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Hipertensão arterial e fatores associados em uma comunidade quilombola da Bahia, Brasil

Hypertension and associated factors in a community quilombola of Bahia, Brazil

Resumo

Objetivo

Determinar a prevalência da hipertensão arterial (HA) e investigar fatores associados em uma comunidade quilombola da Bahia, Brasil.

Métodos

A HA foi determinada por autorreferimento de diagnóstico feito por um médico ou enfermeiro. Por meio de questionário, foram coletados dados demográficos, socioeconômicos, hábitos de vida e alimentares e presença de comorbidades. Foram realizadas medidas antropométricas e dosagens bioquímicas para determinação de sobrepeso/obesidade, diabetes e dislipidemias. Empregaram-se análise univariada para determinar associação entre HA e variáveis de interesse, e análise múltipla por regressão de Poisson para estimativa das razões de prevalência.

Resultados

A população estudada foi de 213 indivíduos maiores de 18 anos. A prevalência de HA foi de 38,5%. Após análise ajustada, permaneceram associados à HA: sexo feminino, idade, menor escolaridade, maior renda per capita, uso de medicamentos nos últimos 15 dias, obesidade e diabetes mellitus.

Conclusões

Os resultados evidenciam a necessidade de ações intersetoriais voltadas para a melhoria das condições de vida e saúde dessa comunidade. A adequação da infraestrutura e do funcionamento do serviço de saúde local, bem como a realização de campanhas de promoção da saúde, pode contribuir para a prevenção, diagnóstico precoce e tratamento da hipertensão e outros agravos.

Palavras-chave:
hipertensão; fatores de risco; comunidades vulneráveis; grupo com ancestrais do continente africano

Abstract

Objective

To determine the prevalence of hypertension and investigate associated factors in a Quilombola community of Bahia (Brazil).

Methods

Hypertension was based on diagnosis made by a physician or a nurse and self-reported by participants; demographic, socioeconomic, lifestyle, food habits, and comorbidities data were collected through a previously validated questionnaire. Anthropometric and biochemical measurements for overweight/obesity, diabetes and dyslipidemia were performed. Univariate and multivariable analysis using Poisson regression were conducted to estimate the association between hypertension and the variables of interest to estimate the adjusted prevalence ratios.

Results

The study population comprised 213 individuals older than 18 years. The hypertension prevalence was 38.5%. In the adjusted analysis hypertension was associated with female sex, age, lower education, higher per capita income, use of drugs in the last 15 days, obesity, and diabetes mellitus.

Conclusions

The results highlight the need for intersectorial actions to improve the community living conditions and health. The adequacy of local health service infrastructure and operation as well as health promotion campaigns can contribute to the prevention, early diagnosis and treatment of hypertension and other diseases.

Keywords:
hypertension; risk factors; vulnerable groups; african continental ancestry group

INTRODUÇÃO

As comunidades quilombolas constituem grupos com identidade étnico-racial própria, de acordo com critérios de autodefinição. São formadas por indivíduos com ancestralidade negra e trajetória histórica própria, que buscam manter suas tradições culturais, de subsistência e religiosas11 Brasil. Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da União [Internet], Brasília, 21 de novembro de 2003 [citado em 2011 maio 29]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm
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,22 Fundação Cultural Palmares. Comunidades quilombolas [Internet]. 2015 [citado em 2015 ago 18]. Disponível em: http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/crqs/quadro-geral-por-estado-ate-23-02-2015.pdf
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. No Brasil, atualmente existem 2.648 comunidades já certificadas pela Fundação Cultural Palmares, das quais 25% se encontram no Estado da Bahia22 Fundação Cultural Palmares. Comunidades quilombolas [Internet]. 2015 [citado em 2015 ago 18]. Disponível em: http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/crqs/quadro-geral-por-estado-ate-23-02-2015.pdf
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Geralmente as comunidades quilombolas localizam-se em meio rural, possuem altos índices de analfabetismo e apresentam precárias condições de vida, saneamento, moradia e acesso aos serviços de saúde33 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. Chamada nutricional quilombola 2006: sumário executivo. Brasília: MDS; 2007.

4 Brasil. Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Subsecretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais. Programa Brasil Quilombola. Comunidades quilombolas brasileiras: regularização fundiária e políticas públicas. Brasília: SEPPIR; 2009.
-55 Brasil. Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Programa Brasil Quilombola: diagnóstico de ações realizadas [Internet]. Brasília: SEPPIR; 2012 [citado em 2013 mar 15].Disponível em: http://www.seppir.gov.br/destaques/diagnostico-pbq-agosto
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. Ademais, esses grupamentos étnicos passaram por um processo histórico de expropriação de cultura e de direitos, refletindo nos seus indicadores de saúde66 Silva JAN. Condições sanitárias e de saúde em Caiana dos Crioulos, uma comunidade Quilombola do Estado da Paraíba. Saúde Soc. 2007;16(2):111-24. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902007000200011.
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A visão de vulnerabilidade social é usualmente citada nos quilombos em relação à saúde e à doença. A importância do recorte étnico/racial na assistência e na atenção em saúde relativa às doenças e às condições de vida da população negra permite a identificação de grupos populacionais mais suscetíveis a agravos à saúde, como a hipertensão arterial (HA)77 Freitas DA, Caballero AD, Marques AS, Hernández CIV, Antunes SLNO. Saúde e comunidades quilombolas: uma revisão da literatura. Rev CEFAC. 2011;13(5):937-43. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011005000033.
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Segundo o Ministério da Saúde88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Manual de doenças mais importantes, por razões étnicas, na população brasileira afro-descendente. Brasília: Ministério da Saúde; 2001. 7 p., a HA é uma das doenças mais prevalentes na população de ancestralidade negra. Caracterizada por níveis pressóricos elevados e sustentados, a HA é um agravo de etiologia multifatorial e tem se destacado como o mais importante contribuinte dentre as causas modificáveis de morbidade e mortalidade cardiovascular precoce99 VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95(1 Suppl 1):1-51..

Recente inquérito populacional sobre condições de vida e saúde realizado em comunidades quilombolas do sudoeste da Bahia apontou para a vulnerabilidade da população quilombola no Brasil e evidenciou a necessidade da realização de estudos que melhor caracterizem a situação de saúde desse grupamento1010 Bezerra VM, Medeiros DS, Gomes KO, Souzas R, Giatti L, Steffens AP, et al. Inquérito de Saúde em Comunidades Quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil (Projeto COMQUISTA): aspectos metodológicos e análise descritiva. Ciênc saúde coletiva. 2014;19(6):1835-47.. Em âmbito nacional brasileiro, ainda são incipientes os estudos direcionados para a investigação da HA e seus fatores de risco associados em comunidades quilombolas77 Freitas DA, Caballero AD, Marques AS, Hernández CIV, Antunes SLNO. Saúde e comunidades quilombolas: uma revisão da literatura. Rev CEFAC. 2011;13(5):937-43. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462011005000033.
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,1111 Bezerra VM, Andrade ACS, César CC, Caiaffa WT. Comunidades quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil: hipertensão arterial e fatores associados. Cad Saude Publica. 2013;29(9):1889-902. PMid:24068233. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013001300027.
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12 Jardim PCBV, Carneiro O, Carneiro SB, Baiocchi MN. Pressão arterial em comunidade negra isolada remanescente de quilombo - norte de Goiás – Kalunga. Arq Bras Cardiol. 1992;58(4):289-93. PMid:1340698.
-1313 Mingroni-Netto RC, Angeli CB, Kimura L, Auricchio MTBM, Vicente JP. Doenças modernas nos antigos quilombos: a obesidade e a hipertensão no Vale do Ribeira-SP. In: Volochko A, Batista LE, organizadores. Saúde nos Quilombos. São Paulo: Instituto de Saúde; 2009. p. 179-91. (Temas em Saúde Coletiva, 9)..

Tendo em vista o exposto, o objetivo do presente estudo foi determinar a prevalência de HA e investigar fatores associados em uma comunidade quilombola do interior da Bahia.

MATERIAIS E MÉTODOS

Desenho de estudo, população e recrutamento

Trata-se de um estudo seccional realizado com indivíduos da Comunidade Quilombola Boqueirão, situada na zona rural do município de Vitória da Conquista, no Estado da Bahia. Levantamento prévio, a partir de dados cadastrais disponibilizados pelos agentes comunitários de saúde (ACS), indicou uma estimativa inicial de 282 indivíduos elegíveis (adultos, maiores de 18 anos).

O recrutamento ocorreu por meio de cartas-convite, entregues pelos ACS nas residências dos participantes e que continham informações sobre a pesquisa, datas e locais da coleta de dados.

Participaram do estudo os indivíduos que compareceram aos locais de coleta de dados (unidade de saúde e centro comunitário) nas datas agendadas e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos indivíduos legalmente incapacitados de fornecer seu consentimento e que não estavam acompanhados de um representante habilitado para tal, além das mulheres que relataram gestação em curso.

Coleta de dados

A coleta de dados, realizada entre os meses de abril e maio de 2011, incluiu a aplicação de questionário, a realização de medidas antropométricas e a coleta de amostras de sangue. Todas as etapas foram realizadas por equipe previamente treinada, formada por profissionais e estudantes da área da saúde.

O questionário, adaptado de instrumento validado1414 Lebrão ML, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no Município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(2):127-41. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2005000200005.
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, foi previamente submetido a pré-testes e estudo-piloto, possibilitando adaptações na linguagem e adequação das questões à realidade local. Por meio da aplicação desse instrumento sob a forma de entrevista, foram investigadas características demográficas, socioeconômicas, hábitos de vida e alimentares, além de presença de hipertensão e outras comorbidades. A variável raça/cor foi atribuída pelo entrevistador – procedimento sugerido quando se pretende estimar a exposição social a riscos de saúde1515 Laguardia J. O uso da variável “raça” na pesquisa em saúde. PHYSIS: Rev de Saúde Coletiva. 2004;14(2):197-234.. A HA foi determinada por autorreferimento, por meio da pergunta: “Alguma vez um médico ou enfermeiro lhe disse que o(a) Sr(a) tem pressão sanguínea alta, quer dizer, hipertensão?”. Essa medida é considerada um indicador apropriado da HA, mesmo em populações residentes fora de grandes centros urbanos1616 Lima-Costa MF, Peixoto SV, Firmo JOA. Validade da hipertensão arterial auto-referida e seus determinantes (projeto Bambuí). Rev Saude Publica. 2004;38(5):637-42. PMid:15499433. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102004000500004.
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Avaliação antropométrica: As medidas antropométricas de peso, estatura e circunferência da cintura (CC) foram obtidas em duplicata, segundo Brasil1717 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN/Ministério da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2011., com auxílio de balança digital, estadiômetro vertical e trena antropométrica inextensível, respectivamente. O estado nutricional foi classificado de acordo com o índice de massa corporal (IMC=peso/estatura22 Fundação Cultural Palmares. Comunidades quilombolas [Internet]. 2015 [citado em 2015 ago 18]. Disponível em: http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/crqs/quadro-geral-por-estado-ate-23-02-2015.pdf
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). Os indivíduos foram considerados: eutróficos/baixo peso quando IMC<25kg/m2; com sobrepeso quando IMC≥25kg/m2 e <30Kg/m2; obesos quando IMC≥30kg/m22 Fundação Cultural Palmares. Comunidades quilombolas [Internet]. 2015 [citado em 2015 ago 18]. Disponível em: http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/crqs/quadro-geral-por-estado-ate-23-02-2015.pdf
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,1818 World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Geneva: WHO; 1995. (WHO Technical Report Series, 854).. A CC foi considerada aumentada quando maior que 88cm em mulheres e que 102cm em homens99 VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95(1 Suppl 1):1-51..

Dosagens bioquímicas: As amostras de sangue foram coletadas por profissionais da área de saúde com materiais descartáveis, por punção venosa utilizando tubos contendo gel separador. Os participantes estavam em jejum de 12h para alimentos, de 72h para bebidas alcoólicas e de 24h para atividades físicas vigorosas1919 Xavier HT, Izar MC, Faria JR No, Assad MH, Rocha VZ, Sposito AC, et al. V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Arq Bras Cardiol. 2013;101(4 Suppl 1):1-20. PMid:24217493. http://dx.doi.org/10.5935/abc.2013S010.
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As amostras seguiram devidamente acondicionadas para o Laboratório de Biologia celular e molecular do Instituto Multidisciplinar em Saúde, da Universidade Federal da Bahia, onde foram feitas as dosagens bioquímicas. Foram mensurados o colesterol total (CT), o colesterol ligado à lipoproteína de alta densidade (HDL-C), o colesterol ligado à lipoproteína de baixa densidade (LDL-C), os triglicerídeos (TG) e a glicemia em jejum. O CT, TG e glicemia de jejum foram dosados por métodos enzimáticos, e o HDL-C, por método precipitante, conforme os protocolos do fabricante dos kits (Laborlab®). A fração LDL-C foi calculada pela fórmula de Friedwald1919 Xavier HT, Izar MC, Faria JR No, Assad MH, Rocha VZ, Sposito AC, et al. V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Arq Bras Cardiol. 2013;101(4 Suppl 1):1-20. PMid:24217493. http://dx.doi.org/10.5935/abc.2013S010.
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Foram considerados dislipidêmicos os indivíduos que apresentaram no lipidograma pelo menos um dos valores alterados: CT>200mg/dL, HDL-c<40mg/dL, LDL-c≥160mg/dL ou TG≥150 mg/dL1919 Xavier HT, Izar MC, Faria JR No, Assad MH, Rocha VZ, Sposito AC, et al. V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Arq Bras Cardiol. 2013;101(4 Suppl 1):1-20. PMid:24217493. http://dx.doi.org/10.5935/abc.2013S010.
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. Indivíduos com glicemia de jejum ≥126mg/dL foram considerados portadores de diabetes mellitus2020 Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2014/2015. São Paulo: AC Farmacêutica; 2015..

Análise estatística

A variável dependente no estudo foi a HA autorreferida. As variáveis explicativas incluíram aquelas medidas pelo questionário, os dados antropométricos e as determinações bioquímicas. A análise de dados incluiu estatísticas descritivas, média e desvio-padrão para as variáveis contínuas, e proporção para as variáveis categóricas. A razão de prevalência (RP) foi usada para determinar a associação entre HA e variáveis de interesse. A RP e o seu intervalo de confiança a 95% (IC95%) foram estimadas por regressão de Poisson2121 Barros AJD, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol. 2003;21(3):21. PMid:14567763.. Análise múltipla, também por regressão de Poisson, foi conduzida para estimar as RP ajustadas e determinar fatores independentemente associados à HA. Foi adotado nível de significância p<0,2 para inclusão das variáveis no modelo e p<0,05 para permanência no modelo final. Todas as análises foram realizadas no programa The Statistical Package for Social Sciences, versão 16.0.

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), sob protocolo nº 173/2009. Todos os participantes da pesquisa assinaram TCLE.

RESULTADOS

Dentre os 282 indivíduos elegíveis, maiores de 18 anos residentes na comunidade, 65 não compareceram nas datas agendadas para a coleta de dados, correspondendo a uma perda de 23%. Não houve recusas. Quatro mulheres foram excluídas por relatarem gravidez em curso. Por fim, participaram da pesquisa 213 pessoas. Indivíduos que faltaram eram semelhantes aos participantes em relação à média de idade (p=0,20). Contudo, a proporção de homens entre os não participantes foi significativamente maior (p=0,01).

Da população estudada, a média de idade foi de 41±17 anos, a maioria eram mulheres (59,2%) e indivíduos da cor negra (70,6%). A prevalência de HA foi de 38,5%. Além disso, 76,2% tinham pelo menos um ano de estudo, 81,6% exerciam pelo menos uma atividade remunerada, 61,1% relataram renda per capita de até ½ salário mínimo, 64,2% consideravam sua saúde “boa/muito boa” e 44,6% referiram uso de medicamentos (anti-hipertensivos ou não) nos últimos 15 dias (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das variáveis demográficas, socioeconômicas e de saúde, prevalência e razão de prevalência (RP) para hipertensão arterial (HA) na Comunidade Quilombola Boqueirão, em Vitória da Conquista, na Bahia, Brasil, 2011

Quanto aos hábitos de vida, a maior parte da população (74,7%) relatou prática regular de exercícios físicos (três vezes ou mais por semana), ser fumante ou já ter fumado (61,1%) e não ter hábito de consumir bebidas alcoólicas (79,3%). Em relação às variáveis antropométricas, a maioria da população tinha IMC e CC normais. Apenas 12,8% dos participantes apresentaram CC elevada, e 30,3%, sobrepeso ou obesidade. A frequência de dislipidemias estava elevada (46,5%), enquanto que o diabetes mellitus apresentou baixa ocorrência (6,5%) (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição das variáveis antropométricas, hábitos de vida e comorbidades, prevalência e razão de prevalência (RP) para hipertensão arterial (HA) na Comunidade Quilombola Boqueirão, em Vitória da Conquista, na Bahia, Brasil, 2011

A idade mostrou-se significativamente associada à HA, com maior média entre os hipertensos (50,81±16,4 anos contra 34,52±13,7 anos entre os não hipertensos). A escolaridade e a renda per capita também demonstraram associação estatisticamente significativa com a HA, com maiores prevalências entre os indivíduos de menor escolaridade (62,7%) e entre aqueles de maior renda (61,1%). Maiores prevalências de HA foram verificadas entre os indivíduos que consideram sua saúde “ruim/muito ruim” (64,3%) e entre os que relataram uso de medicamentos nos últimos 15 dias (75,8%), conforme Tabela 1. Maior percentual de hipertensos foi encontrado entre as pessoas obesas (78,6%) e com CC elevada (55,6%), de acordo com dados da Tabela 2. Dentre as comorbidades avaliadas, encontrou-se associação entre HA e diabetes mellitus.

A Tabela 3 mostra as variáveis independentemente associadas à HA, de acordo com o modelo final. A HA foi associada ao sexo feminino, maior idade, menor escolaridade, maior renda, uso de medicamentos, obesidade e diabetes mellitus.

Tabela 3
Razões de prevalências (RP) ajustadas para hipertensão arterial (HA), segundo variáveis incluídas no modelo final, na Comunidade Quilombola Boqueirão, em Vitória da Conquista, na Bahia, Brasil, 2011

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo indicam que a HA é um problema de saúde importante na Comunidade Quilombola Boqueirão. A frequência de HA encontrada (38,5%) é maior do que a estimativa nacional brasileira em 2013, que foi de 24,1%2222 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2013: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. 120 p. (Série G. Estatística e Informação em Saúde)., mas semelhante à frequência verificada em uma comunidade rural do Estado da Bahia (amostra composta por 62,7% de mulatos e por 22% de negros), na qual 36,5% da população foi considerada hipertensa2323 Matos AC, Ladeia AM. Assessment of cardiovascular risk factors in a rural community in the Brazilian state of Bahia. Arq Bras Cardiol. 2003;81(3):297-302. PMid:14569373. http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2003001100009.
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. A prevalência foi superior à encontrada na comunidade negra Kalunga (Goiás), na qual 6,28% foram classificados como hipertensos, por meio da pressão arterial aferida1212 Jardim PCBV, Carneiro O, Carneiro SB, Baiocchi MN. Pressão arterial em comunidade negra isolada remanescente de quilombo - norte de Goiás – Kalunga. Arq Bras Cardiol. 1992;58(4):289-93. PMid:1340698., e na comunidade quilombola de Caiana dos Crioulos (Paraíba), na qual 16,44% das mulheres e 16,13% dos homens eram hipertensos66 Silva JAN. Condições sanitárias e de saúde em Caiana dos Crioulos, uma comunidade Quilombola do Estado da Paraíba. Saúde Soc. 2007;16(2):111-24. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902007000200011.
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. Em remanescentes de quilombos do Vale do Ribeira (São Paulo), a prevalência de HA (aferida) foi similar, cerca de 42%1111 Bezerra VM, Andrade ACS, César CC, Caiaffa WT. Comunidades quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil: hipertensão arterial e fatores associados. Cad Saude Publica. 2013;29(9):1889-902. PMid:24068233. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013001300027.
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. Em inquérito populacional recente realizado em comunidades quilombolas do sudoeste da Bahia, a prevalência de HA aferida encontrada foi de 45,4%1111 Bezerra VM, Andrade ACS, César CC, Caiaffa WT. Comunidades quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil: hipertensão arterial e fatores associados. Cad Saude Publica. 2013;29(9):1889-902. PMid:24068233. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013001300027.
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. As diferenças constatadas nas frequências de HA podem ser explicadas, em parte, pelos diferentes métodos de mensuração da doença.

A prevalência da HA foi maior entre as mulheres, com associação estatisticamente significante na análise múltipla, corroborando achados de outros estudos2424 Ferreira SRG, Moura EC, Malta DC, Sarno F. Frequência de hipertensão arterial e fatores associados: Brasil, 2006. Rev Saude Publica. 2006;43(2):98-106. PMid:19936504.,2525 Lessa I, Magalhães L, Araújo MJ, Almeida FN, Aquino E, Oliveira MMC. Hipertensão arterial na população adulta de Salvador (BA) - Brasil. Arq Bras Cardiol. 2006;87(6):747-56. PMid:17262113. http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2006001900011.
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. Esse resultado pode ser explicado pelo fato de as mulheres serem geralmente mais perceptivas às doenças, possuírem mais autocuidado e buscarem mais assistência médica do que os homens. Por decorrência, elas apresentam maiores percentuais de reconhecimento, tratamento e controle da HA2626 Nogueira D, Faerstein E, Coeli CM, Chor D, Lopes CS, Werneck GL. Reconhecimento, tratamento e controle da hipertensão arterial: estudo Pró-Saúde, Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(2):103-9. PMid:20339613. http://dx.doi.org/10.1590/S1020-49892010000200003.
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. Além disso, em estudos transversais, há possibilidade de ocorrência de viés de sobrevivência2727 Goffredo FGS, Faerstein E. Incapacidade para atividades habituais: relação com pressão arterial e terapêutica anti-hipertensiva. Arq Bras Cardiol. 2010;94(4), que, nesse caso, pode ser explicado pela menor probabilidade de indivíduos masculinos sobreviverem por mais tempo com a doença. Ademais, a perda diferencial, observada em indivíduos do sexo masculino, pode ter causado superestimação da prevalência da doença na comunidade, uma vez que é esperada menor frequência da doença no grupo sub-representado.

A prevalência de HA foi maior com o aumento da idade. É sabido que as alterações fisiológicas decorrentes do processo de envelhecimento favorecem o desenvolvimento da HA2828 Cesarino CB, Cipullo JP, Martin JFV, Ciorlia LA, Godoy MPP, Cordeiro JA, et al. Prevalência e fatores sociodemográficos em hipertensos de São José do Rio Preto - SP. Arq Bras Cardiol. 2008;91(1):31-5. PMid:18660942. http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2008001300005.
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. Soma-se a isso a presença simultânea de agravos à saúde na população idosa, o que aumenta a procura por serviços de saúde, facilitando, assim, o diagnóstico da HA2626 Nogueira D, Faerstein E, Coeli CM, Chor D, Lopes CS, Werneck GL. Reconhecimento, tratamento e controle da hipertensão arterial: estudo Pró-Saúde, Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2010;27(2):103-9. PMid:20339613. http://dx.doi.org/10.1590/S1020-49892010000200003.
http://dx.doi.org/10.1590/S1020-49892010...
.

Constatou-se que as variáveis escolaridade e renda também estavam independentemente associadas à HA, com maiores prevalências nos indivíduos de menor escolaridade e maior renda per capita. Para a escolaridade, os resultados são semelhantes aos de outros trabalhos1111 Bezerra VM, Andrade ACS, César CC, Caiaffa WT. Comunidades quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil: hipertensão arterial e fatores associados. Cad Saude Publica. 2013;29(9):1889-902. PMid:24068233. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013001300027.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013...
, diferente da variável renda, para a qual não foi encontrada associação nos estudos consultados2424 Ferreira SRG, Moura EC, Malta DC, Sarno F. Frequência de hipertensão arterial e fatores associados: Brasil, 2006. Rev Saude Publica. 2006;43(2):98-106. PMid:19936504.,2828 Cesarino CB, Cipullo JP, Martin JFV, Ciorlia LA, Godoy MPP, Cordeiro JA, et al. Prevalência e fatores sociodemográficos em hipertensos de São José do Rio Preto - SP. Arq Bras Cardiol. 2008;91(1):31-5. PMid:18660942. http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2008001300005.
http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2008...
,2929 Rosário TM, Scala LCN, França GVA, Pereira MRG, Jardim PCBV. Prevalência, controle e tratamento da hipertensão arterial sistêmica em Nobres - MT. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6):672-8. PMid:20379643. http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2009001200018.
http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2009...
. Porém os pontos de corte distintos adotados para essa variável exigem cautela nas interpretações. Por exemplo, o estrato de renda mais elevado empregado no presente estudo (acima de ½ salário mínimo) equivale à renda mais baixa em investigação semelhante2929 Rosário TM, Scala LCN, França GVA, Pereira MRG, Jardim PCBV. Prevalência, controle e tratamento da hipertensão arterial sistêmica em Nobres - MT. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6):672-8. PMid:20379643. http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2009001200018.
http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2009...
. De uma forma geral, o baixo nível socioeconômico e educacional da população prejudica o acesso ao sistema de saúde, compromete a compreensão de problemas e a adesão a tratamentos, consequentemente influenciando de forma negativa nas condições de saúde3030 Martins LCG, Guedes NG, Teixeira IX, Lopes MVO, Araujo TL. Physical activity level in people with high blood pressure. Rev Latino-Am Enfermagem. 2009;17(4):462-7. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692009000400005.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692009...
. O nível de instrução é também fator importante ao se considerar estratégias de abordagem em relação às práticas de promoção, proteção e recuperação da saúde.

Foi encontrada maior frequência de HA entre os indivíduos que fizeram uso de medicamentos (anti-hipertensivos ou não) nos últimos 15 dias anteriores à pesquisa, confirmando resultados de outro estudo, em que a presença de doença crônica, como a hipertensão, foi o maior preditor do consumo de medicamentos. Isso se deve ao fato de que a manutenção da qualidade de vida de pessoas nessas condições depende do uso contínuo de fármacos3131 Arrais PSD, Brito LL, Barreto ML, Coelho HLL. Prevalência e fatores determinantes do consumo de medicamentos no Município de Fortaleza, Ceará, Brasil. Cad Saude Publica. 2005;21(6):1737-46. PMid:16410858. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2005000600021.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2005...
. O tratamento medicamentoso é uma alternativa válida para o controle da pressão arterial99 VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95(1 Suppl 1):1-51., porém mudanças dos hábitos alimentares e no estilo de vida devem ser priorizados sempre que possível.

Endossando os resultados apresentados no presente trabalho, estudos anteriores demonstraram que excesso de peso e CC elevada são fatores importantes associados à HA1111 Bezerra VM, Andrade ACS, César CC, Caiaffa WT. Comunidades quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil: hipertensão arterial e fatores associados. Cad Saude Publica. 2013;29(9):1889-902. PMid:24068233. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013001300027.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013...
,2525 Lessa I, Magalhães L, Araújo MJ, Almeida FN, Aquino E, Oliveira MMC. Hipertensão arterial na população adulta de Salvador (BA) - Brasil. Arq Bras Cardiol. 2006;87(6):747-56. PMid:17262113. http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2006001900011.
http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2006...
,2929 Rosário TM, Scala LCN, França GVA, Pereira MRG, Jardim PCBV. Prevalência, controle e tratamento da hipertensão arterial sistêmica em Nobres - MT. Arq Bras Cardiol. 2009;93(6):672-8. PMid:20379643. http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2009001200018.
http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2009...
,3232 Nascente FMN, Jardim PCBV, Peixoto MRG, Monego ET, Moreira HG, Vitorino PVO, et al. Hipertensão arterial e sua correlação com alguns fatores de risco em cidade brasileira de pequeno porte. Arq Bras Cardiol. 2010;95(4):502-9. PMid:20802968. http://dx.doi.org/10.1590/S0066-782X2010005000113.
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. O sobrepeso, somado ao acúmulo de gordura na região abdominal, é preocupante pelo fato de que, em geral, indivíduos nessas condições apresentam simultaneamente dislipidemia, resistência à insulina e HA, caracterizando-os como portadores da síndrome metabólica, aumentando o risco de complicações cardiovasculares e óbito1818 World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Geneva: WHO; 1995. (WHO Technical Report Series, 854).. No modelo final, apenas o IMC de obesidade foi associado à HA, resultado similar a estudo realizado em comunidades quilombolas do sudoeste da Bahia1111 Bezerra VM, Andrade ACS, César CC, Caiaffa WT. Comunidades quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil: hipertensão arterial e fatores associados. Cad Saude Publica. 2013;29(9):1889-902. PMid:24068233. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013001300027.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013...
.

Apesar de o diabetes mellitus e as dislipidemias integrarem o grupo dos fatores de risco mais relevantes para doenças cardiovasculares2020 Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2014/2015. São Paulo: AC Farmacêutica; 2015., sua investigação (por meio de dosagens bioquímicas) em comunidades quilombolas da Bahia é pioneira no presente trabalho. Em comunidades quilombolas ribeirinhas da Amazônia, a prevalência de diabetes foi inferior, porém similar a verificada no presente trabalho (5,9 e 6,5%, respectivamente)3333 Camelo BA, Santos V, Reis RC, Oliveira APP. Quilombolas rurais e urbanos: o perfil das doenças crônicas não transmissíveis. Nutrire. 2011;36(Suppl):41.. As dislipidemias, cuja prevalência atingiu cerca de metade da população estudada, não apresentaram associação estatisticamente significante com a HA. O estudo desses fatores, a partir de dosagens bioquímicas, complementam trabalhos anteriores relacionados ao estudo das condições de saúde e perfil de risco cardiovascular de comunidades quilombolas.

O diabetes mellitus mostrou associação independente com a HA, o que é particularmente importante pelo fato de ser uma doença de manejo complexo, principalmente em localidades rurais onde o acesso a serviços de saúde é precário. O maior risco de complicações cardiovasculares em diabéticos justifica a necessidade de uma abordagem simultânea para a prevenção e controle dessas doenças2020 Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2014/2015. São Paulo: AC Farmacêutica; 2015.,2424 Ferreira SRG, Moura EC, Malta DC, Sarno F. Frequência de hipertensão arterial e fatores associados: Brasil, 2006. Rev Saude Publica. 2006;43(2):98-106. PMid:19936504..

A principal limitação do estudo relaciona-se ao seu delineamento transversal, o que não permite estabelecer relações de causalidade entre as variáveis explicativas e o desfecho.

Em relação às perdas, comparando-se com inquérito domiciliar realizado em comunidades quilombolas do sudoeste da Bahia1010 Bezerra VM, Medeiros DS, Gomes KO, Souzas R, Giatti L, Steffens AP, et al. Inquérito de Saúde em Comunidades Quilombolas de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil (Projeto COMQUISTA): aspectos metodológicos e análise descritiva. Ciênc saúde coletiva. 2014;19(6):1835-47. e que incluiu a comunidade Boqueirão, a porcentagem e o padrão das perdas foram similares quando se avalia a população em questão (23 e 22%, respectivamente). As perdas, em partes, podem ser explicadas pelo fato de se tratar de uma população residente em área rural, cuja composição é flutuante. Uma das principais causas para a flutuação consiste no deslocamento, principalmente dos homens, para outras localidades em busca de trabalho. Outra possível causa das perdas é a desatualização do cadastro de moradores fornecido pelos ACS, o que levou, possivelmente, à contabilização de indivíduos que não residiam na comunidade no período da coleta dos dados.

Por fim, possíveis generalizações dos resultados encontrados devem ser realizadas com cautela, já que a população estudada não é representativa de todas as comunidades quilombolas do interior da Bahia. No entanto, em âmbito nacional brasileiro, o presente estudo inclui-se entre os poucos realizados em grupamentos étnicos isolados.

A elevada prevalência de HA e de fatores de risco associados na Comunidade Quilombola Boqueirão reforça a necessidade de uma abordagem integral do perfil de risco dessa população. Ações como melhorias na infraestrutura e funcionamento do serviço de saúde local, bem como a realização de campanhas de promoção da saúde, podem otimizar a assistência prestada, contribuindo para a prevenção de fatores de risco e comorbidades, além do diagnóstico precoce e do tratamento.

Ademais, a implementação e a garantia do acesso a políticas públicas intersetoriais, abrangendo órgãos da educação, saúde, cultura e desenvolvimento social, poderiam contribuir para a melhoria das condições de vida e saúde em comunidades rurais e socialmente vulneráveis, como os remanescentes de quilombos.

  • Trabalho realizado na Comunidade Quilombola Boqueirão – Vitória da Conquista (BA), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio do edital FAPESB/CNPq 022/2009–PPP (Programa Primeiros Projetos). Financiamento de bolsa de estudos por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC–UFBA).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    25 Abr 2016
  • Aceito
    18 Jul 2016
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