Acessibilidade / Reportar erro

Diários de professores(as) na pandemia: registros em cadernetas digitais de trabalho e saúde

Teachers’ diaries during the pandemic: accounts of work and health in digital notebooks

Diarios de profesores y profesoras en la pandemia: registros en cartillas digitales de trabajo y salud

Resumos

O objetivo principal do presente artigo consiste em problematizar aspectos do processo de trabalho de professore(a)s da educação básica do estado do Rio de Janeiro, no contexto pandêmico, e sua relação com a saúde, tomando por base registros diários de professore(a)s em cadernetas digitais. Trata-se de uma pesquisa social de cunho qualitativo e de natureza participativa, realizada em parceria com o sindicato dos professores de Macaé e região. Participaram do estudo oito professore(a)s das redes pública e particular de ensino. No que tange à análise dos materiais, adotou-se a técnica de análise temática, organizada em dois blocos temáticos principais de interpretação: o primeiro relaciona-se à análise do processo de trabalho (remoto) docente, já o segundo refere-se à saúde, comorbidades pregressas e resistências coletivas. Quanto aos resultados, sobressaiu que professores(a)s vivenciam o aprofundamento de formas de opressão, precarização e intensificação do trabalho.

Palavras-chave
Trabalho remoto; Saúde docente; Pandemia


The main aim of this study was to problematize health aspects of the work process of primary school teachers in the state of Rio de Janeiro in the context of the pandemic using daily entries made by teachers in digital notebooks. We conducted a qualitative participatory social study in partnership with the Macaé Teachers Union. Eight teachers from public and private schools participated in the study. The data were analyzed using thematic analysis and organized into two main categories: the first related to the analysis of the (remote) work process; and the second comprising health, previous comorbidities and collective resistance. The findings highlight that the teachers are experiencing the deepening of forms of oppression, worsening working terms and conditions, and work intensification.

Keyword
Remote working; Teacher health; Pandemic


El objetivo principal de este artículo es problematizar aspectos del proceso de trabajo de profesores y profesoras de la educación básica del Estado de Río de Janeiro, en el contexto pandémico y su relación con la salud, utilizando como base registros diarios de profesores y profesoras en cartillas digitales. Se trata de un estudio social de cuño cualitativo y de naturaleza participativa, realizado en alianza con el Sindicato de los profesores de Macaé y región. En el estudio participaron ocho profesores y profesoras de las redes pública y particular de enseñanza. En lo que se refiere al análisis de los materiales, se adoptó la técnica de análisis temático, organizado en dos bloques temáticos principales de interpretación: el primero se relaciona al análisis del proceso de trabajo (a distancia) docente; el segundo, se refiere a la salud, comorbilidades anteriores y resistencias colectivas. Con relación a los resultados, se subrayó que profesores y profesoras viven la profundización de formas de opresión, precarización e intensificación del trabajo.

Palabras clave
Trabajo remoto; Salud docente; Pandemia


Introdução

E o educador? Que terá acontecido com ele? …

Resta-lhe algum espaço? Será que alguém lhe

concede a palavra ou lhe dá ouvidos?11 Alves R. O preparo do educador. In: Brandão CR, organizador. O Educador: vida e morte. Rio de Janeiro: Graal; 1983. p. 15-28.

(p. 17)

No início da pandemia do novo coronavírus (SARS-Cov-2), em 2020, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) lançou o movimento “Aprendizagem nunca para”22 Organização das Nações Unidas para Educação, Ciencia e Cultura - UNESCO. Aprendizagem nunca para - conte à UNESCO como você está lidando com o fechamento das escolas devido à Covid-19 [Internet]. Paris: UNESCO; 2020 [citado 23 Mar 2021]. Disponível em: https://pt.unesco.org/news/aprendizagem-nunca-conte-unesco-como-voce-esta-lidando-com-o-fechamento-das-escolas-devido
https://pt.unesco.org/news/aprendizagem-...
. Trata-se de um projeto para compartilhar histórias sobre como docentes e discentes enfrentam o difícil cotidiano do processo de aprendizagem em tempos de isolamento social. Diante do fechamento de escolas e universidades ao redor do mundo, professore(a)s e alunos foram obrigados a ficar em casa, sendo esta uma medida sanitária de proteção, o que levou ao uso extensivo das novas tecnologias da comunicação e informação na educação. Para Nóvoa33 Nóvoa A. A pandemia de Covid-19 e o futuro da Educação [entrevista]. Rev Com Censo: Estud Educ Distrito Federal. 2020; 7(3):8-12., os depoimentos partilhados no site da Unesco mostraram que as melhores respostas ao ensino remoto foram resultados da colaboração empreendida pelos docentes. Segundo o mesmo autor, professore(a)s salvaram a educação enquanto governantes deram respostas frágeis ao enfrentamento da pandemia.

Rondini et al.44 Rondini CA, Pedro KM, Duarte CS. Pandemia do covid-19 e o ensino remoto emergencial: mudanças na práxis docente. Interfaces Cient Educ. 2020; 10(1):41-57. constataram que mudanças nos processos de trabalho de professore(a)s tiveram que ser realizadas rapidamente em sistemas educacionais de diversos países, adaptando aulas presenciais para plataformas on-line, sem que professores tivessem qualificação adequada ou qualquer preparação, mesmo que superficial. Por outro lado, o relato da experiência de Appenzeller et al.55 Appenzeler S, Menezes FH, Santos GG, Padilha RF, Graça HS, Bragança JF. Novos tempos, novos desafios: estratégias para equidade de acesso ao ensino remoto emergencial. Rev Bras Educ Med. 2020; 44 Supl 1:e155. mostrou que a capacitação inicial do corpo docente para o manejo de ferramentas pedagógicas virtuais e trocas constantes de informação – principalmente sobre as dificuldades encontradas pelos alunos ao utilizar as novas tecnologias – são fatores extremamente importantes para adequação e possibilidade de êxito do ensino remoto emergencial.

Conforme afirmam Valente et al.66 Valente GSC, Moraes EB, Sanchez MCO, Souza DF, Pacheco MCMD. O ensino remoto frente às exigências do contexto de pandemia: reflexões sobre a prática docente. Res Soc Develop. 2020; 9(9):e843998153., trata-se de mudanças e adaptações requeridas pelo contexto de pandemia, que exigem um movimento de formação permanente; no entanto, na maioria absoluta dos casos, professore(a)s contaram exclusivamente com a própria experiência e prática docente. A pandemia trouxe desafios para a prática pedagógica que exigiram do(a)s professore(a)s não apenas ressignificar os processos de aprendizagem dos discentes, no tocante aos aspectos físicos, emocionais e sociais emergentes com a crise sanitária, mas também ordenar uma nova relação com o próprio processo de trabalho.

Consoante Maia et al.77 Maia FL, Bernardo KAS, Bridi MA. As configurações do trabalho remoto da categoria docente no contexto da pandemia covid-19. NORUS Novos Rumos Sociol. 2020; 8(14):8-39., o trabalho remoto docente criou uma nova dinâmica que amalgamou ainda mais a frágil barreira entre vida laborativa e doméstica. De acordo com as autoras, essa modalidade de trabalho provocou mudanças no ritmo de trabalho, que passou a ser mais acelerado, com jornadas excessivas e uso dos tempos de trabalho de maneira intermitente – remoto e presencial –, sem fronteiras claras entre espaços de trabalho e de não trabalho. No estudo, as autoras observaram que não há uma padronização na organização do trabalho na modalidade remota, nem coletiva, nem individual, pois cada instituição escolar buscou atender às suas especificidades, cabendo a professore(a)s, isoladamente, estabelecer a maneira de organizar a sua rotina, em um processo simultâneo de fazer aprendendo.

No cenário atual de pandemia, as pessoas tiveram que enfrentar dificuldades relacionadas à própria saúde, de ordem tanto física quanto emocional, além de conviver com perdas de familiares, solidão, medo e angústia88 Plá S. La pandemia en la escuela: entre la opresión y la esperanza. In: Cardiel HC, organizador. Educación y pandemia: uma visión académica. Ciudad de México: Instituto de Investigaciones sobre la Universidad y la Educación (IISUE); 2020. p. 30-8.. Souza et al.99 Souza KR, Santos GB, Rodrigues AMS, Felix AG, Gomes L, Rocha GL, et al. Trabalho remoto, saúde docente e greve virtual em cenário de pandemia. Trab Educ Saude. 2021; 19:e00309141. alertam para o agravamento de sinais e sintomas de professore(a)s relacionados à saúde mental que já existiam antes da pandemia, caracterizados como sofrimento, nervosismo, esgotamento mental, estresse, ansiedade, irritabilidade, depressão, medo, cansaço e perturbações do sono.

Importa considerar sentimentos de medo e insegurança vivenciados principalmente por professore(a)s da rede particular de ensino frente à possibilidade de desemprego, rebaixamento salarial, cancelamento de contratos temporários e diminuição da carga horária de trabalho (mas não da carga de trabalho)1010 Coutinho AS, Lopes E, Vieira LF, Trópia P. Direitos trabalhistas e trabalho remoto na educação infantil durante a pandemia: resultados de pesquisa. Rev Zero-A-Seis. 2020; 22 esp:1478-503..

De fato, as zonas de vulnerabilidade e de incerteza foram ampliadas no cenário pandêmico: instabilidade das situações de trabalho, inadequação dos sistemas clássicos de proteção social para dar cobertura à classe trabalhadora e multiplicação de formas de precarização laboral. Castel1111 Castel R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes; 2015. afirma que a vulnerabilidade social conjuga precarização do trabalho, fragilidade dos suportes de proximidade e enfraquecimento de ações políticas coletivas agravadas com o isolamento social e relacional do trabalho.

Em que pese a importância dos aparatos tecnológicos de comunicação, estamos sitiados em nossos ambientes de moradia e de trabalho. A escola on-line e seus professores estão sob vigilância permanente de pais e familiares presentes na sala de aula, ouvindo e observando cada frase e cada ideia que é dita, sem dimensionar as consequências para a autonomia docente e a liberdade pedagógica1212 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 2001..

Destarte, é evidente que ocorreram mudanças profundas resultantes do trabalho remoto em escolas com poucos estudos que tratem do real processo de trabalho docente na perspectiva de professore(a)s, bem como das consequências para à saúde, ao trabalhar sob circunstâncias excepcionais. Para Nóvoa33 Nóvoa A. A pandemia de Covid-19 e o futuro da Educação [entrevista]. Rev Com Censo: Estud Educ Distrito Federal. 2020; 7(3):8-12., a necessidade de adaptação do ensino em tempos de isolamento social impôs soluções frágeis e precárias.

Assim, tomando por base registros diários de professore(a)s em cadernetas virtuais de saúde e trabalho, o objetivo deste estudo consiste em problematizar aspectos do processo de trabalho de professore(a)s da educação básica de municípios do estado do Rio de Janeiro, em contexto pandêmico, e a sua relação com a saúde.

Aspectos teórico-metodológicos

A análise teórica sobre a relação saúde e trabalho docente adotou a centralidade do conceito de processo de trabalho1313 Marx K. O capital: crítica da economia política. Livro 1. São Paulo: Boitempo; 2013.. Para Minayo-Gomez1414 Minayo-Gomez C. Campo da saúde do trabalhador: trajetória, configuração e transformações. In: Minayo CG, Machado JMH, Pena PGL, organizadores. Saúde do trabalhador na Sociedade Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011. p. 23-34., esse conceito, extraído da economia política em sua acepção marxista, permite que se apreendam, em complexidade, as questões relativas à saúde dos trabalhadore(a)s. De acordo com Marx1313 Marx K. O capital: crítica da economia política. Livro 1. São Paulo: Boitempo; 2013., o processo de trabalho constitui-se pela força de trabalho em ação, sendo imperioso que nos estudos sobre trabalho sejam conhecidos não apenas “o que” é produzido, mas também “o como” e “com que meios de trabalho” se produz, com especial atenção para as condições sociais na qual se trabalha. Deve-se conhecer, centralmente, o trabalho e seu processo na visão do próprio trabalhador.

No tocante ao conceito de saúde, adotou-se a epistemologia vitalista de Canguilhem1515 Canguilhem G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2012., que considera o homem capaz de instituir novas normas de vida ante situações eventuais e adversas. A saúde, em seu sentido amplo, nada mais é que a capacidade de mobilização permanente das forças e da energia necessária para vida que o homem retira de si para dar conta das exigências e pressões do trabalho.

Quanto à metodologia do estudo, adotou-se a vertente da pesquisa social de natureza qualitativa e participativa1616 Brandão CR, Streck DS. Pesquisa participante: a partilha do saber. São Paulo: Ideias & Letras; 2006.. O processo de construção do estudo se deu em conjunto com o Sindicato dos Professores de Macaé e região (Sinpro-Macaé). A escolha pelo Sinpro-Macaé deveu-se ao critério de acessibilidade, considerando proximidade e vínculos entre pesquisadores e sindicalistas resultantes de experiências anteriores.

A primeira fase do estudo, com início no mês de maio de 2020, compreendeu reuniões virtuais com a direção do sindicato para apresentação da proposta de pesquisa, elaboração participativa do cronograma de trabalho e construção coletiva das estratégias de divulgação na base da categoria. No enfoque das pesquisas participativas, preconiza-se a vinculação entre ciência e movimentos sociais para ações de caráter emancipatório, de modo a produzir conhecimento coletivamente. Ademais, incentiva-se o desenvolvimento de métodos de investigação que colocam em prática a interação pedagógica e a dialogicidade com vistas às transformações sociais1616 Brandão CR, Streck DS. Pesquisa participante: a partilha do saber. São Paulo: Ideias & Letras; 2006..

A pesquisa de campo compreendeu duas fases, no período de julho a agosto de 2020: a primeira, denominada “Oficinas em Saúde e Trabalho”, constituiu-se em uma modalidade coletiva e dialógica de conhecimento sobre o trabalho e a saúde docente1717 Souza KR, Rodrigues AMS, Santos MBM, Felix EG, Barbosa RHS, Fernandez VS, et al. Oficinas em saúde do trabalhador: ação educativa e produção dialógica de conhecimento sobre trabalho docente em universidade pública. Rev Bras Saude Ocup. 2020; 45:e4.; e a segunda foi composta pela aplicação das cadernetas de saúde e trabalho, que consiste em registros diários de professore(a)s, contendo descrições sobre o cotidiano de trabalho. Aqui, serão apresentados e analisados os resultados da segunda etapa de investigação.

Importa considerar que foram convidados a participar do segundo momento (cadernetas) os mesmos 12 professore(a)s que participaram da primeira fase (oficinas), contudo, obteve-se o retorno de somente oito cadernetas. No tocante à caracterização dos participantes, dois se autodeclararam do sexo masculino e seis do sexo feminino, com idade entre 28 e 55 anos. Quanto à inserção na rede de educação, cinco trabalham na rede privada, dois na rede pública e um em ambas as redes. Em relação ao vínculo de trabalho, quatro são contratados por regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); dois são estatutários, um celetista e estatutário e um com contrato temporário de trabalho. A carga horária semanal formal de trabalho variou entre 22 horas e 44 horas. Em termos de experiência, atuam na docência entre cinco e 25 anos.

Quanto à descrição das cadernetas de saúde e trabalho, em seu formato original foram concebidas e aplicadas em versão física1818 Souza KR, Fernandez VS, Teixeira LR, Larentis AL, Mendonça ALO, Felix EG, et al. Cadernetas de saúde e trabalho: diários de professores de universidade pública. Cad Saude Publica. 2018; 34(3):e00037317.. Com o advento da pandemia, a ferramenta sofreu adaptações para a modalidade virtual, de modo que professore(a)s pudessem utilizá-las remotamente. Na nova formatação digital, as cadernetas foram configuradas on-line na plataforma Google Form, em forma de diário eletrônico, sem roteiro prévio de questões, com ampla possibilidade de liberdade dos participantes para relatar a sua visão sobre saúde e trabalho, com registros diários durante sete dias consecutivos.

Quanto à análise dos registros diários, utilizou-se a técnica de análise temática (AT). Para Minayo1919 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2013. o tema é a unidade de significação e o núcleo de sentido que denota valores e relevância atinentes ao objeto e objetivos do estudo. Em termos práticos, efetuou-se as três etapas operacionais da AT: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos. Após leituras exaustivas dos textos das cadernetas, categorizou-se o material por meio de normas de validade qualitativa, sendo elas: representatividade, homogeneidade e pertinência. Para apresentação dos resultados, enumeraram-se as cadernetas de um a oito, de forma aleatória, como artifício de proteção da identidade dos participantes.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) n. 4.115.201.

Resultados e discussão

Harvey2020 Harvey D. Para entender o capital. São Paulo: Boitempo; 2013. admite que todo processo de trabalho possui, dialeticamente, um potencial criativo e transformador. Nas suas palavras, de forma simples e objetiva, “o trabalho é um processo que transforma uma coisa em outra coisa” (p. 119). Destarte, verificou-se no estudo sobre processo de trabalho docente na pandemia que professore(a)s vivenciam formas de opressão, precarização e intensificação no trabalho. Contudo, experimentam continuamente novos modos de trabalhar com o uso de tecnologias de comunicação, em conexão com o exercício da adaptação criativa do trabalho. Trata-se de um movimento contraditório e dialético entre imposição e adesão a antigos saberes e novos aprendizados, que gera um novo processo laboral docente, inclusive com aspectos do teletrabalho2121 Almeida CVG. O trabalho no modo remoto e a liberdade falseada: a tecnologia que escraviza. Rev Trab Acad. 2017; 1(2):1-6. e do ensino a distância, porém, com qualidade inferior2222 Moreira JA, Schlemmer E. Por um novo conceito e paradigma de educação digital onlife. Rev UFG. 2020; 20(26):1-35..

Para mostrar as contradições ante a riqueza e profusão dos registros diários de professore(a)s, organizamos a apresentação dos resultados em duas partes: a primeira refere-se à apresentação e análise do processo de trabalho remoto docente, subdivido em quatro temas: aceleramento e pressão na sequência de atividades; simultaneidade e concorrência de trabalhos; impedimentos tecnológicos e adaptações do trabalho virtual docente; e interação entre labor docente e doméstico. Já a segunda parte diz respeito ao tema das queixas de saúde, comorbidades pregressas e resistências coletivas.

Aceleramento e pressão na sequência de atividades

O trabalho remoto docente excepcional2323 Brasil. Ministério da Educação. Portaria nº 544, de 16 de Junho de 2020. Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19 [Internet]. Brasília: Ministério da Educação; 2020 [citado 10 Jul 2020]. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-544-de-16-de-junho-de-2020-261924872
http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portar...
, como foi denominado pelo Ministério da Educação, constitui-se em uma modalidade laboral adotada pelo sistema educacional brasileiro em contexto pandêmico na qual professore(a)s não estão fisicamente presentes na escola, mas estão virtualmente, por meios telemáticos para consecução do principal objetivo de trabalho: a formação humana99 Souza KR, Santos GB, Rodrigues AMS, Felix AG, Gomes L, Rocha GL, et al. Trabalho remoto, saúde docente e greve virtual em cenário de pandemia. Trab Educ Saude. 2021; 19:e00309141.. No entanto, a ausência de normas e orientações pedagógicas para consecução dessa tarefa é uma evidência. Em termos concretos, observou-se aceleramento e pressão na sequência de atividades desenvolvidas; uso excessivo de tecnologias digitais para planejamento de aulas; gravação de vídeos; repasse e correção de trabalhos; e dificuldades relacionais. Tudo isso sob a responsabilidade solitária dos docentes.

Tomei um rápido café e comecei a editar o vídeo que tinha gravado no dia anterior, atividade que demanda tempo e vários testes, pois, não há treinamento e apoio no uso das tecnologias necessários para a entrega de um trabalho minimamente apresentável [...] Solicitações de atendimento durante todo o dia para orientação na realização de atividades [...] correção de atividades pela tela do telefone.

(Caderneta 3)

Pode-se considerar que a compressão do tempo de trabalho anunciada por Harvey2424 Harvey D. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola; 2012., marca do trabalho no capitalismo flexível, expandiu-se na pandemia e constituiu uma outra experiência de tempo e espaço no trabalho docente. As rotinas diárias descritas nas cadernetas mostraram uma nova organização do tempo de trabalho em ambiente virtual, pois, em que pese o fato de professore(a)s sofrerem há muito com a flexibilidade do tempo laboral, a situação se agravou no contexto do trabalho remoto. Interpreta-se que, além de cumprirem horários rígidos por meio de atividades como aulas síncronas, reuniões com a coordenação e encontros virtuais com colegas, os docentes possuem horários flexíveis que intensificam a jornada de trabalho, não havendo diferença entre o tempo de trabalho contratado e o sobretrabalho não pago. Segundo Rosso2525 Rosso SD. O ardil da flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor. São Paulo: Boitempo; 2017., a distribuição das horas laborais compreende uma dimensão importante do estudo sobre processos de trabalho, o que inclui responder à seguinte pergunta: “Quando e em que horários o trabalhador realiza sua tarefa?”2525 Rosso SD. O ardil da flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor. São Paulo: Boitempo; 2017. (p. 10). Igualmente, nas cadernetas, professore(a)s foram estimulado(a)s a descreverem suas experiências sobre a organização do tempo de trabalho.

Hoje levantei às três horas da manhã, preparei minhas aulas. Às seis horas e trinta minutos terminei de inseri-las na plataforma digital, e sete horas comecei a minha primeira aula com a turma, e às treze horas e vinte minutos terminei a última aula do dia. Só que os alunos continuaram me fazendo perguntas sobre as matérias até às vinte horas […]. Os donos e diretores de escolas acreditam que por ser virtual podem enviar mensagens para nós a qualquer hora do dia.

(Caderneta 4)

Percebe-se que as jornadas entre trabalho e não trabalho não possuem limites claros. Durante a pandemia, professore(a)s respondem e-mails e mensagens de WhatsApp em diversos horários, ficando sempre à disposição da coordenação, dos alunos ou de suas famílias, inclusive, além da carga horário de trabalho contratada.

[...] Comecei uma aula on-line e ao vivo às 11:00. Após a aula, almocei até 13:30. Às 14:00 eu entrei em outra aula ao vivo. Em seguida, fiz algumas atividades da escola (lançamento de notas de atividades no Google Classroom e planejamento de disciplina). Em seguida, eu fiz mais uma parte de um curso on-line para me tornar professora embaixadora da Google na escola onde trabalho.

(Caderneta 5)

A improvisação e adaptação do trabalho de professore(a)s em ambientes virtuais atendem ao processo concreto de flexibilização do tempo laboral e de flexibilização das novas funções docentes, principalmente no que diz respeito à qualificação para uso de novas tecnologias e plataformas digitais. Observaram-se registros nas cadernetas de novas atividades como “professora embaixadora da Google”. Para Mill e Fidalgo2626 Mill D, Fidalgo FR. Trabalho coletivo e coletivo de trabalho na educação a distância virtual: organização social e técnica dos trabalhadores na idade mídia. Rev Trab Educ. 2007; 16(1):75-98., a mediação técnica possibilita a flexibilidade nos horários e promove obsolescência dos saberes-tácitos (savoir-faire). Há substituição e desvalorização dos antigos saberes docentes e a tendência a perder-se ainda mais no atual contexto pandêmico. De fato, a tecnologia se impôs na educação com muita força, de modo que não saber empregá-la no cotidiano do trabalho docente passou a ser considerado sinal de incompetência e acomodação profissional.

Simultaneidade e concorrência de trabalhos

Nos escritos diários de professore(a)s, observou-se a repetição de expressões como “enquanto aguardo” e “ao mesmo tempo”, o que pode indicar que docentes realizam atividades paralelas e concorrentes. Segundo Mill e Santiago2727 Mill D, Santiago G. Educação flexível, aberta e híbrida: desafios e estratégias. Rev Educaonline. 2021; 15:6-23., na idade mídia (uma alusão à era do capitalismo tecnológico da informação e da comunicação digital), o uso de tecnologias na educação permite aos docentes uma espécie de onipresença e de ubiquidade no ciberespaço, sendo possível estar em ambientes virtuais diferentes ao mesmo tempo.

Enquanto aguardo a interação dos alunos dessa escola, organizo as atividades e inserções que farei nas plataformas on-line de aulas de outras escolas […]. Ao mesmo tempo [...] agilizo a organização do que farei para as outras escolas. Às 14h, participei de uma reunião […]. Ao mesmo tempo, estava na plataforma virtual, onde lancei os textos e uma videoaula.

(Caderneta 2)

Com efeito, a ubiquidade tecnológica gera sobrecarga de atividades, já que diferentes recursos estimulam que se façam diversas coisas no mesmo intervalo de hora, com a falsa percepção que se ganha tempo – falsa porque, como consequência, pode haver perda da saúde pelo desgaste da simultaneidade de atividades. No estudo de Almeida2121 Almeida CVG. O trabalho no modo remoto e a liberdade falseada: a tecnologia que escraviza. Rev Trab Acad. 2017; 1(2):1-6. sobre teletrabalho, a autora chama atenção para a “superconexão” laboral. Trata-se de um processo de intercomunicação permanente que pode suscitar diferentes riscos psicossociais aos trabalhadores, como o estado contínuo de alerta e ansiedade, ocasionados pelas diferentes atividades paralelas de trabalho que os dispositivos móveis permitem realizar. No contexto da pesquisa, trata-se da invasão multifacetada da tecnologia na vida e no trabalho docente na pandemia, suscitando sobre-esforço de energia física, mental e emocional de professore(a)s66 Valente GSC, Moraes EB, Sanchez MCO, Souza DF, Pacheco MCMD. O ensino remoto frente às exigências do contexto de pandemia: reflexões sobre a prática docente. Res Soc Develop. 2020; 9(9):e843998153..

Depois do almoço eu comecei a fazer o planejamento do roteiro de três videoaulas e ao mesmo tempo assistindo a uma reunião [...] terminei o dia preocupada com as tarefas da escola, pois, no dia seguinte, eu terei a tarde inteira em reuniões e aulas.

(Caderneta 5)

Constata-se pelas anotações do(a)s professore(a)s que alguns aspectos do trabalho docente, anteriores à pandemia, permaneceram e se aprofundaram, como estar permanentemente ocupados ou pré-ocupados com atividades de trabalho, antes mesmo de elas acontecerem. O estudo de Silva e Fischer2828 Silva J, Fisher F. Invasão multiforme da vida pelo trabalho entre professores de educação básica e repercussões sobre a saúde. Rev Saude Publica. 2020; 54(3):1-8. chama atenção para aquilo que professore(a)s descrevem como a experiência de não conseguirem se desligar da preocupação com pendências e compromissos do trabalho. Entende-se que em situação tanto de “normalidade” quanto de excepcionalidade deve-se gerar defesas ao sobretrabalho, o que inclui uma visão crítica sobre o próprio trabalho.

Impedimentos tecnológicos e adaptações do trabalho docente

Os impedimentos do trabalho pela limitação das próprias ferramentas, como falhas na internet e problemas na relação com artefatos tecnológicos, resultam em interferência do trabalho de professore(a)s com aluno(a)s. A mesma tecnologia que possibilitou o trabalho docente excepcional em ambiente virtual é a que frustra o seu desenvolvimento.

Ao final da gravação da aula de uma turma (às 16:00), ocorreu um erro durante o salvamento e acabei perdendo toda a gravação da tarde. Fiquei bastante frustrada e reuni forças para recomeçar as gravações.

(Caderneta 5)

Para Franco et al.2929 Franco T, Druck G, Seligmann-Silva E. As novas relações de trabalho, o desgaste mental do trabalhador e os transtornos mentais no trabalho precarizado. Rev Bras Saude Ocup. 2010; 35(122):229-48., os avanços tecnológicos não tem se traduzido em redução das jornadas de trabalho e em desenvolvimento das potencialidades humanas. Ao contrário, entende-se que o trabalho remoto de professore(a)s na pandemia configura-se como trabalho precarizado e fonte de mal-estar. Vale dizer que a precarização social do trabalho constitui uma marca estrutural do trabalho contemporâneo, a tal ponto que passou a ser seu atributo central, formando um terreno fértil para sofrimento e o adoecimento dos trabalhadores.

[...] estive em videoconferência com os alunos, o último tempo não consegui trabalhar, pois a internet não estava boa e eu não estava me sentindo bem.

(Caderneta 4)

Silva et al.3030 Silva AKL, Falcão JTR, Torres CC, Caraballo GP. os impedimentos da atividade de trabalho do professor na EAD. Psicol Cienc Prof. 2017; 37(3):683-96. destacam impedimentos do trabalho remoto docente, abordando os obstáculos tanto objetivos, procedentes das próprias imperfeições dos sistemas tecnológicos, quanto subjetivos, que dizem respeito principalmente à interação entre professor-aluno em ambiente virtual. Ademais, pode-se observar que o principal parâmetro para desenvolvimento do trabalho docente remoto continua sendo a experiência do trabalho presencial.

Na visão do(a)s professore(a)s, o trabalho presencial serve de referência ao trabalho docente na idade mídia. Não obstante, verificou-se algumas (poucas) prescrições emitidas pela hierarquia escolar, que configuram novas normas laborais referentes ao processos de ensino, avaliação e prazos a serem cumpridos. Então, professore(a)s se apropriam das normas do ensino presencial e re-normatizam o próprio trabalho baseado(a)s na experiência e na inteligência individual e coletiva3131 Schwartz Y, Durrive L. Trabalho e ergologia: conversas sobre a atividade humana. Niterói: Eduff; 2007..

Tivemos uma reunião com a coordenação e o formato do ensino remoto e avaliações foram modificados. O bimestre mal começou e já estou cheia de coisas para preparar e adaptar [...] aplico a estratégia de leitura de poesias e análises de músicas da MPB a fim de trazer um momento prazeroso mesmo nesse ambiente remoto e estimular a leitura e interpretação de textos nos alunos.

(Caderneta 7)

Interpreta-se que plataformas e tecnologias virtuais disponíveis para o trabalho docente apresentam limitações interativas e pedagógicas. Assim, deve-se investir na adaptação do trabalho aos docentes, o que, no contexto do trabalho remoto investigado, significa investir em plataformas e novas tecnologias educacionais, como bem preconiza a ergonomia da atividade ao refletir sobre formas de adaptação do trabalho aos trabalhadore(a)s3232 Wisner A. Questões epistemológicas em ergonomia e em análise do trabalho. In: Daniellou F, organizador. A ergonomia em busca de seus princípios: debates epistemológicos. São Paulo: Edgar Blücher; 2004. p. 29-56.. Portanto, deve-se tomar por base a experiência e o conhecimento dos próprios professore(a)s em ambas as modalidades – presencial e remota.

[...] o vídeo de bom dia para o grupo de WhatsApp da turma foi feito através do aplicativo Tik Tok, vídeo de 15 seg. (estou aprendendo) [...] optei por mandar áudios ao longo do dia para assim interagir com as crianças.

(Caderneta 8)

Para Marx1313 Marx K. O capital: crítica da economia política. Livro 1. São Paulo: Boitempo; 2013. e Harvey2020 Harvey D. Para entender o capital. São Paulo: Boitempo; 2013., a transformação dos instrumentos de trabalho tem consequências profundas nas relações sociais, ou seja, à medida que a tecnologia muda, também mudam nossas relações sociais. O ponto que se quer destacar diz respeito a trabalhadores da educação tornarem-se sujeitos e participantes dessas mudanças e não figurarem somente como consumidores e usuários passivos do mercado tecnológico. Nóvoa33 Nóvoa A. A pandemia de Covid-19 e o futuro da Educação [entrevista]. Rev Com Censo: Estud Educ Distrito Federal. 2020; 7(3):8-12. chama atenção para futuros cenários em que prevalecerão os sistemas de educação on-line concentrados nas grandes corporações, apoiados por grupos privados e fundações, que controlariam o ensino e novas modalidades de aprendizagens.

Interação entre labor docente e doméstico

Na impossibilidade de realizar aulas e atividades pedagógicas presenciais, o trabalho remoto docente ficou confinado no espaço doméstico, que resultou também na intensificação do trabalho doméstico e do cuidado de uma forma geral, sobretudo para as mulheres, que historicamente ficaram como responsáveis por essas atividades.

Certamente, as desigualdades de gênero ficaram mais evidentes em contexto pandêmico, embora elas já existissem antes das medidas de isolamento social. Pode-se afirmar que professoras sofrem com jornadas sobrepostas e intensificadas, na medida em que o trabalho docente ocorre simultaneamente ao trabalho doméstico que envolve cuidados com familiares, muitas vezes abrangendo crianças e idosos. O estudo de Araujo e Yannoulas3333 Araújo SCLG, Yannoulas SC. Trabalho docente, feminização e pandemia. Retratos Esc. 2020; 14(30):754-71. (p. 758) afirma que “exaustão” é a palavra mais utilizada pelas mulheres em tempos de pandemia.

Estou na semana de recesso, porém estou preenchendo as fichas da escola (planejamento semanal e diário). Como no período escolar, não tive tempo para preencher, devido ao excesso de trabalho, estou colocando em ordem, para que na próxima semana, esteja tudo em dia. Comecei às 9h. Às 12h, parei para dar almoço ao meu filho de 6 anos.

(Caderneta 6)

A vida escolar invadiu a casa de professore(a)s, sem pedir licença, impondo-lhes tarefas estranhas à rotina de trabalho como gravar e postar vídeos; divulgar imagem e voz; e usar intensivamente as redes sociais, paralelamente ao trabalho doméstico. Docentes percebem-se exposto(a)s a um público distinto do grupo de alunos ao qual estavam acostumados a ministrar aulas, uma vez que as videoaulas podem ser visualizadas também pelos pais ou responsáveis, ou ainda serem compartilhadas para um público difuso e anônimo99 Souza KR, Santos GB, Rodrigues AMS, Felix AG, Gomes L, Rocha GL, et al. Trabalho remoto, saúde docente e greve virtual em cenário de pandemia. Trab Educ Saude. 2021; 19:e00309141.. Por certo, a emergência de novas formas de organização do trabalho docente, com o acúmulo e a interação entre trabalho doméstico e profissional, suscita angústia, insegurança, culpa, ansiedade e cansaço excessivo. Professoras registraram nos diários sentirem-se invadidas pelo trabalho.

Iniciando o dia com o grupo do WhatsApp, onde conversamos com as crianças e responsáveis, diariamente, de 8h às 12h. Por volta das 14h, iniciei a organização do planejamento semanal, iniciado no dia anterior, para ser entregue até às 17h por e-mail. Todas estas ações permeadas pelos afazeres domésticos. Toda esta movimentação causa um desgaste grande, pois, ao gravar vídeos me sinto muito invadida.

(Caderneta 8)

A ideia de compatibilizar o trabalho docente com o doméstico coloca como desafio estabelecer limites ao tempo de trabalho no âmbito doméstico, bem como realizar a distribuição equitativa das tarefas domésticas, de modo que as relações afetivas e familiares, vitais em contexto pandêmico, não sejam capturadas e reduzidas ao próprio tempo dedicado ao labor, aumentando a sobrecarga de trabalho feminina.

Queixas de saúde, comorbidades pregressas e resistências coletivas

É simbólico que, no estudo de Balinhas et al.3434 Balinhas VLG, Vieira JS, Martins MFD, Garcia MMA, Eslabão L, Silva AF, et al. Imagens da docência: um estudo sobre o processo de trabalho e mal-estar docente. Rev Mal-Estar Subjetiv. 2013; 13(1-2):249-70., no qual analisaram-se as relações entre o processo de trabalho e o mal-estar docente, antes da pandemia, obteve-se como resultado imagens da docência produzidas pelos discursos de professore(a)s, dentre as quais destaca-se a imagem do magistério como sacrifício. Segundo os autores, essa expressão, assim como outras, guarda implicações de autoimagens dos docentes em relação à saúde. A imagem do magistério como sacrifício naturaliza um componente hitoricamente associado ao trabalho docente: “o mestre da renúncia de si marca as imagens da profissão”3434 Balinhas VLG, Vieira JS, Martins MFD, Garcia MMA, Eslabão L, Silva AF, et al. Imagens da docência: um estudo sobre o processo de trabalho e mal-estar docente. Rev Mal-Estar Subjetiv. 2013; 13(1-2):249-70. (p. 260), como se trabalhar sem condições físicas e emocionais fizesse parte do labor e da luta de professore(a)s. O sacrifício chega ao limite da instalação da doença ou do distanciamento emocional do trabalho.

Para Araújo et al.3535 Araújo TM, Pinho PS, Masson MLV. Trabalho e saúde de professoras e professores no Brasil: reflexões sobre trajetórias das investigações, avanços e desafios. Cad Saude Publica. 2019; 35 Supl 1:e00087318., desde o final dos anos 2000 dispõe-se de um corpo significativo de evidências sobre adoecimento docente associado às condições de trabalho em escolas, gerando, por exemplo, agravos para a saúde mental e musculoesqueléticos e problemas vocais. Esse conjunto de comorbidades, desgaste e sofrimento permanecem ainda hoje e se acentuaram no contexto de trabalho remoto.

Já pela manhã, comecei a sentir dor de cabeça que se estendeu durante todo o dia, tensa, com uma má alimentação [...] Dormi tarde na noite anterior. Acordei às 8 horas, me sentindo cansada e desmotivada.

(Caderneta 3)

Observou-se que a má qualidade do sono, também, tem se revelado como queixa frequente entre professore(a)s, o que influencia o estado de saúde, qualidade de vida e capacidade para o trabalho. Parece correto afirmar, conforme Pontes e Rostas3636 Pontes FR, Rostas MHSG. Precarização do trabalho do docente e adoecimento: covid-19 e as transformações no mundo do trabalho, um recorte investigativo. Rev Thema. 2020; 18 Esp:278-300., que o trabalho remoto levou a uma perda significativa da percepção temporal e, como efeito cascata, ampliou quantitativamente as horas dedicadas ao trabalho, bem como alterou o ritmo e o padrão do sono de docentes. Para Perla3737 Perla AS. Cefaléias: diagnósticos diferencial. In: Chaves MLF, Finkelsztejn A, Stefani MA, organizadores. Rotinas em neurologia e neurocirurgia. Porto Alegre: Artmed; 2008. p. 128-43., dores de cabeça possuem forte relação com a rotina laboral, tensão e ansiedade. Horas no computador e exposição contínua à luminosidade das telas dos artefatos tecnológicos são exemplos de elementos associados a esse quadro.

[...] Às 20:00, eu precisei parar com a gravação para preparar a janta e já estava com bastante dor de cabeça. Depois de jantar, a dor de cabeça deu uma aliviada, porém ficar mexendo no celular e no computador fazia piorar a dor e por isso não terminei de editar a videoaula. Ou seja, terminei o meu dia com dor de cabeça e sem conseguir bater a meta de gravação e edição de videoaula que se acumulou com as tarefas do dia seguinte.

(Caderneta 5)

Via de regra, o trabalho docente envolve atividades com implicações biomecânicas pela necessidade constante de digitar, escrever, corrigir trabalhos, produzir relatórios, entre outros, o que em geral amplia o tempo de exposição a posições corporais com elevadas sobrecargas osteomusculares3535 Araújo TM, Pinho PS, Masson MLV. Trabalho e saúde de professoras e professores no Brasil: reflexões sobre trajetórias das investigações, avanços e desafios. Cad Saude Publica. 2019; 35 Supl 1:e00087318.. Pesquisas complementares atestam riscos ocupacionais biomecânicos, como o esforço físico e o trabalho em posições regulares, sendo o ato de ficar de pé por muito tempo um exemplo de tal condição3838 Ceballos AGC, Santos GB. Fatores associados à dor musculoesquelética em professores: aspectos sociodemográficos, saúde geral e bem-estar no trabalho. Rev Bras Epidemiol. 2015; 18(3):702-15.,3939 Cardoso JP, Araújo TM, Carvalho FM, Oliveira NF, Reis EJFB. Aspectos psicossociais do trabalho e dor musculoesquelética em professores. Cad Saude Publica. 2011; 27(8):1498-506.. No contexto do trabalho remoto, esse processo foi substituído por longos períodos em que professore(a)s permanecem sentado(a)s em postos de trabalho adaptados, podendo gerar-lhes ainda mais agravos à saúde.

[...] Tenho artrite na coluna, se eu ficar muito tempo sentada, sinto dores. Fora o meu olho, que devido ao glaucoma queima (arde demais), quando fico muito tempo na frente do computador.

(Caderneta 6)

Não obstante, em meio às dificuldades, incertezas e sofrimento, coexistem prazer e satisfação no trabalho4040 Dejours C. Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In: Lancmann S, Sznelwar LI, organizadores. Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008. p. 49-106.. A ambivalência parece ser uma singularidade invariável do trabalho de professore(a)s que convivem, lado a lado, com reconhecimento, motivação, cansaço e exaustão.

Motivação durante as aulas pois o contato com os alunos é sempre revigorante, apesar de cansativo; preocupação com o trabalho, pois muitas pendências continuaram para o dia seguinte. Exaustão ao fim do dia pois o tempo diante de telas (computador e celular) é grande.

(Caderneta 5)

Com efeito, o trabalho docente exige envolvimento afetivo na realização das tarefas, que pode ser propício para manifestações e produção do sofrimento psíquico4141 Gradella Junior O. Sofrimento psíquico e trabalho intelectual. Cad Psicol Soc Trab. 2010; 13(1):133-48..

O sentimento hoje é de desanimo, mais uma vez, entrei na plataforma Google Classroom e nenhum aluno estava on-line. Deixei atividade e dicas de leitura.

(Caderneta 1)

De positivo, o contato de uma mãe que, mesmo esgotada com toda rotina em casa, valoriza o professor, se colocando no meu lugar e me relatando que mesmo com tudo isso ela tem visto a evolução da sua filha...

(Caderneta 3)

Os registros nas cadernetas permitem aferir que, em meio a sofrimentos e adaptações, o professor continua realizando seu trabalho, buscando extrair algum sentido que pode ser aqui interpretado como uma evidência do vínculo com a profissão que não foi rompido. Assim, observou-se que, ao lado de expressões negativas – como desânimo e desmotivação –, foram também registrados sentimentos positivos, alusivos tanto à relação com os aluno(a)s, tida como “sempre revigorante”, quanto à valorização e apoio recebidos pelos familiares das crianças. Trata-se de situações cujos aspectos – positivos e negativos – devem ser considerados como um movimento de busca pela saúde, algo que, segundo Canguilhem1515 Canguilhem G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2012., é, ao mesmo tempo, privação e reformulação de vida. Nesse escopo de compreensão, os docentes estão, continuamente, desenvolvendo formas de resistências, individuais e coletivas, para defesa da saúde.

Comecei o dia [sábado] participando da Assembleia do Sinpro com os professores da rede [...] Depois de uma pizza com a família voltei ao computador para terminar os roteiros de estudos do bimestre da turma do 2º ano e enviei à coordenação da escola.

(Caderneta 7)

Observou-se ainda, nos escritos diários das cadernetas, que docentes participam de atividades coletivas com o sindicato da categoria, mesmo nos fins de semana, construindo caminhos de questionamento e de resistência tanto ao modo remoto de trabalho quanto ao retorno às aulas presenciais (antes que a vacinação de toda população aconteça). Cabe destacar que o sindicato parceiro deste estudo, Sinpro-Macaé, empreendeu greve pioneira no Brasil, inteiramente em ambiente virtual, com início no mês de junho de 2020. O fato curioso desse movimento foram as novas formas de contestação política como meio de organizar rapidamente uma agenda de lutas e tomadas de decisões, o que explicita novas formas de resistência e defesa coletiva da saúde com a ampla participação da categoria99 Souza KR, Santos GB, Rodrigues AMS, Felix AG, Gomes L, Rocha GL, et al. Trabalho remoto, saúde docente e greve virtual em cenário de pandemia. Trab Educ Saude. 2021; 19:e00309141..

Considerações finais

De volta à epígrafe deste texto marcado pelos questionamentos de Rubem Alves11 Alves R. O preparo do educador. In: Brandão CR, organizador. O Educador: vida e morte. Rio de Janeiro: Graal; 1983. p. 15-28. – “E o educador? Que terá acontecido com ele?” –, concorda-se que educadore(a)s são como velhas árvores: possuem uma face, um nome e uma história a ser contada, elementos proporcionados pela estratégia de pesquisa adotada, que utilizou cadernetas e diários. Importa tornar públicas histórias de educadores, de modo que a educação sobreviva e se recrie em tempos de pandemia.

Dos muitos desafios observados no trabalho docente em contexto pandêmico, destaca-se o fato de que as mudanças tecnológicas no trabalho docente não surgiram durante a pandemia, mas estão sendo mais fortemente empregadas nesse momento e constituem-se em uma expressão das transformações estruturais do mundo do trabalho. Por fim, defende-se o imperativo fortalecimento coletivo das organizações sindicais docentes, de modo a se contrapor às formas de dominação, exploração e, consequentemente, de adoecimento docente, em tempos de pandemia.

  • Souza KR, Santos GB, Rodrigues AMS, Felix EG, Gomes L. Diários de professores(as) na pandemia: registros em cadernetas digitais de trabalho e saúde. Interface (Botucatu). 2022; 26: e210318 https://doi.org/10.1590/interface.210318

Referências

  • 1
    Alves R. O preparo do educador. In: Brandão CR, organizador. O Educador: vida e morte. Rio de Janeiro: Graal; 1983. p. 15-28.
  • 2
    Organização das Nações Unidas para Educação, Ciencia e Cultura - UNESCO. Aprendizagem nunca para - conte à UNESCO como você está lidando com o fechamento das escolas devido à Covid-19 [Internet]. Paris: UNESCO; 2020 [citado 23 Mar 2021]. Disponível em: https://pt.unesco.org/news/aprendizagem-nunca-conte-unesco-como-voce-esta-lidando-com-o-fechamento-das-escolas-devido
    » https://pt.unesco.org/news/aprendizagem-nunca-conte-unesco-como-voce-esta-lidando-com-o-fechamento-das-escolas-devido
  • 3
    Nóvoa A. A pandemia de Covid-19 e o futuro da Educação [entrevista]. Rev Com Censo: Estud Educ Distrito Federal. 2020; 7(3):8-12.
  • 4
    Rondini CA, Pedro KM, Duarte CS. Pandemia do covid-19 e o ensino remoto emergencial: mudanças na práxis docente. Interfaces Cient Educ. 2020; 10(1):41-57.
  • 5
    Appenzeler S, Menezes FH, Santos GG, Padilha RF, Graça HS, Bragança JF. Novos tempos, novos desafios: estratégias para equidade de acesso ao ensino remoto emergencial. Rev Bras Educ Med. 2020; 44 Supl 1:e155.
  • 6
    Valente GSC, Moraes EB, Sanchez MCO, Souza DF, Pacheco MCMD. O ensino remoto frente às exigências do contexto de pandemia: reflexões sobre a prática docente. Res Soc Develop. 2020; 9(9):e843998153.
  • 7
    Maia FL, Bernardo KAS, Bridi MA. As configurações do trabalho remoto da categoria docente no contexto da pandemia covid-19. NORUS Novos Rumos Sociol. 2020; 8(14):8-39.
  • 8
    Plá S. La pandemia en la escuela: entre la opresión y la esperanza. In: Cardiel HC, organizador. Educación y pandemia: uma visión académica. Ciudad de México: Instituto de Investigaciones sobre la Universidad y la Educación (IISUE); 2020. p. 30-8.
  • 9
    Souza KR, Santos GB, Rodrigues AMS, Felix AG, Gomes L, Rocha GL, et al. Trabalho remoto, saúde docente e greve virtual em cenário de pandemia. Trab Educ Saude. 2021; 19:e00309141.
  • 10
    Coutinho AS, Lopes E, Vieira LF, Trópia P. Direitos trabalhistas e trabalho remoto na educação infantil durante a pandemia: resultados de pesquisa. Rev Zero-A-Seis. 2020; 22 esp:1478-503.
  • 11
    Castel R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes; 2015.
  • 12
    Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra; 2001.
  • 13
    Marx K. O capital: crítica da economia política. Livro 1. São Paulo: Boitempo; 2013.
  • 14
    Minayo-Gomez C. Campo da saúde do trabalhador: trajetória, configuração e transformações. In: Minayo CG, Machado JMH, Pena PGL, organizadores. Saúde do trabalhador na Sociedade Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011. p. 23-34.
  • 15
    Canguilhem G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2012.
  • 16
    Brandão CR, Streck DS. Pesquisa participante: a partilha do saber. São Paulo: Ideias & Letras; 2006.
  • 17
    Souza KR, Rodrigues AMS, Santos MBM, Felix EG, Barbosa RHS, Fernandez VS, et al. Oficinas em saúde do trabalhador: ação educativa e produção dialógica de conhecimento sobre trabalho docente em universidade pública. Rev Bras Saude Ocup. 2020; 45:e4.
  • 18
    Souza KR, Fernandez VS, Teixeira LR, Larentis AL, Mendonça ALO, Felix EG, et al. Cadernetas de saúde e trabalho: diários de professores de universidade pública. Cad Saude Publica. 2018; 34(3):e00037317.
  • 19
    Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2013.
  • 20
    Harvey D. Para entender o capital. São Paulo: Boitempo; 2013.
  • 21
    Almeida CVG. O trabalho no modo remoto e a liberdade falseada: a tecnologia que escraviza. Rev Trab Acad. 2017; 1(2):1-6.
  • 22
    Moreira JA, Schlemmer E. Por um novo conceito e paradigma de educação digital onlife. Rev UFG. 2020; 20(26):1-35.
  • 23
    Brasil. Ministério da Educação. Portaria nº 544, de 16 de Junho de 2020. Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19 [Internet]. Brasília: Ministério da Educação; 2020 [citado 10 Jul 2020]. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-544-de-16-de-junho-de-2020-261924872
    » http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-544-de-16-de-junho-de-2020-261924872
  • 24
    Harvey D. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola; 2012.
  • 25
    Rosso SD. O ardil da flexibilidade: os trabalhadores e a teoria do valor. São Paulo: Boitempo; 2017.
  • 26
    Mill D, Fidalgo FR. Trabalho coletivo e coletivo de trabalho na educação a distância virtual: organização social e técnica dos trabalhadores na idade mídia. Rev Trab Educ. 2007; 16(1):75-98.
  • 27
    Mill D, Santiago G. Educação flexível, aberta e híbrida: desafios e estratégias. Rev Educaonline. 2021; 15:6-23.
  • 28
    Silva J, Fisher F. Invasão multiforme da vida pelo trabalho entre professores de educação básica e repercussões sobre a saúde. Rev Saude Publica. 2020; 54(3):1-8.
  • 29
    Franco T, Druck G, Seligmann-Silva E. As novas relações de trabalho, o desgaste mental do trabalhador e os transtornos mentais no trabalho precarizado. Rev Bras Saude Ocup. 2010; 35(122):229-48.
  • 30
    Silva AKL, Falcão JTR, Torres CC, Caraballo GP. os impedimentos da atividade de trabalho do professor na EAD. Psicol Cienc Prof. 2017; 37(3):683-96.
  • 31
    Schwartz Y, Durrive L. Trabalho e ergologia: conversas sobre a atividade humana. Niterói: Eduff; 2007.
  • 32
    Wisner A. Questões epistemológicas em ergonomia e em análise do trabalho. In: Daniellou F, organizador. A ergonomia em busca de seus princípios: debates epistemológicos. São Paulo: Edgar Blücher; 2004. p. 29-56.
  • 33
    Araújo SCLG, Yannoulas SC. Trabalho docente, feminização e pandemia. Retratos Esc. 2020; 14(30):754-71.
  • 34
    Balinhas VLG, Vieira JS, Martins MFD, Garcia MMA, Eslabão L, Silva AF, et al. Imagens da docência: um estudo sobre o processo de trabalho e mal-estar docente. Rev Mal-Estar Subjetiv. 2013; 13(1-2):249-70.
  • 35
    Araújo TM, Pinho PS, Masson MLV. Trabalho e saúde de professoras e professores no Brasil: reflexões sobre trajetórias das investigações, avanços e desafios. Cad Saude Publica. 2019; 35 Supl 1:e00087318.
  • 36
    Pontes FR, Rostas MHSG. Precarização do trabalho do docente e adoecimento: covid-19 e as transformações no mundo do trabalho, um recorte investigativo. Rev Thema. 2020; 18 Esp:278-300.
  • 37
    Perla AS. Cefaléias: diagnósticos diferencial. In: Chaves MLF, Finkelsztejn A, Stefani MA, organizadores. Rotinas em neurologia e neurocirurgia. Porto Alegre: Artmed; 2008. p. 128-43.
  • 38
    Ceballos AGC, Santos GB. Fatores associados à dor musculoesquelética em professores: aspectos sociodemográficos, saúde geral e bem-estar no trabalho. Rev Bras Epidemiol. 2015; 18(3):702-15.
  • 39
    Cardoso JP, Araújo TM, Carvalho FM, Oliveira NF, Reis EJFB. Aspectos psicossociais do trabalho e dor musculoesquelética em professores. Cad Saude Publica. 2011; 27(8):1498-506.
  • 40
    Dejours C. Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. In: Lancmann S, Sznelwar LI, organizadores. Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008. p. 49-106.
  • 41
    Gradella Junior O. Sofrimento psíquico e trabalho intelectual. Cad Psicol Soc Trab. 2010; 13(1):133-48.

Editado por

Editora
Denise Martin
Editora associada
Maria Dionísia do Amaral Dias

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2021
  • Aceito
    28 Set 2021
UNESP Distrito de Rubião Jr, s/nº, 18618-000 Campus da UNESP- Botucatu - SP - Brasil, Caixa Postal 592, Tel.: (55 14) 3880-1927 - Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br