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A educação superior em tempos de transformações políticas e sociais

Higher education in times of political and social transformations

Chegamos ao final de mais um ano, que foi repleto de desafios no âmbito da educação superior, impostos em especial pelas turbulências políticas e sociais, bem como pelas consequências advindas da pandemia do novo coronavírus, que completará três anos muito em breve e que trouxe, como frisam Nóvoa e Alvim (2021NÓVOA, António; ALVIM, Yara Cristina. Covid-19 e o fim da educação: 1870 - 1920 - 1970 - 2020. História da Educação, Porto Alegre, RS, v. 25, 2021. Disponível em: Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/article/view/110616 . Acesso em: 02 jan. 2023.
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, p. 13), as “mais diversas e díspares experiências para assegurar a famosa continuidade educativa”.

Esses desafios e consequências colocaram em xeque a garantia de vários direitos dos cidadãos, dentre eles o da educação de qualidade. Assim, dentro desse cenário que levou pesquisadores, professores, estudantes e gestores a repensarem as práticas educacionais e intensificarem as pesquisas relacionadas a esse bem público, temos a satisfação de apresentar o terceiro número de 2022 da “Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior”, que completou 26 anos de existência em fevereiro passado.

Esse número 3 do volume 27 da “Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior” é composto, ao todo, por 15 artigos e uma entrevista, de autores de diversos estados brasileiros e, também, do exterior, em língua portuguesa e língua inglesa, envolvendo questões latentes e atuais no âmbito da educação superior, envolvendo a graduação e a pós-graduação.

Um primeiro bloco, de três artigos, foca na produção acadêmica em periódicos científicos. O artigo "The Academic Journey: 12 Stages to Scientific Recognition" tem por objetivo contribuir e motivar os pesquisadores no processo de reflexão e sistematização da escrita e divulgação científica em periódicos científicos de alto impacto. Nesse contexto, traz o relato de uma experiência vivida que utiliza as doze etapas da jornada do herói de Joseph Campbell como referência para o processo de redação e submissão de artigos científicos.

Por sua vez, o artigo “Avaliação da produção acadêmica” apresenta diferentes unidades de análise para discussão de aspectos relacionados à avaliação da produção científica, envolvendo motivos, complexidade e razões para realizá-las. Nessa perspectiva, são apresentadas as vantagens e as desvantagens das produções que envolvem as abordagens quantitativas ou cientométricas e as qualitativas baseadas na revisão por pares, apresentando alguns modelos de avaliação que podem ou não combinar as abordagens mencionadas.

Em “A contribuição de pós-doutores bolsistas CAPES no conjunto da produção científica: o caso UFRRJ”, os autores analisam a ação e a atuação de professores permanentes dos programas de pós-graduação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro que realizaram o pós-doutorado com bolsas ofertadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), com o objetivo de verificar suas contribuições ao conjunto de produção científica e tecnológica. Nessa pesquisa, os autores constatam que os docentes seniores aumentam as médias de sua produção anual e influenciam mais fortemente o sistema de pós-graduação, ao contrário dos recém-doutores, que apresentaram queda nas suas produções.

A autoavaliação é objeto dos dois artigos seguintes. É notório que a autoavaliação ganhou centralidade nas políticas da CAPES nos últimos anos no país, principalmente no que tange ao acompanhamento de egressos dos programas de pós-graduação. A centralidade desse tema motivou o desenvolvimento do artigo “A pós-graduação sob a perspectiva dos egressos: um estudo de autoavaliação”, cujo objetivo central foi analisar a percepção dos egressos de uma universidade pública federal localizada na região Sul do Brasil acerca de seus percursos formativos na pós-graduação. O artigo também busca compreender como os egressos avaliam a qualidade dos cursos em que obtiveram sua titulação, a importância e a relevância da formação realizada, os impactos do curso na sua trajetória profissional e as potencialidades e as fragilidades e as sugestões de aprimoramento. Nos resultados obtidos, é possível constatar que a qualificação do corpo docente foi a potencialidade mais citada pelos egressos, enquanto a internacionalização foi considerada a dimensão mais frágil dos programas.

Já no artigo “Proposta de Instrumento de Meta-Avaliação da Autoavaliação Institucional na Educação Superior”, a autora traz o desenvolvimento de um protótipo de instrumento de meta-avaliação para utilização na avaliação do processo e dos resultados da autoavaliação institucional das Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras. O protótipo foi desenvolvimento a partir da análise de relatórios de autoavaliação institucional de Instituições do Estado de Santa Catarina, bem como da aplicação de questionário aos membros das Comissões Próprias de Avaliação dessas IES.

A criação de instrumentos avaliativos também é objeto de estudo do artigo “Uso de modelo de utilidade para avaliação de cursos de graduação”, o qual aborda a criação de um modelo avaliativo fundamentado na utilização de ferramentas de planejamento e gestão, como a análise SWOT e o ciclo PDCA, elaborado a partir do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e de relatórios de avaliações in loco de cursos de graduação. O referido modelo, segundo os autores, visa “subsidiar o planejamento das avaliações futuras, e, ao mesmo tempo, fornecer ao SINAES, subsídios relativos às principais fragilidades dos cursos de graduação”.

Os resultados de uma pesquisa de métodos mistos, com a elaboração do indicador Taxa de Acesso aos Dados Abertos (TADA) para avaliar as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), à luz de sete variáveis necessárias ao cálculo das taxas de permanência, conclusão e desistência, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira” (INEP), são apresentados no artigo “Avaliação da taxa do acesso aos dados abertos das universidades federais a partir dos indicadores de fluxo do ensino superior do INEP”, no qual os autores, buscando contribuir para o monitoramento da meta 12 do atual Plano Nacional de Educação (PNE), propõem recomendações para o aprimoramento do accountability às IFES, abordando as dimensões de prestação de contas, transparência e participação social.

Em tempos de ano eleitoral para escolha dos representantes políticos do povo: presidente da República, governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais ou distrital, o artigo “As demandas das universidades federais brasileiras para o quadriênio 2023-2026” traz um recorte que analisa as “Propostas das universidades federais brasileiras aos candidatos à presidência da República em 2022”, produzidas pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O corpus de pesquisa foi constituído pelo referido documento, pelo Plano de Governo de Jair Bolsonaro de 2018 e por documentos do Portal da Transparência. Com o estudo, os autores concluem que “as propostas apresentadas pela Andifes buscam um revir para antes da onda disruptiva produzida na educação brasileira pelo Governo Bolsonaro”.

O artigo “Evasão no ensino superior: em pauta os cursos de licenciatura em educação física da UFPEL” buscou diagnosticar a situação da evasão no curso de licenciatura em Educação Física da Universidade Federal de Pelotas, bem como identificar os principais fatores apontados pelos evadidos, levando-se em consideração os estudantes ingressantes entre os anos de 2010 e 2013, período em que esteve em vigência o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). No estudo, os autores constatam que a taxa média de evasão do curso de Educação Física é similar à média dos demais cursos de licenciatura da Instituição, mas é superior à media nacional, sendo “a principal causa para a evasão a dificuldade em conciliar trabalho e estudo”.

Estudos sobre a saúde mental de estudantes universitários ganharam maior evidência nos últimos anos e são objeto de três artigos desse volume da Revista. O primeiro, “Perfil das equipes de assistência estudantil nas universidades federais do Brasil no atendimento à saúde mental dos estudantes”, objetiva conhecer o perfil das equipes, os serviços oferecidos aos estudantes, as condições de trabalho e as necessidades de capacitação das universidades federais brasileiras em relação ao atendimento da saúde mental. Os autores realizaram uma pesquisa com 215 profissionais atuantes em 65 universidades federais e os resultados demonstram que os cursos de capacitação ofertados atualmente tratam de temas transversais ao trabalho, bem como apontam para a complexidade do trabalho das equipes de assistência estudantil e suas diferenças regionais e institucionais, assim como a necessidade de implantação de políticas de qualificação profissional para a qualidade dos serviços oferecidos aos estudantes universitários.

Em seguida, o artigo “Integração ao Ensino Superior e Saúde Mental: um estudo em uma universidade pública federal brasileira” traz um estudo realizado sob a temática apontada no título com 7.177 estudantes de uma IFES. Os resultados indicaram haver correlações entre fatores de integração social e acadêmica com sintomas de Transtornos Mentais Comuns, sendo que o fatores “motivação para estudar” e “satisfação com desempenho” apresentaram maior poder preditivo, reforçando a necessidade de as instituições de ensino superior atuarem mais fortemente na promoção de saúde mental dos seus estudantes.

Por sua vez, em “Saúde mental e recursos de enfrentamento em estudantes universitários brasileiros em tempos de pandemia”, os autores buscam analisar a prevalência de sintomas depressivos e recursos de enfrentamento em estudantes universitários durante o distanciamento social, decorrente da pandemia de Covid-19, concluindo que cada vez mais torna-se necessário o desenvolvimento de ações e intervenções dos campi universitários visando à elaboração de estratégias para os acadêmicos lidarem com o estresse e a depressão decorrentes da pandemia.

Outro tema recorrente nas ações e pesquisas realizadas nas e pelas Instituições de Ensino Superior brasileiras é a inter-relação existente entre sustentabilidade e inovação. Nessa perspectiva, o artigo “Disseminando e aplicando conhecimento sobre sustentabilidade e inovação social: o caso do Laboratório de Educação para Sustentabilidade e Inovação Social - LedS” traz os resultados de uma prática desenvolvida por meio de um laboratório que busca incentivar estudantes e professores a produzirem pesquisas e práticas que abordam os principais problemas públicos da cidade em que a Instituição está instalada, dialogando com o público-alvo envolvido, bem como atuando em suas particularidades ou demandas específicas, integrando ensino, pesquisa e extensão.

As ações afirmativas são tema central do artigo “The determinants of the performance in the entrance exam of the Federal University of Minas Gerais”, o qual busca analisar se políticas educacionais, como a política de cotas, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e o uso do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como ferramenta de ingresso impactaram no desempenho das minorias no processo de seleção da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Dentre as demandas surgidas em razão de uma maior democratização do acesso à educação superior brasileira, importante se faz a discussão sobre a temática do protagonismo estudantil na universidade, e isso é abordado em “Um documento para chamar de nosso: refletindo o protagonismo estudantil a partir da experiência de uma universidade comunitária”. A partir da experiência de construção de um documento denominado Política dos Estudantes em uma universidade comunitária localizada no sul do Brasil, o artigo reflete sobre o protagonismo estudantil na educação superior, em especial no modelo institucional comunitário, levando-se em consideração as práticas discursivas e a narrativa dos estudantes que participaram da construção do documento.

Para finalizar esse número, trazemos uma singela homenagem ao criador dessa Revista, o Prof. Dr. José Dias Sobrinho, que partiu recentemente e deixa um legado para a educação brasileira, principalmente no que tange às políticas públicas relacionadas à educação superior. Em “Avaliação Institucional, PAIUB, SINAES... entrevista com o professor José Dias Sobrinho”, transcrevemos a entrevista realizada por Gladys Beatriz Barreyro, em 04 de novembro de 2008, no âmbito da pesquisa “Avaliação da Educação Superior no Brasil: concepções e atores”, desenvolvida entre 2007 e 2009, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que visava investigar as diversas concepções de avaliação e como permeavam as experiências de avaliação desse nível de educação.

Boa leitura.

Referência

  • NÓVOA, António; ALVIM, Yara Cristina. Covid-19 e o fim da educação: 1870 - 1920 - 1970 - 2020. História da Educação, Porto Alegre, RS, v. 25, 2021. Disponível em: Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/article/view/110616 Acesso em: 02 jan. 2023.
    » https://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/article/view/110616

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022
Publicação da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade de Sorocaba (UNISO). Rodovia Raposo Tavares, km. 92,5, CEP 18023-000 Sorocaba - São Paulo, Fone: (55 15) 2101-7016 , Fax : (55 15) 2101-7112 - Sorocaba - SP - Brazil
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