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O Banco Mundial e a contrarreforma da educação superior brasileira no governo Lula da Silva (2003-2010)

The World Bank and the counter-reform of Brazilian higher education in the Lula da Silva government (2003-2010)

Resumos

Este artigo tem como objetivo central analisar as relações entre as elaborações expressas nos documentos do Banco Mundial para a educação brasileira e a contrarreforma da educação superior executada pelo governo Lula da Silva, no período de 2003 a 2010. Busca também identificar e analisar a concepção e o projeto de educação e de educação superior do Banco Mundial para o Brasil, além de descrever e analisar as políticas que constituem a contrarreforma da educação superior brasileira no governo Lula da Silva (2003-2010) à luz das formulações do Banco Mundial para a educação no período assinalado. Para tanto, o estudo se vale de revisão bibliográfica sobre as políticas de educação superior no Brasil, de análise de documentos oficiais do Banco Mundial que versam sobre a política de educação superior no Brasil e da investigação da legislação educacional referente à contrarreforma mencionada por meio da análise crítica do discurso e da utilização do método do materialismo histórico-dialético. Viu-se que o Banco Mundial cumpriu papel destacado na definição do conteúdo das políticas que constituíram a contrarreforma da educação superior durante o governo Lula da Silva, com o objetivo de ampliar a abertura econômica ao capital privado do setor da educação superior por meio da expansão das IES privadas e para manter um padrão de financiamento público deste nível de ensino que não onerasse o Estado, impulsionando ainda a tendência ao empresariamento do ensino superior público por meio do estabelecimento dos contratos de gestão e das parcerias público-privadas. A concepção bancomundialista de educação terciária se consolida nas políticas de educação superior no período de 2003 a 2010 através de uma série de medidas político-jurídicas que são analisadas, particularmente no que toca aos eixos financiamento, avaliação e parcerias público-privadas. Conclui-se, ainda, que o processo de contrarreforma da educação superior analisado tem como condicionantes mais gerais a crise estrutural do sistema do capital e a reforma neoliberal do Estado brasileiro no contexto de globalização da economia capitalista.

Palavras-chave:
Educação superior; Banco Mundial; Governo Lula da Silva


This article aims at analyzing the relationship between expressed elaborations of World Bank documents on Brazilian education and the counter-reformation of higher education system performed by Lula da Silva in the period of 2003 and 2010. It also seeks to identify and analyze the conception of higher education project by World Bank for Brazil, besides describing and analyzing the policies that are in the counter-reformation of Brazilian higher education system in Lula da Silva's Government (2013 - 2010) in the light of World Bank formulations for education in such period. To this end, it was analyzed World Bank's of official documents that deal with higher education policies in Brazil. A research on educational legislation of the counter-reformation was also conducted. It is argued that the World Bank has played a prominent role in the definition of the content of policies that composed the counter-reformation in higher education during the Lula da Silva's Government, with the aim of increasing economic opening to private capital of education sector through the expansion of private Height Education Institutes (HEIs) and maintaining of a public funding standard for this level of education that was not so expensive for the Government, driving the trend to private business on public higher education sector through the establishment of management contracts and public-private partnerships. It is also argued that the counter-reformation process of higher education has as more general causes the structural crisis of the capital system and the neoliberal reform of the Brazilian State in the context of globalization of capitalist economy.

Key words:
Higher education; World Bank; Lula da Silva’s Government


Introdução

A influência do Banco Mundial (BM) sobre as políticas educacionais, incluindo as políticas para o ensino superior, no Brasil é significativa há algumas décadas. Sguissardi (2000SGUISSARDI, Valdemar. O Banco Mundial e a educação superior: revisando teses e posições. Universidade e Sociedade, Brasília, n. 22, p. 66-75, nov. 2000.) elenca e analisa processos concretos que confirmam o alinhamento das políticas educacionais brasileiras com a concepção de educação do Banco e seu projeto para a periferia do capitalismo:

A simples leitura dos principais documentos publicados pelo BM seria suficiente para verificar-se a profunda influência de seus diagnósticos e orientações sobre a educação superior junto às políticas públicas da maioria dos países [...] Examinando-se as reformas tópicas em curso no Brasil, que vão da legislação (LDB, Decretos, Portarias Ministeriais, Propostas de Emendas Constitucionais sobre a autonomia, contratos de gestão, projetos de desenvolvimento institucional, etc.) ao financiamento (montantes e percentuais sobre o PIB aplicados em educação superior pelo Fundo Público), passando pela questão da natureza das IES, como já demonstrado por diversos estudos, é inevitável sua associação às diretrizes e recomendações do BM (SGUISSARDI, 2000SGUISSARDI, Valdemar. O Banco Mundial e a educação superior: revisando teses e posições. Universidade e Sociedade, Brasília, n. 22, p. 66-75, nov. 2000., p. 11-12).

Essa aproximação entre os documentos formulados pelo Banco e o conteúdo das políticas educacionais no Brasil só pode ser entendido, entretanto, à luz de processos e fenômenos políticos, econômicos e sociais que se dão em âmbito internacional, cujo pano de fundo é a crise estrutural do capitalismo, sua dinâmica de desenvolvimento e os mecanismos de superação da crise.

A reestruturação dos processos produtivos, as reformas de Estado e a globalização são respostas econômicas, políticas e culturais do sistema capitalista à sua própria crise estrutural. Para conter a queda nas taxas de lucro das empresas e o endividamento crescente dos Estados nacionais, o toyotismo e o neoliberalismo buscaram superar o fordismo como paradigma produtivo dominante e o estado de Bem-Estar como modelo de gestão estatal e regulação social. É importante ressaltar que tais padrões de acumulação (fordismo, toyotismo, etc.) ou de modelos de regulação estatal e social (Neoliberalismo, WelfareState, etc.) não se verificam em uma dada realidade de forma “pura” e absoluta, mas combinadas e determinadas pelas especificidades das formações histórico-sociais em que se inserem.

As consequências dessas mudanças globais sobre a economia, o papel do Estado e o mundo do trabalho atingiram fortemente as áreas sociais, dentre elas a educação superior brasileira. A educação superior no Brasil surgiu como um privilégio social de poucos. Com sua lenta e limitadíssima expansão, na medida em que extrapolava minimamente os limites das fronteiras dos filhos da burguesia e das classes médias, passa a ser uma exigência do capital para qualificação e treinamento da força de trabalho que deveria atender às necessidades do mercado de trabalho ao mesmo tempo em que servia como meio de propagação de valores e da visão de mundo burguesa.

Fernandes (1975FERNANDES, Florestan. Universidade brasileira: reforma ou revolução? São Paulo: Alfa-Omega, 1975.), ao analisar este nível de ensino, formulou a categoria “colonialismo educacional” para designar o conteúdo político e de classe da educação brasileira, caracterizada pela permanência de um padrão dependente de educação superior. Tal padrão se expressa, historicamente, por meio das lutas dos trabalhadores em educação, das classes populares e dos estudantes pela democratização do acesso às universidades públicas, uma vez que as políticas públicas educacionais, via de regra, buscam submetê-las às exigências do grande capital.

Vários estudos (LIMA, 2005LIMA, Kátia Regina de Souza. Reforma da Educação Superior nos anos de contra-revolução neoliberal: de Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva. 2005. 466 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2005.; SGUISSARDI, 2000SGUISSARDI, Valdemar. O Banco Mundial e a educação superior: revisando teses e posições. Universidade e Sociedade, Brasília, n. 22, p. 66-75, nov. 2000.; LEHER, 1998LEHER, Roberto. Da ideologia do desenvolvimento à ideologia da globalização: a educação como estratégia do Banco Mundial para “alívio” da pobreza. 1998. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.; KRUPPA, 2001KRUPPA, Sônia Maria Portela. O Banco Mundial e as Políticas de Educação nos anos 90. In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 24., 2001, Caxambu. Anais... Caxambu: ANPED, 2001. Disponível em: Disponível em: http://24reuniao.anped.org.br/T0511651397173.doc . Acesso em: 10 set. 2011.
http://24reuniao.anped.org.br/T051165139...
) acerca das influências do Banco Mundial sobre a reforma da educação superior brasileira nos anos de 1990 assinalam que é nessa década que se aprofundam as relações entre este organismo internacional e o governo brasileiro. No que toca à educação superior, por exemplo, documentos como “La enseñanza superior. Las lecciones derivadas de la experiência”, publicado em 1994 pelo Banco Mundial, e “Estratégia para o Setor Educacional - Documento Estratégico do Banco Mundial: a Educação na América Latina e Caribe”, de 1999, nortearam com notável destaque as políticas do governo Cardoso, pois a base teórica destes documentos (a teoria do capital humano) e suas diretrizes centrais (diferenciação institucional, diversificação das fontes de financiamento, estreitamento das parcerias público-privadas, mercantilização do conhecimento) foram adotadas pelo MEC com bastante vigor.

Durante a década de 2000, período que compreende os anos finais do governo Cardoso e os dois mandatos de Lula da Silva, Lima (2011LIMA, Kátia Regina de Souza. O banco mundial e a educação superior brasileira na primeira década do novo século. Revista Katálysys, Florianópolis, v. 14, n. 1, p. 86-94, jan./jun. 2011.) afirma que a contrarreforma1 1 O conceito de contrarreforma pode ser entendido como um conjunto de alterações regressivas nos direitos do mundo do trabalho, visto que, em geral, alteram (em uma perspectiva regressiva) os marcos legais já alcançados em determinado momento pela luta de classe em um dado país. da educação superior brasileira manteve seus traços de continuidade em relação anos de 1990 com a concepção de educação e a estratégia do Banco Mundial para o setor através das parcerias público-privadas e dos contratos de gestão2 2 Os contratos de gestão designam espécies de contratos celebrados entre órgãos da administração pública, direta e indireta, e entes privados com o objetivo de instituir na gestão pública o controle por resultados e uma maior racionalização financeira. Trata-se de um instrumento de gestão introduzido no Brasil pela Reforma do Aparelho do Estado de meados da década de 1990 e que tem se disseminado na administração pública em virtude da aplicação do programa neoliberal que visa reduzir os gastos públicos com as áreas sociais e aprofundar a lógica empresarial na gestão dos recursos públicos. , que resultaram num maior empresariamento e privatização deste nível de ensino.

Na primeira década dos anos 2000 as intensas mudanças na educação superior em nosso país ocorrem a partir de um conjunto de leis, decretos e medidas provisórias, dentre outros instrumentos jurídico-administrativos, os quais Lima (2011LIMA, Kátia Regina de Souza. O banco mundial e a educação superior brasileira na primeira década do novo século. Revista Katálysys, Florianópolis, v. 14, n. 1, p. 86-94, jan./jun. 2011.) elenca como sendo os principais os seguintes: 1) o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes), Lei n. 10.861/2004; 2) o Decreto n. 5.205/2004, que regulamenta as parcerias entre as universidades federais e as fundações de direito privado; 3) a Lei de Inovação Tecnológica, Lei n. 10.973/2004; 4) o Projeto de Lei (PL) n. 3.627/2004, que institui o Sistema Especial de Reserva de Vagas; 5) a Lei n. 11.741/2008, que trata da reforma da educação profissional e tecnológica; 6) o Projeto de Parceria Público-Privada (PPP), Lei n. 11.079/2004; 7) o Programa Universidade para Todos (PROUNI), Lei n. 11.096/2005; 8) o Projeto de Lei n. 7.200/2006, que trata da Reforma da Educação Superior e se encontra no Congresso Nacional desde junho de 2006; 9) a política de educação superior a distância, especialmente a partir da criação da Universidade Aberta do Brasil, Decretos n. 5.800/2006 e n. 5.622/2005; 10) o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), Decreto n. 6.096/2007, e o Banco de Professor-Equivalente; 11) o “pacote da autonomia”, lançado em 2010 e composto pela Medida Provisória (MP) n. 495/2010 e pelos Decretos n. 7.232, n. 7.233 e n. 7.234/2010; 12) o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) e 13) a MP n. 520/2010 e a Lei n. 12.550/2011, que criaram a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. (LIMA, 2011LIMA, Kátia Regina de Souza. O banco mundial e a educação superior brasileira na primeira década do novo século. Revista Katálysys, Florianópolis, v. 14, n. 1, p. 86-94, jan./jun. 2011.).

Desvendar as conexões entre essas formulações mais recentes do Banco Mundial para a área educacional e as medidas, acima elencadas, que na última década conformaram a contrarreforma do ensino superior em nosso país, mormente durante o octênio de Lula da Silva, é um importante desafio para (re)pensar o caráter e o rumo das políticas educacionais para este nível de ensino. Este é o objetivo do presente artigo: investigar em que medida as elaborações (diagnósticos e orientações) expressas nos documentos do Banco Mundial para a educação superior brasileira na última década em que esteve à frente do governo brasileiro o presidente Lula da Silva, se relacionam com a contrarreforma da educação superior implementada sob o seu governo (2003-2010) no que toca, sobretudo, aos eixos da referida contrarreforma, isto é, financiamento, avaliação e relações público-privadas.

Para analisar as relações entre elaborações do Banco Mundial e as medidas implementadas que constituíram a contrarreforma da educação superior brasileira, cotejamos o conteúdo da nova legislação que institui os programas e políticas que durante o governo Lula da Silva incidiram sobre o ensino superior brasileiro com os documentos mais recentes do BM.

Os meios para “recolher a matéria” de que nos utilizaremos, isto é, o modo da coleta de dados, foi, além da revisão bibliográfica, centralmente a pesquisa documental dos documentos do Banco Mundial e da legislação que tratam da contrarreforma da educação superior no Brasil durante o governo Lula da Silva. Os documentos que foram objeto de análise desta pesquisa são:

Quadro 1
Quadro de documentos do Banco Mundial selecionados para análise

A crise do sistema do capital e a educação

Não é possível desvendar as conexões existentes entre a contrarreforma da educação superior levada a cabo durante o octênio do governo Lula da Silva (2003-2010) e as elaborações do Banco Mundial sobre a educação brasileira sem antes traçar um quadro teórico e histórico que explique a natureza, a extensão, o funcionamento, a profundidade e o sentido da atual crise do sistema do capital.

O papel social conferido à educação pela sociedade do Capital diz respeito à estratégia de manutenção e reprodução das relações sociais de produção capitalistas através da inculcação de ideias, valores, sentimentos e atitudes por meio da educação, seja nos ambientes educativos formais, seja no conjunto da vida social.

Na crise aberta na década de 1970, Mészáros identificou, porém, que esta não se limitava a uma crise cíclica e conjuntural do processo de acumulação capitalistaGRANEMANN, Sara. Necessidades da acumulação capitalista. Revista Inscrita, Brasília, n. 9, p. 29-32, 2004.. Tratava-se, pois, de uma crise estrutural dos sistemas do capital e não apenas de sua forma histórica vigente, o modo de produção capitalista. O sistema de metabolismo social do capital, para Mészáros (1995MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo , 1995.), se caracteriza pelo complexo que subordina o trabalho ao capital. Todo sistema social é um sistema de metabolismo, isto é, de trocas mútuas e interdependência, entre o Homem e a Natureza e entre os seres humanos entre si, ou seja, um sistema de mediação da produção e do intercâmbio material e cultural entre os seres sociais e a natureza que se dá precipuamente por meio do trabalho.

Chesnais (1996CHESNAIS, François. A Mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.) e Antunes (1999ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.) aprofundam a análise dos elementos constituintes da crise aberta na década 1970 elencando os seguintes fatores: 1) a queda da taxa de lucro, determinada pelo aumento do preço da força de trabalho, conquistado pelas lutas sindicais do movimento operário europeu e estadunidense, o que levou a uma redução dos níveis de produtividade do capital; 2) o esgotamento do padrão de acumulação fordista-taylorista de produção, que se demonstrou incapaz de responder à retração do consumo e à superprodução de mercadorias. Tal retração, além disso, se dava em resposta ao desemprego estrutural que então se iniciava; 3) a hipertrofia da esfera financeira, que ganhava relativa autonomia frente aos capitais produtivos, propiciando uma intensificação sem precedentes da especulação e da internacionalização do mercado financeiro; 4) a maior concentração de capitais por meio de fusões entre as grandes empresas dos diversos ramos industrias e financeiros; 5) a crise do “Estado do bem-estar social” e de seus mecanismos de funcionamento, mormente de sua capacidade fiscal; 6) o incremento acentuado das privatizações e a tendência generalizada às desregulamentações e à flexibilização dos processos produtivos, dos mercados e da força de trabalho.

Toda a política para a educação superior elaborada e implementada pelo governo no segundo mandato de Lula da Silva (2007-2010) e no primeiro de Dilma Roussef (2011-2014) está condicionada pelos efeitos da crise econômica mundial e das respostas do governo a ela. As próprias análises e propostas contidas nos estudos do Banco Mundial e demais organismos internacionais para a educação superior no Brasil levam em alta conta, evidentemente, a situação econômica do país para basear suas posições. Daí a necessidade de se analisar os impactos da crise mundial do capital sobre o Brasil e as respostas do governo à crise, pois se trata de elemento determinante para o entendimento de nosso objeto de estudo.

Em fins de 2007 os primeiros sinais da crise de 2008 já começaram a aparecer. A partir do estouro da bolha especulativa no mercado imobiliário dos Estados Unidos, houve uma rápida expansão da crise para os demais continentes. A queda na taxa de juros determinada em 2002 pelo governo de George W. Bush favoreceu o crescimento do mercado imobiliário, que passou a vender hipotecas a juros baixos, e a própria especulação financeira ao redor dos investimentos no ramo da construção civil. Uma vez esgotado o potencial de venda de habitações para consumidores com condições de pagamento, as financeiras estenderam as ofertas de crédito e financiamento para os consumidores com mais dificuldades financeiras, denominados de subprime. Com o mercado em expansão, houve muita especulação com os preços dos imóveis. Os bancos, então, transformaram essas dívidas em títulos do mercado financeiro que foram negociados em todo o mundo até que a gigantesca bolha financeira formada estourou e os títulos e derivativos das hipotecas começou a derreter.

Diante da configuração atual da economia capitalista, Harvey (2011HARVEY, David. O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo , 2011.) destaca o papel conferido aos organismos internacionais como instituições criadas para dirigir e contribuir com a regulação do capitalismo e perpetuação da economia de mercado:

Para que tudo isso aconteça de forma eficaz, em última análise é preciso criar instituições internacionais com caráter de Estado, como as criadas no âmbito do Acordo de Bretton Woods para facilitar e regulamentar os fluxos internacionais de capital. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, juntamente com o Banco de Compensações Internacionais na Basileia, são centrais aqui, mas outras organizações, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o G-7 (mais tarde G-8), agora expandindo-se para G-20, também desempenham um papel importante, na medida em que os bancos centrais do mundo e os departamentos de tesouro procuram coordenar suas ações para construir uma arquitetura financeira mundial em evolução para uma versão internacional do nexo Estado-finanças. (HARVEY, 2011HARVEY, David. O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo , 2011., p. 50).

A crise atual, pela sua natureza, extensão e profundidade, obviamente que teve e tem repercussões sobre as políticas educacionais no Brasil e em outros países afetados pela crise. Estas repercussões se dão, em um nível, através da elaboração e implementação de novas políticas educacionais, formuladas em articulação entre os organismos internacionais, especialmente o Banco Mundial no que toca à educação, e os governos.

Nesse contexto de profunda crise, os organismos internacionais assumem papel destacado na condução das relações políticas internacionais entre os países cêntricos e a periferia do capitalismo. A atuação dos organismos internacionais está fortemente ligada ao controle financeiro dos países tomadores de empréstimos (que são em geral os países da periferia do capitalismo), pois os países credores exigem o cumprimento de condicionalidades por parte dos países periféricos que necessitam de financiamento. A cada empréstimo, o país tomador se submete às condicionalidades que materializam a ingerência destes organismos nas políticas macroeconômicas e nas políticas sociais dos países que contraem os empréstimos.

Na atual época imperialista3 3 Lênin, um dos principais teóricos sobre o tema, definia o imperialismo como “o estágio monopolista do capitalismo”. O imperialismo podia ser também identificado como uma etapa da internacionalização do capital. Esta fase do desenvolvimento capitalista caracteriza-se pela concentração e fusão de capital (o capital bancário com o capital industrial) a partir do surgimento e expansão das grandes companhias monopolistas e pela presença constante de guerras e revoluções. , as principais potências capitalistas se associaram fundamentalmente por meio de instituições como os organismos internacionais, cujas normas e regras comumente compartilhadas possibilitaram uma maior racionalização e regulação das relações econômicas, políticas, jurídicas e ambientais em nível planetário com o objetivo de sustentar e expandir a dominação do modo de produção capitalista.

A penetração da lógica capitalista nas políticas e programas educacionais não é um fenômeno recente, porém ela dá um salto nas últimas décadas em que se aprofunda a crise estrutural do capital e o processo de globalização. Mészáros (2008MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo , 2008.) aponta as duas razões fundamentais pelas quais o capital se preocupa com a educação:

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu - no seu todo - ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes. (MÉSZÁROS, 2008MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo , 2008., p. 35).

A atuação dos organismos internacionais sobre o setor da educação, nessas últimas décadas, balizou-se sempre no sentido de garantir o atendimento desses dois grandes objetivos, que tem a ver basicamente com a reprodução do sistema do capital.

Roberto Leher (1999LEHER, Roberto. Um novo senhor da educação? A política educacional do Banco Mundial para a periferia do capitalismo. Outubro, São Paulo, n. 3, p. 19-30, 1999.) utiliza a expressão “Ministério Mundial da Educação dos países periféricos” para caracterizar o alcance e a profundidade da influência do Banco Mundial sobre a formulação e implementação das políticas educacionais nos países da periferia do capitalismo, dado o grau de subordinação e/ou consentimento ativo de vários governos latino-americanos, africanos e asiáticos em relação ao BM no que toca à educação.

Ao final e ao cabo dos anos 2000, o Banco Mundial já não seria apenas o maior financiador mundial externo na área de educação, como também um dos centros produtores mais importantes de ideias, estratégias e valores relacionados à educação, mas com uma modulação no seu discurso, agora mais ponderado e articulado com a globalização da economia. Neste discurso, mais “renovado” e mais “modulado”, a educação aparece como algo central para a consolidação da economia global. Do ponto de vista teórico, o Banco promove as ideias de “sociedade do conhecimento” ou “economia do conhecimento”, buscando ampliar a relação do tema da educação com o do desenvolvimento econômico, agora situado globalmente. Leher (1998LEHER, Roberto. Da ideologia do desenvolvimento à ideologia da globalização: a educação como estratégia do Banco Mundial para “alívio” da pobreza. 1998. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.) analisou bem como se operou essa transição da ideologia do desenvolvimento como principal suporte teórico-ideológico até os anos 1980 para a ideologia da globalização a partir dos anos 1990.

O programa político para a educação dos organismos internacionais pode ser resumido na defesa da “eficiência gerencial do setor público”, fruto das políticas de austeridade, na abertura dos “serviços” educacionais ao mercado global e na transferência de recursos públicos para o setor privado com o objetivo de fazer da educação fronteira econômica útil no combate à crise do capital, além de um instrumento político-ideológico poderoso no “alívio da pobreza” e na defesa da ordem capitalista.

E o papel dos organismos financeiros internacionais, como o Banco Mundial, é de destaque no impulso ao processo de criação de um mercado mundial de educação superior e de oligopolização deste mercado por um número pequeno de grandes empresas transnacionais. Para Sguissardi (2014SGUISSARDI, Valdemar. Estudo diagnóstico da política de expansão da (e acesso à) educação superior no Brasil (2002-2012). Edital Nº 051/2014 SESU. Projeto de Organismo Internacional - OEI. Piracicaba (SP), 2014. Mimeo)

Em tempos de mundialização financeirizada do capital, são exatamente os organismos multilaterais financeiros (BM e BID) ou de coordenação mundial do comércio de serviços (AGCS da OMC) os principais articuladores e incentivadores do mercado educacional mundial. E não é por acaso que por detrás da aparência ou da “marca” das companhias ou grupos empresariais desse mercado estejam Bancos e Fundos de Investimentos nacionais e, principalmente, internacionais, assim como a própria International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial, a lhes emprestar recursos financeiros ou mesmo a adquirir suas ações (SGUISSARDI, 2014SGUISSARDI, Valdemar. Estudo diagnóstico da política de expansão da (e acesso à) educação superior no Brasil (2002-2012). Edital Nº 051/2014 SESU. Projeto de Organismo Internacional - OEI. Piracicaba (SP), 2014. Mimeo, p. 109).

A incontrolabilidade do capital e sua natureza auto expansionista se manifestam de maneira drástica na atual crise, pois seus tentáculos buscam abarcar compulsivamente toda a massa de bens, inclusive os bens simbólicos e as áreas sociais que, como a educação, até pouco tempo atrás era atingida pela lógica do capital de modo mais limitado - com as privatizações sob controle de empresas nacionais e influência ideológica mais relativa. Atualmente, vê-se como tendência que a própria atividade educacional passa por um processo de concentração e financeirização de capital do ponto de vista das empresas que a ofertam, tal como já ocorre há muito em outras atividades econômicas, e o controle por parte do capital da atividade educacional se intensifica sobre os currículos, materiais didáticos e mesmo sobre o trabalho docente em suas várias dimensões.

O Banco Mundial e a contrarreforma da educação superior no governo Lula da Silva (2003-2010)

As medidas que conformam a contrarreforma da educação superior nos governos Lula da Silva são parte do processo de Reforma do Estado brasileiro e da contrarreforma educacional executada pelos governos Fernando Henrique Cardoso, tendo o Banco Mundial e outros organismos internacionais como referência nas formulações teóricas. A ampliação da privatização deste nível de ensino ao longo da década de 1990 e da primeira década dos anos 2000 é emblemática. Além do crescimento proporcionalmente maior das vagas privadas em relação às públicas, também se coaduna às diretrizes gerenciais da Reforma do Estado e da contrarreforma da educação superior, as profundas alterações nas instituições públicas no que toca ao financiamento, à avaliação e à gestão, particularmente no que se refere às relações público-privadas.

Não é coincidência o fato de ter havido um “boom” na expansão das Instituições Privadas de Ensino Superior no período da Reforma do Estado e da Reforma do Ensino Superior no Brasil, como bem demonstra a tabela 1, que abarca o período dos governos Cardoso e Lula da Silva:

Tabela 1
Evolução do número de matrículas no ensino superior, por categoria administrativa (público e privada) - Brasil - 1995, 2002, 2003 e 2010

A tabela 1 indica que no período de 1995-2010, ou seja, entre os dois governos Cardoso e Lula da Silva, em relação à evolução no número de matrículas, houve crescimento tanto nas públicas quanto nas privadas, porém as matrículas nas públicas aumentaram em um ritmo e em um percentual bem menor que no setor privado em ambos os governos.

A política de educação superior na década de 1990 distinguiu-se através de quatro características fundamentais: a privatização, a diversificação das fontes de financiamento, a flexibilização e descentralização institucional, todas estas “recomendações” do Banco Mundial em suas elaborações para a educação na América Latina.

Na reformulação das funções do Estado, o Banco Mundial recomendou que o Estado não se abstivesse de promover a educação superior, mas orientou que essa promoção se concentrasse em políticas voltadas para o estabelecimento de um marco regulatório em que o governo assumisse o papel de supervisor do sistema, ao mesmo tempo em que incentivasse mecanismos orientados para o mercado na aplicação das políticas, tais como disponibilizar informações, visando fortalecer a qualidade da educação e mecanismos de certificação da qualidade, além de promover uma maior autonomia administrativa das instituições públicas, de maneira que possam diversificar suas fontes de financiamento e utilizar, de forma mais eficiente, os seus recursos e avaliar o desempenho das instituições públicas e privadas de educação superior. O B.M criou inclusive uma nova expressão - Educação Terciária - para designar sua nova concepção de educação superior:

O governo, ao invés de exercer uma função de controle direto, tem agora a tarefa de proporcionar um ambiente de políticas favorável para as instituições de nível terciário, tanto públicas como privadas, e de empregar o efeito multiplicador dos recursos públicos a fim de estimular estas instituições a que satisfaçam às necessidades nacionais de ensino e pesquisa. (BANCO MUNDIAL, 1995BANCO MUNDIAL. La enseñanza superior: las lecciones derivadas de la experiencia. Washington, DC: BM, 1995. Disponível em: Disponível em: http://www-wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2005/06/14/000090341_20050614161209/Rendered/PDF/133500PAPER0Sp1rior0Box2150A1995001.pdf . Acesso em: 10 abr. 2011.
http://www-wds.worldbank.org/external/de...
, p. 62).

Documentos como “Higher Education in Brazil: Challenge e Options”, de 2002, e “Construir Sociedade de Conocimiento: Nuevos Desafíos para La Educación Terciaria”, de 2003, e “Conhecimento e Inovação para a Competitividade”, de 2008, são os documentos centrais que tratam da noção de “educação terciária” em que o Banco expressa os fundamentos teóricos de seu projeto de educação e das funções que esta deve exercer no processo de afirmação da sociabilidade burguesa e da localização que a educação deve ocupar dentro dos modelos políticos e econômicos defendidos pelos organismos internacionais, corporações e governos alinhados com os interesses imediatos e históricos do Capital.

A teoria do Capital Humano permanece como constructo teórico-ideológico relevante na formulação da noção de “educação terciária”, em que a relação entre educação superior (ou terciária) e crescimento econômico, alívio da pobreza, governabilidade, empreendedorismo, aumento da produtividade e inovação tecnológica estreitam-se mais profundamente na atual “era do conhecimento e da informação”, em que o conhecimento emerge como “força produtiva principal” no contexto de transformação das sociedades “pós-industriais”, conforme os termos utilizados pelo discurso oficial do Banco Mundial.

A expressão “educação terciária” como designação para o nível superior de educação se consolida como conceito nos documentos do Banco Mundial na primeira década do século XXI, ainda que já tenha aparecido em outros documentos na década de 1990. Barreto e Leher (2008BARRETO, Raquel Goulart; LEHER, Roberto. Do discurso e das condicionalidades do Banco Mundial, a educação superior “emerge” terciária. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 39, p. 423-436, set./dez. 2008.) consideram que o documento “Construir sociedades de conocimiento: nuevosdesafíos para la educación terciaria” introduz o deslocamento do conceito de educação superior à educação terciária.

Lima (2003LIMA, Kátia Regina de Souza. Organismos Internacionais e Política de Educação Superior na Periferia do Capitalismo.In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 26., 2003, Poços de Caldas. Anais...;. Poços de Caldas: ANPED, 2003. Disponível em: Disponível em: http://26reuniao.anped.org.br/trabalhos/katiareginadesouzalima.doc . Acesso em: 10 set. 2011.
http://26reuniao.anped.org.br/trabalhos/...
) explica que a adoção da expressão “educação terciária” não representa apenas uma mudança de terminologia, mas carrega implicações conceituais e de concepção de educação mais de fundo, cujo sentido mais geral é intensificar o processo de mercantilização deste nível de ensino:

Uma importante referência desta intensificação da mercantilização da educação superior no início do novo século está expressa no documento do BM intitulado Construir sociedades de conocimiento: nuevos desafíos para La educación terciaria, publicado em 2002. Este documento operou um importante deslocamento da concepção de “educação superior” para “educação terciária”. Esse deslocamento estava inscrito na concepção do BM de que estamos na “sociedade do conhecimento”, na medida em que este se constituiu como fator primário da produção na economia mundial. Neste sentido, o BM reivindicou o aprofundamento da diversificação das instituições de ensino superior e dos cursos e das fontes de financiamento. (LIMA, 2003LIMA, Kátia Regina de Souza. Organismos Internacionais e Política de Educação Superior na Periferia do Capitalismo.In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 26., 2003, Poços de Caldas. Anais...;. Poços de Caldas: ANPED, 2003. Disponível em: Disponível em: http://26reuniao.anped.org.br/trabalhos/katiareginadesouzalima.doc . Acesso em: 10 set. 2011.
http://26reuniao.anped.org.br/trabalhos/...
, p. 89).

A principal orientação do Banco Mundial para as políticas de educação superior em todo o mundo desde a década de 1990 teve como eixo norteador a diferenciação institucional e a diversificação das fontes de financiamento no ensino superior (tema já estudado bastante desde a publicação do documento “Lições derivadas da experiência” de 1994). A noção de educação “terciária” busca comportar num único conceito toda a diversidade de instituições que ofertem educação superior, independente de categoria administrativa e de objetivos e missões estratégicas (seja faculdade, seja centro universitário, ou seja, universidade) distintas, diluindo a diferenças entre a oferta de educação e suas características particulares de modo a impulsionar a expansão do setor privado e dos modelos institucionais não universitários que são menos onerosos e estão mais sintonizados com as exigências de um mercado de trabalho mais flexivel, isto é, com cursos mais aligeirados, exigências legais de autorização de funcionamento e (re) credenciamento menos rígidos e com ênfase no ensino, em detrimento da pesquisa e da extensão.

A análise de Lima (2003LIMA, Kátia Regina de Souza. Organismos Internacionais e Política de Educação Superior na Periferia do Capitalismo.In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 26., 2003, Poços de Caldas. Anais...;. Poços de Caldas: ANPED, 2003. Disponível em: Disponível em: http://26reuniao.anped.org.br/trabalhos/katiareginadesouzalima.doc . Acesso em: 10 set. 2011.
http://26reuniao.anped.org.br/trabalhos/...
) corrobora esta ideia:

Este deslocamento evidenciou que a diversificação, eixo norteador das políticas do BM ao longo da década de 1990, ganhou nova racionalidade, na medida em que qualquer curso “pós-médio” (público ou privado) era considerado de nível “terciário”, seja através da emissão de diplomas, certificados ou atestados de aproveitamento. (p. 89).

Em se tratando da educação “terciária”, as universidades são apenas um tipo de “agência” entre tantos outros modelos de ensino. Como estamos, segundo o BM, no auge da sociedade ou economia do conhecimento, atributos pessoais como a capacidade de iniciativa e a inventividade, são valorizadas na lógica mercantil de uma educação vista como fator de produção e inovação para o crescimento econômico e para o incremento da competitividade e produtividade das corporações e nações.

Para o Banco Mundial e para a Confederação Nacional da Indústria, as travas da educação superior brasileira são basicamente duas: a “governabilidade e financiamento da educação superior” e a “qualidade e importância da educação superior”.

Em relação à primeira trava, o documento afirma:

O ambicioso plano do governo brasileiro para expandir a cobertura do ensino superior, alcançar uma maior eqüidade, melhorar a qualidade e aumentar a sua importância dificilmente poderá ser concretizado adotando-se a abordagem tradicional do financiamento público de novas universidades. (BANCO MUNDIAL; CNI, 2008, p. 218).

O financiamento público das universidades federais é visto como um entrave à inovação e à melhoria da qualidade da educação. A proposta do BM e da CNI é “promover maior autonomia das instituições, criando simultaneamente mecanismos de avaliação adequados”, isto é, as universidades deveriam ter mais liberdade para captar recursos via o setor privado ou via cobrança de taxas e os mecanismos de avaliação deveriam se basear em critérios produtivistas e balizados pela gestão de resultados. Para o Banco Mundial os sistemas de avaliação atualmente existentes, como o SINAES, e o Sistema CAPES de Avaliação da Pós-Graduação, e as leis que permitem às universidades manter parcerias com o setor privado em termos de financiamento e pesquisa, como a existência das Fundações de Amparo à Pesquisa ou a Lei de Inovação Tecnológica, não são o suficiente. Nas palavras do documento:

Maior autonomia e responsabilidade permitirão às universidades públicas melhorarem o seu desempenho e se tornarem mais inovadoras. O governo pode ajudar nesse sentido por meio de planejamento e definição conjunta de metas qualitativas e quantitativas. O Ministério da Educação (MEC) e os setores produtivos precisam desenvolver um rigoroso sistema de avaliação orientado para resultados. Os indicadores devem ser claros e mensuráveis, especificando os resultados institucionais, acadêmicos e financeiros pelos quais todos os protagonistas poderão ser responsabilizados. Para promover um maior grau de eficiência no uso dos recursos públicos, o governo deveria considerar uma combinação de mecanismos complementares com o objetivo de destinar verbas para as instituições de ensino superior, baseando-se na avaliação do desempenho. (BANCO MUNDIAL; CNI, 2008, p. 219, grifo nosso).

Nesta citação, vê-se nitidamente que a lógica empresarial é recomendada sem relativizações à gestão, ao financiamento e à avaliação da educação superior no país. A ideia é que o estado gaste menos com a manutenção do ensino superior e que a competição por recursos e por resultados seja estimulada entre instituições, pesquisadores e estudantes, tudo alimentado e avalizado por sistemas de avaliação rigorosamente produtivistas.

Outra recomendação feita no documento trata de uma política especial para os estudantes de baixa renda. As políticas sociais compensatórias e de transferência de renda, bastante recomendadas pelo Banco Mundial desde os anos de 1990, ganham sua dimensão específica em termos de política educacional:

O governo brasileiro precisa aumentar o financiamento para estudantes de baixa renda, garantindo ao mesmo tempo altos níveis de reembolso. A administração pública deveria avaliar a possibilidade de criar um sistema viável de crédito para estudantes, condicionado pela renda, que seja em princípio mais eficiente e eqüitativo do que o atual esquema de tipo hipotecário. O governo também poderia considerar a obtenção de empréstimos internacionais para financiar um programa de crédito educacional. Nesse caso, os recursos deveriam ser veiculados por meio de uma associação de escolas privadas, como foi feito no México, por exemplo, com um empréstimo do Banco Mundial. Os mecanismos de crédito estudantil devem ser definidos de acordo com critérios e prioridades que se baseiem nos resultados de exames de avaliação externos. (BANCO MUNDIAL; CNI, 2008, p. 219).

Políticas de crédito a estudantes de baixa renda, como o FIES, na visão do Banco, precisam ser aprimoradas, haja vista os baixos níveis de reembolso, além do que, seria preciso criar linhas de crédito privadas, com controle baseado nas avaliações externas. Esta visão privatista e concorrencial do acesso à educação reafirma uma concepção de educação superior como “educação terciária” tal como abordamos e não como direito social.

O segundo “entrave” a ser superado, segundo o documento, diz respeito à “qualidade e à importância da educação superior”. Para o BM e a CNI é necessário: a) enfatizar a qualidade, o que significa que:

As instituições precisam elevar o nível de qualificação de sua equipe acadêmica, melhorar as práticas pedagógicas, integrar a pesquisa ao currículo universitário, melhorar a infra-estrutura e proporcionar ambientes estimulantes de aprendizado. É necessário estabelecer fortes vínculos com os setores produtivos, especialmente quanto aos programas e carreiras profissionais relacionados à ciência e tecnologia. (BANCO MUNDIAL; CNI, 2008, p. 220).

De modo combinado à ênfase na qualidade, seria preciso também b) enfatizar a educação antes da pesquisa. Isto, para o Banco, significa na prática acabar com o modelo atual das universidades públicas brasileiras baseadas no tripé ensino-pesquisa-extensão para conformar instituições em sua maioria exclusivamente de ensino, deixando a pesquisa para poucas instituições especializadas e de excelência e mais ligada ao setor produtivo. Trata-se na verdade da desconstrução do modelo humboldtiano para a defesa do modelo estadunidense:

Mesmo nos países com alto grau de produção científica, quase todas as universidades priorizam a qualidade da educação, não a pesquisa. Relativamente poucas instituições têm vocação ou dispõem de recursos para realizar pesquisas em todos os departamentos (nos Estados Unidos, por exemplo, apenas 3% a 5% das instituições de ensino superior são classificadas como “universidades de pesquisa”). No Brasil, as entidades educacionais, definidas legalmente ou não como universidades, poderiam e deveriam apoiar os centros de pesquisa. As atividades de pesquisa não constituem a sua missão principal; contudo, o aprendizado do método científico - que é certamente a base sobre a qual se pode dizer que uma pessoa é bem-educada - exige que todos os estudantes realizem e apliquem pesquisas em alguma medida. As universidades são diferentes dos laboratórios dedicados especificamente à P&D porque seus objetivos, pelo menos para os iniciantes, são principalmente didáticos. De modo menos direto, esse processo também leva à produção de publicações científicas e especializadas, assim como à capacidade de inovação produtiva no nível nacional. (BANCO MUNDIAL; CNI, 2008, p. 220).

Além dessas proposições, o Banco elencou como pontos para um programa para a educação superior no Brasil ainda: a “maior ênfase à formação de cidadãos cosmopolitas responsáveis no plano nacional”, o que significa fornecer que o país precisa melhorar o treinamento em idiomas estrangeiros para professores universitários e bacharéis e estimular programas de intercâmbio e a mobilidade internacional entre estudantes, professores e pesquisadores com os diversos países do mundo; e “o estímulo a que os estudantes se envolvam mais com ciência e engenharia” tendo em vista o déficit de força de trabalho e pessoal qualificado em áreas de tecnologia e pesquisa aplicada.

Em relação à concepção e à política para a pesquisa (haja vista que grande parte da pesquisa feita no país advém das universidades públicas), o BM e a CNI apontam como caminho “estabelecer fortes vínculos entre as melhores universidades de pesquisa e os setores produtivos” para atingir uma determinada quantidade de instituições de ensino e pesquisa consideradas de “nível mundial”, isto é, com reconhecimento internacional em Pesquisa & Desenvolvimento, o que, na visão do documento, só seria atingido com a entrada das empresas no financiamento e na definição da agenda de pesquisa em colaboração com as instituições de ensino e pesquisa e com uma política de financiamento público seletiva, destinada para as instituições mais produtivas (BANCO MUNDIAL; CNI, 2008BANCO MUNDIAL; CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Conhecimento e inovação para a competitividade. Brasília, 2008.).

É neste sentido que caminha o Projeto de Lei n. 4.643/2012, que cria o Fundo Patrimonial (Endowment Fund), e o Projeto de Lei Complementar n. 77/2015, o qual cria o Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. O PL n. 4.643/2012 autoriza o financiamento das universidades via pessoas físicas e/ou jurídicas e que estas participem dos conselhos gestores das instituições. E o PLC n. 77/2015 inverte a prioridade do investimento público em ciência, tecnologia e inovação, deixando de ser a pesquisa básica para a pesquisa aplicada, beneficiando a agenda de pesquisa que interessa aos setores empresariais, além de possibilitar que as OS gerenciem as parcerias público-privadas na condução da pesquisa.

A configuração “terciária” assumida pela educação superior brasileira nas últimas duas décadas (com o aval e sob orientação de organismos internacionais do capital como o Banco Mundial) consolidou um “duplo caráter” deste nível de ensino em nosso país, segundo Minto (2014MINTO, Lalo Watanabe. A educação da miséria: particularidade capitalista e educação superior no Brasil. São Paulo: Outras Expressões, 2014.):

Com efeito, ocorre uma ampliação do potencial econômico da educação superior, de modo que as IES sejam reestruturadas como “organizações terciárias”, no duplo sentido: de prestadoras do serviço ensino, atuando no mercado como empresas com fins lucrativos e estratégias comerciais agressivas; e, no caso das universidades melhor estruturadas, com programas de pós-graduação, projetos de pesquisa e pessoal qualificado (MINTO, 2014MINTO, Lalo Watanabe. A educação da miséria: particularidade capitalista e educação superior no Brasil. São Paulo: Outras Expressões, 2014., p. 307-308).

O ensino, nesta concepção de educação superior, volta-se quase que exclusivamente para a formação da mercadoria força de trabalho, ou seja, a qualificação de quadros e pessoal como futuros insumos do capital para a produção e a competitividade. Do ponto de vista pedagógico, Minto (2014MINTO, Lalo Watanabe. A educação da miséria: particularidade capitalista e educação superior no Brasil. São Paulo: Outras Expressões, 2014.) pondera que esta concepção de educação:

[...] expressa-se na difusão das pedagogias assentadas no esvaziamento dos conteúdos formativos, substituídos por noções abstratas como “aprender a aprender” e “educação ao longo da vida”, expedientes importantes desse processo adaptativo e uma maneira pela qual a ideologia conservadora busca transferir a responsabilidade (e os encargos financeiros) por essa adaptabilidade ao conjunto dos trabalhadores. No limite, quem adquire “competências” para a “empregabilidade”, expressão-chave no léxico conservador, é o indivíduo-trabalhador. Por isso, a ênfase do processo educativo se desloca do ensino para a aprendizagem, supervalorizando as dimensões psicológicas do processo e minorando as condições objetivas (MINTO, 2014MINTO, Lalo Watanabe. A educação da miséria: particularidade capitalista e educação superior no Brasil. São Paulo: Outras Expressões, 2014., p. 309).

Esse esvaziamento e este empobrecimento pedagógico das funções da universidade estão ligados ao fato de que a instituição universitária (tomada como instituição autônoma, pública e assentada sob o tripé ensino-pesquisa-extensão) tornou-se um empecilho ao projeto de nação das frações burguesas dominantes. Isto não significa que esta “desnecessidade”, tomando de empréstimo a expressão de Minto (2014MINTO, Lalo Watanabe. A educação da miséria: particularidade capitalista e educação superior no Brasil. São Paulo: Outras Expressões, 2014.), seja absoluta a ponto de se inviabilizar a existência deste tipo específico de instituição, mas sim que a universidade tal como a conhecemos, como um reduto de produção ensino-pesquisa-extensão e de formação de pessoal crítico qualificado, passa por um processo de reconfiguração que tem como objetivo adequá-la aos modernos imperativos de adaptabilidade ao mercado, de aproximação do setor empresarial, de mudanças no padrão de financiamento, de gestão, de avaliação e de desconstrução da noção de autonomia. A reestruturação da base material da acumulação de capital e do Estado brasileiro exigiu uma reestruturação do ensino superior conforme a concepção e as orientações dos organismos internacionais do capital. Para o mesmo autor, este processo levou a um adensamento privatista da educação superior brasileira:

Adensamento, pois ele não inaugura a presença dos interesses privados no ensino superior, mas acarreta sua reestruturação, fazendo com que o adensamento seja, por um lado, absoluto (crescimento das IES privadas e de sua presença no campo da educação superior) e, por outro lado, relativo, também no interior das IES e nas suas formas de relação com a sociedade e do Estado (MINTO, 2014MINTO, Lalo Watanabe. A educação da miséria: particularidade capitalista e educação superior no Brasil. São Paulo: Outras Expressões, 2014., p. 317).

Podemos afirmar que a atual configuração (e concepção) da educação superior brasileira, que se apresenta multifacetada, fragmentada, destituída de uma forma de organização sistêmica, amplamente privatizada e permeada por instrumentos eficazes de controle estatais e mercantis, atende a cinco grandes conjuntos de funções: a) formação/titulação de força de trabalho em diferentes níveis (a baixo custo e precária para os pobres; e de elevado padrão de inovação e exigência internacional para os quadros e prepostos do capital); b) função-serviço, na qual ela própria (a educação superior), é atividade lucrativa, comodificada; c) modificação dos padrões históricos de “valorização” do ensino superior à medida que este nível de ensino se expande (a pós-graduação deprime o custo da força de trabalho graduada, que deprime a não-graduada e assim por diante); ou seja, a expansão do ensino superior funciona como mecanismo de controle de custo da força de trabalho no mercado; d) promoção do privatismo como critério da pesquisa científica desenvolvida nas universidades estatais, com suporte de recursos públicos e, eventualmente, do capital privado, que, no entanto, fica com os benefícios dos resultados produzidos; e) de atrelamento direto e indiscriminado das atividades executadas pelo Estado com o capital privado; os campi das universidades e as atividades ali realizadas tornam-se, elas próprias, apropriáveis pelo capital, movimentando importantes nichos de mercado: editorial, informático, construção civil, consultorias, etc. (MINTO, 2014MINTO, Lalo Watanabe. A educação da miséria: particularidade capitalista e educação superior no Brasil. São Paulo: Outras Expressões, 2014.)

A concepção de educação do Banco Mundial expressa nos documentos analisados se materializa na contrarreforma da educação superior em três grandes dimensões, a saber, financiamento, avaliação e relações público-privadas (com fortes repercussões na autonomia universitária).

Considerações finais

As alterações na legislação e na política de educação superior ocorridas no período estudado assumem as características de uma “contrarreforma” da educação superior, haja vista que tais alterações implicam na regressão da garantia do direito à educação pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada, pois o que se verificou foi: o avanço da oferta da educação superior via o setor privado-mercantil em comparação com a oferta de vagas públicas; a consolidação de políticas (como FIES e PROUNI) que legalizam a transferência de recursos públicos para as Instituições Privadas de Ensino Superior; a construção de um sistema de avaliação da educação superior e o aperfeiçoamento da avaliação dos programas de pós-graduação que se baseiam em uma lógica regulatória, meritocrática e somativa; O estabelecimento de uma política de expansão das universidades federais baseada em contratos de gestão com o governo e que tem como princípio a “otimização” dos recursos financeiros e de pessoal das Instituições Federais de Ensino com a definição de metas, definidas de forma heterônoma, que estrangulam a autonomia universitária, pressionam negativamente as condições de trabalho e ensino e intensificam o trabalho docente (REUNI); e o estreitamento nas parcerias público-privadas na educação superior, que se materializa em uma legislação permissiva e incentivadora no campo da Ciência e Tecnologia e da gestão, com entidades empresariais e de direito privado, a exemplo da Lei de Inovação Tecnológica e das Fundações de Direito Privado, para citar as principais medidas que configuram o tripé Financiamento x Avaliação x Relações Público-privadas (com centralidade na autonomia universitária) como os eixos principais da contrarreforma implementada.

Este processo de contrarreforma que foi levada a cabo entre os anos de 2003-2010 pelo governo Lula da Silva, sob forte inspiração das teorias e do projeto educacional do Banco Mundial, apresenta mais traços de continuidade do que de ruptura com o processo de contrarreforma da educação superior iniciada nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) no que tange tanto ao método de formulação das políticas, pensadas e articuladas conjuntamente entre o Banco Mundial, outros organismos internacionais e os quadros do governo brasileiro ligados à área da educação, quanto ao conteúdo em si e o caráter da legislação que concretizam as alterações na política de educação superior.

A contrarreforma da educação superior se insere num processo mais amplo de contrarreforma do Estado brasileiro que se seguiu durante os 8 anos de governo de Lula da Silva e com grande protagonismo do Ministério do Planejamento comandado por Paulo Bernardo da Silva, com alterações na legislação previdenciária, tributária, trabalhista, na gestão pública, cujo exemplo da Lei das Parcerias Público-Privadas talvez seja a principal medida, aprofundando o adensamento privatista dos direitos sociais e dos serviços públicos ofertados pelo Estado e subordinando ainda mais o Brasil à globalização capitalista e aos interesses das principais potência imperialistas em termos econômicos, políticos e culturais.

Organismos internacionais, como o Banco Mundial, cumprem o papel de poderosos intelectuais orgânicos do capital, por meio tanto do compartilhamento da visão de mundo e do programa político compartilhado entre estes organismos e o governo, quanto através da política de empréstimos e financiamentos a projetos e programas governamentais fiados por meio de um conjunto de condicionalidades que garantem os interesses e a aplicação da estratégia das grandes corporações empresariais internacionais e dos Estados das principais potências capitalistas. O cotejamento do conteúdo e dos discursos dos documentos oficiais produzidos pelos organismos internacionais (neste caso específico, pelo Banco Mundial), assim como a legislação das medidas da contrarreforma da educação superior aprovadas pelo governo e as interlocuções mantidas em reuniões e eventos, apontam para a existência de uma convergência entre ambas as partes no que toca à agenda da política educacional e demais segmentos das políticas públicas.

O projeto do Banco Mundial para a educação superior no Brasil, assim como para outros países da periferia do capitalismo, é o de consolidar instituições e uma política inspirada no conceito de “educação terciária” para um tipo ideal de “sociedade de conhecimento”. Este projeto se assenta em estratégias e discursos como: a redução da pobreza (e não a sua eliminação); o aumento da coesão social para evitar que os conflitos e lutas sociais levem à desestabilização político-social das nações que servem aos interesses capitalistas; a focalização da educação pública para os mais pobres via parcerias público-privadas para reduzir os gastos públicos e incentivar a expansão do setor privado-mercantil; a defesa de medidas de cobrança de taxas e serviços nas Instituições Públicas de Ensino, sustentada no discurso de que o Estado gasta muito com o ensino superior (e pouco com a educação básica), de que não são os mais pobres que tem acesso às universidades públicas (os estudantes e famílias poderiam, portanto, pagar) e de que é preciso ampliar as fontes de financiamento para as universidades através da permissão do ingresso de recursos por meio da sociedade civil e por empresas, isto é, a expansão da privatização da educação superior; o estreitamento (e a diluição das fronteiras) entre as universidades públicas e as empresas privadas, sobretudo no que toca à produção de ciência, tecnologia e inovação, no sentido de reduzir os custos do Estado com os Hospitais Universitários e com a pesquisa e impor uma agenda de investigações científicas que atendam aos interesses das corporações empresariais em detrimento das necessidades da sociedade e da definição autônoma da agenda de pesquisa por parte da própria universidade (mercantilização da produção do conhecimento); o enfraquecimento da autonomia universitária e do tripé ensino-pesquisa-extensão, característica da universidade de tipo humboldtiana, e o fortalecimento de uma concepção de universidade e educação superior de tipo neoprofissional, heterônoma, centrada no ensino e em uma formação para a empregabilidade.

É importante assinalar, contudo, que a implantação das políticas que visam desestruturar a universidade pública brasileira e transformar a nossa educação superior em “educação terciária” não se dá sem embates e resistências, sobretudo no interior das próprias universidades públicas, e que esta não consegue se impor totalmente, sem mediações e sem recuos por parte de seus executores, mormente no que toca às universidades federais. As greves de resistência por parte de docentes, técnicos-administrativos, estudantes e toda a sorte de outros mecanismos de luta em defesa da educação pública e gratuita, da autonomia universitária, da gestão democrática, por mais financiamento, por mais concursos públicos e para que as IES públicas cumpram sua função social de se ligar às necessidades e interesses da maioria da sociedade através do ensino, da pesquisa e da extensão tem sido utilizados para impedir que a estratégia do Banco Mundial e do governo federal se concretize, qual seja, a do aniquilamento de um dos maiores patrimônios já construídos pelo povo brasileiro que são as universidades públicas.

Ainda permanece atual a questão posta por Florestan Fernandes acerca da disjuntiva “Reforma ou Revolução?” em relação aos destinos da Universidade Brasileira e ao papel dos intelectuais, da comunidade acadêmica e dos movimentos sociais na luta pela construção de uma universidade pública, gratuita, radicalmente democrática, como direito de todos, na qual o ensino e a produção científica se coloquem a serviço da superação da dependência cultural do país e de nosso capitalismo dependente. Por uma educação superior para além do Capital.

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    O conceito de contrarreformaBEHRING Elaine Rosseti. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003. pode ser entendido como um conjunto de alterações regressivas nos direitos do mundo do trabalho, visto que, em geral, alteram (em uma perspectiva regressiva) os marcos legais já alcançados em determinado momento pela luta de classe em um dado país.
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    Os contratos de gestão designam espécies de contratos celebrados entre órgãos da administração pública, direta e indireta, e entes privados com o objetivo de instituir na gestão pública o controle por resultados e uma maior racionalização financeira. Trata-se de um instrumento de gestão introduzido no Brasil pela Reforma do Aparelho do Estado de meados da década de 1990 e que tem se disseminado na administração pública em virtude da aplicação do programa neoliberal que visa reduzir os gastos públicos com as áreas sociais e aprofundar a lógica empresarial na gestão dos recursos públicos.
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    LêninLENIN, Vladimir. O imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Global, 1979., um dos principais teóricos sobre o tema, definia o imperialismo como “o estágio monopolista do capitalismo”. O imperialismo podia ser também identificado como uma etapa da internacionalização do capital. Esta fase do desenvolvimento capitalista caracteriza-se pela concentração e fusão de capital (o capital bancário com o capital industrial) a partir do surgimento e expansão das grandes companhias monopolistas e pela presença constante de guerras e revoluções.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Mar-May 2019

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2017
  • Aceito
    27 Fev 2019
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