conceito de assistência à saúde e com uma atuação isolada e pontual para um modelo em que o sentido cuidador é fortalecido1313 Paraná. Secretaria de Estado da Saúde do Paraná. Superintendência de Assistência à Saúde. Linha guia de saúde bucal. Curitiba: SESA; 2014..

Entretanto, a inserção do cuidado na perspectiva de rede ainda perpassa por muitas indefinições quanto a sua funcionalidade, aspectos estruturais, níveis de atenção, sistemas de apoio, bem como as articulações necessárias para o cumprimento de objetivos. Há um distanciamento entre o previsto e a realidade nos diversos níveis de atenção para que o cuidado à SB se efetive1414 Mello ALSF, Andrade SR, Moyses SJ, Erdmann AL. Saúde bucal na rede de atenção e processo de regionalização. Cienc Saude Colet. 2014; 19(1):205-14.; desse modo, a organização de uma rede regionalizada sob a ótica da SB ainda é um desafio a ser superado55 Godoi H, Mello ALSF, Caetano JC. Rede de atenção à saúde bucal: organização em municípios de grande porte de Santa Catarina, Brasil. Cad Saude Publica. 2014; 30(2):318-32. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00084513.
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no que se refere tanto à gestão quanto aos processos de trabalho e profissionais envolvidos.

Em face desse contexto e da escassez de estudos que avaliem as Rasb, o objetivo deste estudo foi analisar a relação entre os atores, os espaços e os instrumentos de governança da Rasb em uma região de saúde do PR.

Método

Trata-se de um estudo qualitativo com finalidade de analisar o processo de governança da Rasb na 17ª Regional de Saúde (RS), localizada na macrorregião Norte do PR e composta por 21 munícipios. Para identificação dos atores envolvidos, de espaços e compreensão dos instrumentos e seus fluxos, pertinentes ao sistema de governança da região, foram realizadas 13 entrevistas. Os participantes foram seis cirurgiões-dentistas, dois técnicos em SB, um enfermeiro e quatro diretores (executivo, contábil, de planejamento e administrativo) do Consórcio Público de Saúde (CPS). Dos entrevistados, 76,9% eram mulheres.

Para a seleção dos entrevistados foi utilizada a técnica de amostragem “bola de neve” (snowball), uma amostra não probabilística que utiliza cadeias de referência e é recomendada para pesquisar grupos difíceis de serem acessados ou estudados, bem como quando não há precisão sobre sua quantidade1515 Vinuto J. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Tematicas. 2014; 22(44):203-20. Doi: https://doi.org/10.20396/tematicas.v22i44.10977.
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. Para identificação dos entrevistados, partiu-se de um informante-chave, o coordenador de SB da 17ª RS, que auxiliou na identificação do grupo de atores a ser pesquisado. Dessa forma, foram identificados e sequencialmente entrevistados cinco coordenadores de Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), dos quais três são do CEO tipo III, um do tipo II e um do tipo I, classificados pelo número de cadeiras odontológicas.

Foi solicitado a eles a indicação de outros atores que se destacassem na governança da Rasb na região, tendo sido indicados o coordenador de SB do município-sede, o gestor de um município da região que era o presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde da 17ª RS, o responsável pela central de regulação de vagas da odontologia, e, por último, os quatro diretores do CPS. Como não houve recusa de nenhum participante, todos foram incluídos no estudo. Com esse processo o quadro de atores tornou-se saturado, ou seja, não houve novos nomes oferecidos ao quadro de análise1515 Vinuto J. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Tematicas. 2014; 22(44):203-20. Doi: https://doi.org/10.20396/tematicas.v22i44.10977.
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. Cabe destacar que com os diretores do CPS os dados foram obtidos por meio de um grupo focal, visto que as informações sobre os projetos e parcerias entre os municípios para desenvolvimento de ações e serviços na área de SB poderiam ser complementadas pelos diferentes diretores. O grupo focal é uma entrevista desenvolvida em uma pequena reunião (de quatro a doze pessoas), com certa homogeneidade em termos de contexto de vida, mas não de atitudes, o que garante a riqueza das discussões1616 Barbour R. Grupos focais. Porto Alegre: Artmed; 2009..

As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora principal, no período de julho a setembro de 2018, e direcionadas a cada ator com questões relacionadas ao tema da pesquisa, pré-formuladas em um roteiro semiestruturado, registradas em gravador de áudio e transcritas na íntegra, com duração média de cinquenta minutos. Algumas questões apresentadas foram: Como é constituída a Rasb na região? Como se dá o processo de encaminhamentos entre os serviços de SB? Há reuniões e/ou comissões para discussão? Como se dá a relação entre os serviços e os municípios?

Os entrevistados foram ouvidos em seus locais de trabalho, em um ambiente reservado, estando presentes apenas o entrevistado e a pesquisadora. Após serem esclarecidos quanto aos objetivos, os entrevistados manifestaram sua concordância ao assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As falas foram codificadas com a letra P, seguida de um número, de acordo com a ordem em que foram realizadas as entrevistas (P1 a P13), a fim de assegurar o sigilo de suas identidades.

As informações foram analisadas pelo método de análise de discurso a fim de compreender o sentido e não somente o conteúdo do texto, um sentido que não é traduzido, mas produzido1717 Lima LAN. O método da pesquisa qualitativa do fenômeno situado. Uma criação do educador brasileiro Joel Martins, seguida pela Professora Maria Aparecida Vigianni Bicudo. As análises: Idiográfica e Nomotética. In: Anais do 5o Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa; 2016; Porto. Porto: Universidade Lusófona do Porto (ULP); 2016. p. 43-54. (Atas - Investigação Qualitativa em Educação).. Desse modo, com dados transcritos, iniciou-se a leitura flutuante, ou seja, um primeiro contato com os documentos que foram submetidos à análise, à seleção, à formulação das hipóteses e dos objetivos, à estruturação de fundamentos que orientaram a interpretação e à preparação efetiva do material1818 Câmara RH. Análise de conteúdo: da teoria à prática em pesquisas sociais aplicadas às organizações. Gerais Rev Interinst Psicol. 2013; 6(2):179-91..

Sequencialmente, houve uma leitura analítico-exploratória com o objetivo de extrair unidades de significado para traduzir de forma categórica o que foi expresso pelos entrevistados. Realizou-se uma primeira análise individual (ideográfica) e posteriormente a análise geral (nomotética), sendo realizada a convergência das unidades de significado a fim de identificar as que continham a mesma perspectiva dentro dos discursos, bem como divergências1717 Lima LAN. O método da pesquisa qualitativa do fenômeno situado. Uma criação do educador brasileiro Joel Martins, seguida pela Professora Maria Aparecida Vigianni Bicudo. As análises: Idiográfica e Nomotética. In: Anais do 5o Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa; 2016; Porto. Porto: Universidade Lusófona do Porto (ULP); 2016. p. 43-54. (Atas - Investigação Qualitativa em Educação)..

A interpretação dos resultados foi realizada sob a perspectiva da governança desenvolvida por Marques33 Marques EC. Government, political actors and governance in urban policies in Brazil and São Paulo: concepts for a future research agenda. Braz Polit Sci Rev. 2013; 7(3):8-35.,44 Marques EC. Notas sobre redes, Estado e políticas públicas. Cad Saude Publica. 2019; 35(2):2-11., já apresentada na introdução, e possibilitou a constituição de três categorias analíticas, permitindo explorar a relação com os atores, espaços e instrumentos.

A pesquisa respeitou os preceitos éticos contidos na Resolução n. 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Foi autorizada pela Diretoria da 17ª RS e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade a que os pesquisadores estão vinculados, sob o parecer de número 3.120.681, CAAE: 04165518.2.0000.5231.

Resultados

Foram identificados atores cruciais no processo de governança, os espaços em que ocorrem as pactuações e articulação da rede, bem como a identificação dos instrumentos da governança e os fluxos estabelecidos entre os distintos pontos de atenção.

Compreende-se que entre os atores, espaços e instrumentos há uma relação indissociável, ou seja, todos esses elementos se interseccionam, visto que há entre eles uma relação de interação e interdependência. No entanto, para que o processo de governança fosse mais bem explorado, esses elementos foram apresentados de forma separada para fins didáticos.

Atores

Os atores foram elencados de acordo com os papéis que desempenham no processo de governança, conforme ilustrado no Quadro 1.

Quadro 1
Atores, responsabilidades, funções e discursos

Espaços de governança

Os atores identificados nesse estudo operam a rede de governança nos seguintes espaços: AB, CEO, Comissão Intergestores Bipartite (CIB), Hospitais, Centro de Apoio e Reabilitação dos Portadores de Fissura Labiopalatal (Cefil), CPS, Coordenação Regional de SB, espaços de gestão, pactuação e regulação e Conselho de Saúde.

Os espaços apresentados constituem-se em arranjos organizativos que operacionalizam a governança na região. Nesses, há o estabelecimento de pactuação, gestão, coordenação, gerenciamento e a relação entre diversos atores na constituição e na instrumentalização da Rasb.

A AB caracteriza-se por um conjunto de ações no âmbito individual e coletivo com objetivo de desenvolver atenção integral que impacte positivamente na situação de saúde das coletividades, sendo ainda quantitativamente a maior parte de estabelecimentos de saúde e um dos principais espaços em que ocorre o processo de governança.

A região possui cinco CEO que compõem a AE, sendo dois no município-sede (munícipio e universidade) e os outros três nos munícipios de médio porte, que ofertam atendimentos aos seus munícipes e são referência para a população dos municípios da microrregião. “Trabalhamos por microáreas, cada município tem a sua e dentro dela tem os municípios da regional” (P1). Dessa forma, um CEO municipal é responsável pela demanda própria do município-sede e outros quatro de abrangência regional.

Os CEO são estabelecimentos que oferecem AE, propiciando a continuidade do trabalho realizado pela AB. O da universidade atende a outras regiões de saúde abrangendo a 17ª (sede), 18ª, 19ª e 22ª RS. As vagas ofertadas são divididas em 50% para os usuários do munícipio-sede e 50% para os demais municípios das regiões supracitadas. As vagas foram contratualizadas e formalizadas pela CIB, um espaço de articulação e pactuação entre gestores municipais e estaduais, uma instância crucial de negociações entre entes federativos. As decisões são estabelecidas por meio de consensos, favorecendo a operacionalização e o aprimoramento dos interesses, fundamental no sistema de governança.

Quanto à AH, a região possui três serviços de referência: Hospital Universitário, Hospital Zona Sul do município-sede e Hospital do Câncer. Todos eles contribuem para a realização de procedimentos odontológicos complexos, sendo a conexão entre os demais serviços.

O Cefil é um centro de referência para portadores de fissura labiopalatal da região e “atende aproximadamente 60 municípios para reabilitação” (P1). Por se tratar de um espaço regional com participação de atores distintos e pactuações importantes, caracteriza-se como local de estabelecimento da governança. No entanto, cabe ressaltar que apenas um profissional entrevistado citou esse serviço, o que demonstra seu desconhecimento por parte dos outros profissionais.

Uma organização de ação coletiva dos municípios, atuante por meio da ação federativa, é o CPS, que opera mediante programas que respondem aos interesses dos entes consorciados, por meio da aquisição de insumos, em especial nas licitações com otimização dos custos. Foi considerado um espaço fundamental no processo de governança por se tratar de um mediador do relacionamento entre diversos atores e espaços da rede.

A Coordenação Regional de SB realiza a gestão, pactuação e processos decisórios na constituição da rede; desenvolve planejamento estratégico, elabora políticas que auditem a viabilidade dos planos de ação, faz monitoramento e mensuração de resultados, além da otimização do desenvolvimento de políticas que garantam os processos de saúde. Ela articula o desenvolvimento entre os municípios, sendo importante espaço de governança.

A Diretoria de Regulação e Avaliação em Saúde refere-se ao espaço de regulação de vagas odontológicas com objetivo de garantir o acesso às áreas especializadas, propiciando o ajuste da oferta disponível às necessidades imediatas da população, sendo um espaço de gestão e pactuação.

Por fim, o Conselho Municipal de Saúde foi apontado como espaço incipiente de controle social e frágil organização. “O controle social é trabalhado dentro dos conselhos, nos quais são incentivados os conselhos locais de saúde, porém sendo ainda incipiente e pouco organizado” (P7).

Além da ausência de espaços de discussão entre distintos serviços, evidenciou-se que a SB ainda é incipiente nos espaços em que operacionalizam a governança. O papel da equipe de SB ainda está atribuído a atendimentos. “O dentista se sentou na cadeira e parou de pensar em fazer diferente, está muito arraigado no sentar no mocho, mecanizado. O profissional não tem noção de rede, é muito fragmentado” (P8). Essa se apresenta às margens das discussões, apontada como uma categoria com falta de integração com equipes de trabalho e descolada da rede. “Muitas vezes não é nada específico da odontologia” (P5). “Na CIB não teve nada de SB” (P7).

Instrumentos, fluxos e mecanismos de governança

Com atores e espaços de governança, identificou-se na região estudada os instrumentos, fluxos e mecanismos que operacionalizam o processo de governança da Rasb. O instrumento formal de comunicação entre os pontos de atenção e que orienta o fluxo de usuários é denominado “referência”, tendo seu retorno ao estabelecimento de origem por meio da “contrarreferência”. Esse procedimento opera de a AB para AE e desta muitas vezes para a AH. Na AB são desenvolvidos procedimentos de ordem clínico-cirúrgico geral, tendo o referenciamento para a AE em casos de endodontia, periodontia, cirurgia oral menor dos tecidos moles e duros (bucomaxilofacial), estomatologia, prótese e atendimento de pacientes especiais.

Uma fragilidade apontada no município-sede diz respeito à contrarreferência realizada por intermédio do paciente e não por meios formais (sistema malote ou informatizado), o que gera perdas expressivas. “Há perdas, foge da nossa governabilidade, se o paciente leva ou não” (P5). “A mesma coisa acontece entre serviços da AE e AH” (P8), pois quando há atendimento em hospitais, eles dificilmente contrarreferenciam os usuários para o serviço de origem. No entanto, esse problema é pouco percebido entre municípios de pequeno porte da região, pois a contrarreferência é efetivada por procedimentos internos. “Preenchemos a contrarreferência e devolvemos. Fazemos via malote para não correr o risco de perder” (P4).

Os complexos reguladores desenvolvidos por meio de sistema de informação, com a identificação dos usuários, estabelecimento de normas e regras de utilização de serviços, foram identificados na região como importantes instrumentos de articulação da rede. Os critérios para encaminhamento dos usuários, bem como a definição das vagas por municípios, foram determinados por reuniões e comissões, com revisões periódicas: “Tivemos várias reuniões, fizemos uma comissão para elaborar a classificação de risco, reuniões sucessivas e negociações” (P9).

Na AH os fluxos são estabelecidos por meio de uma central de regulação que em casos de procedimentos odontológicos sob anestesia geral, por exemplo, [...] “há um processo que vai para o internamento, faz pedido de exames, encaminhamento para a regulação e liberação da vaga” (P3).

A regulação permite reordenar a distribuição de vagas por prioridades e classificação de risco. Entretanto, algumas fragilidades se apresentam, pois os riscos são enumerados de acordo com o aumento de prioridade no atendimento e a fila de maior risco (classificada com o número três) dificilmente teria um término pela reposição constante. Isso favorece que os riscos menores (de número 1 e 2) sejam postergados cada vez mais ou nem sejam atendidos, além da decorrência de longas filas de espera: “Enquanto não zerar o risco três nunca vai passar para o risco dois. Nunca vai chegar a vez. Tem pacientes que estão esperando desde 2017, quem entrou no início e é risco um não foi chamado até hoje (setembro de 2018)” (P9).

O monitoramento da fila de espera dos CEO foi um importante instrumento identificado, que possibilita o acompanhamento e propicia estratégias de planejamento, ao passo que há uma medida objetiva da espera desse usuário: “Temos um monitoramento, um controle. [...] quando eu tenho que conversar com a gestão e pedir mais vagas, eu tenho dados para mostrar” (P9). Ainda quanto ao sistema de monitoramento e avaliação, foi identificado o monitoramento dos vinte e um munícipios que compõem a rede, realizado pela coordenação regional de Odontologia: “Estamos fazendo o monitoramento de cada município, tudo que possui, desde a equipe de SB [...] tudo em relatórios. Conseguimos ter visão geral do município” (P1).

Os processos conjuntos de aquisição de insumos também foram importantes instrumentos de governança apresentados pelos atores, pois o próprio CPS possibilita uma interação entre gestores dos CEO, propiciando a troca de informações e possíveis escolhas dos insumos com otimização dos custos. Os contratos de serviços também foram instrumentos de governança, já que a organização do programa de apoio aos CEO se dá por meio de contratos, que norteiam os deveres entre as partes:

A princípio foram adotados convênios para que essa execução de aquisição de insumos fosse concretizada, depois organizados por meio de contratos. Quando há interesse do consorciado, utilizamos do contrato de programa que é para compreender quais são as obrigações entre as partes. (P12)

Os contratos são anuais e há uma aspiração em revisá-los para garantir melhorias no atendimento especializado. Para isso foi constituída “uma comissão para rever o contrato que foi feito [...] reavaliar para abrir essa possibilidade de compra, não só insumos” (P11).

Apesar da existência de instrumentos formais de governança da Rasb, foi verificado que as relações entre os diferentes níveis de atenção são estabelecidas majoritariamente de modo informal. Foi constatado que pactuações e ações, acordadas sobre determinados casos e serviços, são realizadas via WhatsApp, telefone e e-mail. As relações informais são marcantes na resolução de problemas e quando há a necessidade de troca de informação, resolução de dúvidas e matriciamento de casos, essas relações influenciam fortemente a governança, como expresso na fala:

São os contatos, as relações informais para agilizar, participar, priorizar (P8). [...] Acabam qualificando a demanda pela conversa, pelo contato, àquela velha história de quem conhece tal pessoa, contatos por telefone ou outras formas, tem mais facilidade para ter a vaga. (P10)

Uma fragilidade a se considerar é que pelas relações predominantemente informais, percebeu-se a ausência de espaços de discussão entre todos os níveis de atenção, expresso nas falas de vários profissionais:

Espaço de discussão entre todos os níveis não tem [...] A gente faz reuniões de vez em quando e discute alguns problemas, mas nada formalizado (P1). [...] Não tem uma reunião, não participamos efetivamente (P5).

Cursos de capacitação, oficinas, EPS e matriciamento realizados e direcionados aos diversos atores da rede foram evidenciados como mecanismos que operacionalizaram a governança na região, ainda que pontualmente, como expresso na fala: “[...] A relação é mais pontual, trabalhoso. Juntar todos, parar serviço em horário de trabalho. Por enquanto é pontual, mas reunir todos em uma única reunião é mais difícil” (P1).

A CEO-Universidade também promove capacitações à Rasb, [...] “veio um professor da Universidade fazer uma capacitação aberta a toda rede” (P4) e os professores têm papel fundamental para o matriciamento dos profissionais dos outros CEO: “Quando ele foi criado (CEO-Universidade), foi com esse objetivo, de fazer matriciamento dos outros CEO” (P1). Vale destacar que o bom relacionamento entre os entes envolvidos pode propiciar uma rede mais articulada, favorecendo a governança.

Dessa forma ficou evidenciado que os instrumentos e fluxos tanto formais quanto informais são permeados por relacionamentos entre os atores de distintos níveis de atenção, que dessa forma contribuem para o processo de governança da Rasb na região.

Discussão

Neste estudo, a comunicação e as relações entre atores inseridos nos espaços que operacionalizam a governança foram consideradas incipientes, corroborando com a pesquisa de Bretas et al.1919 Bretas Júnior NB, Shimizu HE. Reflexões teóricas sobre governança nas regiões de saúde. Cienc Saude Colet. 2017; 22(4):1085-95.. Acredita-se que quanto melhor a comunicação e a discussão entre os atores envolvidos, maior o fortalecimento da capacidade de governança. Calmon e Costa2020 Calmon C, Costa ATM. Redes e governança das políticas públicas. Rev Pesq Polit Publicas. 2013; 1:1-29. apontam que os atores devem ser interdependentes, tendo em vista que não podem se responsabilizar isoladamente pelos produtos e os resultados de uma política pública. Os autores ressaltam que os recursos financeiros, políticos e organizacionais, além de constituírem informação essencial para implementar ações, estão distribuídos por uma série de atores e organizações dentro e fora do governo.

Neste estudo ficou evidente a ausência dos atores não governamentais no desenvolvimento da governança, que se refere aos processos de governo, à reorientação das relações entre distintos atores como o Estado, sociedade, governos, agentes privados e sociedade, permitindo a ação de atores governamentais, mas também os não governamentais/informais, incluindo agentes privados, comunidades profissionais e movimentos sociais33 Marques EC. Government, political actors and governance in urban policies in Brazil and São Paulo: concepts for a future research agenda. Braz Polit Sci Rev. 2013; 7(3):8-35.,44 Marques EC. Notas sobre redes, Estado e políticas públicas. Cad Saude Publica. 2019; 35(2):2-11..

Considera-se que houve muitas transformações no papel do ente estadual ao longo do tempo. Pires et al.2121 Pires RRC, Gomide AA. Governança e capacidades estatais: uma análise comparativa de programas federais. Rev Sociol Polit. 2016; 24(58):121-43. acreditam que não houve mudanças em relação às suas competências, sendo apenas um deslocamento das capacidades estatais, sem perda de centralidade ou relevância. Entretanto, os achados desta pesquisa se contrapõem aos achados dos autores supracitados, visto que o ente municipal ganhou força e relevância, definido como ator crucial, sendo, portanto, além de executor de serviços, o gestor, cumprindo papel de regulador, ordenador de fluxos e de arranjos de interação entre atores.

Esta pesquisa dialoga com os estudos de Ribeiro et al.2222 Ribeiro PT, Tanaka OU, Denis JL. Governança regional no Sistema Único de Saúde: um ensaio conceitual. Cienc Saude Colet. 2017; 22(4):1075-84., que reforçam a natureza federativa das relações intergovernamentais, a autonomia local, descentralização de decisões e responsabilidades quanto ao planejamento e à alocação de recursos nas regiões, característica existente na região estudada. Ficou evidente a capacidade do ente municipal em gerir assuntos públicos por meio do envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais em sua dimensão regional.

A CIB e os Conselhos de Saúde foram identificados como espaços incipientes de governança, com pouca discussão entre os gestores estratégicos. A falta de participação da sociedade civil no controle social demonstra fragilidades no processo. A CIB e os conselhos, se bem articulados e operantes, poderiam contribuir na instância da governança investigada, marco regulatório do processo decisório e da governança nas regiões11 Godoi H, Andrade SR, Mello ALSF. Rede regionalizada de atenção à saúde no Estado de Santa Catarina, Brasil, entre 2011 e 2015: sistema de governança e a atenção à saúde bucal. Cad Saude Publica. 2017; 33(9):2-13.,1919 Bretas Júnior NB, Shimizu HE. Reflexões teóricas sobre governança nas regiões de saúde. Cienc Saude Colet. 2017; 22(4):1085-95..

O cuidado à SB tem razões para ser pauta na agenda de discussões sobre a estruturação das redes. Dessa forma, poderia configurar maior representação política nas instâncias CIB e Conselhos de Saúde, as quais agregam poder decisório, a fim de superar as fragilidades e alcançar uma rede regionalizada de atenção à SB, menos fragmentada e incipiente1919 Bretas Júnior NB, Shimizu HE. Reflexões teóricas sobre governança nas regiões de saúde. Cienc Saude Colet. 2017; 22(4):1085-95.. Para Bretas et al.1919 Bretas Júnior NB, Shimizu HE. Reflexões teóricas sobre governança nas regiões de saúde. Cienc Saude Colet. 2017; 22(4):1085-95., essas instâncias são espaços nodais da governança, em que reúnem não somente os atores, mas acordos, processos, pactuações, tomada de decisão e elaboração de normas sociais que podem impactar na construção de políticas públicas. Desse modo, consistem em espaços de interesse, poder, relações, que influenciam diretamente no desenvolvimento da governança com vistas à estruturação da Rasb.

Esses locais são os únicos espaços deliberativos, porém foi evidenciado que são os menos efetivos para a realização da governança. Esses resultados permitem inferir que a Rasb ainda é considerada periférica, visto que foi pouco pautada na agenda do espaço interfederativo e nos espaços que comportam a sociedade. De acordo com Ditterich et al.2323 Ditterich RG, Ditterich ACR, Baldani MH. A política de saúde bucal em pauta no Conselho Municipal de Saúde no Município de Nova Friburgo - RJ. Rev Odontol UNESP. 2015; 44(3):143-51., os quais realizaram análise de documentos técnicos do Conselho Municipal de Saúde pela institucionalização da PNSB, verificaram que assuntos referentes à SB foram tratados de forma meramente informativa, sob o ponto de vista organizacional dos serviços. Referem também a existência de obstáculos na dinâmica da participação, como ausência dos usuários e trabalhadores da saúde. Constatou-se ainda pouca interação entre os atores, dificultando a construção de estratégias de planejamento, corroborando os achados do presente estudo.

Essa evidência reforça a necessidade de a categoria odontológica possuir maior representatividade nos diferentes espaços de decisões, condição que possibilitaria maior envolvimento com as demais áreas da saúde, incorporando a SB como parte integrante fundamental da saúde do indivíduo. Mesmo após consideráveis avanços que a SB conquistou nas ações em saúde na rede, ainda é permeada de indefinições, posta à margem nas discussões referentes à organização da Atenção à Saúde na perspectiva de rede, apresentando-se muitas vezes descolada do processo.

Historicamente, a formação em Odontologia sempre esteve voltada a um modelo curativista e individualizado, considerada tradicional, segmentada, acrítica e pouco reflexiva. O ensino nas universidades continua a priorizar a formação para o setor privado, mesmo sendo o serviço público o maior empregador de dentistas no Brasil1414 Mello ALSF, Andrade SR, Moyses SJ, Erdmann AL. Saúde bucal na rede de atenção e processo de regionalização. Cienc Saude Colet. 2014; 19(1):205-14.,2323 Ditterich RG, Ditterich ACR, Baldani MH. A política de saúde bucal em pauta no Conselho Municipal de Saúde no Município de Nova Friburgo - RJ. Rev Odontol UNESP. 2015; 44(3):143-51.. Justifica-se, portanto, a pouca participação e o empoderamento dos profissionais na constituição e na governança da Rasb, herança de um percurso histórico de fragmentação1414 Mello ALSF, Andrade SR, Moyses SJ, Erdmann AL. Saúde bucal na rede de atenção e processo de regionalização. Cienc Saude Colet. 2014; 19(1):205-14..

Esses resultados também explicam o porquê de a Rasb ainda estar em uma fase inicial e incipiente em sua organização. A fim de superar esse óbice, faz-se necessária a inserção de pautas sobre universalização e integralidade nos espaços que agregam poder decisório, pela participação de ações regionais mais cooperativas e integradas, com a presença de atores estratégicos com capacidade de influência no processo de governança.

Vários foram os mecanismos e instrumentos utilizados e que, em certa medida, contribuíram para operacionalizar a governança da Rasb na região estudada. Foram elencados desde cursos e oficinas, monitoramento e avaliação de indicadores pela coordenação regional de SB, bem como a definição conjunta entre os atores de critérios para o estabelecimento da classificação de risco na central de regulação. A pactuação entre diversos entes fortalece os vínculos entre os envolvidos, define melhor as responsabilidades e reforça a institucionalidade na governança regional. A Central de Regulação, que tem como finalidade organizar os fluxos de pessoas, produtos e informações ao longo das redes, também foi reconhecida em estudo sobre duas RAS no estado de Pernambuco como importante mecanismo de articulação destas redes2424 Oliveira CRF, Samico IC, Mendes MFM, Vargas I, Válquez ML. Conhecimento e uso de mecanismos para articulação clínica entre níveis em duas redes de atenção à saúde de Pernambuco, Brasil. Cad Saude Publica. 2019; 35(4):2-16..

Os contratos para aquisição conjunta de serviços pelos municípios também foram mencionados como mecanismo de governança, sendo o CPS o instrumentalizador do programa de apoio ao CEO na região. Esse mecanismo efetiva a participação e a autonomia dos pequenos municípios diante do processo de descentralização. Com responsabilidades conjuntas de distintos atores, garantem meios de alcance de benefícios coletivos de maneira cooperativa e solidária2525 Mendonça FF, Andrade SKAV. Consórcio Público de Saúde como arranjo para relação federativa e o processo de regionalização. Redes. 2018; 23(3):206-24.. Mais que fomentar, o CPS é um viabilizador da governança, pois intermedeia as relações e pactuações entre os envolvidos na ação consorciada para o alcance da oferta de ações e serviços, atendendo assim às necessidades de atenção à SB nas regiões2626 Henrichs JA, Meza MLFG. Governança multinível para o desenvolvimento regional: um estudo de caso do Consórcio Intermunicipal da Fronteira. Rev Bras Gest Urbana. 2017; 9(1):124-38..

A regionalização da SB depende de esforços das três esferas de governo e só ocorrerá com o fortalecimento dos mecanismos político-institucionais1919 Bretas Júnior NB, Shimizu HE. Reflexões teóricas sobre governança nas regiões de saúde. Cienc Saude Colet. 2017; 22(4):1085-95. de governança. Dessa forma, a governança efetiva-se quando há ampliação das relações de cooperação e colaboração entre atores dos diferentes pontos da atenção e concomitante diminuição de ações que visem à relação hierárquica e verticalizada entre os entes, por exemplo, na realização de matriciamento que o CEO da universidade promove com capacitações à Rasb.

Quanto aos meios de comunicação informal entre os profissionais de diferentes pontos da Rasb, Oliveira et al.2424 Oliveira CRF, Samico IC, Mendes MFM, Vargas I, Válquez ML. Conhecimento e uso de mecanismos para articulação clínica entre níveis em duas redes de atenção à saúde de Pernambuco, Brasil. Cad Saude Publica. 2019; 35(4):2-16. apontam que sua utilização pode indicar a presença de lacunas na articulação entre níveis que não foram sanadas pelos métodos formais, sugerindo uma deficiência na implementação deles. No entanto, a interação entre os atores viabilizada por mecanismos informais de comunicação e articulação como o WhatsApp, e-mail e telefone, apresentam-se como importantes instrumentos da governança na Rasb estudada. Tais tecnologias minimizam as barreiras entre os níveis assistenciais e facilitam a transferência de informações, aperfeiçoam a troca de conhecimentos e melhoram a comunicação dos profissionais, contribuindo para a continuidade do cuidado e a coordenação da atenção2727 Hartz ZMA, Contandriopoulos AP. Integralidade da atenção e integração de serviços de saúde: desafios para avaliar a implantação de um “sistema sem muros”. Cad Saude Publica. 2004; 20 Suppl 2:331-6..

Os achados sobre o uso de tecnologias de comunicação entre os atores da Rasb corroboram o encontrado por Oliveira et al.2424 Oliveira CRF, Samico IC, Mendes MFM, Vargas I, Válquez ML. Conhecimento e uso de mecanismos para articulação clínica entre níveis em duas redes de atenção à saúde de Pernambuco, Brasil. Cad Saude Publica. 2019; 35(4):2-16., em que o uso delas foi fortemente evidenciado. Relatam ainda que existem barreiras operacionais de comunicação que não são resolvidas integralmente com o uso dessas tecnologias. Discussões de casos e resolução de problemas de modo informal permeiam distintos espaços da rede fundamentais na interação dos atores com objetivo do cuidado. Dessa forma, deve-se ponderar o equilíbrio para que não seja fator implicador mais de ônus do que bônus.

Considerações finais

As contribuições proporcionadas à Rasb são permeadas por relacionamentos entre atores de distintos níveis e espaços que constituem arranjos organizativos, os quais operacionalizam a governança. Os achados deste estudo permitem classificar a rede como periférica, considerando que se fez pouco presente nas agendas de espaços com poder decisório. Para uma efetiva rede regionalizada, as três esferas de governo deveriam trabalhar cooperativamente a fim de fortalecer mecanismos político-institucionais. Quanto melhores a comunicação, a interação e a discussão entre os atores envolvidos, maior o fortalecimento da capacidade de governança.

Embora haja fragilidades na Rasb, há pontos favoráveis como a iniciativa do governo em promover ações de EPS, o apoio do consórcio, a existência da central de regulação e a presença de um cirurgião-dentista na coordenação regional que, por conhecimento da área e suas necessidades, agrega na efetividade das ações.

No entanto, reconhece-se que a governança precisa ser fortalecida na lógica de inclusão de todos os atores, na qual justifica uma das limitações deste estudo, pois diante da ausência de escuta aos atores do controle social e da AH, por exemplo, e por ter sido realizado em uma única região de saúde, pode não refletir a realidade de outras localidades e o processo de governança. Assim, evidencia-se a importância de que a intersetorialidade deva ser exercida e o controle social fortalecido sobre os agentes públicos para acompanhar a responsabilidade e a eficácia da ação pública.

Considerando a complexidade das relações, deve ser observada a possibilidade de sua regulamentação ou de normas que as protejam, reduzindo o caráter casuístico, amparando-as em regras claras e diminuindo incertezas. Nesse sentido, recomendam-se estudos futuros que suscitem caminhos para a potencialização das interações, articulações, pactuações com vistas à governança, com aspiração de promover uma atenção mais integral, menos fragmentada, descolada e incipiente com ação regional mais cooperativa e integrada.

  • Pimentel BV, Carvalho BG, Caldarelli PG, Domingos CM. Atores, espaços e instrumentos de governança na Rede de Atenção à Saúde Bucal. Interface (Botucatu). 2021; 25: e210286 https://doi.org/10.1590/interface.210286
  • Financiamiento

    O artigo resulta de pesquisa realizada com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio da concessão de bolsa de mestrado e auxílio à pesquisa.

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Editado por

Editora
Denise Martin
Editor associado
Franklin Delano Soares Forte

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2021
  • Aceito
    02 Ago 2021
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