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Reflexos da formação interprofissional na trajetória profissional: percepção de egressas de Terapia Ocupacional

Effects of interprofessional education on career trajectories: perceptions of occupational therapy graduates

Reflejos de la formación interprofesional en la trayectoria profesional: percepción de egresados de Terapia Ocupacional

Resumo

A Educação Interprofissional em Saúde (EIP) constitui-se como uma estratégia para formação de profissionais capazes de trabalhar em equipe por meio de competências colaborativas e da aprendizagem baseada em interações. O Projeto Pedagógico da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) baseia-se nos princípios da EIP para a formação de profissionais, dentre eles, terapeutas ocupacionais. Objetivou-se compreender a influência da formação interprofissional na trajetória profissional de terapeutas ocupacionais egressas da Unifesp. Pela abordagem qualitativa, produziram-se informações por aplicação de formulário on-line semiestruturado, analisado posteriormente com base na Análise Temática. Os resultados revelaram que a formação interprofissional possibilita segurança às profissionais nas práticas colaborativas, no fomento ao trabalho em equipe e no desenvolvimento de ações que visam à integralidade do cuidado. Notou-se, porém, dificuldades no reconhecimento da identidade profissional da Terapia Ocupacional e na ação conjunta com profissionais formados em perspectiva disciplinar.

Terapia ocupacional; Educação interprofissional; Egressos; Relações interprofissionais

Abstract

Interprofessional education in healthcare (IEH) is a strategy to prepare professionals who are capable of working in a team by developing interactive-based collaboration and learning competencies. The Federal University of Sao Paulo’s (UNIFESP) education plan is based on the principles of IEH for professional training. The aim of this study was to understand the influence of interprofessional education on the career trajectory of occupational therapy students graduating from UNIFESP. Adopting a qualitative approach, data was collected using an online semi-structured questionnaire and analyzed using thematic analysis. The results show that interprofessional education helped professionals feel secure when engaging in collaborative practice and fostered teamwork and the development of actions aimed at promoting comprehensive care. However, the findings also highlight challenges related to the recognition of the professional identity of occupational therapists and in working together with professionals trained from a uniquely disciplinary perspective.

Occupational therapy; Interprofessional education; Graduates; Interprofessional relationships

Resumen

La Educación Interprofesional en Salud (EIP) se constituye como una estrategia para la formación de profesionales capaces de trabajar en equipo, por medio de competencias colaborativas y del aprendizaje basado en interacciones. El Proyecto Pedagógico de la Universidad Federal de São Paulo (Unifesp), se basa en los principios de la EIP para la formación de profesionales, entre ellos, terapeutas ocupacionales. El objetivo fue entender la influencia de la formación interprofesional en la trayectoria profesional de terapeutas ocupacionales egresadas de Unifesp. A partir del abordaje cualitativo, se produjeron informaciones por medio de la utilización de un formulario online semiestructurado, analizado posteriormente con base en el Análisis Temático. Los resultados señalaron que la formación interprofesional posibilita seguridad a las profesionales en las prácticas colaborativas, fomento al trabajo en equipo y desarrollo de acciones cuyo objetivo es la integralidad del cuidado. No obstante, se observaron dificultades en el reconocimiento de la identidad profesional de la Terapia Ocupacional y en la acción conjunta con profesionales formados en perspectiva disciplinaria.

Terapia ocupacional; Educación interprofesional; Egresados; Relaciones interprofesionales

Introdução

As políticas públicas brasileiras, em especial as relativas aos campos da Saúde e Assistência Social, têm primado pelo trabalho em equipe com oferta de cuidado e assistência tecidas por muitas mãos, de forma interprofissional e interdisciplinar, a fim de que haja maior resolutividade e integralidade em suas ações. Para tanto, é preciso formação e inclusão de profissionais preparados para o trabalho em equipe e para as práticas colaborativas nesses contextos.

Diante desse cenário, o presente estudo buscou compreender os reflexos da formação interprofissional na trajetória e na prática profissional de egressas do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Interdisciplinaridade, interprofissionalidade e trabalho em equipe

Diferentes explicações são encontradas para o termo interdisciplinaridade. De acordo com Fazenda11. Fazenda ICA. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia. 6a ed. São Paulo: Edições Loyola; 2011. e Leis22. Leis HR. Sobre o conceito de interdisciplinaridade. Cad Pesqui Interdiscip Cienc Humanas. 2005; 6(73):2-23., esse termo não possui uma concepção única possível ou um sentido único e estável na esfera acadêmica.

Vilela e Mendes33. Vilela EM, Mendes IJM. Interdisciplinaridade e saúde: estudo bibliográfico. Rev Latinoam Enferm. 2003; 11(4):525-31. apresentam a interdisciplinaridade como um fenômeno em resposta à fragmentação do saber que, com o surgimento das especializações, isola cada vez mais o conhecimento em diferentes áreas. Já de acordo com Leis22. Leis HR. Sobre o conceito de interdisciplinaridade. Cad Pesqui Interdiscip Cienc Humanas. 2005; 6(73):2-23., a interdisciplinaridade é uma reação a abordagens disciplinares e acontece como um ponto de cruzamento entre atividades que possuem lógicas diferentes, possibilitando que o conhecimento avance por meio de suas diferentes manifestações.

Feuerwerker e Sena44. Feuerwerker LCM, Sena RR. Interdisciplinaridade, trabalho multiprofissional e em equipe. Sinônimos? Como se relacionam e o que têm a ver com a nossa vida? Olho Magico. 1998; 5(18):5-6. argumentam que a interdisciplinaridade diz respeito à complexidade de fatores que estão presentes no mundo e às várias dimensões existentes em qualquer acontecimento humano. Para compreendê-los, seria necessária uma análise integrada de todas as informações que atravessam tal acontecimento. Sendo assim, a interdisciplinaridade aplica-se à produção do conhecimento e ao processo de ensino-aprendizagem, especialmente no campo da Saúde.

Ceccim55. Ceccim RB. Conexões e fronteiras da interprofissionalidade: forma e formação. Interface (Botucatu). 2018; 22(2):1739-49. doi: 10.1590/1807-57622018.0477., por sua vez, nos atenta para a diferença entre duas palavras utilizadas na definição dos termos: “disciplina e profissão”. A primeira refere-se aos saberes e aos conhecimentos provenientes de várias ciências. A segunda indica o exercício formal de uma ocupação. Quando acrescentamos o prefixo “inter” antes dessas palavras se procura expressar o que há de comum entre dois ou mais aspectos. “Falamos, então, de ‘saberes interdisciplinares’ e ‘competências interprofissionais’, e poderíamos chamar de ‘competências interprofissionais’ aquelas práticas de um saber ‘comum de dois’”55. Ceccim RB. Conexões e fronteiras da interprofissionalidade: forma e formação. Interface (Botucatu). 2018; 22(2):1739-49. doi: 10.1590/1807-57622018.0477. (p. 1.740). Assim, o desenvolvimento de ações em equipe e o estímulo de práticas interprofissionais são fundamentais, pois favorecem a troca de diferentes saberes entre profissionais em um mesmo contexto e mesma experiência de trabalho.

Quando o trabalho em equipe é fortalecido em sua base de atuação, fortalece-se também o compartilhamento de informações e conhecimentos, a cooperação solidária, a atenção corresponsável e o aumento do repertório de competências, fazeres e habilidades. Como consequência, espera-se uma equipe com vínculos afetivos e um forte sentimento de pertencimento, o que dá maior suporte e segurança para a capacidade e a qualidade de resposta e atenção no cuidado em saúde55. Ceccim RB. Conexões e fronteiras da interprofissionalidade: forma e formação. Interface (Botucatu). 2018; 22(2):1739-49. doi: 10.1590/1807-57622018.0477..

No Brasil, as políticas públicas criadas após a Constituição de 1988, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único da Assistência Social (Suas), preconizam e incentivam o trabalho em equipe de forma interprofissional em seus equipamentos e programas, compreendendo que tais aspectos estão envolvidos no princípio que diz respeito à integralidade da assistência66. Brasil. Ministério da Saúde. Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, da organização e funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências (Lei Orgânica da Saúde). Diário Oficial da União. 19 Set 1990.,77. Ceccim RB, Feuerwerker LCM. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis. 2004; 14(1):41-65..

Educação interprofissional

A Educação Interprofissional em Saúde (EIP) surge como uma estratégia voltada à formação de profissionais capazes de trabalhar em equipe, tanto na Graduação quanto em práticas de Educação Permanente. Ela foi apresentada pela primeira vez em 1978 como uma ferramenta importante da assistência básica de saúde pela Organização Mundial de Saúde88. Organização Mundial de Saúde. Marco para ação em educação interprofissional e prática colaborativa [Internet]. Genebra: OMS; 2010 [citado 10 Fev 2020]. Disponível em: http://www.fnepas.org.br/oms_traduzido_2010.pdf
http://www.fnepas.org.br/oms_traduzido_2...
,99. Batista NA. Educação interprofissional em saúde: concepções e práticas. Cad Fnepas. 2012; 2:25-8..

Os pressupostos da EIP são a aprendizagem baseada nas interações e a aprendizagem baseada nas práticas. Além disso, ao longo do processo de ensino devem-se desenvolver competências específicas de cada área profissional e competências colaborativas99. Batista NA. Educação interprofissional em saúde: concepções e práticas. Cad Fnepas. 2012; 2:25-8.. A EIP acontece quando estudantes de duas ou mais profissões aprendem juntos as práticas profissionais para além de suas especificidades, possibilitando vivências de aprendizagens interativas e resultando em uma ação colaborativa efetiva88. Organização Mundial de Saúde. Marco para ação em educação interprofissional e prática colaborativa [Internet]. Genebra: OMS; 2010 [citado 10 Fev 2020]. Disponível em: http://www.fnepas.org.br/oms_traduzido_2010.pdf
http://www.fnepas.org.br/oms_traduzido_2...
,1010. Batista NA, Batista SHSS. Educação interprofissional na formação em Saúde: tecendo redes de práticas e saberes. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):202-4..

Com a prática interprofissional, o acesso aos serviços de saúde e da assistência social, a utilização adequada de recursos e o acompanhamento de forma integral e complexa apresentam melhorias, ao passo que o número de complicações e problemáticas assistidas também se reduz. Portanto, as equipes interprofissionais aperfeiçoam suas habilidades, compartilham o gerenciamento dos casos e prestam serviços de melhor qualidade à comunidade88. Organização Mundial de Saúde. Marco para ação em educação interprofissional e prática colaborativa [Internet]. Genebra: OMS; 2010 [citado 10 Fev 2020]. Disponível em: http://www.fnepas.org.br/oms_traduzido_2010.pdf
http://www.fnepas.org.br/oms_traduzido_2...
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Em 2006, com a preocupação de ampliar olhares e projetar novos caminhos para a formação de profissionais da saúde mais bem preparados para práticas interprofissionais, a Unifesp, campus Baixada Santista, propôs um Projeto Pedagógico seguindo os princípios da EIP para os cursos ministrados em sua unidade central: Educação Física, Fisioterapia, Nutrição, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional1111. Caires MU. A saúde de estudantes universitários de Terapia Ocupacional: representações dos alunos do campus baixada santista da Unifesp [monografia]. Santos (SP): Universidade Federal de São Paulo; 2013.

12. Jurdi APS, Nicolau SM, Figueiredo LRU, Rossit RAS, Maximino VS, Borba PLO. Revisitar processos: revisão da matriz curricular do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Paulo. Interface (Botucatu). 2018; 22(65):527-38. doi: 10.1590/1807-57622016.0824.
-1313. Universidade Federal de São Paulo. Projeto Pedagógico do Curso de Terapia Ocupacional [Internet]. São Paulo: Unifesp; 2019 [citado 10 Fev 2020]. Disponível em: https://www.unifesp.br/reitoria/prograd/pro-reitoria-de-graduacao/cursos/informacoes-sobre-os-cursos
https://www.unifesp.br/reitoria/prograd/...
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Esse Projeto Pedagógico tem como objetivo formar profissionais aptos para o trabalho em equipe interprofissional, com ênfase na integralidade do cuidado, na formação técnico-científica e humana de excelência em uma área específica de atuação profissional, e na formação científica, entendendo a pesquisa como propulsora do ensino e da aprendizagem1313. Universidade Federal de São Paulo. Projeto Pedagógico do Curso de Terapia Ocupacional [Internet]. São Paulo: Unifesp; 2019 [citado 10 Fev 2020]. Disponível em: https://www.unifesp.br/reitoria/prograd/pro-reitoria-de-graduacao/cursos/informacoes-sobre-os-cursos
https://www.unifesp.br/reitoria/prograd/...
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A fim de cumprir com tais objetivos e romper com a estrutura tradicional centrada nas disciplinas, os cursos possuem um desenho curricular estruturado em quatro eixos de formação, sendo três deles comuns a todos os cursos, e um relacionado às práticas específicas de cada profissão. São eles: O Ser Humano em sua Dimensão Biológica, O Ser Humano e sua Inserção Social, Trabalho em Saúde e Aproximação a uma Prática Específica em Saúde1313. Universidade Federal de São Paulo. Projeto Pedagógico do Curso de Terapia Ocupacional [Internet]. São Paulo: Unifesp; 2019 [citado 10 Fev 2020]. Disponível em: https://www.unifesp.br/reitoria/prograd/pro-reitoria-de-graduacao/cursos/informacoes-sobre-os-cursos
https://www.unifesp.br/reitoria/prograd/...
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Jurdi e colaboradores1212. Jurdi APS, Nicolau SM, Figueiredo LRU, Rossit RAS, Maximino VS, Borba PLO. Revisitar processos: revisão da matriz curricular do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Paulo. Interface (Botucatu). 2018; 22(65):527-38. doi: 10.1590/1807-57622016.0824. afirmam que o currículo foi organizado de forma a articular os conteúdos dos módulos dos eixos comuns e do eixo específico. Assim, diversos módulos se conectam em diferentes áreas temáticas e os estudantes compartilham espaços, discussões e práticas em uma mesma matéria, valorizando a interdisciplinaridade e a interprofissionalidade desde o início da Graduação.

Com relação ao curso de Terapia Ocupacional, o estudante é inserido na prática profissional específica desde o ingresso na universidade, reunindo ao longo dos anos os saberes necessários para uma formação generalista como terapeuta ocupacional, profissional atuante nas esferas social, educacional e cultural, além do campo da Saúde1212. Jurdi APS, Nicolau SM, Figueiredo LRU, Rossit RAS, Maximino VS, Borba PLO. Revisitar processos: revisão da matriz curricular do curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Paulo. Interface (Botucatu). 2018; 22(65):527-38. doi: 10.1590/1807-57622016.0824..

Segundo Rossit e colaboradores1414. Rossit RAS, Freitas MAO, Batista SHSS, Batista NA. Construção da identidade profissional na Educação Interprofissional em Saúde: percepção de egressos. Interface (Botucatu). 2018; 22 Supl 1:1399-410. doi: 10.1590/1807-57622017.0184., uma ferramenta que pode favorecer o aprimoramento de currículos inovadores são as pesquisas realizadas com egressos de universidades, pois contribuem com informações sobre a formação recebida e a inserção deles no mercado de trabalho, além de propiciar informações relevantes para os gestores acadêmicos. Ademais, Andriola1515. Andriola WB. Estudo de egressos de cursos de graduação: subsídios para a autoavaliação e o planejamento institucionais. Educar Rev. 2014; 54:203-20. atesta que são raros os estudos feitos por Instituições de Ensino Superior (IES) visando ao acompanhamento dos egressos de cursos de Graduação.

Portanto, levando em consideração os apontamentos feitos ao longo do texto, pretende-se responder às seguintes indagações: a formação ofertada pela Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista, influenciou ou sensibilizou as terapeutas ocupacionais egressas ao trabalho interprofissional? Quais são os reflexos da formação interprofissional na trajetória e na prática dessas profissionais?

Metodologia

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa. A estratégia utilizada na produção dos dados foi a aplicação de um questionário semiestruturado on-line, compreendendo-o como um dispositivo padronizado capaz de fornecer características de um grupo de indivíduos, permitindo visualizar a maneira em que determinadas características se apresentam nesse grupo1616. Souza ER, Minayo MCS, Deslandes SF, Veiga JPC. Construção dos instrumentos qualitativos e quantitativos. In: Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, organizadores. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. p. 133-56..

O questionário utilizado no estudo foi elaborado pelas pesquisadoras e apresentou questões abertas e fechadas, ou seja, questões que permitiram a dissertação da colaboradora e também questões de uma alternativa ou múltipla escolha. Em um processo inicial, para avaliação da clareza e da objetividade das questões, realizou-se a aplicação de um questionário piloto com três convidadas formadas na universidade. Após o retorno das avaliadoras convidadas, concluiu-se o instrumento oficial com vinte questões organizadas nos seguintes tópicos: Experiências durante a formação interprofissional; Experiências de Pós-Graduação; Trajetória profissional; e Reflexos da formação na atuação profissional, sendo as duas primeiras questões que possuíam um caráter de validação para a participação na pesquisa.

No momento de elaboração da pesquisa, 272 estudantes haviam colado grau no curso de Terapia Ocupacional da Unifesp, segundo dados fornecidos pela Secretaria de Graduação. Estabeleceu-se como critérios de inclusão no estudo: ser egressa do curso de Terapia Ocupacional da Unifesp; ter experiência como terapeuta ocupacional por ao menos dois anos de atuação no mercado de trabalho; e aceitar participar da pesquisa voluntariamente.

O contato e a aproximação foram feitos por meio de redes sociais, utilizando grupos nas plataformas do WhatsApp (três grupos) e do Facebook (nove grupos). O questionário ficou disponível por um período de 66 dias, sendo divulgado inicialmente três vezes por semana e, posteriormente, todos os dias da semana, a fim de garantir um maior alcance de respostas ao final da coleta de dados. Somado a isso, solicitamos, via e-mail, às participantes que registraram seus contatos no formulário, a indicação de outros colegas aptos a participar da pesquisa, utilizando a técnica bola de neve1717. Baldin N, Munhoz EMB. Snowball (Bola de Neve): uma técnica metodológica para pesquisa em educação ambiental comunitária. In: Anais do 10o Congresso Nacional de Educação da PUCPR; 2011; Curitiba (PR). Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná; 2011. p. 329-41..

Foram obtidas 60 respostas, dentre elas 14 não se enquadraram nos critérios propostos: cinco pelo critério de tempo de atuação no mercado de trabalho; seis pela não formação na Unifesp; e três por se tratar de formulários de respostas repetidas. Totalizaram-se, portanto, 46 respostas válidas para análise.

A pesquisa foi submetida para apreciação e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de São Paulo, CAAE 30198020.8.0000.5505. Além disso, as integrantes da pesquisa foram asseguradas de sua participação e sua autonomia de escolha pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual foi aplicado com o questionário on-line gerado pelo Google Forms, sendo o primeiro item preenchido.

A análise qualitativa inspirou-se na técnica da Análise Temática, considerando a explicação de Minayo1818. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14a ed. São Paulo: Hucitec; 2014. de que a noção de tema está ligada a uma afirmação a respeito de um determinado assunto e, portanto, fazer uma Análise Temática consiste identificar núcleos de sentido e/ou significados presentes, nesse caso, nos relatos de experiência reunidos pelo questionário.

A análise foi realizada em três etapas: 1) Pré-análise, escolha dos relatos avaliados e retomada dos objetivos propostos pela pesquisa; 2) Exploração do material, fase classificatória na qual se buscou categorizar expressões ou palavras significativas provenientes do conteúdo coletado; 3) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação, última etapa na qual as pesquisadoras realizaram interpretações da leitura do material1818. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14a ed. São Paulo: Hucitec; 2014..

Resultados

As informações compartilhadas pelas terapeutas ocupacionais no questionário foram organizadas em dois tópicos: perfil das colaboradoras e trajetória profissional; e experiências com o trabalho em equipe e formação interprofissional.

Perfil das terapeutas ocupacionais egressas e trajetória profissional

A faixa etária das colaboradoras do estudo variou entre 25 e 39 anos. O maior número de respostas (33) está no intervalo dos 25 aos trinta anos, seguido por dez colaboradoras entre 31 e 35 anos e três entre 36 e 39 anos.

Sobre os anos de entrada e saída da universidade, notou-se que a margem de ingressantes varia entre os anos de 2006 até 2014, com destaque para 2011 (nove) e 2013 (oito) que possuem a maior quantidade de respostas. Já o período de finalização do curso encontra-se entre os anos de 2009 e 2018. Observa-se que a maior quantidade de respostas se localiza nos anos 2016 (11) e 2017 (sete), portanto cerca de 40% (18) das participantes do estudo possuem de três a quatro anos de experiência no mercado de trabalho.

O mapeamento também contemplou questões referentes às vivências práticas na Graduação, como estágio profissionalizante. As profissionais indicaram as áreas de atuação pelas quais passaram: Saúde Mental (31), Infância (28), Reabilitação Física (24) e Envelhecimento (vinte), Atenção Básica à Saúde (17), Saúde do Trabalhador (15), Contexto Hospitalar (14), Campo Social (dez), Educação (dez) e estágios em ações específicas (três).

É importante pontuar que, durante o período de Graduação, as colaboradoras escolhiam, de acordo com seus interesses, quatro áreas diferentes para realizar o estágio, gerando maior rotatividade das alunas em diferentes campos; a isso se deve o alto número de respostas. Também é relevante considerar que o baixo número de respostas em alguns campos pode ter sido ocasionado pela pouca oferta de vagas de estágio no serviço em questão.

Com relação à Pós-Graduação, a maioria das colaboradoras realizou algum curso durante a trajetória profissional, sendo Especialização a categoria com maior número de respostas (31), seguida por Residência Multiprofissional (nove), Mestrado Acadêmico” (cinco), Mestrado Profissional (três) e Doutorado (três). Apenas cinco respostas indicando que não realizaram nenhuma atividade formativa após a Graduação. Vale ressaltar que as colaboradoras tinham a possibilidade de marcar mais de uma opção.

As terapeutas ocupacionais também foram convidadas a compartilhar informações referentes às áreas de seu primeiro emprego e do emprego atual. As áreas de atuação que tiveram destaque nas primeiras experiências de trabalho foram: Infância (18), Saúde Mental (15) e Reabilitação Física (14), seguidas por Envelhecimento (oito), Atenção Básica em Saúde (cinco), Contexto Hospitalar (quatro) e Campo Social (um). Além dessas áreas de atuação, Neurologia e Clínica de Especialidades foram acrescentadas por colaboradoras na opção “Outros” do questionário.

Por fim, com relação às áreas do emprego atual, observou-se congruência entre as áreas de destaque no primeiro emprego: Infância (24), Reabilitação Física (19) e Saúde Mental (13), seguidas por Contexto Hospitalar (quatro), Envelhecimento (três), Atenção Básica em Saúde (três), Campo Social (dois) e Educação (um). Em “Outros”, Supervisão Técnica e Neurologia, a qual aparece novamente.

Nas perguntas também havia a possibilidade de escolher mais de uma opção, sabendo que é muito comum profissionais de Terapia Ocupacional realizarem dupla jornada de trabalho, isto é, experiências de trabalho com variadas equipes multi ou interprofissionais.

Experiências com o trabalho em equipe e formação interprofissional

Buscou-se primeiramente investigar se as colaboradoras trabalhavam em conjunto com outros profissionais e, entre as respostas, apenas duas indicaram que não; logo, 44 indicaram trabalhar em equipe.

Os profissionais que mais apareceram na composição das equipes, além dos terapeutas ocupacionais, foram: psicólogos (42), fonoaudiólogos (34), fisioterapeutas (29), assistentes sociais (23), enfermeiros (16), médicos (13), profissionais de Educação Física (12), nutricionistas (dez), musicoterapeutas (nove), psicopedagogos (oito), psiquiatras (sete), técnicos de enfermagem (seis), pedagogos (quatro), médicos fisiatras (três), farmacêuticos (três), psicomotricistas (dois), arteterapeutas (dois), oficineiros (dois), psicoterapeuta (um), técnico de farmácia (um), profissional das artes expressivas e artesanais (um), acompanhante de saúde (um), profissional de RPG (Reeducação Postural Global) (um), acupunturista (um), neuropediatra (um), ortopedista (um), neurologista (um), gerontólogo (um), artista plástica (um), jovem aprendiz (um), terapeuta sistema (um), arte educador (um) e redutor de danos (um).

Em relação à atuação ou ao desenvolvimento de ações em conjunto, 32 colaboradoras responderam que “desenvolvem ações em equipe muitas vezes”, 12 responderam que “desenvolvem ações, porém poucas vezes” e apenas duas colaboradoras responderam que “não desenvolvem ações em conjunto” com os profissionais da equipe.

Sobre o tipo de ação desenvolvida em equipe, foram identificadas as seguintes: atendimentos compartilhados (35), grupos (16), planejamento de intervenções e projetos como o Projeto Terapêutico Singular (13), visitas domiciliares (11), reunião de equipe (11), discussão de casos (11), avaliações (cinco), matriciamento (quatro), Educação Permanente em Saúde (quatro), ações territoriais/externas/sociais (quatro), orientações (dois), apoio matricial (um), análise e confecção de órteses de membros inferiores na pediatria (um), ensino de transferência (um), adaptação (um), triagem (um), acompanhamento territorial (um), capacitação (um), educação continuada (um), atividades temáticas (um), supervisão (um), diálogo interprofissional (um), palestras (um), acompanhamento a escolas (um), plantões (um) e busca ativa (um).

Questionou-se também se, logo após a formação, as colaboradoras se sentiram seguras para trabalhar em equipe. Trinta terapeutas ocupacionais responderam que se sentiram bastante seguras,13 indicaram que se sentiram pouco seguras, e três responderam que não se sentiram seguras.

Na reunião de informações sobre trocas de conhecimentos e experiências entre as terapeutas ocupacionais e os demais profissionais da equipe, questionou-se como o processo acontecia e qual era a facilidade ou a dificuldade no estabelecimento desses diálogos. A maioria das respostas indicou que as profissionais conseguem compartilhar seus conhecimentos (37) e também têm facilidade em aprender com as experiências de seus colegas (32). Contudo, algumas compartilharam ter dificuldade em estabelecer diálogos com a equipe (oito) e apenas uma indicou que não conseguiu compartilhar e trocar conhecimentos.

Indagou-se o que favorecia a troca de conhecimentos com a equipe e 40 colaboradoras revelaram que a formação na Unifesp foi um grande fator de contribuição. Elas expressaram que as experiências teórico-práticas realizadas desde o primeiro ano da Graduação em conjunto com os alunos dos outros cursos, e principalmente nos módulos do eixo comum (TS, IS e BIO), possibilitaram um rico aprendizado sobre como discutir e compartilhar casos com as profissões aprimorando uma atuação humanizada e uma escuta qualificada diante de uma demanda. A formação também possibilitou um conhecimento prévio da atuação dos outros profissionais e mobilizou a busca pelo trabalho em equipe e em rede em locais onde a prática não acontecia.

Além disso, as profissionais apontaram a dificuldade em conseguir realizar trocas com profissionais não formados na perspectiva da interprofissionalidade, e a percepção de que a atuação multiprofissional acontece com mais frequência do que a interprofissional. A fala a seguir elucida os dados obtidos.

[A formação na Unifesp] contribuiu bastante principalmente por proporcionar a compreensão da atuação dos outros profissionais e como é possível construir uma prática em conjunto. O que favoreceu foi ter a experiência ao longo da Graduação com pessoas de diferentes áreas e isso ajudou na habilidade de comunicação e para a troca de ideias. Porém, durante minha prática sempre e até hoje tenho muita dificuldade em estabelecer os diálogos, no início foi um “choque”, durante a Graduação tem mais tolerância e pessoas com ideais parecidos, facilitando a construção, e senti que não saí preparada para lidar com pessoas com pensamentos e propostas tão opostas do que vi ao longo da formação. (Colaboradora 45)

Por fim, buscou-se compreender quais as percepções das colaboradoras em relação aos efeitos da formação interprofissional em sua trajetória profissional, e todas afirmaram que a formação na Unifesp, com ênfase na integralidade do cuidado e no trabalho em equipe interprofissional, surtiu efeitos e reverberações positivas em suas trajetórias profissionais. As terapeutas ocupacionais compartilharam que a formação interprofissional possibilitou: maior abertura em estabelecer diálogos e compartilhar ações; maior facilidade para buscar auxílio de outros profissionais no trabalho em equipe, apresentando conhecimentos prévios sobre as profissões deles; melhora na escuta tanto com os usuários quanto com os profissionais da equipe; facilidade em aceitar outras condutas e perspectivas de atuação perante uma demanda; manter um raciocínio voltado à integralidade do cuidado oferecendo condutas, encaminhamentos e acompanhamentos adequados às necessidades dos sujeitos e grupos.

Além disso, as respostas ressaltam que a formação interprofissional na Unifesp influenciou na busca por pós-graduações e empregos voltados para o trabalho em equipe, facilitou a inserção na trajetória profissional e forneceu destaque no meio profissional e dentro da equipe. O relato a seguir ilustra tal afirmação.

Creio que tanto a compreensão das demais áreas profissionais como a vivência proporcionada no curso facilitam a interação com os colegas de outras formações, nas suas mais diversas competências. As questões provocativas durante o curso também nos fazem perseguir a troca e o trabalho em equipe como um ideal (ainda que árduo e tantas vezes difíceis de alcançar) que vale a pena visando o cuidado das pessoas atendidas. (Colaboradora 34)

Portanto, nota-se que o aprendizado compartilhado pela Unifesp gerou familiaridade com a atuação em equipe e reconhecimento dos outros profissionais dentro dela. As colaboradas percebem a influência da formação ao buscar e manter contato com outros profissionais e pensar ações vislumbrando o cuidado integral dos sujeitos e grupos.

Discussão

Relações entre a equipe e entre o multi e o interprofissional

Obteve-se unanimidade nas respostas das colaboradoras ao afirmarem que a formação interprofissional, oferecida pela Unifesp, contribuiu para a facilidade e a familiaridade ao trabalhar em equipe, principalmente em serviços da saúde. É relevante pontuar que as três colaboradoras não atuantes na esfera da Saúde, sendo duas do Campo Social e uma da Educação, também sinalizaram facilidade ao atuar de maneira interprofissional, embora a profissional atuante no campo da Educação tenha mencionado estranhamento sobre a falta da prática interprofissional na respectiva área.

A análise, contudo, evidenciou dois pontos de discussão convergentes sobre a relação entre a equipe. O primeiro deles diz respeito à dificuldade relatada pelas colaboradoras em lidar com profissionais graduados em cursos e universidades com perspectivas formativas pautadas nos núcleos profissionais, sem espaços de troca entre e com outras profissões. Nesse sentido, algumas colaboradoras notam a prática de caráter multiprofissional mais recorrente do que a prática interdisciplinar nas relações entre suas equipes de trabalho.

As reuniões de equipe têm sido um desafio no meu emprego atual, pois alguns profissionais não sabem muito bem nem trabalhar o multi, quem dirá o inter. Isso causa muita frustração, pois cria um ambiente de competição quando se tenta trabalhar o multi ou inter, pois são profissionais que têm o trabalho em equipe como “invasão” do seu espaço. Mas esse processo de mostrar que o inter funciona e potencializa os atendimentos tem sido bem interessante. (Colaboradora 10)

De acordo com Feriotti1919. Feriotti ML. Equipe multiprofissional, transdisciplinaridade e saúde: desafios do nosso tempo. Vinculo. 2009; 6(2):179-90., a construção da prática multiprofissional se dá em meio a um grupo composto por diferentes categorias profissionais, mas que é marcada pela setorização do trabalho, isto é, cada profissional atua de maneira desconectada às proposições de seus colegas. Tal prática também coaduna com a formação voltada aos núcleos profissionais; afinal, como construir um processo de trabalho interconectado e dialogado quando não há propostas formativas que exemplifiquem essa maneira de atuação?

O segundo ponto dialoga com a primeira discussão: as terapeutas ocupacionais se reconhecem como as profissionais que, no trabalho em equipe, buscam e incentivam o diálogo com outras colegas. Uma colaboradora compartilhou que obteve destaque e reconhecimento por conduzir os processos do trabalho em equipe em um serviço no qual, anteriormente, isso não acontecia, indicando que a formação impulsiona a procura pelo desenvolvimento de ações interprofissionais pelas egressas.

Estar em conjunto durante a atuação nos anos de Graduação da Unifesp, saber discutir e compartilhar caso, além de saber o que outras profissionais fornecem e nos complementam, são coisas que favorecem toda a construção da equipe interprofissional. Também por não haver essa facilidade de outras instituições formadoras, somos facilitadores na aplicação do compartilhamento dentro da equipe. Sabemos com melhor clareza e naturalidade como conduzir e como interagir, assim como ser a abertura para a equipe atuar desta forma. (Colaboradora 4)

As egressas saem da Unifesp preparadas para o trabalho em equipe e, inclusive, buscam sensibilizar outros profissionais para esse tipo de prática, porém relatam não encontrar no mercado de trabalho serviços e profissionais abertos ou que saibam atuar na perspectiva da interprofissionalidade.

A discussão colocada neste tópico, portanto, se faz ao confirmar que a educação interprofissional promovida por uma universidade traz reflexos concisos na experiência profissional, principalmente no que se refere ao trabalho em equipe. No entanto, os obstáculos que limitam o desenvolvimento pleno de um trabalho interprofissional se dão no contato com profissionais formados em âmbitos disciplinares não sensibilizados com as trocas de saberes e tessituras de ações conjuntas.

Formação interprofissional e integralidade do cuidado

A integralidade do cuidado e assistência também foi um tópico que se destacou nos relatos de terapeutas ocupacionais formadas com base na educação interprofissional.

Contribuiu muito. Pensar no cuidado integral do paciente como a Unifesp nos faz pensar e de maneira gradual, científica e com muito respeito a cada profissão, foi o pontapé para eu me mobilizar a conversar e criar redes com meus colegas de trabalho. (Colaboradora 25)

Segundo Kalichman e Ayres2020. Kalichman AO, Ayres JRCM. Integralidade e tecnologias de atenção à saúde: uma narrativa sobre contribuições conceituais à construção do princípio da integralidade no SUS. Cad Saude Publica. 2016; 32(8):1-13., noções sobre integralidade do cuidado já eram discutidas desde a década de 1950 no Brasil, porém ela surge como um princípio do SUS na Constituição de 1988. Ao longo dos anos, uma série de estratégias foram desenvolvidas para efetivação da integralidade nos processos de cuidado, como ações pragmáticas, clínica ampliada, humanização, linhas e redes de cuidado. Segundo os autores, a integralidade pressupõe:

não fragmentação da Atenção à Saúde, respeito aos sujeitos e seus direitos, atenção à especificidade das necessidades de indivíduos e comunidades, busca de interações intersubjetivas ricas e criativas, interação entre saberes técnicos e práticos dos diversos sujeitos, articulação de diferentes profissionais, serviços e setores relacionados à construção da saúde2020. Kalichman AO, Ayres JRCM. Integralidade e tecnologias de atenção à saúde: uma narrativa sobre contribuições conceituais à construção do princípio da integralidade no SUS. Cad Saude Publica. 2016; 32(8):1-13.. (p. 2)

Em pesquisa realizada com egressos dos variados cursos de Graduação da Unifesp, Rossit e colaboradoras1414. Rossit RAS, Freitas MAO, Batista SHSS, Batista NA. Construção da identidade profissional na Educação Interprofissional em Saúde: percepção de egressos. Interface (Botucatu). 2018; 22 Supl 1:1399-410. doi: 10.1590/1807-57622017.0184. identificaram que a formação interprofissional proporciona familiaridade com o trabalho em equipe, reconhecendo e respeitando a importância e a função dos outros profissionais, o que fortalece a integralidade do cuidado. Os dados encontrados no presente estudo são convergentes a tal identificação, uma vez que as terapeutas ocupacionais participantes também relatam a mesma percepção sobre sua prática profissional.

As vivências teórico-práticas em equipe que tivemos desde o primeiro ano de Graduação na Unifesp contribuíram muito para que o diálogo acontecesse. Ter conhecimento prévio de cada profissão e de como poderíamos nos complementar profissionalmente foi o ponto de partida. Saber do potencial da equipe e do quanto este trabalho tem efeitos no cuidado integral. (Colaboradora 3)

As colaboradoras também reconheceram a importância, durante a formação, dos módulos ofertados pelos eixos comuns para efetivação do cuidado integral e das trocas entre profissionais da equipe. Em especial, houve destaque ao eixo comum Trabalho em Saúde (TS) pela articulação da experiência prática com a teoria, aproximando os estudantes da atuação em equipamentos públicos do SUS e do Suas e da realidade dos diferentes territórios da cidade de Santos, litoral paulista1313. Universidade Federal de São Paulo. Projeto Pedagógico do Curso de Terapia Ocupacional [Internet]. São Paulo: Unifesp; 2019 [citado 10 Fev 2020]. Disponível em: https://www.unifesp.br/reitoria/prograd/pro-reitoria-de-graduacao/cursos/informacoes-sobre-os-cursos
https://www.unifesp.br/reitoria/prograd/...
. Os módulos do eixo TS contribuem dando corpo e instrumentalidade às ações de cuidado, como proposição e planejamento de grupos, escuta clínica e humanizada, elaboração de Plano Terapêutico Singular, entre outros, além de facilitar o desenvolvimento de competências para o trabalho em equipe.

Assim, nota-se que, para atingir e garantir a integralidade do cuidado em suas atuações, a formação interprofissional e os módulos voltados às práticas colaborativas foram pontos de destaque na trajetória das terapeutas ocupacionais participantes do estudo.

Identidade profissional: conflitos entre campos e núcleo

O estudo de Rossit e colaboradoras1414. Rossit RAS, Freitas MAO, Batista SHSS, Batista NA. Construção da identidade profissional na Educação Interprofissional em Saúde: percepção de egressos. Interface (Botucatu). 2018; 22 Supl 1:1399-410. doi: 10.1590/1807-57622017.0184. também apontou que, para os profissionais participantes, a formação interprofissional em conjunto com as experiências vivenciadas durante a Graduação fortaleceram a construção de suas identidades profissionais. Para as autoras, o desenvolvimento da identidade profissional acontece pela compreensão das especificidades das outras profissões, do reconhecimento da importância da prática colaborativa, do estabelecimento de papéis na equipe e da compreensão dos papéis do próprio núcleo profissional1414. Rossit RAS, Freitas MAO, Batista SHSS, Batista NA. Construção da identidade profissional na Educação Interprofissional em Saúde: percepção de egressos. Interface (Botucatu). 2018; 22 Supl 1:1399-410. doi: 10.1590/1807-57622017.0184..

De maneira convergente, a pesquisa de Souto, Batista e Batista2121. Souto TS, Batista SH, Batista NA. A educação interprofissional na formação em Psicologia: olhares de estudantes. Psicol Cienc Prof. 2014; 34(1):32-45. sobre influências da formação interprofissional na construção da identidade profissional dos estudantes de Psicologia também constatou, de forma unânime, que a noção de identidade profissional foi fortalecida pela Graduação e pela aprendizagem compartilhada.

Os relatos coletados na presente pesquisa, no entanto, foram divergentes dos estudos. Demonstraram que, apesar de as colaboradoras indicarem que sentem facilidade em trabalhar em equipe, muitas profissionais saíram da Graduação inseguras e com dificuldade em compreender seu papel como núcleo profissional, além de sentirem a necessidade de reafirmar o papel do núcleo perante outros profissionais.

No sentido inter/multi a formação contribui demais. Já no aspecto mais específico da área de TO senti menos segurança nos diálogos e ações logo após a formação. (Colaboradora 9)

Tenho bastante facilidade em trabalhar em equipe multi, ao mesmo tempo estou a todo momento preocupada em marcar o lugar da atuação específica. (Colaboradora 31)

Em seu Trabalho de Conclusão de Residência, Fornos2222. Fornos MSS. Residência Multiprofissional em RAPS e Terapia Ocupacional: uma experiência entre o campo e o núcleo [monografia]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo; 2019. explicita, por meio do compartilhamento de sua experiência na Residência Multiprofissional no campo da Saúde Mental, o conflito encontrado entre as esferas do “campo”, área de atuação em que diferentes categorias profissionais trabalham em conjunto para superar as demandas de cuidado; e do “núcleo”, que por sua vez se trata das práticas específicas relativas a uma determinada categoria profissional. A autora questiona o investimento na formação interprofissional e o pouco foco no desenvolvimento dos núcleos profissionais2222. Fornos MSS. Residência Multiprofissional em RAPS e Terapia Ocupacional: uma experiência entre o campo e o núcleo [monografia]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo; 2019..

Os dados registram que as egressas do curso de Terapia Ocupacional saem da universidade fortalecidas quanto ao trabalho em equipe e à atuação interprofissional, contudo ainda inseguras no que concerne às ações de seu núcleo, isto é, com dificuldades no reconhecimento da identidade profissional da Terapia Ocupacional. Pondera-se que é comum profissionais recém-formados se sentirem inseguros quanto às especificidades de sua atuação e questiona-se, ainda, se esse movimento também ocorre em cursos disciplinares que enfocam a formação no núcleo da Terapia Ocupacional.

Aponta-se, portanto, a necessidade de levantar o debate e fomentar novos estudos que aprofundem a compreensão do aprendizado da identidade terapêutica ocupacional em um contexto formativo interprofissional e também disciplinar.

Conclusão

O estudo constatou que a graduação em Terapia Ocupacional oferecida pela Unifesp forma profissionais qualificadas para uma prática interprofissional, capacitadas para o trabalho em equipe interdisciplinar e para o desenvolvimento de ações assertivas direcionadas aos sujeitos ou grupos a fim de garantir a integralidade do cuidado.

Apesar de ter sido demonstrado que no mercado de trabalho é muito comum encontrar serviços e profissionais que não estão abertos a desenvolver ações de caráter interprofissional, e com os quais a relação apresenta maiores divergências, as terapeutas ocupacionais formadas pela ótica interprofissional buscam chamar os colegas a se aproximarem desse tipo de prática, o que lhes configura certo destaque nesses espaços. Além disso, a formação na perspectiva da interprofissionalidade demonstra influenciar as terapeutas ocupacionais na procura por pós-graduações e empregos convergentes com tal perspectiva.

Assim, nota-se a necessidade de que outras universidades se apropriem da EIP e propiciem cursos que graduem profissionais preparados para o trabalho em equipe, como preconizado nas políticas públicas brasileiras.

Tendo em vista o currículo inovador e as experiências bem-sucedidas com a formação interprofissional da Unifesp, desafiam-se os docentes e estudantes a produzir estudos e relatos que compartilhem suas experiências e fomentem o debate sobre a interdisciplinaridade em outros espaços formativos, extrapolando os limites do campus.

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Editado por

Editora: Roseli Esquerdo Lopes
Editora associada: Marta Quintanilha Gomes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2022
  • Aceito
    29 Jan 2023
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