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Óbitos fetais sob o prisma da evitabilidade: análise preliminar de um estudo para o município de Belo Horizonte

Stillbirths from the perspective of preventable deaths: a preliminary analysis for the city of Belo Horizonte

Resumos

Objetivos: Analisar, com base na Lista Brasileira de Causas Evitáveis (LBE), a mortalidade fetal em 2008–2010 em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Métodos: Foram utilizados os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), que traz variáveis da mãe e do feto obtidas das declarações de óbito (DO). Foram utilizadas as variáveis peso do feto e causas básicas do óbito fetal. A base de dados possuía 1.685 óbitos fetais ocorridos em Belo Horizonte de 2008 a 2010. Foram excluídos 316 óbitos que não estavam de acordo com a definição de óbito fetal e, dessa forma, iniciou-se a análise com 1.369 óbitos fetais. Os óbitos fetais foram classificados segundo a LBE excluídos aqueles cujo peso era inferior a 1.500 g. O software estatístico utilizado foi o SPPS versão 12. Resultados: Dos 1.369 óbitos fetais, excluídos aqueles com peso inferior a 1.500 g (n=823), restaram 546 potencialmente evitáveis, dentre os quais houve 339 óbitos fetais que seriam evitáveis (62,1% em 546). Conclusão: A elevada proporção de mortes evitáveis mostra a necessidade de melhoria da assistência pré-natal e ao parto. Houve elevada proporção de mortalidade fetal por causa evitável em fetos de peso de pelo menos 2.500 g que estariam aptos ao nascimento dadas as possibilidades de prevenção existentes.

morte fetal; causas de morte; Classificação Internacional de Doenças


Objectives: To analyze, based on the Brazilian List of Preventable Causes (in Portuguese, LBE), the fetal mortality from 2008 to 2010 in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil. Methods: We used data from the Mortality Information System (SIM). Fetus weight and fetal death causes variables were used. The database had 1,685 fetal deaths in Belo Horizonte from 2008 to 2010; 316 deaths that were not in agreement with the fetal death definition were excluded. After the exclusion, fetal deaths whose weight was less than 1,500 g were classified according to LBE. SPPS version 12 was used for statistical analysis. Results: Among 1,369 stillbirths, 823 deaths were excluded (less than 1,500 g), and 546 potentially avoidable deaths remained for analysis. Among those, 62.1% were avoidable. Conclusion: A high proportion of preventable deaths indicates that there is a need for improved prenatal care and childbirth.

fetal death; cause of death; International Classification of Diseases


INTRODUÇÃO

Há dificuldades em se estudar a mortalidade fetal no Brasil. Há problemas e inadequações no conceito de aborto e óbito fetal, subestimando o evento1. De Lorenzi DRS, Tanaka ACA, Bozzetti MC, Ribas FE, Weissheimeret L. A natimortalidade como indicador de saúde perinatal. Cad Saúde Pública. 2001;17(1):141-6.,2. Pinheiro AMCM. Avaliação dos sistemas de informação de nascidos vivos e de mortalidade para a obtenção da mortalidade neonatal em Ilhéus, Bahia [tese]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2004., além da ocorrência da notificação de nascidos vivos que resultaram em óbitos logo após o nascimento como fetais, sobrestimando a componente fetal2. Pinheiro AMCM. Avaliação dos sistemas de informação de nascidos vivos e de mortalidade para a obtenção da mortalidade neonatal em Ilhéus, Bahia [tese]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2004.,3. Anthony S, van der Pal-de Bruin KM, Graafmans WC, Dorrepaal CA, Borkent-Polet M, van Hemel OJ, et al. The reliability of prenatal and neonatal mortality rates: differential under-reporting in linked professional registers vs. Dutch civil registers. Paediatr Perinat Epidemiol. 2001;15(3):306-14..

Em 2007, sob a coordenação da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, foi publicada a primeira versão da Lista Brasileira de Causas Evitáveis (LBE). Malta e Duarte4. Malta DC, Duarte EC. Causas de mortes evitáveis por ações efetivas dos serviços de saúde: uma revisão da literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(3):765-76. adaptaram o conceito para as mortes perinatais evitáveis ou reduzíveis nacionalmente, definindo-as como aquelas total ou parcialmente preveníveis por ações dos serviços de saúde disponíveis. Para menores de cinco anos, Malta et al.5. Malta DC, Duarte EC, Almeirda MF, Dias MAS, Morais Neto OL, et al. Lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2007;16(4): 233-44. partiram de listas existentes e as adequaram à realidade brasileira. Após adoção dessa lista, em 2008, para identificação de problemas potencialmente preveníveis dos óbitos infantis no país, em 2010 foi proposta a atualização dessa lista para os menores de cinco anos, enfatizando o período neonatal6. Malta DC, Duarte EC, Escalante JJC, Almeida MF, Sardinha LMV, Macário EM, et al. Mortes evitáveis em menores de um ano, Brasil, 1997 a 2006: contribuições para a avaliação de desempenho do Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública. 2010;26(3):481-91.. As mortes de menores de cinco anos foram organizadas, então, nas categorias: causas evitáveis (reduzíveis por ações de imunoprevenção, adequada atenção à mulher na gestação e parto e ao recém-nascido, ações adequadas de diagnóstico e tratamento e ações adequadas de promoção à saúde, vinculadas a ações adequadas de atenção à saúde); causas mal-definidas; demais causas (não claramente evitáveis).

Malta et al.7. Malta DC, Sardinha LMV, Moura L, Lansky S, Leal MC, Szwarcwald CL, et al. Atualização da lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(2):173-6. sugeriram que as análises fossem processadas por peso ao nascer, utilizando as categorias 1.500 a 2.499 g; ≥2.500 g6. Malta DC, Duarte EC, Escalante JJC, Almeida MF, Sardinha LMV, Macário EM, et al. Mortes evitáveis em menores de um ano, Brasil, 1997 a 2006: contribuições para a avaliação de desempenho do Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública. 2010;26(3):481-91.,7. Malta DC, Sardinha LMV, Moura L, Lansky S, Leal MC, Szwarcwald CL, et al. Atualização da lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(2):173-6.. Alguns estudiosos brasileiros utilizaram a LBE e publicaram trabalhos enfocando a evitabilidade dos óbitos infantis7. Malta DC, Sardinha LMV, Moura L, Lansky S, Leal MC, Szwarcwald CL, et al. Atualização da lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(2):173-6.9. Gastaud ALGS, Honer MR, Cunha RV. Mortalidade infantil e evitabilidade em Mato Grosso do Sul, Brasil, 2000 a 2002. Cad Saúde Pública. 2008;24(7):1631-40.. Este trabalho analisa, à luz da LBE, a mortalidade fetal em 2008–2010 em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, e é o ponto de partida para um estudo maior da evitabilidade dos óbitos fetais no município.

METODOLOGIA

Foram utilizados os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), que traz variáveis da mãe e do feto obtidas das declarações de óbito (DO). As definições de óbitos fetais foram as descritas na 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10).

Foram utilizadas as variáveis peso do feto e causas básicas do óbito fetal. A base de dados possuía 1.685 óbitos fetais ocorridos em Belo Horizonte de 2008 a 2010. Foram excluídos 316 óbitos que não estavam de acordo com a definição de óbito fetal (duração da gestação menor que 22 semanas e peso ao nascer menor do que 500 g). Dessa forma, iniciou-se a análise com 1.369 óbitos fetais. O software estatístico utilizado foi o SPPS versão 12.

Os óbitos fetais foram, então, classificados segundo a LBE excluídos aqueles cujo peso era inferior a 1.500 g, conforme Malta et al.6. Malta DC, Sardinha LMV, Moura L, Lansky S, Leal MC, Szwarcwald CL, et al. Atualização da lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(2):173-6.,7. Malta DC, Sardinha LMV, Moura L, Lansky S, Leal MC, Szwarcwald CL, et al. Atualização da lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(2):173-6.. Ademais, foram classificados utilizando a LBE segundo faixa de peso fetal (1.500 a 2.499 g; ≥2.500 g).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Belo Horizonte sob o número CAE 16812513.7.0000.5140.

RESULTADOS

Dos 1.369 óbitos fetais, excluídos aqueles com peso inferior a 1.500 g (n=823), restaram 546 potencialmente evitáveis. A Tabela 1 indica os percentuais de causas, em relação ao total de potencialmente evitáveis (n=546). Verificou-se 339 óbitos fetais que seriam evitáveis, dentro daqueles 546 potencialmente evitáveis, ou seja, 62,1%.

DISCUSSÃO

A elevada proporção de mortes evitáveis mostra a necessidade de melhoria da assistência pré-natal e ao parto. Houve elevada proporção (65,0%) de mortalidade fetal por causa evitável em fetos de peso de pelo menos 2.500 g que, teoricamente, estariam aptos ao nascimento, o que é inaceitável, tendo em vista as possibilidades de prevenção.

A utilização da LBE deu visibilidade para a hipóxia entre os óbitos fetais com pelo menos 2.500 g, corroborando outros estudos9. Gastaud ALGS, Honer MR, Cunha RV. Mortalidade infantil e evitabilidade em Mato Grosso do Sul, Brasil, 2000 a 2002. Cad Saúde Pública. 2008;24(7):1631-40.,1010 . Fonseca SC, Coutinho ESF. Características biológicas e evitabilidade de óbitos perinatais em uma localidade na cidade do Rio de Janeiro, 1999 a 2003. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2008;8(2):171-8.. A hipóxia responde por um terço dos óbitos fetais em países em desenvolvimento1111 . Lawn JE, Yakoob MY, Haws RA, Soomro T, Darmstadt GL, Bhutta ZA. 3.2 million stillbirths: epidemiology and overview of the evidence review. BMC Pregnancy Childbirth. 2009;9(Suppl 1):S2., com grande evitabilidade no trabalho de parto1212 . Lansky S, França E, César CC, Monteiro Neto LC, Leal MC. Mortes perinatais e avaliação da assistência ao parto em maternidades do Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1999. Cad Saúde Pública. 2006;22(1):117-30.. Assim, a assistência obstétrica merece destaque.

A morte fetal de causa não especificada deve ser avaliada para identificar sua etiologia e facilitar a adoção de medidas preventivas. Há dificuldades nessa avaliação, pois essas causas apresentam etiologia múltipla, interação com outras causas ou fatores de risco, como má nutrição fetal, alterações cromossômicas e infecções. Usualmente são necessários procedimentos de autópsia e testes genéticos para revelar a causa, cujo custo é alto1313 . Silver RM, Varner MW, Reddy U, Goldenberg R, Pinar H, Conway D, et al. Work-up of stillbirth: a review of the evidence. Am J Obstetr Gynecol. 2007;196(5):433-44.,1414 . Smith GC, Fretts RC. Stillbirth. Lancet. 2007;370(9600):1715-25..

Este estudo utilizou dados secundários provenientes do SIM, que permite efetuar análises em tempo curto e a baixo custo. Porém, apresenta limitações, principalmente no que se refere à qualidade das informações. Contudo, longe da qualidade se constituir num desestímulo ao seu uso, a utilização dessas informações repercutem no aprimoramento dos dados deste sistema. De fato, a utilização da LBE aplicada às informações disponíveis apontou problemas reais que os serviços de saúde devem enfrentar para a prevenção do óbito fetal.

Tabela 1
Distribuição dos agrupamentos de causas básicas de morte fetais evitáveis (Lista Brasileira de Causas Evitáveis), segundo faixa de peso. Belo Horizonte, Minas Gerais, 2008–2010

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

REFERÊNCIAS

  • 1
    De Lorenzi DRS, Tanaka ACA, Bozzetti MC, Ribas FE, Weissheimeret L. A natimortalidade como indicador de saúde perinatal. Cad Saúde Pública. 2001;17(1):141-6.
  • 2
    Pinheiro AMCM. Avaliação dos sistemas de informação de nascidos vivos e de mortalidade para a obtenção da mortalidade neonatal em Ilhéus, Bahia [tese]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2004.
  • 3
    Anthony S, van der Pal-de Bruin KM, Graafmans WC, Dorrepaal CA, Borkent-Polet M, van Hemel OJ, et al. The reliability of prenatal and neonatal mortality rates: differential under-reporting in linked professional registers vs. Dutch civil registers. Paediatr Perinat Epidemiol. 2001;15(3):306-14.
  • 4
    Malta DC, Duarte EC. Causas de mortes evitáveis por ações efetivas dos serviços de saúde: uma revisão da literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(3):765-76.
  • 5
    Malta DC, Duarte EC, Almeirda MF, Dias MAS, Morais Neto OL, et al. Lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2007;16(4): 233-44.
  • 6
    Malta DC, Duarte EC, Escalante JJC, Almeida MF, Sardinha LMV, Macário EM, et al. Mortes evitáveis em menores de um ano, Brasil, 1997 a 2006: contribuições para a avaliação de desempenho do Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública. 2010;26(3):481-91.
  • 7
    Malta DC, Sardinha LMV, Moura L, Lansky S, Leal MC, Szwarcwald CL, et al. Atualização da lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(2):173-6.
  • 8
    Bell R, Glinianaia SV, Rankin J, Wright C, Pearce MS, Parker L. Changing patterns of perinatal death, 1982–2000: a retrospective cohort study. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 2004;89(6):F531-6.
  • 9
    Gastaud ALGS, Honer MR, Cunha RV. Mortalidade infantil e evitabilidade em Mato Grosso do Sul, Brasil, 2000 a 2002. Cad Saúde Pública. 2008;24(7):1631-40.
  • 10
    Fonseca SC, Coutinho ESF. Características biológicas e evitabilidade de óbitos perinatais em uma localidade na cidade do Rio de Janeiro, 1999 a 2003. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2008;8(2):171-8.
  • 11
    Lawn JE, Yakoob MY, Haws RA, Soomro T, Darmstadt GL, Bhutta ZA. 3.2 million stillbirths: epidemiology and overview of the evidence review. BMC Pregnancy Childbirth. 2009;9(Suppl 1):S2.
  • 12
    Lansky S, França E, César CC, Monteiro Neto LC, Leal MC. Mortes perinatais e avaliação da assistência ao parto em maternidades do Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1999. Cad Saúde Pública. 2006;22(1):117-30.
  • 13
    Silver RM, Varner MW, Reddy U, Goldenberg R, Pinar H, Conway D, et al. Work-up of stillbirth: a review of the evidence. Am J Obstetr Gynecol. 2007;196(5):433-44.
  • 14
    Smith GC, Fretts RC. Stillbirth. Lancet. 2007;370(9600):1715-25.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2014
  • Aceito
    27 Ago 2014
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