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Análise espacial das anomalias congênitas do sistema nervoso

Spatial analysis of congenital malformations of the nervous system

Resumo

Introdução

A anomalia congênita do sistema nervoso ocorre durante o desenvolvimento embrionário. O território pode ser um fator determinante e esse conhecimento é importante para o planejamento de ações ou intervenções em saúde pública.

Objetivo

Detectar aglomerados espaciais da ocorrência das anomalias congênitas do sistema nervoso e caracterizá-las de acordo com as variáveis do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos.

Método

Estudo ecológico em que foram utilizados os dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos no Estado da Paraíba, período entre 2014 e 2016. Para a análise dos dados foram empregados a Razão de Incidências Espacial, a estatística Scan e o teste de Friedman.

Resultados

Foi constatado que nos anos de 2014 e 2016 os aglomerados espaciais estavam espalhados pelo Estado, enquanto no ano de 2015 ocorreu uma maior concentração desses ao noroeste do Estado.

Conclusão

A detecção dos aglomerados espaciais pode auxiliar os gestores na identificação de áreas prioritárias no cuidado à saúde de crianças com anomalias congênitas do sistema nervoso.

Palavras-chave:
análise espacial; análise por conglomerados; anormalidades congênitas; epidemiologia

Abstract

Background

The congenital malformation of the nervous system occurs during embryonic development. The territory can be a relevant factor and that knowledge is important in order to plan actions or interventions in public health.

Objective

Detecting spatial clusters of the congenital malformations of nervous system and characterizing them according to the data of the National Information System on Live Births.

Method

Ecological study using data from the National Information System on Live Births in the State of Paraíba in the period from 2014 to 2016. Spatial Incidence Ratio, Scan statistics and Friedman’s test were used for data analysis.

Results

In 2014 and 2016, spatial clusters dispersed across the State were observed. However, in 2015, there was a higher concentration of spatial clusters in the northwest of the state.

Conclusion

The spatial clusters detection can support managers to identify priority areas from children healthcare with congenital malformations of the nervous system.

Keywords:
spatial analysis; cluster analysis; congenital abnormalities; epidemiology

INTRODUÇÃO

Anomalia congênita, malformações ou defeitos são sinônimos empregados para descrever perturbações durante o desenvolvimento embrionário podendo ser estruturais, comportamentais, funcionais ou metabólicas11 Sadler TW. Langman, embriologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016.. Os estudos de Martin et al.22 Martin RJ, Fanaroff AA, Walsh MC. Fanaroff & Martin: medicina neonatal e perinatal: doenças do do feto e do neonato. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016. e de Kliegman et al.33 Kliegman RM, Stanton BF, St Geme JW, Schor NF, Behrman RE. Nelson tratado de pediatria. Rio de Janeiro: Elsevier; 2014. citam incidência mundial entre 2% e 2,5%, visto que pode ser influenciada por questões geográficas e socioculturais44 Gili JA, Poletta FA, Pawluk M, Gimenez LG, Campaña H, Castilla E, et al. High birth prevalence rates for congenital anomalies in South American regions. Epidemiology. 2015;26(5):e53-5. http://dx.doi.org/10.1097/EDE.0000000000000345. PMid:26134350.
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.

Enquanto, no Brasil foi verificada uma prevalência que variou entre 1,0% e 2,5%, a depender da região de estudo55 Almeida LFG, Araújo E Jr, Crott GC, Okido MM, Berezowski AT, Duarte G, et al. Epidemiological risk factors and perinatal outcomes of congenital anomalies. Rev Bras Ginecol Obstet. 2016;38(7):348-55. http://dx.doi.org/10.1055/s-0036-1586160. PMid:27459392.
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,66 Pinto EP Jr, Luz LA, Guimarães MAP, Tavares LT, Brito TRS, Souza GF. Prevalência e fatores associados às anomalias congênitas em recém-nascidos. Rev Bras Promoç Saúde. 2017;30(3):1-9. http://dx.doi.org/10.5020/18061230.2017.6467.
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. A anomalia congênita constitui a segunda causa de óbito na infância no Brasil, com uma taxa de 3,06 por mil nascidos vivos, ficando atrás apenas da prematuridade77 França EB, Lansky S, Rego MAS, Malta DC, França JS, Teixeira R, et al. Principais causas da mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de Carga Global de Doença. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(20 Supl 1):46-60. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201700050005. PMid:28658372.
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, mostrando ser um problema de saúde pública.

Em pesquisas realizadas no Brasil foi constatado que os casos de anomalia congênita do sistema nervoso foram os mais presentes dentre as possíveis causas de óbito na infância listadas na Classificação Internacional de Doenças55 Almeida LFG, Araújo E Jr, Crott GC, Okido MM, Berezowski AT, Duarte G, et al. Epidemiological risk factors and perinatal outcomes of congenital anomalies. Rev Bras Ginecol Obstet. 2016;38(7):348-55. http://dx.doi.org/10.1055/s-0036-1586160. PMid:27459392.
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,88 Reis LLAS, Ferrari R. Malformações congênitas: perfil sociodemográfico das mães e condições de gestação. Rev Enferm UFPE Online. 2014;8(1):98-106.. Entretanto na região Nordeste fica em segundo lugar99 Fontoura FC, Cardoso MVLML. Associação das malformações congênitas com variáveis neonatais e maternas em unidades neonatais numa cidade do nordeste brasileiro. Texto Contexto Enferm. 2014;23(4):907-14. http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014002320013.
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,1010 Rodrigues LS, Lima RHS, Costa LC, Batista RFL. Características das crianças nascidas com malformações congênitas no município de São Luís, Maranhão, 2002-2011. Epidemiol Serv Saude. 2014;23(2):295-304. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000200011.
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. Conforme o desenvolvimento embrionário, as anomalias congênitas do sistema nervoso ocorrem devido a defeitos do tubo neural e malformações da medula espinhal; encefalocele; distúrbios de especificação estrutural; anomalias da fossa posterior, tronco encefálico e cerebelo; distúrbios de crescimento do cérebro; e desordens de crescimento e forma do crânio33 Kliegman RM, Stanton BF, St Geme JW, Schor NF, Behrman RE. Nelson tratado de pediatria. Rio de Janeiro: Elsevier; 2014.. Dentre essas causas, os defeitos do tubo neural são responsáveis pela maior proporção dessas anomalias33 Kliegman RM, Stanton BF, St Geme JW, Schor NF, Behrman RE. Nelson tratado de pediatria. Rio de Janeiro: Elsevier; 2014..

O conhecimento do território (ou espaço geográfico) é um importante caminho para o planejamento das ações de promoção e de atenção integral a saúde1111 Santos AL, Rigotto RM. Território e territorialização: incorporando as relações produção, trabalho, ambiente e saúde na atenção básica à saúde. Trab Educ Saúde. 2011;8(3):387-406. http://dx.doi.org/10.1590/S1981-77462010000300003.
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. Ele apresenta a distribuição demográfica e epidemiológica dentro do contexto social, político, cultural e administrativo. A análise espacial por meio de um modelo inferencial permite identificar a distribuição espacial das doenças e sua relação com os fatores de risco, dentro desse espaço geográfico1212 Câmara G, Monteiro AM, Fucks SD, Carvalho MS. Análise espacial e geoprocessamento: análise espacial de dados geográficos. Brasília: EMBRAPA; 2004.. Em razão do quantitativo elevado de anomalias do sistema nervoso, da gravidade e repercussão na vida da criança e seus familiares, o presente estudo teve como objetivos: detectar aglomerados espaciais deste agravo e caracterizar as anomalias conforme as variáveis disponíveis no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), no estado da Paraíba, durante o período de 2014 a 2016.

MÉTODO

Este estudo é caracterizado por ser ecológico, utilizando dados secundários provenientes do Sinasc, no período entre 2014 e 2016, que foram disponibilizados pela Secretaria Estadual de Saúde da Paraíba. O estado da Paraíba, localizado na região Nordeste do Brasil, é composto por 223 municípios e quatro mesorregiões (Litoral/Mata Paraibana, Agreste Paraibano, Borborema e Sertão Paraibano).

Para caracterizar a amostra da pesquisa foram usadas as variáveis do Sinasc referentes à mãe: faixa etária (até 19 anos, 20 a 30 anos, 31 a 39 anos, 40 anos ou mais), estado civil (solteira, casada, divorciada, união consensual, ignorado, não preenchido), escolaridade (anos de estudo: 0 a 3, 4 a 7, 8 a 11, 12 e mais, ignorado, não preenchido), número de consultas de pré-natal (nenhuma, 1 a 3, 4 a 6, 7 e mais, ignorado), tipo de gravidez (única, dupla, não preenchido) e parto (vaginal, cesáreo); e ao nascido vivo: sexo (feminino, masculino), peso ao nascer (em gramas: menos de 2.500, 2.500 e mais), Índice de Apgar no 1º e 5º minutos (0 a 3, 4 a 6, 7 a 10, não preenchido). Foram incluídos no estudo os casos registrados com anomalias do sistema nervoso, a saber: anencefalia e malformações similares, encefalocele, microcefalia, hidrocefalia congênita, outras malformações congênitas do cérebro, espinha bífida, outras malformações congênitas da medula espinhal, outras malformações congênitas do Sistema Nervoso Central, conforme categorização da ficha de notificação do Sinasc.

Na análise dos dados foram utilizados: a Razão de Incidências Espacial (RIE) e a estatística Scan para detectar os aglomerados espaciais. Foi realizado o teste de Friedman, com o intuito de averiguar a existência de diferenças entre as características sociais e clínicas das mães e as características clínicas dos nascidos vivos entre os anos analisados.

Para compreender a RIE se faz necessário definir duas entidades importantes na análise espacial: a região geográfica e o geo-objeto. A região geográfica é uma área geográfica delimitada de estudo em que os eventos de interesse ocorrem. Por exemplo, para um estudo epidemiológico focado nos casos de anomalias congênitas no território brasileiro o Brasil é a região geográfica. Além disso, pode ser representada por uma coleção de objetos distintos e localizáveis geograficamente dentro dela, estes, por sua vez, podem ser chamados geo-objetos1313 Goodchild M. Geographical data modeling. Comput Geosci. 1992;8(4):401-8. http://dx.doi.org/10.1016/0098-3004(92)90069-4.
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. Dando continuidade ao exemplo anterior, aquele estudo epidemiológico pode ser desenvolvido a partir das totalizações das notificações de casos de anomalias congênitas em cada estado brasileiro em um período de tempo. Portanto, o Brasil é a região geográfica e cada estado brasileiro é um geo-objeto.

Formalmente, seja uma região geográfica G formada por uma coleção n de geo-objetos denotados por g1, g2, ..., gn. Seja ainda X(gi), i=1, ..., n, uma variável aleatória que refere-se à contagem de ocorrências de um evento epidemiológico em um determinado período de tempo para cada geo-objeto gi; e M(gi) a população sob risco em cada geo-objeto gi. Então, a RIE para cada geo-objeto gi é dada pela Equação 1:

RIE g i = X g i M g i i = 1 n X g i i = 1 n M g i , (1)

ou seja, a RIE do geo-objeto gi é dada pela incidência de um evento epidemiológico no geo-objeto dividido pela incidência em toda a região geográfica.

Para interpretação da RIE(gi) foram empregadas as seguintes divisões: RIE nula quando não existe incidência do evento epidemiológico no geo-objeto gi; maior que 0 e menor que 0,5 atribui que a RIE é inferior à metade da incidência global na região geográfica no geo-objeto gi; maior ou igual a 0,5 e menor do que 1,0, a RIE é superior à metade, mas inferior à incidência global na região geográfica no geo-objeto gi; maior ou igual a 1,0 e menor do que 1,5, a RIE é superior à incidência global, mas inferior à 1,5 a incidência global na região geográfica no geo-objeto gi; maior ou igual a 1,5 e menor do que 2,0, a RIE é superior à 1,5 vezes da incidência global, mas inferior à 2,0 vezes a incidência global na região geográfica no geo-objeto gi; e quando maior ou igual a 2,0, a RIE é igual ou superior à 2,0 vezes a incidência global na região geográfica no geo-objeto gi.

A estatística Scan foi proposta por Kulldorff e Nagarwalla1414 Kulldorff M, Nagarwalla N. Spatial disease clusters: detection and inference. Stat Med. 1995;14(8):799-810. http://dx.doi.org/10.1002/sim.4780140809. PMid:7644860.
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com o intuito de detectar e inferir aglomerados espaciais de doenças. O método impõe uma janela circular em um mapa e permite que o centroide do círculo se mova no decorrer da região de estudo procurando áreas vizinhas em que tenham o centroide, também, na sua área. Desse modo, o objetivo da estatística Scan é identificar aglomerados nos quais a ocorrência do evento é significativamente mais provável dentro do próprio aglomerado do que fora. Ela pode ser empregada em situações em que os dados são agregados por área ou quando as coordenadas geográficas exatas são conhecidas para a ocorrência do evento. Para cada centroide, o raio permite que varie de zero a um valor máximo, porém é recomendado que um valor para limitar o raio seja 50% da população sob risco1414 Kulldorff M, Nagarwalla N. Spatial disease clusters: detection and inference. Stat Med. 1995;14(8):799-810. http://dx.doi.org/10.1002/sim.4780140809. PMid:7644860.
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.

Existem diferentes modelos probabilísticos, no entanto foi optado pelo modelo discreto de Poisson por ele usar dados de contagem de casos1515 Kulldorff M. A spatial Scan statistic. Commun Stat Theory Methods. 1997;26(6):1481-96. http://dx.doi.org/10.1080/03610929708831995.
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, sendo este o que melhor se adequa ao estudo. Foram utilizadas as simulações de Monte Carlo para testar a significância estatística, cujo número de casos é distribuído aleatoriamente para a população1414 Kulldorff M, Nagarwalla N. Spatial disease clusters: detection and inference. Stat Med. 1995;14(8):799-810. http://dx.doi.org/10.1002/sim.4780140809. PMid:7644860.
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. As simulações de Monte Carlo foram usadas com um nível de significância de 5%, utilizando 999 replicações aleatórias dos dados sob a hipótese nula de aleatoriedade espacial1414 Kulldorff M, Nagarwalla N. Spatial disease clusters: detection and inference. Stat Med. 1995;14(8):799-810. http://dx.doi.org/10.1002/sim.4780140809. PMid:7644860.
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.

Para o estudo foram analisados os percentuais 0,1%, 0,3%, 0,5%, 0,7%, 1%, 3%, 5%, 7% e 10% da população sob risco nos mapas da estatística Scan para cada ano utilizando como referência os mapas da RIE. Para avaliar a estatística Scan, foi necessário conhecer as coordenadas geográficas, o número de casos de cada município e a sua população de nascidos vivos.

Os dados foram armazenados em uma planilha eletrônica e analisados no software estatístico livre e gratuito R. O projeto foi submetido à avaliação pela Plataforma Brasil, tendo sido aprovado sob o número de protocolo 082/17 (CAEE n. 64574017.5.0000.5188), respeitando os critérios estabelecidos na Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012, que regulamenta a pesquisa em seres humanos.

RESULTADOS

A Tabela 1 foi composta por características sociais das mães, da gravidez e do parto de 371 registros identificados com ocorrência de anomalia congênita do sistema nervoso no recém-nascido. Em 2014, a idade das mães variou entre 16 e 45 anos, média de 27,2 anos. No período de 2015, apresentou uma variação entre 14 e 43 anos, com uma média de 25,3 anos, e, em 2016, entre 15 e 41 anos, com uma média de 25,4 anos. Nos três anos foi verificado que mais da metade da amostra estava na faixa etária entre 20 e 30 anos. Em relação ao estado civil, cerca de 40% tinha união consensual. Quanto a escolaridade, em geral, o período em que as mães estudaram variou de 8 a 11 anos.

Tabela 1
Características sociais das mães, da gravidez e do parto no estado da Paraíba, 2014 a 2016

No que diz respeito à gravidez, mais da metade das mulheres realizaram 7 ou mais consultas de pré-natal e mais de 90% das mulheres tiveram gestação única nos 3 anos analisados. O tipo de parto mais frequente foi o cesáreo, sendo o ano de 2014 que apresentou percentual maior (76,27%).

As características referentes aos nascidos vivos podem ser averiguadas na Tabela 2. Mais da metade da amostra nos 3 anos era do sexo feminino. Em 2014, a média de peso foi de 2.870 gramas e aproximadamente 70% da amostra apresentou menos de 2.500 gramas, isto é, baixo peso. Em 2015, a média de peso foi de 2.657 gramas e, em 2016, foi de 2.864 gramas. Em ambos os anos foi constatado que os nascidos vivos apresentaram peso igual ou maior a 2.500 gramas, ou seja, peso adequado.

Tabela 2
Características dos nascidos vivos no estado da Paraíba, 2014 a 2016

Em relação ao Índice de Apgar no 1º minuto, em 2014, 50,85% da amostra apresentou índice entre 7 e 10. Entretanto nos anos de 2015 e 2016, mais de 70% apresentaram estes mesmos valores. Em relação ao Índice de Apgar no 5º minuto, em todos os anos, mais de 70% apresentaram valores entre 7 e 10. Os tipos de anomalias congênitas mais frequentes foram hidrocefalia, em 2014, e microcefalia, nos anos de 2015 e 2016, representando 74,7% e 55,9% dos casos, respectivamente.

Na Figura 1 é possível averiguar a RIE e a estatística Scan das anomalias congênitas do sistema nervoso na Paraíba, no ano de 2014. A RIE destas anomalias variou entre 0 e 22,35 por mil habitantes, e seu maior registro ocorreu em um município localizado ao sudeste do estado. No estado, 35 municípios apresentaram uma RIE diferente de zero havendo uma maior concentração ao leste. Destes, 80% (28 municípios) demonstraram uma RIE igual ou superior a duas vezes a incidência global na região geográfica no geo-objeto gi. Em relação à estatística Scan foi usada 0,3% da população sob risco detectando 10 aglomerados espaciais distribuídos por todo estado.

Figura 1
(a) Razão de Incidências Espacial para o ano de 2014; e (b) Estatística Scan das anomalias congênitas do sistema nervoso na Paraíba no ano de 2014

A RIE e a estatística Scan das anomalias congênitas do sistema nervoso no estado da Paraíba, ano de 2015, podem ser observadas na Figura 2. A RIE teve uma variação entre 0 e 13,91 por mil habitantes. A cidade que demonstrou a maior RIE fica localizada ao noroeste do estado. Dos 223 municípios, 70 apresentaram uma RIE diferente de zero, destes, 57% (40 municípios) evidenciaram uma RIE igual ou superior a duas vezes a incidência global na região geográfica no geo-objeto gi. A estatística Scan com o percentual de 7% da população sob risco identificou 24 aglomerados espaciais com maior concentração ao noroeste do estado.

Figura 2
(a) Razão de Incidências Espacial para o ano de 2015; e (b) Estatística Scan das anomalias congênitas do sistema nervoso na Paraíba no ano de 2015

Na Figura 3 é possível observar a RIE e a estatística Scan das anomalias congênitas do sistema nervoso na Paraíba, no ano de 2016. A RIE das anomalias congênitas foi de 0 a 15,79 por mil habitantes, e o município com maior RIE está localizado no noroeste do estado. No estado da Paraíba, 62 municípios apresentaram RIE diferente de zero e, destes, 72,5% (45 municípios) comprovaram uma RIE igual ou superior a duas vezes a incidência global na região geográfica no geo-objeto gi. A estatística Scan com 1% da população sob risco detectou 11 aglomerados espaciais disperso pelo estado.

Figura 3
(a) Razão de Incidências Espacial para o ano de 2016; e (b) Estatística Scan das anomalias congênitas do sistema nervoso na Paraíba no ano de 2016

DISCUSSÃO

No presente estudo foi verificada a ocorrência e localização dos casos de anomalias congênitas do sistema nervoso no estado da Paraíba nos anos de 2014 a 2016. A estatística Scan identificou que nos anos de 2014 e 2016 os aglomerados estavam espalhados pelo estado e não se concentraram em apenas uma região, diferentemente de 2015, quando se apresentou uma maior concentração ao noroeste do estado. De maneira geral, esses aglomerados precisam ser monitorados por meio da vigilância dos municípios e do estado, apesar da dificuldade decorrente do fato de elas serem multifatoriais.

As diferenças numéricas na frequência observada de casos de microcefalia nos anos 2015 e 2016 identificados no estudo coincidem com as inesperadas diferenças de casos notificados de microcefalia, especialmente na região Nordeste, o que levou o Ministério da Saúde a decretar situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional1616 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Nota informativa nº 1/2015 – COES Microcefalias. Brasília; 2015.. Este aumento tem sido atribuído à provável exposição intrauterina ao vírus Zika1717 Schuler-Faccini L, Ribeiro EM, Feitosa IML, Horovitz DDG, Cavalcanti DPC, Pessoa A, et al. Possible association between Zika virus infection and microcephaly - Brazil, 2015. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(3):59-62. http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.mm6503e2. PMid:26820244.
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. Entretanto, essa diferença não se mostrou estatisticamente significativa, segundo o tipo de anomalia observada. A descrição espacial fornece outros elementos para se estudar, interpretar, ampliar os possíveis fatores etiológicos deste evento, além de identificar objetivamente áreas prioritárias para o direcionamento das ações de saúde.

Desta forma, o uso da estatística Scan pode ser uma abordagem eficiente para investigar fatores ambientais e/ou genéticos de uma população específica com anomalias congênitas44 Gili JA, Poletta FA, Pawluk M, Gimenez LG, Campaña H, Castilla E, et al. High birth prevalence rates for congenital anomalies in South American regions. Epidemiology. 2015;26(5):e53-5. http://dx.doi.org/10.1097/EDE.0000000000000345. PMid:26134350.
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. O reconhecimento de aglomerados pode ser um ponto de partida para a identificação da suscetibilidade genética associada à ocorrência de anomalias congênitas em regiões com alta taxa de prevalência de nascimentos de crianças com anomalias1818 Gili JA, Poletta FA, Giménez LG, Pawluk MS, Campaña H, Castilla EE, et al. Descriptive analysis of high birth prevalence rate geographical clusters of congenital anomalies in South America. Birth Defects Res A Clin Mol Teratol. 2016;106(4):257-66. http://dx.doi.org/10.1002/bdra.23481. PMid:26887535.
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.

A estatística Scan na área da saúde foi utilizada em outras pesquisas que abordaram doenças como tuberculose, dengue, hanseníase, anomalias congênitas1818 Gili JA, Poletta FA, Giménez LG, Pawluk MS, Campaña H, Castilla EE, et al. Descriptive analysis of high birth prevalence rate geographical clusters of congenital anomalies in South America. Birth Defects Res A Clin Mol Teratol. 2016;106(4):257-66. http://dx.doi.org/10.1002/bdra.23481. PMid:26887535.
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19 Sá LR, Nogueira JA, Moraes RM. Modelo de decisão sobre o perfil demográfico para o controle da tuberculose usando lógica fuzzy. Rev. Eletr. Enf. 2015;17(2):223-37. http://dx.doi.org/10.5216/ree.v17i2.27643.
http://dx.doi.org/10.5216/ree.v17i2.2764...

20 Melo JCS, Melo ACO, Moraes RM. Comparação dos métodos scan circular e flexível na detecção de aglomerados espaciais de dengue. In: Anais da 1ª Escola de Informática Teórica e Métodos Formais (ETMF 2016); 2016; Natal. Natal: UFRN; 2016. p. 1-9.
-2121 Freitas LRS, Duarte EC, Garcia LP. Análise da situação epidemiológica da hanseníase em uma área endêmica no Brasil: distribuição espacial dos períodos 2001-2003 e 2010-2012. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(4):702-13. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201700040012. PMid:29267754.
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720170...
. Estudos realizados em diferentes regiões do mundo verificaram a distribuição espacial de anomalias congênitas ou de algum tipo de anomalia específica44 Gili JA, Poletta FA, Pawluk M, Gimenez LG, Campaña H, Castilla E, et al. High birth prevalence rates for congenital anomalies in South American regions. Epidemiology. 2015;26(5):e53-5. http://dx.doi.org/10.1097/EDE.0000000000000345. PMid:26134350.
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,1818 Gili JA, Poletta FA, Giménez LG, Pawluk MS, Campaña H, Castilla EE, et al. Descriptive analysis of high birth prevalence rate geographical clusters of congenital anomalies in South America. Birth Defects Res A Clin Mol Teratol. 2016;106(4):257-66. http://dx.doi.org/10.1002/bdra.23481. PMid:26887535.
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http://dx.doi.org/10.1002/ajmg.a.32076...
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http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2011...
, confirmando a utilidade e potencialidade deste método para detectar anomalias congênitas do sistema nervoso. Dessa maneira, ressalta a importância deste agravo à saúde e a possibilidade de outros fatores etiológicos, ainda não identificados, estarem relacionados à ocorrência deste agravo no estado da Paraíba, especialmente considerando a concentração espacial do evento.

Os mapas da RIE servem como referência para análise dos mapas providos pela estatística Scan. A utilização da RIE permite padronizar as informações em função da população sob risco dos municípios, relacionando a incidência de cada município à incidência no estado em um determinado período de tempo.

O presente estudo permitiu detectar aglomerados espaciais das anomalias congênitas do sistema nervoso no estado da Paraíba, no período de 2014 a 2016 e descrever a ocorrência dos casos de acordo com as características das mães, parto, gravidez e dos nascidos vivos. A identificação dos aglomerados espaciais serve como subsídio para a eleição de áreas prioritárias no cuidado à saúde, para reduzir os possíveis riscos de ocorrência destas anomalias, também para planejar ações ou organizar os serviços de saúde. Esta metodologia pode ser aplicada a problemas de vigilância similares, sobre este ou outros espaços geográficos e também para outros agravos. Portanto, ela pode trazer importantes contribuições para a gestão pública e os profissionais de saúde.

AGRADECIMENTOS

Pelo apoio financeiro, a CAPES/FAPESQ-PB.

  • Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Modelos de Decisão e Saúde – João Pessoa (PB), Brasil.
  • Fonte de financiamento: CAPES/FAPESQ-PB (88887.144662/2017-00).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2018
  • Aceito
    19 Fev 2019
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