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Responsabilidade institucional com a qualidade do ensino de graduação: pró- reitores em cena

Institutional responsibility with the quality of undergraduate teaching: provosts in action

Resumos

O texto tem por objetivo apresentar os primeiros resultados de investigação que se debruça sobre a qualidade do ensino de graduação. As análises são desenvolvidas sobre material resultante de entrevistas presenciais e por e- mail com pró- reitores de graduação de doze diferentes universidades brasileiras. O foco está nas relações entre o conceito de qualidade de ensino de graduação, nos indicadores desta qualidade e nos exemplos de ações que ratificariam essa condição. Princípios de análise de conteúdo de Bardin permitiram- nos obter, através da descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que ajudaram a fazer inferências de conhecimentos relativos às condições de produção das mensagens e demonstraram a carência da clareza do que seja qualidade de ensino de graduação desde a perspectiva da instituição, a submissão da mesma a uma lógica de mercado, o vácuo existente entre intenção e gesto e o olhar individualizado e pontual sobre qualidade e não o institucional e sistemático como seria desejável.

Educação superior; Ensino de graduação; Gestão universitária; Qualidade de ensino


This text aims to present the first results of an investigation on higher education quality. The analyses were developed on a material gathered from interviews, applied both personally and by e- mail, with provosts from twelve different Brazilian universities. Its focus is on the relations among the concept of higher education quality, the indexes of this quality, and some instances of actions that could ratify this condition. Principles from Bardin's content analysis allowed us to gather, through the description of the contents of the messages, some indexes that helped us to infer knowledges related to the conditions in which the messages were produced and demonstrated a lack of clarity on what higher education quality is from the perspective of the institutions; their submission to a market- oriented thought; the existence of a void between intention and action; and an individualized and pointed view on quality instead of an institutional and systemic one, as would be desirable.

Higher education; Graduate teaching; University administration; Learning quality


Responsabilidade institucional com a qualidade do ensino de graduação: pró- reitores em cena1 1 Este texto resulta da investigação denominada Qualidade do ensino de graduação: a relação entre ensino, pesquisa e desenvolvimento profissional docente, financiada pelo CNPq, ora em curso, coordenada pela Prof. Drª. Maria Isabel da Cunha (UNISINOS). Os autores deste texto integram um dos subgrupos da equipe de pesquisa.

Institutional responsibility with the quality of undergraduate teaching: provosts in action

Tânia Maria BaibichI; Luís Henrique SommerII

IDra. docente e pesquisadora do Programa de Pós- Graduação em Educação da UFPR, Curitiba, Brasil. E- mail: tbaibich@terra.com.br

IIDr. docente e pesquisador do Programa de Pós- Graduação em Educação da UNISINOS, São Leopoldo, Brasil. E- mail: lhsommer@unisinos.br

RESUMO

O texto tem por objetivo apresentar os primeiros resultados de investigação que se debruça sobre a qualidade do ensino de graduação. As análises são desenvolvidas sobre material resultante de entrevistas presenciais e por e- mail com pró- reitores de graduação de doze diferentes universidades brasileiras. O foco está nas relações entre o conceito de qualidade de ensino de graduação, nos indicadores desta qualidade e nos exemplos de ações que ratificariam essa condição. Princípios de análise de conteúdo de Bardin permitiram- nos obter, através da descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que ajudaram a fazer inferências de conhecimentos relativos às condições de produção das mensagens e demonstraram a carência da clareza do que seja qualidade de ensino de graduação desde a perspectiva da instituição, a submissão da mesma a uma lógica de mercado, o vácuo existente entre intenção e gesto e o olhar individualizado e pontual sobre qualidade e não o institucional e sistemático como seria desejável.

Palavras- chave: Educação superior. Ensino de graduação. Gestão universitária. Qualidade de ensino.

ABSTRACT

This text aims to present the first results of an investigation on higher education quality. The analyses were developed on a material gathered from interviews, applied both personally and by e- mail, with provosts from twelve different Brazilian universities. Its focus is on the relations among the concept of higher education quality, the indexes of this quality, and some instances of actions that could ratify this condition. Principles from Bardin's content analysis allowed us to gather, through the description of the contents of the messages, some indexes that helped us to infer knowledges related to the conditions in which the messages were produced and demonstrated a lack of clarity on what higher education quality is from the perspective of the institutions; their submission to a market- oriented thought; the existence of a void between intention and action; and an individualized and pointed view on quality instead of an institutional and systemic one, as would be desirable.

Key words: Higher education. Graduate teaching. University administration. Learning quality.

INTRODUÇÃO

Neste trabalho discutimos os primeiros resultados de uma investigação que se debruça sobre qualidade do ensino de graduação. Mais especificamente, aqui nos detemos na análise do material resultante de entrevistas presenciais e por e- mail com pró- reitores2 2 Por uma questão de preservação de sigilo e, ao mesmo tempo, por não tratarmos de questões de gênero neste texto, usaremos o masculino como neutro. de graduação de doze (12) diferentes universidades brasileiras3 3 A entrevista foi encaminhada a todas as instituições vinculadas ao FORGRAD, sendo que colaboraram respondendo seis instituições do Rio Grande do Sul, uma de Santa Catarina, uma do Paraná, uma de São Paulo, duas de Minas Gerais e uma da Bahia. Das instituições participantes, quatro são de natureza privada e oito de natureza pública. Agradecemos aos colegas Pró- Reitores, por colaborarem com a pesquisa, a despeito do acúmulo de funções que exercem como docentes pesquisadores e administradores. . O foco deste estudo reside nas relações entre o conceito de qualidade de ensino de graduação, nos indicadores dessa qualidade e nos exemplos de ações que ratificariam essa condição. Tudo isso, como já referido, na perspectiva dos gestores acima citados.

As respostas dos entrevistados foram tabuladas e agrupadas com o intuito de construir categorias de análise. O resultado dessa etapa gerou um quadro analítico a partir dos depoimentos de cada um dos sujeitos da pesquisa. Os dados foram analisados usando os princípios da análise de conteúdo que permitiram obter, através da descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que ajudam a fazer inferências de conhecimentos relativos às condições de produção das mensagens (BARDIN, 1979). Para as análises foram usadas algumas dimensões que articularam as questões de pesquisa e que orientaram o roteiro da entrevista.

É importante ressaltar que este estudo se inscreve no conjunto de debates que tomam a universidade como objeto de estudo, naquilo que tem se configurado como o emergente campo de práticas e teorizações denominado Pedagogia Universitária. No momento em que a universidade se encontra instada a responder aos inúmeros desafios colocados pela crescente complexidade de nossas sociedades atuais, tais como a democratização do ensino superior, as políticas afirmativas, a precarização das relações de trabalho, a centralidade das tecnologias da informação e comunicação, a mercantilização do ensino superior e seus riscos de provocar deformações na investigação e na docência e correlacionado a esses aspectos sua constituição como não- lugar da formação de docentes para o ensino superior, ela "tem sido morosa e resistente a pensar a si própria e a ter clareza sobre o contexto em que está imersa" (CUNHA, 2010, p. 296).

Sem menosprezarmos a extrema relevância das discussões que poderiam ser desenvolvidas a partir da consideração desses desafios, interessa- nos, no momento, uma aproximação com os bastidores das políticas de gestão institucional do ensino de graduação mediante o olhar dos gestores responsáveis. Aqui vale ressaltar nosso entendimento de que um gestor universitário, sobretudo aquele das áreas fins da universidade (ensino, pesquisa e extensão) ocupa simultaneamente diferentes posições de sujeito: há um só tempo, ele é gestor, docente e produtor de conhecimento novo pelas vias da pesquisa e da extensão. Todas essas posições de sujeito, mas sobretudo a primeira, lhe confere legitimidade de falar em nome da instituição. Portanto, interessa- nos discutir qualidade do ensino de graduação da forma como essa vem sendo conceitualizada, implementada e avaliada pelas instituições que compõem o campo empírico da pesquisa.

O fulcro de nossa prospecção, como já referido, está na forma pela qual a instituição, aqui representada por seu gestor, viabiliza aquilo que concebe como sendo qualidade de ensino de graduação, bem como na forma pela qual aquilata a efetividade dessa viabilização. Esta é a lógica que norteou o desenvolvimento das análises dos dados que seguem4 4 Por conta das especificidades de uma das entrevistas, a mesma será analisada a posteriori e separadamente. .

SOBRE O CONCEITO

A análise dos dados demonstra a presença recorrente das seguintes definições de qualidade de ensino de graduação, em ordem decrescente de frequencia de citações: a) a capacidade de a universidade formar cidadãos com forte compromisso e responsabilidade social; b) a capacidade de a universidade formar profissionais com competência técnica em sua áreas; c) a capacidade de a universidade preparar profissionais atendendo às demandas do mercado; d) a capacidade de a universidade preparar os alunos para excelente performance nas avaliações externas; e) capacidade de a universidade articular ensino e pesquisa na formação dos estudantes.

Conforme revelam as transcrições abaixo, há uma interrelação explícita, no âmbito da conceituação de qualidade de ensino de graduação, entre formação para a cidadania e competência técnico- profissional, o que denota a assimilação de discurso hegemônico nos anos 1990 que destacava a insuficiência do tecnicismo vigente e a necessidade de formar sujeitos capazes de transformar o social. Mais precisamente, constatamos a produção de enunciados que pertencem ao campo de teorizações e práticas das chamadas pedagogias críticas, cujo estatuto de verdade é quase absoluto no campo da Pedagogia, em todos os níveis de ensino. Sem nenhuma espécie de juízo de valor, o que queremos apontar é justamente a similaridade de certas conceitualizações utilizadas para falar e pensar o ensino universitário, com aquilo que tem sido recorrentemente encontrado na maioria dos projetos político- pedagógicos das escolas de educação básica de nosso país. Vejamos alguns exemplos que explicitam a articulação das dimensões preparação técnico- profissional e para a cidadania:

[...] qualidade é formar profissionais em condições de atuar na sua área de formação com responsabilidade social e compromisso com a preservação do futuro do planeta (E8)5 5 A partir deste ponto, identificaremos os entrevistados pelo código Entrevistado 1= E1, Entrevistado 2 = E2 e assim sucessivamente para preservar suas identidades individuais e institucionais. .

[...] qualidade da educação superior é condição fundamental para a transformação do educando em cidadão (E6).

[qualidade é] a complexa articulação de componentes infra- estruturais, materiais, posturais, de gestão, curriculares, didático- pedagógicos e de funcionamento institucional voltados para a formação de profissionais com fundamentação tecnocientífica e ético- política (E2).

A possibilidade de disponibilizar processos educativos voltados à formação de sujeitos críticos, éticos e competentes em suas respectivas áreas de atuação profissional (E3).

Considerando as enunciações que relacionam qualidade do ensino de graduação à capacidade de inserção dos seus egressos no mercado, chama a atenção a incorporação (não necessariamente intencional e/ou consciente) do discurso (neo)liberal – uma das pedras basilares do Pacto de Bolonha. Como refere Naidoo (2008, p. 46, tradução livre)

existe a crença de que a competição de mercado, dentro das universidades e entre elas, pode ajudar a moldar instituições mais eficientes e eficazes. Além disso, foram introduzidos princípios de gestão inspirados no setor privado e pensados para controlar, medir, comparar e valorizar as atividades profissionais, com a esperança de melhorar o funcionamento da educação superior.

Tais concepções reforçam tanto o valor do mercado como baliza para a qualidade, quanto o significado das performances dos estudantes em exames externos pro(im)postos pelo Estado como forma de regulação e ranqueamento das instituições de ensino superior. Pelo fato de ambos serem sustentados por uma mesma lógica de mercado, nota- se a aproximação destes argumentos como forma de qualificar o ensino de graduação:

Na minha condição de dirigente universitário compreendo o conceito de qualidade da educação superior como racionalidade administrativa e excelentes resultados na avaliação dos cursos (E7) 6 6 Vale ressaltar que este pró- reitor pertence a uma instituição cuja mantenedora é pública de âmbito federal.

Pode parecer simplista, mas, por exemplo, quando nosso aluno vai fazer um ENADE e se sai bem, ele está demonstrando, dentro de todo esse conjunto, que ele está conseguindo receber um ensino de qualidade [...] (E9).

Minha IES tem assumido que qualidade é o extrato de um trabalho desenvolvido internamente pela universidade e que dá retorno à Instituição, na forma de resultados positivos e reconhecimento junto a sua comunidade em prol do desenvolvimento regional (E4).

Neste último excerto, a noção de mercado como regulador da universidade parece ser subsumida pelas noções de desenvolvimento regional e de comunidade. Segundo o sociólogo britânico Nikolas Rose, em termos mais políticos a noção de comunidade7 7 Rose (1996, p. 332) afirma que o termo comunidade [...] há muito tem sido destaque no pensamento político; torna- se tema de governo, no entanto, quando se torna técnico. Em torno dos anos 60, a comunidade já era aclamada pelos sociólogos como possível antídoto à solidão e isolamento do indivíduo gerados pela 'sociedade de massa'. Esta idéia de comunidade enquanto autenticidade perdida e pertença comum foi inicialmente disposta no campo social como parte da linguagem de crítica e oposição dirigida à distante burocracia. Os ativistas da comunidade deviam identificar- se, não com um welfare system que eles viam como degradante, controlador, de policiamento, mas com aqueles que eram os sujeitos desse sistema ¾os moradores das habitações, projetos e guetos. expressaria uma nova territorialização do pensamento e das práticas políticas, que estaria suplantando o social como campo privilegiado de cálculo e intervenção das estratégias de governo (ROSE, 1996). Nesta direção, falar em comunidade implicaria o estabelecimento de um novo campo suscetível à intervenção, um novo território caracterizado por "uma nova relação entre as estratégias de governo dos outros e as técnicas de governo de si, situadas em novas relações de mútua obrigação" (p. 331, tradução livre). A noção de comunidade estaria fortemente vinculada a uma categorização dos sujeitos a partir de seus laços morais, "sujeitos da fidelidade a um conjunto particular de valores, crenças e compromissos da comunidade" (p. 331). Ora, tal lógica não é absolutamente contraditória à lógica do mercado de teor (neo)liberal. Pelo contrário, nós inferiríamos que quando se faz referência à comunidade e ao desenvolvimento regional para conceituar qualidade, em última análise do que se trataria é de outra forma de se remeter ao mercado enquanto regulador da qualidade do ensino de graduação.

Finalmente, temos o conceito de qualidade expresso como a articulação entre ensino e pesquisa na formação de graduação. Neste caso é evidente o quanto o preceito constitucional aparece repetido como um "mantra" sem que, entretanto, como este último, guarde em si mesmo o significado de seu som. Assim, essa repetição mais esconde do que mostra, quando do que se trataria seria de uma genuína articulação entre ensino e pesquisa, teoria e prática, reflexão e ação. Esta afirmação pode ser formulada na medida em que os indicadores, bem como as ações exemplificadoras expressas pelos entrevistados não corroboram o conceito de qualidade assumido:

eu vejo a qualidade do ambiente que se cria e vejo a qualidade do ensino superior profundamente ligada a pesquisa e pós- graduação (E9).

qualidade na educação superior refere- se à experiência de uma formação acadêmica integrada, crítica e reflexiva dos conhecimentos gerais e específicos com forte articulação entre ensino, pesquisa nessa formação (E1)

Formação de qualidade no âmbito do ensino, pesquisa e extensão; o foco principal concentra- se no aluno, na sua formação profissional complementada numa consistente formação na área de conhecimentos gerais e humanísticos (E8)

Sinteticamente talvez possamos afirmar que o conceito de qualidade de ensino da graduação predominante entre os onze gestores traduz- se, fundamentalmente, como cidadania com competência técnico- profissional e efetiva inserção no mercado. Esta forma de conceituar, em nosso entendimento, sugere uma justaposição acrítica de concepções ideológicas divergentes sem consistência epistemológica, o que parece não depender diretamente da natureza da mantenedora da instituição, do tempo de exercício no cargo dos pró- reitores, de sua formação em âmbito de pós- graduação stricto sensu, nem tampouco da região geográfica onde se localizam suas respectivas universidades. Isto nos remete à compreensão de um discurso naturalizado no coletivo dos pró- reitores.

SOBRE OS INDICADORES

Com a intenção de verificar as formas pelas quais as instituições avaliam se sua concepção de qualidade de ensino de graduação se materializa, buscamos identificar os chamados indicadores de qualidade. Foram destacados pelos sujeitos da pesquisa, e aqui apresentamos também em ordem decrescente de número de citações, os seguintes indicadores: a) titulação e produção dos professores; b) adequação do currículo às demandas da sociedade; c) grau de inserção dos egressos no mercado; d) desempenho positivo dos estudantes nas avaliações externas; e) articulação entre ensino, pesquisa e extensão nos processos formativos; f) existência de programas de formação continuada para docentes; g) existência de processos de avaliação interna; h) infraestrutura adequada à aprendizagem.

O nível de coerência percebido entre conceito e indicadores de qualidade é sintomaticamente bastante elevado. Isto nos leva a um entendimento que corrobora as afirmações feitas anteriormente relativas às justaposições teórico- epistemológicas presentes na conceitualização de qualidade do ensino de graduação. Assim, quando os pró- reitores manifestam, por exemplo, que indicador de qualidade é "a titulação do corpo docente, a produção tecno- científica e artístico- cultural dos docentes" (E6), ou referem que seja "a boa colocação dos egressos no mercado de trabalho" (E2), ou ainda "resultados expressivos na avaliação externa" (E7), constatamos, para mais além da coerência referida, as instituições dobrando- se à lógica avaliativa externa, seja ela determinada pelo Estado ou pelo mercado.

Na contracorrente dessa submissão à lógica do Estado e do mercado, há de parte de alguns dos sujeitos da pesquisa a referência a indicadores cuja natureza se volta à sociedade, à indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão, a programas de formação continuada de docentes, a processos de avaliação interna e colegiada e à infraestrutura adequada para a aprendizagem. No nosso entendimento, alguns desses indicadores são de outra natureza daqueles discutidos no parágrafo anterior, no sentido de se relacionarem a questões de ordem sociopolítica e pedagógica e com potencial para retroalimentarem o ensino de graduação. Isto é, a universidade se pensa, se avalia, assume seu protagonismo e sua responsabilidade na qualificação permanente de seu corpo docente e discente, o que é exemplificado pela "presença de políticas de formação pedagógica continuada na Instituição"(E6); pela "postura ética, [pelo] grau de compromisso social que a pessoa [estudante] tem, [...] quer dizer o compromisso dele com a cidadania, compromisso dele com as grandes causas da sociedade, como a defesa da vida, a questão do meio ambiente" (E9); "pela existência de um processo contínuo de avaliação na graduação (interna e externa) com bons resultados avaliativos" (E12) e de "instalações físicas e laboratórios atualizados, com observâncias do número de estudantes/professores adequados à aprendizagem" (E12).

Em outros termos, este conjunto de indicadores demarca uma diferença fundamental, na medida em que a universidade não se assume unicamente como mera executora de determinações oriundas de políticas exógenas. Como refere Cunha (2010, p. 25),

é certo que as ações dos professores são dependentes das múltiplas regulações do estado [das agências reguladoras e de fomento], dos sistemas de ensino e das escolas, que relativizam sua possibilidade de autonomia. Mesmo assim, inclusive como parte de um processo de resistência, é fundamental investir numa formação consistente que dê argumentos ao professor no embate epistemológico e político que se estabelece no seu campo de atuação.

SOBRE AS AÇÕES

Uma das intenções da pesquisa era identificar junto aos pró- reitores as ações desenvolvidas nas suas respectivas universidades no intuito de alcançar a qualidade de ensino de graduação almejada. No nosso entendimento, estas ações seriam reveladoras da responsabilidade institucional com a "qualidade do ensino de graduação possível" para o momento atual da instituição, o que pode não coincidir, a nosso ver, necessariamente com a qualidade idealizada, desejada ou mesmo apregoada pelos pró- reitores. Nesta direção, os questionamos sobre o que considerariam como sendo "bons exemplos de práticas e ações institucionais" que materializassem a qualidade de ensino de graduação expressa em seus Projetos Institucionais Pedagógicos.

Antes de nos debruçarmos sobre a análise das ações propriamente ditas, é importante ressaltar que os pró- reitores de graduação, ainda que gozando da legitimidade institucional inerente ao cargo que ocupam, são um entre vários gestores de uma equipe que, por sua vez, reflete, a um só tempo, as orientações da mantenedora, as peculiaridades de sua comunidade acadêmica, e todo um conjunto de regulações de ordem histórica, econômica e política que possui um caráter estruturante e delimitador de suas possibilidades de ação. A clássica tensão entre regulação estatal e autonomia é apenas um exemplo dessa dinâmica.

Ainda que levemos em conta todos esses fatores, causou- nos bastante estranheza a dificuldade de a maioria dos pró- reitores oferecer exemplos de ações implementadas por suas instituições para atingir a apregoada qualidade. Muitos deles simplesmente não o fizeram, outros, ao se referirem a ações, repetem indicadores e outros ainda indicam possibilidades futuras em fase de concepção. Isto é ainda mais merecedor de destaque se cotejarmos essa dificuldade com o imenso rol de indicadores de qualidade do ensino de graduação apontado anteriormente pela maioria deles. A rigor, os pró- reitores de poucas instituições ofereceram exemplos de ações efetivas e em curso em suas universidades. São elas: Programa de atenção ao estudante com dificuldade de aprendizagem (1 citação); avaliação interna colegiada (1 citação); redefinição da estrutura curricular (1 citação) e, por fim, capacitação sistemática de docentes e/ou coordenadores de cursos (2 citações).

Não sem espanto, nos defrontamos com um vazio de acontecimentos. Se há, como já referimos, uma harmonia entre conceitos e indicadores, não há correlativamente ações em curso que corroborem e favoreçam às instituições o alcance da qualidade pensada/desejada. Este fato ficou evidenciado pelas respostas que, ou chamavam de ações a indicadores, ou que simplesmente não respondiam à questão. Dentre os fatores favorecedores do fenômeno que aqui denominamos de vazio de acontecimentos, depreendemos nesta análise teórica alguns entre outros possíveis: a) falta de coerência político- epistemológica institucional; b) a falta de clareza do gestor da necessidade de envolver a comunidade universitária na definição de políticas institucionais; c) o lugar do não- lugar que ocupa a formação docente no âmbito universitário; d) a submissão acrítica da instituição ao mercado e ao sistemas de avaliação externos; e) o status superior que a universidade tradicionalmente tem atribuído à pesquisa, em relação à docência; f) a utilização do discurso constitucional e "politicamente correto" como albergue para a falta de reflexão acerca dos paradoxos existentes entre as lógicas mercantis e de formação para a cidadania.

A DISSONÂNCIA

Como já dito em outro momento, a entrevista de um dos pró- reitores retratou um quadro institucional, no que tange ao ensino de graduação, com características absolutamente singulares relativamente à qualidade de ensino. Em primeiro lugar é preciso destacar que o entrevistado encarna o conceito gramsciano de intelectual orgânico, sendo reconhecido e avalizado como tal pelos pares que compõem a comunidade epistêmica da área da Educação. Sua vasta experiência como docente, pesquisador e gestor, articulada permanentemente a uma reflexão teórica consistente, lhe confere, em nosso entendimento, uma condição sui generis no panorama nacional e internacional (BAIBICH- FARIA, 2009). Da mesma forma, a instituição representada está entre as melhores instituições universitárias do mundo, o que lhe dá condições, pelos recursos ali aportados, de investir mais em várias frentes das atividades- fins da universidade.

Ainda que nutramos o entendimento de que suas contribuições à pesquisa que deu origem a este texto constituem por si só um curso sobre qualidade de ensino de graduação, esta sessão tem como propósito unicamente o compartilhamento de suas reflexões e, em hipótese alguma estabelecer uma hierarquia entre pró- reitores e universidades. Como já dito, as ações desenvolvidas por esses gestores são condicionadas por uma série de dinâmicas e contextos, o que não permite, e fugiria dos propósitos deste estudo, qualquer tipo de classificação ou ranqueamento entre colegas gestores e/ou universidades. Portanto, feitas estas observações introdutórias, e considerando as especificidades da situação, nesta seção, eventualmente, nos permitiremos transcrever partes mais longas do discurso do pró- reitor, quando assim julgarmos apropriado.

No sentido de melhor caracterizar o que ocorre em termos de qualidade de ensino de graduação nessa instituição, elencamos, a seguir, alguns fatores que consideramos fulcrais para a constituição do quadro singular constituído por essa universidade e pró- reitor. Partindo de conceito de universidade contextualizada histórica, política e pedagogicamente, o pró- reitor em questão atribui aos cursos de graduação as seguintes principais finalidades:

A criação, o desenvolvimento, a transmissão e a crítica da ciência, da técnica e da cultura; a preparação para o exercício de atividades profissionais que exijam a aplicação de conhecimentos e de métodos científicos e para a criação artística; e o apoio científico, técnico e ético ao desenvolvimento cultural, social e econômico da sociedade (E11).

Em uníssono às finalidades dos cursos de graduação, o gestor em tela define que o ensino de graduação de qualidade "constitui um processo de busca e construção científica e de crítica ao conhecimento produzido, ou seja, de seu papel na construção da sociedade", confere ao docente grande parcela de responsabilidade na consecução destes objetivos, pressupõe a necessidade de "uma ação docente diferenciada da tradicionalmente praticada"; atribuindo à comunidade sua parcela de participação e responsabilidade, entende necessário que o projeto político- pedagógico dos cursos seja "coletivamente consensuado e vivido no cotidiano do ensino e da pesquisa, [...] a partir da identidade de cada curso, considerando as demandas da sociedade contemporânea" (E11).

Como contraponto ao modelo de ensino de graduação de qualidade acima referido, entende ele que o modelo hegemônico na sociedade contemporânea é "fortemente submetido à lógica do mercado e do consumo". O entrevistado, no desenvolvimento de sua argumentação, aponta para o que considera serem algumas das características desse ensino de graduação atual, estabelecendo uma analogia com "uma imensa usina de produção onde os estudantes são considerados apenas como elos do sistema; a aprendizagem é rápida e ligeira, sem muito esforço, para obter créditos e diplomas". No que se refere ao processo de formação, a lógica argumentativa é similar, recorrendo à metáfora de "um supermercado no qual as disciplinas estão dispostas em gôndolas, à escolha do estudante, e disponibilizadas conforme a decisão individual dos docentes ou departamentos". Finalmente, ao tratar da carreira acadêmica dos professores, que, na sua opinião "tem primazia em relação à formação dos estudantes", refere- se à lógica produtivista imperante, afirmando que "a cultura acadêmica e a cultura dos jovens fica separada por um fosso intransponível" (E11).

Harmonicamente às considerações anteriores, o pró- reitor assume a necessidade imperativa de que seja criada uma nova cultura acadêmica nos cursos de graduação da universidade e propõe, como indicadores de qualidade, que esta nova cultura considere:

o direito do acesso à formação que garanta aos estudantes o desenvolvimento de uma postura frente ao saber, que supere a especialização estreita, problematize as informações e garanta a sua formação como cidadão e profissional cientista compromissado com a aplicação do conhecimento em prol da melhoria da qualidade de vida de toda a sociedade; que possibilite o desenvolvimento do pensamento autônomo, substituindo a simples transmissão do conhecimento pelo engajamento dos estudantes; por um processo que permita ao estudante interrogar o conhecimento elaborado, pensar e pensar criticamente; que enseje a resolução de problemas; estimule a discussão, desenvolva metodologias de busca e de construção de conhecimentos (ensinar com pesquisa); que confronte os conhecimentos elaborados e as pesquisas com a realidade; mobilize visões inter e transdisciplinares sobre os fenômenos e aponte e possibilite a solução de problemas sociais (ensinar com extensão). Uma nova cultura acadêmica que valorize o trabalho dos docentes na graduação.

Partindo dos indicadores e antes mesmo de exemplificar o que considera como alguns dos bons exemplos de ações, o gestor refere que o apoio irrestrito da reitoria possibilitou- lhe consensuar as diretrizes com os diferentes colegiados centrais, o que, no nosso entendimento, parece ter sido fundamental para que as ações se concretizassem. Entre as ações já implantadas destacam- se dezoito programas relativos à "valorização da graduação"; sete programas relativos à "implementação do (novo) programa de formação de professores da instituição (licenciaturas); um programa de "inclusão social e mudanças no vestibular que amplia o acesso de estudantes oriundos do ensino médio público, por meio de ações antes, durante e após o processo seletivo para o ingresso na universidade"; sete programas de "aprendizado eletrônico", além da "política de ampliação de vagas" (E11).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dirigindo- nos para o final deste texto, fruto de uma pesquisa que ainda se encontra em desenvolvimento, cabem algumas considerações de caráter "precariamente finais". Ainda que não devamos desconsiderar a condição de provisoriedade da investigação, e deste estudo em particular, faz- se possível, mediante os dados empíricos, tecer algumas considerações.

Logo de saída é mister que se sublinhe que o sujeito gestor acadêmico, distintamente de outros gestores institucionais, não possui a condição de impor políticas, culturas e mesmo concepções para a comunidade acadêmica – e nem seria desejável que assim fosse – , o que acarreta a necessidade imperiosa do estabelecimento de um fórum permanente composto pela comunidade universitária para a reflexão acerca da universidade que se pensa e se deseja transformar. Vale ressaltar que no caso das universidades privadas, com modelos de gestão empresariais e uma série de demandas, muitas delas decorrentes dessa lógica de gestão, a natureza dos desafios com os quais os gestores se defrontam no desenvolvimento de suas atividades cotidianas pode assumir um caráter ainda mais complexo. Portanto, reiteramos a compreensão de que não se pode atribuir ao gestor a inteira responsabilidade pela qualidade do ensino de graduação de sua respectiva instituição. Trata- se, outrossim, de tarefa colegiada que demanda para mais além da vontade política, o exercício permanente do pensamento sobre a universidade em sua inteireza que se traduza em ações concretas, consistentes e coerentes, passíveis de autoavaliação, também permanente e sistemática, além das avaliações externas pelos pares, pelo estado e pela sociedade.

O quadro da pesquisa, ao mostrar o vazio das ações, revela a carência da clareza do que seja qualidade de ensino de graduação desde a perspectiva da instituição, a submissão da mesma a uma lógica de mercado, o vácuo existente entre "intenção e gesto", o olhar individualizado e pontual e não o institucional e sistemático como seria desejável.

Dois aspectos que merecem destaque, ainda que não tenham sido objeto das análises deste estudo em particular, mas que constituem questões da pesquisa mais ampla, são: a) o que se refere ao entendimento dos pró- reitores acerca da formação de professores para o ensino superior e b) o que se refere a hierarquização entre ensino e pesquisa na Universidade.

Unanimemente os gestores reconhecem a Universidade, no que tange à formação de professores para o ensino superior, como aquilo que Cunha (2007) define como um não- lugar. Como criar uma nova docência para a graduação sem formar os docentes para ensinar a graduação? Esta é uma das questões para a qual, compreendemos, a Universidade deve buscar respostas. Também de forma unânime, ainda que nem sempre intencional e consciente, os pró- reitores indicam que a pesquisa goza de um status mais elevado na relação com o ensino. Nem todos criticam esta situação, pelo contrário, demonstram corroborá- la. Certamente esta situação desigual é outro fator que contribui para condenar o ensino de graduação a uma qualidade menor. Este desafio, se não for abraçado pela comunidade universitária, continuará mantendo a âncora que destina ao ensino de graduação um espaço como o que possui hoje.

Portanto, o que se depreende é que a qualidade de ensino de graduação constitui- se como corolário de um processo coletivo de responsabilidade institucional, cuja direção e coordenação deve ser assumida pela reitoria e suas respectivas instâncias, favorecendo a efetiva participação da comunidade acadêmica. Se assim não for, o discurso continuará ocupando a condição de albergue para a não mudança, mesmo que se estruture com conceitos de ampla aceitação na comunidade que pensa e faz a universidade.

Recebido: 04 abr. 2011

Aprovado: 07 abr. 2011

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  • ROSE, Nikolas. The dead of the social? Re- figuring the territory of government. Economy and Society, London, v. 3, n. 25, p. 327- 356, Aug. 1996.
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    Este texto resulta da investigação denominada Qualidade do ensino de graduação: a relação entre ensino, pesquisa e desenvolvimento profissional docente, financiada pelo CNPq, ora em curso, coordenada pela Prof. Drª. Maria Isabel da Cunha (UNISINOS). Os autores deste texto integram um dos subgrupos da equipe de pesquisa.
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    Por uma questão de preservação de sigilo e, ao mesmo tempo, por não tratarmos de questões de gênero neste texto, usaremos o masculino como neutro.
  • 3
    A entrevista foi encaminhada a todas as instituições vinculadas ao FORGRAD, sendo que colaboraram respondendo seis instituições do Rio Grande do Sul, uma de Santa Catarina, uma do Paraná, uma de São Paulo, duas de Minas Gerais e uma da Bahia. Das instituições participantes, quatro são de natureza privada e oito de natureza pública. Agradecemos aos colegas Pró- Reitores, por colaborarem com a pesquisa, a despeito do acúmulo de funções que exercem como docentes pesquisadores e administradores.
  • 4
    Por conta das especificidades de uma das entrevistas, a mesma será analisada a posteriori e separadamente.
  • 5
    A partir deste ponto, identificaremos os entrevistados pelo código Entrevistado 1= E1, Entrevistado 2 = E2 e assim sucessivamente para preservar suas identidades individuais e institucionais.
  • 6
    Vale ressaltar que este pró- reitor pertence a uma instituição cuja mantenedora é pública de âmbito federal.
  • 7
    Rose (1996, p. 332) afirma que o termo comunidade [...] há muito tem sido destaque no pensamento político; torna- se tema de governo, no entanto, quando se torna técnico. Em torno dos anos 60, a comunidade já era aclamada pelos sociólogos como possível antídoto à solidão e isolamento do indivíduo gerados pela 'sociedade de massa'. Esta idéia de comunidade enquanto autenticidade perdida e pertença comum foi inicialmente disposta no campo social como parte da linguagem de crítica e oposição dirigida à distante burocracia. Os ativistas da comunidade deviam identificar- se, não com um
    welfare system que eles viam como degradante, controlador, de policiamento, mas com aqueles que eram os sujeitos desse sistema ¾os moradores das habitações, projetos e guetos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      04 Abr 2011
    • Aceito
      07 Abr 2011
    Publicação da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade de Sorocaba (UNISO). Rodovia Raposo Tavares, km. 92,5, CEP 18023-000 Sorocaba - São Paulo, Fone: (55 15) 2101-7016 , Fax : (55 15) 2101-7112 - Sorocaba - SP - Brazil
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