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Mortalidade por doenças cardiovasculares segundo gênero e idade no Estado do Paraná, Brasil: 1979 a 1981 e 2006 a 2008

Cardiovascular mortality by gender and age in the State of Paraná, Brazil: 1979 to 1981 and 2006 to 2008

Resumos

OBJETIVOS:

Neste estudo epidemiológico do tipo ecológico, comparou-se a mortalidade pelas doenças cardiovasculares no estado do Paraná entre os triênios 1979-1981 e 2006-2008.

MÉTODOS:

Os dados das mortes por doenças cardiovasculares ocorridas no estado do Paraná no período de 1979 a 2008 foram obtidos do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. A magnitude da mortalidade e a mudança entre os triênios foram descritos por meio dos coeficientes de mortalidade e pela variação percentual relativa. Utilizou-se o modelo de regressão de Poisson para estimar a mudança de mortalidade entre os períodos.

RESULTADOS:

Durante o período de investigação, verificou-se, independentemente da idade e do gênero, redução na ocorrência de mortes por doenças cardiovasculares. Em ambos os gêneros, os coeficientes de mortalidade aumentaram com o aumento da idade. Entre os homens, a mortalidade por doença isquêmica cardíaca foi maior que por doenças cerebrovasculares.

CONCLUSÃO:

A diminuição da mortalidade pelo conjunto das doenças cardiovasculares pode significar mais acesso a serviços e métodos diagnósticos e terapêuticos.

epidemiologia; mortalidade; doenças cardiovasculares


OBJECTIVES:

In this epidemiological ecological study, it was compared the mortality from cardiovascular disease in the state of Paraná, between the three-year periods 1979-1981 and 2006-2008.

METHODS:

Data of cardiovascular deaths occurred in the state of Paraná in the period 1979-2008 were obtained from the Mortality Information System of the Ministry of Health. The magnitude of mortality and the change between the triennium were described using the mortality rates and the relative percentage variation. The Poisson regression model to estimate the change in mortality between the periods was used.

RESULTS:

During the investigation, it was found, regardless of age and gender, reduction in the occurrence of cardiovascular deaths. In both genders, the mortality rates increased with increasing age. Among men, mortality from ischemic heart disease was higher than for cerebrovascular diseases.

CONCLUSION:

The decrease in mortality for the group of cardiovascular diseases may mean greater access to services and diagnostic and therapeutic methods.

epidemiology; mortality; cardiovascular disease


INTRODUÇÃO

Atualmente, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) constituem a principal causa de mortes prematuras no mundo e no Brasil, ocasionando também diminuição ou perda de qualidade de vida em razão das limitações em atividades de lazer e de trabalho, além de gerar elevado impacto econômico para as famílias, comunidades e a sociedade em geral1Schmidt MI, Duncan BB, Silva GA, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Health in Brazil 4. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet. 2011; 377(9781):1949-61..

Hoje, no Brasil, as DCNT constituem o problema de saúde de maior magnitude e são responsáveis por cerca de 70% das causas de mortes, destacando-se entre elas as doenças do aparelho circulatório, responsável por 30% das mortes1Schmidt MI, Duncan BB, Silva GA, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Health in Brazil 4. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet. 2011; 377(9781):1949-61..

Embora as doenças cardiovasculares (DCV) constituam a primeira causa de morte no Brasil, vários estudos que analisaram a tendência de mortalidade por esse grupo de causa apontam para sua redução desde a década de 1970. Apesar dessa redução, a magnitude da mortalidade continua sendo maior que aquela observada em países industrializados2Gaui EN, Oliveira GM, Klein CH. Mortalidade por insuficiência cardíaca e doença isquêmica do coração no Brasil de 1996 a 2011. Arq Bras Cardiol. 2014;102(6):557-65. , 3Helis E, Augustincic L, Steiner S, Chen L, Turton P, Fodor JG. Time trends in cardiovascular and all-cause mortality in the "old" and "new" European Union countries. Eur J Cardiovasc Prev Rehabil. 2011;18(3):347-5.

Na literatura encontram-se indicações sobre a existência de variações geográficas na mortalidade por DCV no Brasil. Estudo que analisou a tendência de morte por DCV em 13 estados brasileiros entre 1980 e 1998 mostrou redução da mortalidade no Sul e Sudeste e aumento em estados do Nordeste e Centro-Oeste4Mansur AP, Souza MFM, Timerman A, Avakian SD, Aldrighi JM, Ramires JAF. Tendência do risco de morte por doenças circulatórias, cerebrovasculares e isquêmicas do coração em treze estados do Brasil, de 1980 a 1998. Arq Bras Cardiol. 2006;87:641-8.. As variações geográficas na mortalidade por DCV podem estar relacionadas a fatores ambientais, como o processo de urbanização, condições socioeconômicas da população e mudanças no estilo de vida5Gatrell A, Lancaster G, Chapple A, Horsley, Smith M. Variations in use of tertiary cardiac services in parto f North-West England. Health Place. 2002;8(3):147-53. , 6Philibin EF, MacCullough PA, DiSalvo TG, Dec GW, Jenkins PL, Weaver WD. Socioeconomic status is na important determinant of the use of invasive procedures after acute myocardial infarction in New York State. Circulation. 2000;103(Suppl III):107-15.. Além disso, a redução de fatores de risco associados às DCV, como o consumo de tabaco, sedentarismo, uso de álcool, aliada à alimentação saudável e ao controle de hipertensão arterial, pode levar à redução da mortalidade por esse grupo de causas7Malta DC, Cezário AC, Moura L, Morais Neto OL, Silva Jr JB. Construção da vigilância e prevenção das doenças crônicas não transmissíveis no contexto do sistema único de saúde. Epidemiol Serv Saude. 2006;15:47-64..

Embora estudos de tendência apontem para uma diminuição das DCV, principalmente em regiões desenvolvidas8Godoy MF, Lucena JM, Miquelin AR, Paiva FF, Oliveira DLQ, Augustin Jr JL, et al. Mortalidade por doenças cardiovasculares e níveis socioeconômicos na população de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, Brasil. Arq Bras Cardiol. 2007;88:200-6., pode haver variações na magnitude da mortalidade por esse grupo de causas por períodos, regiões, gênero e idade. Nesse contexto, o objetivo desse estudo foi comparar a mortalidade pelas doenças cardiovasculares e seus subgrupos principais - doenças cerebrovasculares (DCBV) e doenças isquêmicas do coração (DIC) -, no estado do Paraná, por gênero e idade, em dois períodos: 1979 a 1981 e 2006 a 2008.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo epidemiológico do tipo ecológico para comparação das taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares na população de 30 a 79 anos, residentes no estado do Paraná, no período de 1979 a 2008.

Os dados de mortalidade foram obtidos a partir do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. As DCV no período de 1979 a 1981 estavam codificadas de acordo coma com a 9ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças da OMS (CID-9), sob os códigos 410 a 4599Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à saúde. 9ª rev. São Paulo: EDUSP/OMS-OPAS; 1975.. A partir de 1996, as DCV passaram a corresponder ao capítulo IX do CID-10 - doenças do aparelho circulatório, códigos I00-I991010 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à saúde. 10ª rev. São Paulo: EDUSP/OMS-OPAS; 1993.. Os óbitos foram agregados em 10 triênios pela disponibilidade de informação do SIM (período 1979 a 2008). Neste artigo, para comparação da variação percentual da mortalidade, optou-se por apresentar os dados do triênio inicial e final do estudo, ou seja, 1979 a 1981 e 2006 a 2008.

Foram calculados os coeficientes de mortalidade por 100.000 homens e 100.000 mulheres para as DCV e seus principais subgrupos, doenças cerebrovasculares e doenças isquêmicas do coração, em cada período. No numerador, foi utilizada a média trienal dos óbitos, e no denominador, a população do meio de cada triênio. A análise incluiu dados de óbitos de três anos consecutivos, a fim de diminuir as flutuações no número de registros de óbito de cada ano. As estimativas populacionais foram obtidas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1111 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censos Demográficos. 2000 [Internet] [cited 2011 May 20]. Available from: www.ibge.gov.br
www.ibge.gov.br...
, com base no censo de 2000.

Sabe-se que a porcentagem de óbitos por causa mal definida em relação aos óbitos totais é um indicador da qualidade das estatísticas de causa de morte, dado que quanto menor for esse valor maior será a confiabilidade das informações. Assim, em função elevada da porcentagem de óbitos por causas mal definidas observados para o triênio de 1989 a 1991 no estado do Paraná, optou-se por se fazer a correção dos óbitos certificados pelas causas mal definidas seguindo a metodologia usada por Oliveira e colaboradores (2006)1212 Oliveira GMM, Klein CH, Souza e Silva NA. Mortalidade por doenças cardiovasculares em três estados do Brasil de 1980 a 2002. Rev Panam Salud Publica. 2006;19(2):85-93.. O procedimento pode ser resumido pela fórmula Xc = X + M * X/(T - M), em que X é o número de óbitos pela causa específica DCV, DIC ou DCBV, M é o número de óbitos por causas mal definidas, T é o número de óbitos por todas as causas, e Xc é o número compensado de óbitos pela causa específica. Após tal ajuste, os coeficientes de mortalidade foram padronizados pelo método direto, utilizando-se como padrão a população do estado do Paraná no ano de 2000.

A magnitude da mortalidade pelo conjunto das DCV, DCBV e DIC, por gênero e faixa etária, foi descrita por meio dos respectivos coeficientes de mortalidade. Para a comparação das diferenças nos coeficientes entre os dois triênios, foram calculados para os grupos a variação percentual relativa dos coeficientes entre o período final e inicial do estudo.

A tendência de mortalidade em cada grupo, durante o período de 1979 a 2008 (dados agrupados em triênios), foi feita com o uso do modelo de regressão de Poisson em análise estratificada por sexo e idade. O primeiro triênio (1979 a 1981) foi a categoria de referência. Os dados apresentados são aqueles relativos ao primeiro e ao último triênio (2006 a 2008), sob a forma de razões entre os coeficientes de mortalidade (RCM) e seus respectivos intervalos com 95% de confiança. Foi considerado o valor de p<0,05 como estatisticamente significante. Os dados foram analisados no programa Stata versão 10.0. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo sob parecer no 290/2010.

RESULTADOS

Verificou-se no presente estudo que os coeficientes de mortalidade apresentam-se mais elevados por DCV, DCBV e DIC no triênio 1979-1981, em relação ao triênio 2006-2008.

A mortalidade foi maior no gênero masculino para as três causas de morte, faixas etárias e períodos, excetuando-se as DCBV na faixa etária de 30 a 39 anos, cuja mortalidade foi maior no gênero feminino. Observou-se, ainda, aumento dos coeficientes com o aumento de idade (Tabela 1).

Tabela 1.
Coeficientes de mortalidade por doenças cardiovasculares (por 100.000 habitantes) segundo causa da morte, gênero e grupo etário. Estado do Paraná, 1979-2008

Na população masculina, as DCBV ultrapassaram as DIC como causa de morte nas faixas etárias de 30 a 39 anos, 60 a 69 anos e 70 a 79 anos no triênio de 1979-1981.

No primeiro período, em todas as faixas etárias a mortalidade por DCBV foi superior àquela observada para as DIC (Tabela 1).

Houve redução dos coeficientes de mortalidade para todas as faixas etárias entre o primeiro e segundo período, com maior redução na faixa etária de 30 a 49 anos.

Em ambos os gêneros observou-se uma redução menor dos coeficientes para o subgrupo das DIC, com uma queda menor nas faixas etárias de 50 a 59 e 60 a 69 anos. A maior redução do risco de morte por esse agravo foi na população de 30 a 39 anos, de 35,4% no gênero masculino e 47,6% no gênero feminino (Tabela 1).

Para as DCBV observou-se redução dos coeficientes de mortalidade em todas as faixas etárias em ambos os gêneros nos dois triênios. O menor risco de morte por essas causas foi observado nas faixas etárias mais jovens até os 49 anos e para a população masculina em todas as faixas etárias. A menor redução de mortalidade por DCBV foi observada na faixa etária de 70 a 79 anos em homens e mulheres (Tabela 1).

Na população de 70 a 79, foram os maiores coeficientes de mortalidade. Entre as faixas etárias de 60 a 69 anos e 70 a 79 anos, o coeficiente por DCV praticamente triplicou em ambos os períodos e aumentou aproximadamente 6,5 vezes na população masculina e 7,3 vezes na população feminina (Tabela 1).

Na Figura 1, apresentam-se os coeficientes de mortalidade masculina pelo conjunto das DCV na população de 30 a 79 anos, padronizados por idade. O coeficiente padronizado de mortalidade foi 530,3/100.000 homens no triênio 1979-1981 e 232,6/100.000 no triênio 2006-2008, e houve redução de 56,1% para o gênero feminino (Figura 2), tendo os coeficientes diminuído de 416,5 para 202,8/100.000, com redução de 51,3%.

Figura 1.
Evolução dos coeficientes de mortalidade masculina, padronizados por idade na população de 30-79 anos residentes no estado do Paraná, segundo total de doenças cardiovasculares, isquêmicas do coração e cerebrovasculares, entre os períodos de 1979-981 e 2006-2008

Figura 2.
Evolução dos coeficientes de mortalidade feminina, padronizados por idade na população de 30-79 anos residentes no estado do Paraná, segundo total de doenças cardiovasculares, isquêmicas do coração e cerebrovasculares, entre os períodos de 1979-1981 e 2006-2008

A redução nos coeficientes de mortalidade padronizados por idade entre o triênio inicial e final foi de 21,9% no gênero masculino para as DIC e de 45,7% para as DCBV (Figura 1). Para o gênero feminino, observou-se uma redução de 37,3% para as DIC e 58,1% para as DCBV (Figura 2).

Verificou-se também aumento da razão dos coeficientes de mortalidade para o gênero masculino quando comparados os triênios 2006 a 2008 em relação ao triênio 1979 a 1981.

DISCUSSÃO

As doenças cardiovasculares, embora ainda representem a primeira causa de óbito no estado no Paraná, apresentaram declínio considerável, confirmando os estudos de tendência precedentes realizados em vários estados e regiões do Brasil. A disponibilidade de mais acesso à atenção primária a saúde, bem como a possibilidade de uso de tecnologias diagnósticas e terapêuticas, explicam, em parte, os resultados encontrados na presente pesquisa, que mostra um declínio da mortalidade no estado do Paraná1313 Paim JS, Travessos C, Almeida C, BAHIA L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97..

Este estudo evidenciou tendência de decréscimo da mortalidade pelo conjunto da DCV e suas principais causas específicas (DIC e DCBV) no estado do Paraná no período analisado. Houve aumento da magnitude da mortalidade em ambos os gêneros com o aumento da idade, e verificou-se risco de morte por DCV sempre maior nos homens para qualquer grupo etário.

No Brasil, foram publicados vários estudos sobre a mortalidade por DCV com dados obtidos a partir dos anos de 1970. Mansur et al.1414 Mansur AP, Favarato D. Mortalidade por doenças cardiovasculares no Brasil e na região metropolitana de São Paulo: atualização 2011. Arq Bras Cardiol. 2012;99(2):755-61. apontaram tendência decrescente e significativa do risco de morte para a DIC e DCBV. O risco de morte por DCBV e DIC foi sempre maior nos homens para qualquer grupo etário. Os mesmos autores em estudo publicado em 2009 observaram aumento exponencial do risco de morte, por DIC e DCBV, com o aumento da faixa etária. DCBV foi a principal causa de morte no Brasil até 1996, quando passou a predominar a DIC. Os autores relatam ainda redução de 33,25% no risco de morte por doenças cardiovasculares na população brasileira. Percentual de redução maior que a observada para o Brasil foi encontrado, nesse estudo, para o estado do Paraná. Essa diferença pode ser em parte explicada pelo maior período de abrangência do presente estudo.

No presente estudo, verificou-se uma redução de mortalidade por DIC de 27,7% para o estado com um todo, valor pouco superior aos encontrados na literatura. Ressalta-se aqui uma redução de mortalidade menor no gênero masculino para as DIC (21,9%). Os resultados encontrados nesse estudo permitiram identificar que em cada triênio a magnitude dos coeficientes por DIC foi maior para o gênero masculino, aumentando com o avançar da idade em ambos os sexos para o estado, sendo esses achados corroborados por diversos autores que avaliaram as tendências de mortalidade em outros estados e municípios do Brasil1515 Farias N, Souza JMP, Laurenti R, Alencar SM. Mortalidade cardiovascular por sexo e faixa etária em São Paulo, Brasil: 1996 a 1998 e 2003 a 2005. Arq Bras Cardiol. 2009;93(5):498-505.

16 Lolio CA, Laurenti R. Mortalidade por doença isquêmica do coração no Município de São Paulo: evolução de 1950 a 1981 e mudanças recentes na tendência. Arq Bras Cardiol. 1986;46:153-6.

17 Souza MF, Alencar AP, Malta DC, Moura L, Mansur AP. Análise de séries temporais da mortalidade por doenças isquêmicas do coração e cerebrovasculares, nas cinco regiões do Brasil, no período de 1981 a 2001. Arq Bras Cardiol. 2006;87(6):735-40.
- 1818 Cesse EAP, Carvalho EF, Souza WV, Luna CF. Tendência da mortalidade por doenças do parelho circulatório no Brasil: 1950 a 2000. Arq Bras Cardiol. 2009.93(5):490-97..

Verificou-se no presente trabalho que a mortalidade por DIC aumentou e, para a população masculina, esse aumento já supera as DCBV no estado do Paraná. Segundo Lessa et al.1919 Lessa I. Introdução à epidemiologia das doenças cardiovasculares no Brasil. In Lessa I. O adulto brasileiro e as doenças da modernidade: epidemiologia das doenças crônicas não-transmissíveis. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1998. p. 73-76., há uma tendência de inversão nas causas de mortalidade, passando as DCBV para um segundo plano, especialmente nas regiões sul e sudeste e capitais; tal fato, de acordo com os autores, se deve a melhores condições sociais e econômicas dessas regiões.

Em relação à diminuição percentual das taxas de mortalidade, verificou-se na presente pesquisa que houve uma redução maior no gênero feminino quando analisados os coeficientes padronizados; essa redução percentual foi mais evidente para as DIC. Estudo de tendência de mortalidade por DIC realizado na cidade de Curitiba descreve que nas doenças isquêmicas o gênero feminino apresentou uma queda maior que o masculino2020 Daniel E, Germiniani H, Nazareno ER, Braga SV, Winkler AM, Cunha CL. Tendência da mortalidade por doenças isquêmicas do coração na cidade de Curitiba - Brasil, de 1980 a 1998. Arq Bras Cardiol. 2005;85:100-4..

Vários fatores de risco para as DCV, conhecidos globalmente são: pressão arterial elevada (responsável por 13% das mortes no mundo), tabagismo (9%), altos níveis de glicose sanguínea (6%), inatividade física (6%) e sobrepeso e obesidade (5%), entre outros2121 World Health Organization - WHO 2011. Global health risks: mortality and burden of disease attributable to selected major risks. Geneva: World Health Organization; 2011. , 2222 Avezum A, Piegas IS, Pereira JCR. Fatores de risco associados com infarto agudo do miocárdio na região metropolitana de São Paulo: uma região desenvolvida em um país em desenvolvimento. Arq Bras Cardiol. 2005;84(3):206-13.. As ações de promoção à saúde e modificações em relação a fatores de risco poderiam explicar em parte as reduções de morbidade por DCV e impacto na mortalidade. Porém, nesta investigação tais condições não puderam ser avaliadas.

A redução das taxas de mortalidade por DCV no estado do Paraná pode ser explicada, em parte, pelo maior acesso aos serviços de saúde com a criação do SUS, o que é mostrado pelos dados disponíveis no DATASUS23 23 Paes NA, Albuquerque MEG. Avaliação dos dados populacionais e cobertura dos registros de óbitos para as regiões brasileiras. Rev Saúde Pública. 1999;33:33-43.para os estados e municípios, bem como pela maior cobertura da estratégia de saúde da família na maioria dos municípios brasileiros. Corroboram com essa hipótese as informações de Paim et al.3Helis E, Augustincic L, Steiner S, Chen L, Turton P, Fodor JG. Time trends in cardiovascular and all-cause mortality in the "old" and "new" European Union countries. Eur J Cardiovasc Prev Rehabil. 2011;18(3):347-5, que mostram o aumento de acesso a serviços ofertados pelo SUS, como: internamentos e procedimentos, inclusive de tecnologias consideradas "duras", ou seja, de alta complexidade. Rodrigues e Anderson24 24 Rodrigues R, Anderson M. Saúde da Família: uma estratégia necessária. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2011;6(18):21-4.mostram a diminuição de várias morbidades e mortalidade com a implantação da Estratégia de Saúde da Família (ESF), incluindo a mortalidade por DCV, pois essas equipes devem atuar de acordo com as diretrizes do SUS, na prevenção, promoção e recuperação da saúde, ou seja, podem atuar na modificação de alguns fatores de risco associados as DCV.

No estado do Paraná, de acordo com o Departamento de Atenção Básica do MS (DAB)2525 BRASIL. Departamento de Atenção Básica [Internet] [cited 2014 Apr 06]. Available from: http://dab.saude.gov.br/dab/historico_cobertura_sf/historico_cobertura_sf_relatorio.php
http://dab.saude.gov.br/dab/historico_co...
, houve expressivo aumento da cobertura de ESF, passando de 7,33% de cobertura no ano 2000 para 66,4% em 2015. Além do aumento da cobertura da ESF, outras ações têm sido desenvolvidas: o AP-SUS (Programa de Qualificação da Atenção Básica), que vem qualificando os profissionais das equipes de Saúde da Família no estado, enfatizando a importância da estratificação de risco para HA, bem como o uso de instrumentos utilizados na gestão da clínica: linha de cuidado, protocolo de tratamento e ações não farmacológicas destinadas ao cuidado dos portadores de doenças crônicas não transmissíveis, pode ter contribuído para a queda da mortalidade por DCV observada no presente estudo.

Além de ser ainda a principal causa de morte no Brasil, as doenças cardiovasculares geram o maior custo referente a internações hospitalares no SUS no ano de 2007. De acordo Schmidt et al.1Schmidt MI, Duncan BB, Silva GA, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Health in Brazil 4. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet. 2011; 377(9781):1949-61., 27,4% das internações de indivíduos de 60 anos ou mais foram causadas por doenças cardiovasculares. Nos últimos anos (2000-2009), tem ocorrido uma leve queda nas taxas de internação hospitalar por DCV, o que pode estar possivelmente relacionado ao acesso da população aos serviços de atenção primária, com o controle da pressão arterial e seus fatores de risco, e também encaminhamento para serviços de atenção secundária, para diagnóstico e controle, com redução da letalidade por esse grupo de causas1Schmidt MI, Duncan BB, Silva GA, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Health in Brazil 4. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet. 2011; 377(9781):1949-61. , 1313 Paim JS, Travessos C, Almeida C, BAHIA L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97..

O desenho de estudo aqui apresentado apresenta limitações. Uma delas pode estar relacionada ao banco de dados utilizado, com informações secundárias, apesar de estudos mostrarem que a confiabilidade dos dados do Paraná é considerada satisfatória2626 Laurenti R, Jorge MHPM, Cotlieb SLD. A confiabilidade dos dados de mortalidade e morbidade por doenças crônicas não transmissíveis. Cienc Saúde Colet. 2004;9(4):909-20.. Outro aspecto que poderia influenciar nos resultados é o percentual de mortes classificadas como causas mal definidas, que no Brasil ainda é alto, acima de 14%. No estado do Paraná, esse percentual vem se mantendo historicamente abaixo dos 5%2626 Laurenti R, Jorge MHPM, Cotlieb SLD. A confiabilidade dos dados de mortalidade e morbidade por doenças crônicas não transmissíveis. Cienc Saúde Colet. 2004;9(4):909-20.. Laurenti et al.27 apontam que valores considerados baixos para causas mal definidas são aqueles que se encontram entre 4 e 6%, portanto foi realizada correção dos óbitos apenas para o triênio inicial do estudo, porque a porcentagem de óbitos por causas mal definidas estava acima dos valores considerados baixos.

Espera-se que estes resultados possam subsidiar os gestores na elaboração de políticas públicas destinadas a melhorar a atenção prestada aos portadores de doenças cardiovasculares e seus fatores de risco no estado do Paraná.

REFERÊNCIAS

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  • Trabalho realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - São Paulo (SP) e na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) - Ponta Grossa (PR), Brasil
  • Fontes de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2014
  • Aceito
    08 Abr 2015
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