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Importância do acolhimento de pais que tiveram diagnóstico do transtorno do espectro do autismo de um filho

The importance of embracing parents of a child diagnosed with autism spectrum disorder

Resumo

Introdução

Este trabalho tem como objetivo avaliar os resultados de uma capacitação oferecida aos membros de uma equipe de acolhimento de pais cujo filho(a) teve diagnóstico de transtorno de espectro do autismo (TEA).

Métodos

Trata-se de pesquisa exploratória com abordagem qualitativa. Foi oferecida uma capacitação aos membros da equipe responsável pelo acolhimento da Associação Norte Mineira de apoio ao Autista (ANDA), compreendendo três módulos. Além disso, um questionário foi aplicado aos participantes antes e após a capacitação.

Resultados

Observou-se a mudança de percepção na assertiva que avaliava a necessidade de se compreender a importância do acolhimento de pais de crianças com TEA. Verificou-se que, antes da capacitação, os participantes apresentavam um envolvimento emocional com o trabalho a ser desenvolvido no acolhimento; após a capacitação, eles deram ênfase à importância de orientar os pais na busca por profissionais qualificados e à importância do acompanhamento da criança por uma equipe multiprofissional. A escuta também foi referida antes e após a capacitação.

Conclusão

A capacitação promoveu uma sensibilização dos participantes quanto à necessidade de se desenvolverem nos aspectos cognitivo, psicomotor e atitudinal para o acolhimento dos pais. São necessárias outras capacitações para garantir maior sensibilização, bem como intensificar a melhoria das competências adquiridas.

Palavras-chave:
transtorno autístico; acolhimento; pesquisa qualitativa

Abstract

Objective

This work aimed to evaluate the results of a training offered to members of an embracing team for parents who had a child diagnosed with ASD.

Methods

This is an exploratory research with a qualitative approach. Members of a team responsible for embracing at Associação Norte Mineira de Apoio ao Autista/ANDA received a training composed of three modules. A questionnaire was applied to the participants before and after the training.

Results

We observed that prior to training participants were vulnerable to emotional involvement with the work to be developed, and after the training, participants emphasized the importance of orienting parents to seek qualified professionals and the importance of having a multidisciplinary team following the child. The listening was also reported before and after training.

Conclusion

The training promoted the participants awareness on the importance of developing the cognitive, psychomotor and attitudinal aspects at parents embracement. Additional interventions are still necessary to ensure greater awareness, as well to improve the skills acquired.

Keywords:
autistic disorder; user embracement; qualitative research

INTRODUÇÃO

O transtorno do espectro do autismo (TEA) compartilha sintomas centrais no comprometimento de três áreas específicas do desenvolvimento: déficits de habilidades sociais, déficits de habilidades comunicativas (verbais e não verbais) e presença de comportamentos, interesses e/ou atividades restritos, repetitivos e estereotipados11 World Health Organization. The ICD-10 classification of mental and behavioural disorders: clinical descriptions and diagnostic guidelines. Geneva: WHO; 1992.,22 American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical anual of mental disorders. 4. ed. Arlington: APA; 2003.. As manifestações clínicas do TEA ocorrem antes dos 36 meses de idade33 Baron-Cohen S. Autism and Asperger syndrome: the facts. Oxford: Oxford University Press; 2008. e tornam-se mais perceptivas especialmente quando a criança é inserida no contexto social11 World Health Organization. The ICD-10 classification of mental and behavioural disorders: clinical descriptions and diagnostic guidelines. Geneva: WHO; 1992.,22 American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical anual of mental disorders. 4. ed. Arlington: APA; 2003.. Normalmente, os pais de crianças com TEA começam a desconfiar de alguma alteração por volta dos 2 anos, quando os familiares percebem que a fala da criança não emerge ou não evolui para a fala comunicativa. Outro sinal que desperta a atenção dos pais é o fato de a criança não responder ao chamado de seu nome, o que levanta a dúvida de sua capacidade auditiva44 Camargos W Jr. Sindrome de Asperger e outros transtornos dos espectro do autismo de alto funcionamento: da avaliação ao tratamento. Belo Horizonte: Artesã Editora; 2013. 400 p..

Segundo o Center for Disease Control55 Centers for Disease Control and Prevention. Prevalence of Autism spectrum disorder among children aged 8 years: autism and Developmental disabilities monitoring network, 11 Sites, United States, 2010. MMWR. 2014;63(2):1-21. PMid:24670961., a prevalência do TEA é de 1/68, ou seja, pode atingir 1,47% dos indivíduos da população mundial, porém ainda não existem estudos conclusivos que apontam a prevalência do TEA no Brasil. Observam-se avanços nas últimas décadas em relação à identificação precoce e ao diagnóstico do TEA em nosso país66 Mello AM, Andrade MA, Ho H, Dias IS. Retratos do autismo no Brasil. São Paulo: Associação dos Amigos do Autista; 2013., entretanto não são vistos relatos de como essas famílias estão sendo acolhidas após o diagnóstico.

Oferecer um acolhimento adequado aos pais cujo filho(a) teve diagnóstico do TEA é necessário e importante. Isso pode facilitar o enfrentamento do diagnóstico e permitir uma passagem mais rápida pelos estágios de luto, que constituem uma sequência relativamente previsível de fases. O estágio inicial de luto é de choque, acompanhado de choro, manifestando sentimentos de desamparo e ânsia por fugir; no segundo estágio, há descrença e negação da situação; no terceiro, há tristeza e ansiedade manifestada por muito choro e raiva; no quarto, há o equilíbrio, caracterizado pela admissão de que a condição existe; por último, o estágio de reorganização, mediante reintegração e reconhecimento familiar desse filho77 Raines DA. Suspended mothering: women’s experiences mothering an infant with a genetic anomaly identified at birth. Neonatal Netw. 1999;18(5):35-9. http://dx.doi.org/10.1891/0730-0832.18.5.35. PMid:10693477.
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De acordo com Sá e Rabinovich88 Sá SMP, Rabinovich EP. Compreendendo a família da criança com deficiência física. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2006;16(1):68-84., é nessa fase que os pais entram em um processo de adaptação, em que se observa uma instabilidade emocional, apresentada por meio de oscilações entre aceitação e rejeição, até se sentirem mais seguros para lidar melhor com a criança e aproximarem-se afetivamente dela.

Trata-se de fases em que um indivíduo normalmente passa diante da perda sentimental ou de um diagnóstico inesperado99 Simões JC. Síndrome de luto. Rev Med Res. 2014;16(2):122-6.. O nascimento de um filho com necessidades especiais pode levar à interrupção do sonho pela realidade, o que produz um choque na mãe, pois o filho imaginário é substituído por um ser real1010 Mannoni M. A criança retardada e a mãe. São Paulo: Martins Fontes; 1991..

No caso do TEA, embora não haja nenhuma cura conhecida, o diagnóstico precoce e a intervenção imediata contribuem para reduzir a probabilidade de cronificação, aumentar as possibilidades de tratamento e minimizar vários sintomas.

Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo avaliar os resultados de uma capacitação oferecida aos membros de uma equipe de acolhimento da ANDA, responsáveis pelo acolhimento de pais cujas crianças receberam o diagnóstico de TEA. O objetivo da capacitação foi sensibilizar os membros da equipe quanto à importância do acolhimento adequado.

MÉTODOS

O cenário deste estudo foi Montes Claros, localizada ao norte do Estado de Minas Gerais. A cidade é o centro de referência em medicina no norte de Minas e sul da Bahia, e representa uma população de mais de 1,5 milhão de habitantes. Apesar de estar geograficamente na região Sudeste, destaca-se nacionalmente pelos baixos indicadores socioeconômicos, que a tornam mais próxima da região Nordeste do Brasil. Essa área inclui o chamado “Polígono da Seca”, o que destaca ainda mais as necessidades de sua população. O presente trabalho possui, portanto, significativa relevância social para essa parcela historicamente excluída da população brasileira, que apresenta alta taxa de miséria, ou seja, de extrema probreza1111 Coelho MFP, Tapajós LMS, Rodrigues M. Políticas sociais para o desenvolvimento: superar a pobreza e promover a inclusão. Brasília: UNESCO; 2010. 360 p..

Trata-se de um estudo: exploratório, por permitir a observação dos fatos em sua ocorrência espontânea1212 Ruiz JA. Metodologia científica: guia para eficiência nos estudos. 6. ed. São Paulo: Atlas; 2006. e, assim, a familiarizar-se com um assunto ainda pouco conhecido e pouco explorado; e descritivo, porque vai além da simples identificação da existência de relações entre variáveis1313 Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas; 2002.,1414 Duarte SV, Furtado MSV. Manual para elaboração de monografias e projetos de pesquisas. 3. ed. Montes Claros: UNIMONTES; 2002.. Propõe-se determinar a natureza dessa relação1313 Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas; 2002. com abordagem qualitativa, pois se preocupa com o aprofundamento e com a abrangência da compreensão do grupo social em estudo1515 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9. ed. São Paulo: Hucitec; 2006..

Por ser qualitativo, não privilegia o critério numérico, mas sim a capacidade de refletir a totalidade em suas múltiplas dimensões, devendo favorecer os sujeitos sociais que detêm os atributos que o investigador pretende conhecer1515 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9. ed. São Paulo: Hucitec; 2006. e buscar compreender o problema da perspectiva dos sujeitos que o vivenciam1616 Leopardi MT. Metodologia da pesquisa em saúde. 2. ed. Florianópolis: UFSC; 2002. 290 p..

A população-alvo do presente estudo foi constituída por membros da ANDA responsáveis pelo acolhimento de pais cujo filho(a) teve diagnóstico de TEA. É pertinente ressaltar que, para fazer parte da equipe de acolhimento dessa associação, os membros têm que ser pai e/ou mãe de criança com TEA. Os critérios de inclusão para este estudo foram: fazer parte da equipe de acolhimento da ANDA, participar efetivamente dos três módulos oferecidos na capacitação e concordar em participar do estudo.

Para a realização do estudo, foi oferecida aos membros da equipe responsável pelo acolhimento uma capacitação constituída de três módulos realizados quinzenalmente: módulo I - O que é TEA?; módulo II - Sentimentos vivenciados no momento do diagnóstico; módulo III - Perguntas mais frequentes no momento do diagnóstico.

Todos os módulos foram estruturados em três momentos distintos: o primeiro, com duração de 1h, destinou-se à troca de experiências sobre o tema a ser abordado; o segundo, com duração de 2h30, prestou-se à discussão a respeito do tema proposto; o terceiro, com duração de 30 minutos, constituiu o fechamento do módulo, constando de uma avaliação formativa. Troncon1717 Troncon L. Avaliação do estudante de medicina. Medicina (B Aires). 1996;29(4):429-39. PMid:9138350. define a avaliação formativa como aquela que é realizada de forma regular e sistemática ao longo do processo educacional, com fins de obter dados sobre o progresso alcançado e, assim, efetivar a oportuna correção das distorções observadas, preencher as lacunas identificadas e valorizar as conquistas realizadas.

O módulo I teve como objetivo facilitar uma discussão sobre os diversos termos utilizados para definir o TEA, bem como destacar a importância do diagnóstico e do tratamento precoce desse transtorno. Foi utilizada como estratégia de ensino-aprendizagem a preleção dialogada, que consiste em uma estratégia pedagógica intimamente relacionada com a contextualização, ou seja, considera o momento atual do aprendiz, que é estimulado a fazer conexões entre os conhecimentos anteriores e o tema em discussão1818 Fuentes JL. “A Preleção Atualizada”. Rio de Janeiro: Centro Pedagógico Pedro Arrupe; 2000..

O módulo II objetivou sensibilizar os participantes a refletir sobre os principais sentimentos que eles tiveram no momento do diagnóstico em seu filho. Utilizou-se como estratégia o grupo focal, e foram usadas duas perguntas disparadoras: “Qual foi seu sentimento no momento do diagnóstico de TEA em seu filho? Quando você teve o diagnóstico de TEA em seu filho, como gostaria de ter sido acolhido?”.

Os resultados referentes aos sentimentos dos pais no momento do diagnóstico do TEA em seu filho(a) serão discutidos em outro artigo.

O módulo III foi oferecido com o objetivo de discutir sobre as principais possíveis perguntas/dúvidas que os pais possuíam no momento do diagnóstico. Essas perguntas foram elaboradas por profissionais que realizaram o diagnóstico do TEA a partir de suas vivências e foram disponibilizadas previamente aos participantes com o propósito de que eles elaborassem as melhores respostas a serem dadas. Em seguida, realizou-se uma dramatização simulando um atendimento de pais cujo filho(a) teve diagnóstico de TEA.

Para a avaliação do efeito da intervenção, foi aplicado um questionário contendo duas questões, uma fechada e uma aberta, aplicado em dois momentos distintos – antes do início do módulo I e ao final do módulo III. Além do questionário, ao final do módulo III, também foi aplicado um instrumento de avaliação formativa, com espaço para os participantes destacarem as fragilidades e os pontos fortes aprendidos nos três módulos, registrarem sugestões para futuras ações e o que aprenderam com essa capacitação. Os conteúdos coletados nos instrumentos de avaliação foram analisados conforme proposto por Bardin1919 Bardin L. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa: Edições 70; 2004. e estão apresentados nos Tabelas 100 e 200.

Quadro 1
Questão objetiva sobre a expectativa dos participantes quanto à capacitação
Quadro 2
Percepção dos participantes sobre as habilidades para fazer parte de uma equipe de acolhimento

A intervenção foi planejada e desenvolvida por uma equipe multiprofissional composta por dez mulheres com idade de 28 a 53 anos, com formação diversificada nas áreas da saúde e da educação (bióloga, bioestatística, enfermeira, farmacêutica, fonoaudióloga, neuropediatra e psicopedagoga), das quais quatro eram professoras de ensino superior (duas com doutorado e duas com mestrado). A equipe foi treinada para a realização das atividades propostas com o objetivo de padronizar e uniformizar os procedimentos.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros, pelo Parecer nº 534.000/14. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Participaram deste estudo sete pessoas, das quais três do sexo masculino e quatro do sexo feminino, e todos eram membros da equipe de acolhimento da ANDA, mas somente cinco participaram de todos os três módulos. A média de idade dos participantes foi de 39 anos. Quanto à escolaridade, dois membros tinham segundo grau completo; três, ensino superior completo; e dois, pós-graduação. Todos desenvolviam atividades profissionais diversificadas: servidor público, designer gráfico, professora, professora de apoio, administrador e estimulador.

Um estudo realizado por Mello et al.66 Mello AM, Andrade MA, Ho H, Dias IS. Retratos do autismo no Brasil. São Paulo: Associação dos Amigos do Autista; 2013. sobre o retrato do autismo no Brasil mostrou que várias entidades de atendimento a pessoas com TEA e/ou a seus familiares destacaram a importância do acolhimento dos pais cujos filhos receberam o diagnóstico de TEA. Os autores afirmam que o apoio pode evitar o sofrimento e a solidão dos familiares, além de ampliar as possibilidades de colaboração e de sucesso na assistência ao familiar com TEA. Entretanto, não verificamos, até o momento, nenhum estudo que descreveu como deve ser esse acolhimento e quais os resultados alcançados.

No presente estudo, quando os participantes foram questionados sobre qual era sua expectativa para a capacitação, observou-se que não houve mudança para a maioria das assertivas, quando comparadas em relação ao antes e depois da intervenção. Entretanto, houve mudança na percepção somente na assertiva que avaliou a necessidade de se compreender a importância do acolhimento de pais de crianças com TEA, em que um participante apresentou a compreensão dessa importância somente após a capacitação (Quadro 1). Vale ressaltar que os participantes foram informados previamente sobre o objetivo da capacitação.

Outro aspecto que chamou atenção foi que os participantes apontaram como expectativa: aprender mais sobre o TEA, aprender a lidar e a compreender o comportamento de seu filho, e saber sobre o tratamento do TEA. Esse dado indica uma carência de informações dos membros da própria equipe de acolhimento em relação ao transtorno. Pelo fato de esses indivíduos também serem pais de crianças/adolescentes com TEA, muitos deles fizeram a capacitação na intenção de saber mais sobre esse transtorno, na expectativa de poder ajudar a seu próprio filho. Observou-se, aí, certa sobreposição na função de responsável pelo acolhimento e na de pai/mãe.

O autismo foi descrito por Kanner em 1943, e, apesar de ter mais de 70 anos de seu descobrimento, o TEA ainda é pouco conhecido pela maioria da população. Isso implica tratamentos lentos e resultados insatisfatórios, o que pode resultar em esgotamento dos familiares no decorrer dos constantes cuidados exigidos pelos portadores do TEA e, muitas vezes, pode levar ao desânimo, à incerteza quanto ao futuro e à falta de perspectiva66 Mello AM, Andrade MA, Ho H, Dias IS. Retratos do autismo no Brasil. São Paulo: Associação dos Amigos do Autista; 2013.. Nesse sentido, é perfeitamente aceitável a necessidade dos participantes em aprender mais sobre esse transtorno, primeiramente, para cuidar dos próprios filhos e, consequentemente, para se sentirem mais aptos e seguros no acolhimento a outros pais.

Quando indagados sobre a forma de como uma pessoa deve acolher os pais cujas crianças tiveram o diagnóstico de TEA, observou-se que, antes da capacitação, os participantes apresentaram um envolvimento emocional com o acolhimento a ser realizado e demonstraram certa confusão em separar as funções de pais e de acolhedores. Eles também destacaram a necessidade de relatar suas experiências como pais, de dar orientações e estimular os pais que tiveram o diagnóstico recentemente a buscar mais conhecimento sobre o TEA, além de se preocuparem em realizar o acompanhamento destes e em apresentar soluções imediatas para os problemas identificados.

Após a capacitação, os participantes já enfatizaram a necessidade de menor envolvimento emocional com as famílias, deram ênfase à importância de orientar os pais a buscar profissionais qualificados e de a criança ser acompanhada por uma equipe multiprofissional. Eles destacaram a importância de serem capacitados para fazer o acolhimento e de conhecerem sobre o TEA, além de todos os membros da equipe de acolhimento utilizarem a mesma linguagem e agirem com sinceridade e honestidade. Entretanto, um participante ainda permaneceu com a opinião de que, como membro da equipe de acolhimento, ele deveria responder imediatamente às dúvidas dos pais (Quadro 2).

Um dos motivos da mudança de posicionamento dos participantes pode ser devido à pergunta feita no módulo II. Ao responderem à pergunta “Quando você teve o diagnóstico de TEA de seu filho, como gostaria de ter sido acolhido?”, observou-se que cada participante tinha uma vivência diferente em relação a esse tema e acreditava que sua ideia era a melhor forma de realizar o acolhimento. Entretanto, quando eles experienciaram as realidades dos outros participantes, repensaram e compreenderam que havia outras formas interessantes de acolhimento e que era importante que toda a equipe tivesse a mesma postura.

É pertinente enfatizar que, tanto antes quanto após a intervenção, os participantes já tinham a concepção de que o acolhimento não se referia apenas a um espaço ou um local2020 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. Brasília: MS; 2009..

O acolhimento não pressupõe hora ou profissional específico para fazê-lo; implica, por parte do acolhedor, compartilhamento de saberes, angústias e invenções, tomando para si a responsabilidade de “abrigar e agasalhar” outrem em suas demandas. Trata-se de um modo de operar os processos de trabalho em saúde, de forma a atender a todos os que procuram os serviços, ouvindo seus pedidos e assumindo no serviço uma postura capaz de acolher, escutar e dar respostas mais adequadas aos usuários. Em outras palavras, requer prestar um atendimento com resolutividade e responsabilização, orientando, quando for o caso, o paciente e a família em relação a outros serviços de saúde para a continuidade da assistência e estabelecendo articulações com esses serviços para garantir a eficácia dos encaminhamentos2020 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. Brasília: MS; 2009.. O acolhimento está presente em todas as relações que envolvem o cuidado com o outro2121 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Acolhimento à demanda espontânea. Brasília: MS; 2013..

Assim, o acolhimento inclui a escuta, que foi destacada pelos participantes tanto antes quanto depois da capacitação. No início, eles apresentaram a necessidade de falar sobre suas experiências, dar orientações e soluções para os problemas relatados pelos pais, com base em suas vivências. Após a capacitação, observou-se mudança na percepção do sentido da escuta, quando os participantes passaram a se referir à escuta como um momento de o outro desabafar e de mostrar que a ANDA era uma estrutura de apoio e de encaminhamentos. Franco et al.2222 Franco TB, Bueno WS, Merhy EE. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica. 1999;15(2):345-53. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X1999000200019. PMid:10409787.
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afirmam que, para humanizar, não basta restringir a escuta ao respeito; é preciso ultrapassar essa visão afetuosa do relacionamento e é necessário reorganizar o processo de trabalho, além de a equipe de acolhimento se encarregar da escuta ao usuário, comprometendo-se em realizar os devidos encaminhamentos.

Os participantes destacaram como pontos positivos da capacitação a oportunidade de participar, de realizar a troca de experiência com os pares e com as profissionais que compuseram a equipe multiprofissional responsável pela capacitação, o conteúdo abordado e as estratégias ativas de ensino-aprendizagem utilizadas, tais como preleção dialogada (módulo I), grupo focal (módulo II) e dramatização (módulo III). As estratégias de ensino-aprendizagem facilitam a construção do conhecimento a partir dos problemas da realidade, a integração das várias áreas do conhecimento e a articulação entre a teoria e a prática2323 Feuerwerker LCM. Educação dos profissionais de saúde hoje: problemas, desafios, perspectivas e as propostas do Ministério da Saúde. Rev ABENO. 2003;3(1):24-7..

Como fragilidades, eles apontaram a ausência, nessa capacitação, de alguns dos profissionais que trabalhavam na associação e a não disponibilização prévia de material. Eles sugeriram que a equipe de acolhimento deveria ser ampliada, que outros cursos deveriam ser oportunizados e deveriam contar com a participação de todos os funcionários da instituição, inclusive daqueles que não participavam de forma direta do acolhimento.

Compreendendo a competência como a capacidade de o sujeito mobilizar recursos (cognitivos, habilidades/procedimentos, linguagem e administração de emoções) para abordar ou resolver uma situação complexa2424 Tsuji H, Aguilar-Da-Silva RH. Aprender e ensinar na escola vestida de branco: do modelo biomédico ao humanístico. São Paulo: Forte; 2010. e de acordo com os resultados encontrados, os membros de uma equipe de acolhimento de pais cujo filho teve diagnóstico de TEA devem ter as seguintes competências: apresentar conhecimento técnico básico sobre TEA, ou seja, saber o que é TEA, a classificação atual e as principais características de uma criança com TEA; conhecer as fases do pós-diagnóstico (fases do luto); apresentar habilidades pessoais necessárias ao acolhimento, tais como ser encorajador, lidar com naturalidade nas situações vivenciadas no acolhimento, apresentar segurança no desempenho das atividades propostas; apresentar habilidades de comunicação, tais como saber ouvir e identificar o momento oportuno de falar, ser imparcial, evitar relatos pessoais negativos e discussões de caráter emocional e religioso.

Porém, de acordo com Trindade2525 Trindade CS. A importância do acolhimento no processo de trabalho das equipes de saúde da família [monografia]. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais; 2010., o acolhimento para ser efetivo necessita que a equipe seja treinada, capacitada, valorizada e que conte com salários dignos, divisão de trabalho, organização, vínculo, comprometimento com a comunidade dentro da ética e, acima de tudo, do respeito.

Alguns autores2525 Trindade CS. A importância do acolhimento no processo de trabalho das equipes de saúde da família [monografia]. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais; 2010.

26 Schimith MD, Lima MADS. Acolhimento e vínculo em uma equipe do Programa Saúde da Família. Cad Saude Publica. 2004 dez;20(6):1487-94. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2004000600005. PMid:15608849.
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27 Silva LG, Alves MS. O acolhimento como ferramenta de práticas inclusivas de saúde. Rev. APS. 2008;11(1):74-84.
-2828 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. 2. ed. Brasília: MS; 2010. apontam que a equipe de acolhimento deve ser constituída por profissionais das várias áreas envolvidas, entretanto, em associações como a ANDA, é importante que a equipe de acolhimento seja constituída por pais. No entanto, faz-se necessário contar com uma equipe multiprofissional para orientar e avaliar, considerando o acolhimento como um processo a ser desenvolvido antes, durante e após o atendimento2626 Schimith MD, Lima MADS. Acolhimento e vínculo em uma equipe do Programa Saúde da Família. Cad Saude Publica. 2004 dez;20(6):1487-94. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2004000600005. PMid:15608849.
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. O trabalho em equipe, quando feito com qualidade e eficiência, proporciona resultados mais satisfatórios em relação à saúde e ao bem-estar físico, psicológico, social e emocional das pessoas2626 Schimith MD, Lima MADS. Acolhimento e vínculo em uma equipe do Programa Saúde da Família. Cad Saude Publica. 2004 dez;20(6):1487-94. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2004000600005. PMid:15608849.
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CONCLUSÃO

A capacitação sensibilizou os participantes quanto à importância de se desenvolverem nos aspectos cognitivo, psicomotor e atitudinal para o acolhimento dos pais. Entretanto, outras capacitações são necessárias para garantir maior sensibilização e aperfeiçoamento das competências necessárias ao acolhimento de pais cujas crianças receberam o diagnóstico de TEA.

Na perspectiva de permanente produção de conhecimento e formação de pessoas para o acolhimento, pesquisas como esta podem contribuir para outras pesquisas entre universidades e entidades que acolhem pais de crianças com TEA.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais/Fapemig, pelo financiamento da pesquisa e concessão de bolsas de iniciação científica. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq pela concessão de bolsas de iniciação científica. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes pela concessão de bolsa de doutorado. À Associação Norte Mineira de Apoio ao Autista/ANDA, à neuropediatra Carla Patrícia Oliveira Parrela, à fonoaudióloga Ionara Aparecida Mendes Cézar e à psicopedagoga Laura Vicuña S. Bandeira Lopes, que contribuíram na capacitação da equipe de acolhimento, e, aos demais membros do grupo de pesquisa TEA_COMVIVER.

  • Trabalho realizado na Associação Norte Mineira de Apoio ao Autista (ANDA) – Montes Claros (MG), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais – FAPEMIG. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2016
  • Aceito
    14 Jun 2016
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