Acessibilidade / Reportar erro

Motivação para a escolha da motocicleta: uma análise sob a perspectiva de motociclistas acidentados

Motivation for choosing the motorcycle as a means of transportation: an analysis from the perspective of injured motorcyclists

Resumo

Introdução

A partir da década de 1990, começou a ocorrer um aumento significativo na produção e uso de motocicletas no Brasil; paralelamente, o número de vítimas fatais de acidentes de transporte terrestre aumentou. Em 2015, os motociclistas foram as principais vítimas fatais.

Objetivo

Identificar os fatores que motivam os motociclistas a escolher a motocicleta, apesar dos riscos, como um meio de transporte. Este estudo foi fundamentado no conceito de motivação, proposto por Bergamini, e na noção de tempo e espaço, proposta por Harvey.

Método

Estudo qualitativo, com seleção de amostra por saturação, desenvolvido com os motociclistas vítimas de acidentes de trânsito em um hospital de referência para trauma. O método de coleta de dados foi a entrevista, utilizando um questionário semiestruturado com análise de conteúdo.

Resultados

Foram entrevistados 15 motociclistas, todos homens, com mediana de idade de 26 anos. Os fatores motivacionais foram: “o tempo”, “aspectos financeiros”, “gosto pela motocicleta” e “único veículo disponível”.

Conclusão

A motivação maior para o indivíduo escolher a motocicleta como meio de transporte, independentemente de ser ou não motoboy, foi a possibilidade de gerar economia financeira e, ao mesmo tempo, proporcionar um ganho de tempo no dia a dia, embora outros fatores pessoais também tenham contribuído para essa motivação.

Palavras-chave:
acidentes de trânsito; motocicletas; motivação

Abstract

Background

Since the 1990s, there has been a significant increase in the production and use of motorcycles in Brazil. At the same time, the number of fatal victims of land transport accidents has increased. In 2015, motorcyclists were the main fatal victims of these accidents.

Objective

To identify the factors that motivate motorcyclists to choose the motorcycle as a means of transportation despite the risks. This study was based on the concept of motivation proposed by Bergamini and on the notion of time and space proposed by Harvey.

Method

A qualitative study, with sample selection by saturation, conducted with motorcyclists who were victims of traffic accidents in a reference trauma hospital. The data were collected through semi-structured interviews and analyzed.

Results

Fifteen motorcyclists, all men with median age of 26 years, were interviewed. The motivational factors revealed were “time”, “financial aspects”, “motorcycle appreciation”, “only vehicle available”.

Conclusion

The greatest motivation for choosing the motorcycle as a means of transportation was the possibility of generating financial savings while providing a daily gain of time, although other factors also contributed to this motivation.

Keywords:
accidents, traffic; motorcycles; motivation

INTRODUÇÃO

A partir da década de 1990, começou a ocorrer um aumento significativo na produção e uso de motocicletas no Brasil, sendo esse processo facilitado e estimulado por autoridades públicas responsáveis pelas leis relativas à produção de veículos e determinação de níveis de impostos da indústria, passando os fabricantes de motocicletas a desfrutar de benefícios fiscais11 Vasconcellos EA. O custo social da motocicleta no Brasil. Rev Transp Públicos. 20088;30-31:127-42.. De acordo com o Mapa da Motorização Individual no Brasil – Relatório 2019, entre 2008 e 2018 o número de motocicletas no Brasil saltou de 13 milhões para 26,7 milhões. As mais de 13 milhões de unidades que foram acrescidas à frota nesse período correspondem a uma variação percentual superior a 105%. De 2008 a 2018, a taxa de motorização passou de 6,9 para 12,8 motocicletas para cada 100 habitantes. Entre 2017 e 2018, houve um aumento de 3,6% na taxa de motorização, o que representa algo em torno de mil 922 motocicletas22 Rodrigues, JM, coordenador. Mapa da motorização individual no Brasil: relatório 2019. Rio de Janeiro: UFRJ; 2017..

Paralelamente, no Brasil, de 2000 a 2015, o número de vítimas fatais de acidentes de transporte terrestre aumentou 33%, o que representou aumento de 28.995 para 38.651, variando de 17,6 óbitos/100 mil habitantes em 2000 para 18,3 óbitos/100 mil habitantes em 2015. As principais vítimas fatais em 2000 foram os pedestres (30%); já em 2015, foram os motociclistas (31,4%), cujas taxas de mortalidade quadruplicaram nesse período de 1,5 óbito para 5,9 óbitos/100 mil habitantes33 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos objetivos de desenvolvimento sustentável. Brasília: Ministério da Saúde; 2018..

Na tentativa de compreender esse aumento, tanto na quantidade de motocicletas quanto na mortalidade em decorrência de acidentes de trânsito, a literatura apresenta alguns estudos sobre a subjetividade dos motociclistas, principalmente relacionados aos riscos do uso da motocicleta44 Souza HNF, Malta DC, Freitas MIF. Narratives of injured motorcyclists regarding risks and the various means of transport. Interface. 2018;22(67):1159-71. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017.0333.
http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017....

5 Silva DW, Andrade SM, Soares DA, Nunes EFPA, Melchior R. Condições de trabalho e riscos no trânsito urbano na ótica de trabalhadores motociclistas. Physis. 2008;18(2):339-60. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312008000200008.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312008...

6 Almeida GCM, Medeiros FCD, Pinto LO, Moura JMBO, Lima KC. Prevalence and factors associated with traffic accidents involving motorcycle taxis. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):382-8. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690223i. PMid:27280576.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016...

7 Lima MM, Linhares ACF, Farias MM, Medeiros HRL, Camboim FEDF, Sousa MNA. Identificação dos riscos ocupacionais e medidas protetivas de segurança laboral: estudo com grupo de mototaxistas. Arq Cienc Saúde. 2016;23(4):89-94. http://dx.doi.org/10.17696/2318-3691.23.4.2016.437.
http://dx.doi.org/10.17696/2318-3691.23....
-88 Teixeira JRB, Boery EM, Casotti CA, Araújo TM, Pereira R, Ribeiro IJS, et al. Associação entre aspectos psicossociais do trabalho e qualidade de vida de mototaxistas. Cad Saude Publica. 2015;31(1):97-110. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00214313. PMid:25715295.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00214...
. Souza et al.44 Souza HNF, Malta DC, Freitas MIF. Narratives of injured motorcyclists regarding risks and the various means of transport. Interface. 2018;22(67):1159-71. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017.0333.
http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017....
realizaram um estudo com o intuito de compreender as representações de motociclistas que sofreram acidente de trânsito acerca dos riscos e concluíram que, embora os atores admitam que a motocicleta é um veículo inseguro, ainda assim defendem seu uso.

Alguns estudos focalizam a percepção de motociclistas que utilizam a motocicleta como veículo, principalmente, para o trabalho, ou seja, grupos específicos, como mototaxistas ou motoboys55 Silva DW, Andrade SM, Soares DA, Nunes EFPA, Melchior R. Condições de trabalho e riscos no trânsito urbano na ótica de trabalhadores motociclistas. Physis. 2008;18(2):339-60. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312008000200008.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312008...

6 Almeida GCM, Medeiros FCD, Pinto LO, Moura JMBO, Lima KC. Prevalence and factors associated with traffic accidents involving motorcycle taxis. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):382-8. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690223i. PMid:27280576.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016...

7 Lima MM, Linhares ACF, Farias MM, Medeiros HRL, Camboim FEDF, Sousa MNA. Identificação dos riscos ocupacionais e medidas protetivas de segurança laboral: estudo com grupo de mototaxistas. Arq Cienc Saúde. 2016;23(4):89-94. http://dx.doi.org/10.17696/2318-3691.23.4.2016.437.
http://dx.doi.org/10.17696/2318-3691.23....
-88 Teixeira JRB, Boery EM, Casotti CA, Araújo TM, Pereira R, Ribeiro IJS, et al. Associação entre aspectos psicossociais do trabalho e qualidade de vida de mototaxistas. Cad Saude Publica. 2015;31(1):97-110. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00214313. PMid:25715295.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00214...
. O profissional motociclista é fruto de uma necessidade da sociedade, e as grandes cidades criaram a demanda desse profissional para realizar as atividades de entregas domésticas. Trata-se, portanto, da necessidade de organização da sociedade99 Veronese AM, Oliveira DLLC. Os riscos dos acidentes de trânsito na perspectiva dos motoboys: subsídios para a promoção da saúde. Cad Saude Publica. 2006;22(12):2717-21. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2006001200021. PMid:17096050.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2006...
.

No entanto, a motivação do indivíduo nem sempre vem apenas de fatores externos, ou seja, questões sociais e econômicas. Bergamini1010 Bergamini CW. O que não é motivação. Rev Adm Empresas. 1986;21(4):3-8. afirma que existem duas maneiras distintas de pensar sobre motivação. Na primeira, as pessoas são motivadas, ou seja, a motivação vem de fora do indivíduo, estando limitada a fatores extrínsecos; na segunda, entende-se que ninguém consegue motivar ninguém, ou seja, a motivação vem do interior do sujeito, algo que ocorre espontaneamente.

A partir da problemática apresentada, considerando o homem como sujeito singular, percebe-se a necessidade de identificar os fatores que motivam os motociclistas de um modo geral, e não apenas grupos específicos (como dos motoboys ou mototaxistas), a se exporem aos riscos de acidentes no trânsito ao escolherem uma motocicleta como meio de transporte. Este estudo tem como fundamentação teórica a obra de Harvey1111 Harvey D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 17. ed. São Paulo: Loyola; 2008., em que o tempo e o espaço são influenciados pelas mudanças relacionadas à prática produtiva do capitalismo, além do conceito de motivação proposto por Bergamini1010 Bergamini CW. O que não é motivação. Rev Adm Empresas. 1986;21(4):3-8..

Dessa forma, este estudo pretende identificar os fatores que motivam os motociclistas a escolher a motocicleta como meio de transporte, apesar dos riscos conhecidos.

MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo, do tipo estudo de caso, desenvolvido no Hospital João XXIII, referência em trauma do estado de Minas Gerais, localizado na cidade de Belo Horizonte, MG.

Os sujeitos da pesquisa foram motociclistas vítimas de acidentes de trânsito que foram submetidos a tratamento cirúrgico no Hospital João XXIII, de 2 a 18 de março de 2016. O número de indivíduos participantes foi definido pelo processo de saturação da amostragem, ou seja, quando as observações deixaram de ser necessárias, pois nenhuma informação nova coletada alterou a compreensão do fenômeno estudado. Os critérios de inclusão adotados foram apresentar quadro clínico estável e concordar em participar por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os critérios de não inclusão foram: estar com humor deprimido (com registro no prontuário), confuso ou não conseguir responder por si, apresentar rebaixamento neurológico (Escala de Coma de Glasgow igual ou menor que 8), ser menor de 18 anos e não estar acompanhado pelos pais ou responsáveis.

O método de coleta de dados foi uma entrevista individualizada utilizando questionário semiestruturado, guiada por um roteiro, formulado a partir da literatura55 Silva DW, Andrade SM, Soares DA, Nunes EFPA, Melchior R. Condições de trabalho e riscos no trânsito urbano na ótica de trabalhadores motociclistas. Physis. 2008;18(2):339-60. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312008000200008.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312008...

6 Almeida GCM, Medeiros FCD, Pinto LO, Moura JMBO, Lima KC. Prevalence and factors associated with traffic accidents involving motorcycle taxis. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):382-8. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690223i. PMid:27280576.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016...

7 Lima MM, Linhares ACF, Farias MM, Medeiros HRL, Camboim FEDF, Sousa MNA. Identificação dos riscos ocupacionais e medidas protetivas de segurança laboral: estudo com grupo de mototaxistas. Arq Cienc Saúde. 2016;23(4):89-94. http://dx.doi.org/10.17696/2318-3691.23.4.2016.437.
http://dx.doi.org/10.17696/2318-3691.23....
-88 Teixeira JRB, Boery EM, Casotti CA, Araújo TM, Pereira R, Ribeiro IJS, et al. Associação entre aspectos psicossociais do trabalho e qualidade de vida de mototaxistas. Cad Saude Publica. 2015;31(1):97-110. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00214313. PMid:25715295.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00214...
. As entrevistas foram gravadas na forma de áudio e transcritas para posterior análise. Todas as falas gravadas foram transcritas na íntegra, sem alterações e/ou correções linguísticas. Para caracterizar a amostra da pesquisa, foram coletadas informações referentes ao perfil sociodemográfico dos participantes por meio de um formulário criado para este estudo.

As entrevistas foram realizadas na Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA) quando os pacientes estavam em condições clínicas adequadas para respondê-las. Os participantes receberam as explicações sobre a pesquisa e seus objetivos. Todas as entrevistas foram realizadas por um único pesquisador à beira do leito do paciente, em momentos mais tranquilos e quando o indivíduo já se encontrava em alta da SRPA. Para preservar a privacidade do sujeito, foi colocado um biombo ao redor do leito do paciente e foi utilizado um tom de voz mais baixo.

As entrevistas foram realizadas no mês de março de 2016, durante 17 dias. O tempo médio de duração da aplicação do questionário foi de 10 minutos, sendo o mínimo de 4 minutos e 35 segundos e o máximo de 10 minutos e 31 segundos.

As entrevistas foram realizadas por apenas um pesquisador, que também foi o responsável pela análise dos dados, a partir da transcrição das entrevistas. Essa definição objetivou garantir maior confiabilidade à pesquisa. Para não expor os nomes dos motociclistas, as falas apresentadas foram representadas pela letra “E”, que significa entrevistado, seguido por um algarismo arábico, que indica a ordem em que os sujeitos da pesquisa foram entrevistados, por exemplo, “E1” representa o entrevistado número 1. A partir da transcrição, os documentos foram analisados na perspectiva da análise de conteúdo, de acordo com Bardin1212 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. 229 p..

O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) (Parecer 1.397.344) e da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) (Parecer 1.414.015) e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Participaram 15 motociclistas, todos do sexo masculino, com média de idade de 26,9 anos. A idade mínima foi de 18 anos, e a máxima, 52, e a mediana foi de 26 anos. A Tabela 1 apresenta a distribuição dos participantes quanto às suas características sociodemográficas. Todos os sujeitos residiam na Região Metropolitana de Belo Horizonte, MG.

Tabela 1
Características sociodemográficas dos participantes

A Figura 1 apresenta a classificação dos participantes do estudo no que se refere à utilização da motocicleta para o trabalho/lazer. Cinco motociclistas declararam utilizá-la como instrumento direto de trabalho, dos quais três faziam serviços de motoboy para as empresas em que trabalhavam e os outros dois utilizavam a motocicleta para atendimento domiciliar em suas profissões. Dos dez motociclistas que não utilizavam a motocicleta como instrumento direto do trabalho, oito a usavam como meio de deslocamento ao trabalho, e os outros dois, para outros fins, por exemplo, lazer. Dessa forma, dos 15 motociclistas entrevistados, 13 (86,6%) faziam uso da motocicleta como meio de transporte para fins laborais de forma direta e indireta.

Figura 1
Classificação dos participantes do estudo quanto à utilização da motocicleta para o trabalho/lazer

De forma geral, as características dos participantes deste estudo, considerando principalmente a predominância do sexo masculino, a média de idade e o baixo nível de escolaridade, foram semelhantes ao encontrado na literatura sobre motociclistas44 Souza HNF, Malta DC, Freitas MIF. Narratives of injured motorcyclists regarding risks and the various means of transport. Interface. 2018;22(67):1159-71. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017.0333.
http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017....
,1313 Silva MB, Oliveira MB, Fontana RT. Atividade do mototaxista: riscos e fragilidades autorreferidos. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1048-55. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672011000600010. PMid:22664603.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672011...

14 Paula GF, Camargo FCC, Iwamoto HH. Condições de saúde e trabalho e exposição a acidentes e violência no trânsito entre mototaxistas. Rev Enferm Atenção Saúde. 2015;4(2):74-87. http://dx.doi.org/10.18554/2317-1154v4n2p74.
http://dx.doi.org/10.18554/2317-1154v4n2...
-1515 Heydari ST, Vossoughi M, Akbarzadeh A, Lankarani KB, Sarikhani Y, Javanmardi K, et al. Prevalence and risk factors of alcohol and substance abuse among motorcycle drivers in Fars province, Iran. Chin J Traumatol. 2016;19(2):79-84. http://dx.doi.org/10.1016/j.cjtee.2015.12.006. PMid:27140214.
http://dx.doi.org/10.1016/j.cjtee.2015.1...
.

Segundo Ribeiro et al.1616 Ribeiro EL, Silva Júnior JCR, Azevedo FHC. Produção científica acerca dos acidentes de trânsito no Brasil. Rev Saúde em Foco. 2014;1(2):149-66., ser jovem adulto (15 até 40 anos), do sexo masculino e condutor de motocicleta são os principais fatores de risco para os acidentes de trânsito no Brasil. De fato, a maioria dos estudos com motociclistas1717 Jomar RT, Abreu AMM, Souto JS. Beber e dirigir: comportamentos de motociclistas abordados pela operação lei seca. Cogitare Enferm. 2015;20(4):792-7. http://dx.doi.org/10.5380/ce.v20i4.43010.
http://dx.doi.org/10.5380/ce.v20i4.43010...

18 Novo CF, Soares DP, Miolla JCS, Thielen IP. Percepção de risco de motociclistas infratores. Psicologia. 2015;35(4):991-1006. http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703000182014.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-370300018...
-1919 Golias ARC, Caetano R. Acidentes entre motocicletas: análise dos casos ocorridos no estado do Paraná entre julho de 2010 e junho de 2011. Cien Saude Colet. 2013;18(5):1235-46. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000500008. PMid:23670451.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013...
revela a predominância do sexo masculino no uso da motocicleta, principalmente entre os acidentados. Segundo esses autores, esse fato pode ser explicado por algumas características geralmente associadas aos jovens do sexo masculino, como audácia, sensação de invulnerabilidade e tendência de superestimar as capacidades.

Observa-se que há predominância da baixa renda entre os motociclistas, sendo esse meio de transporte uma alternativa de menor custo para essa população. A baixa escolaridade é outro fator que está ligado aos motociclistas, sendo a motocicleta, para muitos, uma oportunidade de fonte de renda, pois, com a baixa escolaridade, eles se veem sem opção para pleitear empregos que exigem maior grau de escolaridade55 Silva DW, Andrade SM, Soares DA, Nunes EFPA, Melchior R. Condições de trabalho e riscos no trânsito urbano na ótica de trabalhadores motociclistas. Physis. 2008;18(2):339-60. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312008000200008.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312008...
,2020 Amorim CR, Araújo EM, Araújo TM, Oliveira NF. Acidentes de trabalho com mototaxistas. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(1):25-37. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012000100003. PMid:22450490.
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012...
.

Silva et al.55 Silva DW, Andrade SM, Soares DA, Nunes EFPA, Melchior R. Condições de trabalho e riscos no trânsito urbano na ótica de trabalhadores motociclistas. Physis. 2008;18(2):339-60. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312008000200008.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312008...
, ao realizarem um estudo qualitativo com motociclistas, procurando identificar e analisar a percepção de motoboys quanto a aspectos relacionados ao seu processo laboral, aos riscos no trânsito e à ocorrência de acidentes, destacaram que a maior composição de profissionais que utilizam a motocicleta como meio de trabalho era de homens que estavam desempregados e optaram por atuar como motoboys ou mototaxistas para obter alguma renda. Além disso, a baixa escolaridade foi um fator importante para a opção de profissões com o uso de motocicleta.

É importante salientar que a maioria tinha relato de acidentes prévios de moto. Este aspecto, ou seja, acidentes recorrentes, também foi observado em outro estudo brasileiro com motociclistas1313 Silva MB, Oliveira MB, Fontana RT. Atividade do mototaxista: riscos e fragilidades autorreferidos. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1048-55. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672011000600010. PMid:22664603.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672011...
.

Motivação para o uso da motocicleta

A partir das entrevistas dos sujeitos, emergiram nove categorias iniciais, que, de forma geral, representaram os fatores que motivaram os motociclistas a escolher a motocicleta como meio de transporte (Quadro 1).

Quadro 1
Formação de categorias finais – motivação para a escolha da motocicleta

Estas categorias iniciais foram agrupadas nas categorias finais: “o tempo”, “aspectos financeiros”, “gosto pela motocicleta” e “único veículo disponível”.

O tempo

A categoria “o tempo” representa os fatores e condições que potencializam a motocicleta como uma poupadora de tempo na vida do motociclista. Essa ideia esteve presente nas entrevistas de 13 motociclistas (86,6% dos entrevistados), sendo o fator mais marcante para eles a escolha da motocicleta como meio de transporte.

O tempo de deslocamento é um elemento muito precioso para os motociclistas que buscam aproveitá-lo ao máximo em suas jornadas.

[...] mas não gosto de esperar o ônibus, se tivesse assim um ônibus que ia passar 7 horas, então 7 horas eu estava lá no ponto, entrava dentro dele e acabou. O que mata é esperar, entendeu? Mas eu gosto de andar de ônibus, mas a moto para mim por enquanto está sendo a melhor escolha. (E4).

[...] por ser mais rápido [...]. (E2).

Bom, na verdade eu tenho carro também [...] e quando eu comecei a faculdade eu tinha que sair muito cedo de carro pra ir para faculdade, então foi por questão de tempo mesmo, pra economizar tempo [...] enquanto de carro eu gastava 1 hora e 40 minutos de moto eu gastava 25 minutos prá chegar à faculdade então era um ganho de tempo muito grande [...]. (E6).

Os motociclistas revelaram a questão da agilidade da motocicleta como elemento que proporciona reduzir o tempo de deslocamento, facilitando a vida do sujeito.

Agilidade, tudo te leva a escolher ela [...]. (E7).

Resolve meus problemas muito mais rápido do que um carro, eu consigo resolver tudo, vamos supor, até meio-dia eu consigo resolver tudo, de carro eu fico o dia inteiro e não resolvo nada. (E13).

A palavra “rápido” foi destacada em muitas entrevistas, e ficou claro o significado dessa rapidez para o motociclista, que busca um veículo que consiga quebrar a lógica do tempo para efetuar suas tarefas do dia a dia.

O tempo surgiu na pesquisa como um elemento que deve ser utilizado da melhor maneira possível, revertendo-o em trabalho ou em descanso, pois perder tempo no trânsito é uma situação desnecessária e, às vezes, até insuportável para alguns motociclistas. Os participantes consideram que existem mecanismos para conseguir reduzir o tempo de deslocamento no trânsito, sendo a motocicleta um dos principais instrumentos para isso. Reforçando essa posição, Souza et al.44 Souza HNF, Malta DC, Freitas MIF. Narratives of injured motorcyclists regarding risks and the various means of transport. Interface. 2018;22(67):1159-71. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017.0333.
http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017....
também apresentam a questão da vantagem do tempo gasto com a motocicleta em relação ao transporte público para deslocamento para o trabalho relatado pelos motociclistas entrevistados.

No presente estudo, os entrevistados enfatizam outros aspectos importantes da dimensão tempo, como a facilidade e a praticidade que o uso da motocicleta traz. A motocicleta é um veículo compacto que permite grande mobilidade e facilita o acesso a alguns ambientes, gerando economia de tempo em relação ao que gastariam com outros veículos.

[...] prático, tem que ser a motocicleta [...]. (E5).

[...] em termos de resolver muitas coisas, entendeu? (E9).

[...] questão de acesso, também mobilidade. (E10).

Usava por necessidade, usava para questão até de estacionar, hoje lá na cidade é difícil de estacionar, numa cidade com mais de 100 mil habitantes, não é para falar que lá é igual aqui não, mas tem mais de 100 mil habitantes, não é grande não, mas moto facilita para estacionar. (E4).

Assim como no presente estudo, Queiroz e Oliveira2121 Queiroz MS, Oliveira PC. Acidentes de trânsito: uma análise a partir da perspectiva das vítimas em Campinas. Psicol Soc. 2003;15(2):101-23. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822003000200008.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822003...
também encontraram a praticidade da motocicleta como uma das vantagens desse veículo, destacando a questão da facilidade de estacionar a motocicleta em qualquer lugar.

A facilidade de locomoção da motocicleta e as regras do mercado pautadas na agilidade e economia constituem fator importante na escolha da motocicleta como meio de transporte66 Almeida GCM, Medeiros FCD, Pinto LO, Moura JMBO, Lima KC. Prevalence and factors associated with traffic accidents involving motorcycle taxis. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):382-8. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690223i. PMid:27280576.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016...
. Isso demonstra que o elemento tempo é, sem dúvida, um fator motivador para o sujeito escolher a motocicleta como meio de transporte no trânsito, considerando que, no processo de produção capitalista, o tempo está intimamente ligado ao dinheiro e que este, por sua vez, representa para a sociedade capitalista um elemento indispensável para a manutenção da vida e das relações interpessoais1010 Bergamini CW. O que não é motivação. Rev Adm Empresas. 1986;21(4):3-8.,1111 Harvey D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 17. ed. São Paulo: Loyola; 2008..

Harvey1111 Harvey D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 17. ed. São Paulo: Loyola; 2008. denominou “compressão do tempo e do espaço” a forma com que o capitalismo historicamente tem como característica o processo de aceleração do ritmo de vida das pessoas e com isso conseguiu alterar a representatividade do mundo para os indivíduos. Ele aponta que a quebra de barreiras espaciais e o encurtamento das distâncias, proporcionando a diminuição do tempo, levam à sensação de compressão ou encurtamento do tempo e espaço.

Aspectos financeiros

A categoria “aspectos financeiros” demonstra que a condição financeira determinou a utilização da motocicleta como meio de transporte, resultando em economia de dinheiro para o sujeito. Dos 15 motociclistas entrevistados, 12 (80%) apresentaram argumentação dentro desta categoria.

Alguns motociclistas enfatizaram aspectos financeiros relacionados à compra, manutenção e consumo da moto:

[...] para ter um combustível mais barato, economizar mais o carro, entendeu? (E14).

Custo também, entendeu? Com moto você trabalha com ela, você consegue quase tudo com motocicleta, com carro fica mais difícil, não é? Os custos são bem mais altos. (E9).

Hoje em dia passagem (de ônibus) é 5 e 50, cinco e cinquenta pra ir e mais para voltar então só pra ir é mais de oito reais [...] então assim, se você coloca 10 reais de gasolina, você roda a semana toda, entendeu?! (E10).

Outros estudos brasileiros44 Souza HNF, Malta DC, Freitas MIF. Narratives of injured motorcyclists regarding risks and the various means of transport. Interface. 2018;22(67):1159-71. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017.0333.
http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017....
,2121 Queiroz MS, Oliveira PC. Acidentes de trânsito: uma análise a partir da perspectiva das vítimas em Campinas. Psicol Soc. 2003;15(2):101-23. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822003000200008.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822003...
corroboram o resultado desta pesquisa, ou seja, o fator econômico é um dos mais importantes na motivação dos indivíduos para adquirir uma motocicleta.

A facilidade de aquisição da motocicleta e o baixo custo de manutenção, aliados às deficiências do transporte coletivo, criaram um ambiente propício ao uso de motocicletas como instrumento de trabalho, na maioria das vezes informal. Nesse contexto, principalmente nas pequenas cidades, surgiu o serviço de transporte de passageiros, popularmente conhecido como mototáxi. Por outro lado, existem ainda os motoboys, entendidos como motociclistas que prestam pequenos serviços. Ambos atendem às necessidades de rapidez e agilidade da sociedade contemporânea de consumo66 Almeida GCM, Medeiros FCD, Pinto LO, Moura JMBO, Lima KC. Prevalence and factors associated with traffic accidents involving motorcycle taxis. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):382-8. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690223i. PMid:27280576.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016...
,2222 Barros AJD, Amaral RL, Oliveira MSB, Lima SC, Gonçalves EV. Motor vehicle accidents resulting in injuries: underreporting, characteristics, and case fatality rate. Cad Saude Publica. 2003;19(4):979-86. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2003000400021. PMid:12973564.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2003...

23 Simpson JC, Wilson S, Currey N. Motorcyclists’ perceptions and experiences of riding and risk and their advice for safety. Traffic Inj Prev. 2015;16(2):159-67. http://dx.doi.org/10.1080/15389588.2014.911852. PMid:24761932.
http://dx.doi.org/10.1080/15389588.2014....
-2424 Andrade SSCA, Mello-Jorge MHP. Mortality and potential years of life lost by road traffic injuries in Brazil. Rev Saude Publica. 2016;50(0):59. http://dx.doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006465. PMid:27706375.
http://dx.doi.org/10.1590/S1518-8787.201...
.

Também ficou claro, no presente estudo, que o fato de o sujeito comprar uma motocicleta pode estimulá-lo a utilizá-la como instrumento de trabalho para complementar sua renda ou até mesmo como opção única de renda financeira.

Primeiramente, eu escolhi por causa da questão financeira mesmo, e depois a trabalho, mexendo com informática, o cliente liga pra você ir lá resolver [...]. (E11).

Porque minha condição financeira é de ter uma moto. Quando eu tirei carteira, só tinha condições de comprar uma moto, para trabalhar eu preciso dela, entendeu? (E6).

Assim, pode-se dizer que o aspecto financeiro é um forte fator motivacional para os motociclistas desta pesquisa, e isso fica também evidente quando se analisa a renda salarial dos motociclistas, que predominou de 1 a 2 salários mínimos, demonstrando que esses indivíduos acabam optando por um meio de condução mais econômico, compatível com suas rendas.

Gosto pela motocicleta

A categoria “gosto pela motocicleta” é a terceira mais revelada nas falas dos motociclistas, surgindo a partir do discurso de sete motociclistas diferentes – quase a metade dos entrevistados. Esta categoria traduz a paixão que o sujeito apresenta pela motocicleta como meio de transporte, algo relacionado a sentimentos de prazer e satisfação, independentemente de benefícios e riscos oportunizados por esse veículo. Para muitos motociclistas, ter uma motocicleta e utilizá-la é uma questão de prazer e gosto pessoal indiscutível.

Como se diz, é um gosto da gente, complicado, você aprende a gostar de uma coisa, o carro mesmo, não tenho muito prazer em dirigir, mas a moto eu acho muito bom. (E7).

[...] porém, quando a gente gosta de uma coisa, a gente anda só na moto [...]. (E7).

Eu gosto da moto. É aquela paixão, não é? [...]. (E5).

Dessa forma, esse gosto pela motocicleta revela uma motivação não explicada por fatores objetivos, e sim pela subjetividade, por questões emocionais ligadas a prazeres do sujeito. Corroborando o achado, referente ao gosto da motocicleta como fator motivacional, destaca-se um outro estudo2121 Queiroz MS, Oliveira PC. Acidentes de trânsito: uma análise a partir da perspectiva das vítimas em Campinas. Psicol Soc. 2003;15(2):101-23. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822003000200008.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822003...
. Queiroz e Oliveira2121 Queiroz MS, Oliveira PC. Acidentes de trânsito: uma análise a partir da perspectiva das vítimas em Campinas. Psicol Soc. 2003;15(2):101-23. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822003000200008.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822003...
realizaram uma pesquisa qualitativa, investigando o acidente de trânsito na perspectiva das vítimas (acidentados), e relataram que, dos 20 entrevistados, 6 eram condutores de motocicleta, sendo que um deles apontou o gosto pela motocicleta, ao revelar que esse veículo proporciona emoções, sensação de liberdade e acalma o estresse.

Dessa forma, pode-se dizer que a motocicleta é escolhida pelos motociclistas não apenas por suas vantagens objetivas relacionadas à questão da economia de dinheiro e da possibilidade de o sujeito perder menos tempo no trânsito, mas também por questões relacionadas à subjetividade, simplesmente pelo fato de gostar desse veículo que proporciona prazer e outras sensações que estimulam os motociclistas. Em outras palavras, não apenas fatores extrínsecos, mas também os intrínsecos são desencadeares da motivação humana, segundo a conceituação de motivação de Bergamini1010 Bergamini CW. O que não é motivação. Rev Adm Empresas. 1986;21(4):3-8..

Único veículo disponível

A categoria “único veículo disponível” surgiu dentro da entrevista de dois motociclistas diferentes (13,3% dos entrevistados) e representa a falta de opção do sujeito no momento de escolher outro veículo para se deslocar, não necessariamente relacionado às condições financeiras. Nesta categoria, o sujeito demonstra utilizar a motocicleta por questões de disponibilidade do veículo, e não por atributos específicos, ou seja, não pelo fato de a motocicleta ser um veículo que apresenta vantagens em relação aos outros ou possua características que irão favorecer o motociclista. É uma categoria diferente das demais por não considerar características positivas da motocicleta.

Porque no momento é o único que tenho, mas preferia carro, quando eu tinha o carro, ia de carro. Estes dias estava sem carro, vendi o carro semana passada, então estava usando a moto. (E2).

Eu não tinha outra coisa para vir. Estava de moto, vim de moto. (E4).

Dessa forma, supõe-se que a escolha da motocicleta como meio de transporte pode ocorrer por falta de opção momentânea, ou seja, a escolha da motocicleta se deu pelo fato de esse veículo estar disponível no momento como única opção. Não foram encontrados outros estudos que tenham contemplado a temática explorada dentro dessa categoria, e isso pode ter ocorrido porque a maioria dos estudos existentes analisa o discurso de motoboys ou mototaxistas66 Almeida GCM, Medeiros FCD, Pinto LO, Moura JMBO, Lima KC. Prevalence and factors associated with traffic accidents involving motorcycle taxis. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):382-8. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690223i. PMid:27280576.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016...
,77 Lima MM, Linhares ACF, Farias MM, Medeiros HRL, Camboim FEDF, Sousa MNA. Identificação dos riscos ocupacionais e medidas protetivas de segurança laboral: estudo com grupo de mototaxistas. Arq Cienc Saúde. 2016;23(4):89-94. http://dx.doi.org/10.17696/2318-3691.23.4.2016.437.
http://dx.doi.org/10.17696/2318-3691.23....
,1313 Silva MB, Oliveira MB, Fontana RT. Atividade do mototaxista: riscos e fragilidades autorreferidos. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1048-55. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672011000600010. PMid:22664603.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672011...
.

De acordo com os resultados apresentados neste trabalho, observa-se que os motociclistas são motivados por diversos fatores, e esse fato foi descrito por Bergamini (1986)1010 Bergamini CW. O que não é motivação. Rev Adm Empresas. 1986;21(4):3-8., que apresenta a ideia de que as pessoas podem ser motivadas por fatores diferentes, ou seja, elas podem apresentar o mesmo objetivo e estarem impulsionadas por distintos e diversos fatores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo procurou verificar, na perspectiva do motociclista acidentado, quais os motivos que o levam a escolher a motocicleta, apesar dos riscos amplamente difundidos e documentados. Ressalta-se que a maioria dos participantes já havia se acidentado de motocicleta antes. O mesmo motociclista, muitas vezes, apresentou mais de um fator motivacional para utilizá-la como meio de transporte, e isso revela que essa escolha é influenciada por um conjunto de fatores.

Características subjetivas do próprio indivíduo influenciaram a motivação dos motociclistas participantes do presente estudo, como a satisfação em dirigir uma motocicleta.

Entretanto, a economia financeira e a economia de tempo apareceram juntas como os motivos mais relatados pelos motociclistas, independentemente de serem ou não motoboys. Isso remete à ideia de que esses dois fatores estão interligados à decisão dos motociclistas em escolher a motocicleta como meio de transporte por permitir a compressão do espaço e tempo, gerando, consequentemente, benefícios econômicos.

Desta forma, a partir dos resultados deste estudo, sugere-se o desenvolvimento de regras específicas de mercado para os trabalhadores que utilizam a motocicleta e também para os que deslocam com esse veículo para o trabalho, procurando atenuar a forma de exposição desses condutores. Por exemplo, as empresas que contratam tais serviços deveriam ser obrigadas a observar se os motociclistas estão regulares de acordo com as normas do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), se possuem todos os equipamentos de segurança em condições de uso, se os documentos do veículo e dos condutores estão regularizados e atualizados. Poderia haver um banco de dados que as empresas fossem obrigadas a manter atualizado com as informações sugeridas sobre esses motociclistas. Além disso, é necessária a melhoria dos meios de transporte público, de forma que possibilite o transporte de todos os cidadãos com qualidade e em tempo favorável.

Como sugestão para estudos futuros, recomenda-se uma análise mais profunda da relação da sociedade com o motociclista e dele com o meio de produção capitalista. Acredita-se que o motociclista é motivado e exposto ao risco de acidente por causa de características típicas desse meio de produção que o estimula e o influencia a optar por esse meio de transporte.

AGRADECIMENTOS

À Pró-reitoria de Pesquisa da UFVJM, à FHEMIG, e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

  • Como citar: Santos FJ, Paes SR, Gomes JLS, Morais RLS. Motivação para a escolha da motocicleta: uma análise sob a perspectiva de motociclistas acidentados. Cad Saúde Colet, 2021; Ahead of Print. https://doi.org/10.1590/1414-462X202129020056
  • Trabalho realizado no Hospital João XXIII, Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) – Belo Horizonte (MG), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nenhuma.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Vasconcellos EA. O custo social da motocicleta no Brasil. Rev Transp Públicos. 20088;30-31:127-42.
  • 2
    Rodrigues, JM, coordenador. Mapa da motorização individual no Brasil: relatório 2019. Rio de Janeiro: UFRJ; 2017.
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos objetivos de desenvolvimento sustentável. Brasília: Ministério da Saúde; 2018.
  • 4
    Souza HNF, Malta DC, Freitas MIF. Narratives of injured motorcyclists regarding risks and the various means of transport. Interface. 2018;22(67):1159-71. http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017.0333
    » http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622017.0333
  • 5
    Silva DW, Andrade SM, Soares DA, Nunes EFPA, Melchior R. Condições de trabalho e riscos no trânsito urbano na ótica de trabalhadores motociclistas. Physis. 2008;18(2):339-60. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312008000200008
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73312008000200008
  • 6
    Almeida GCM, Medeiros FCD, Pinto LO, Moura JMBO, Lima KC. Prevalence and factors associated with traffic accidents involving motorcycle taxis. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):382-8. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690223i PMid:27280576.
    » http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690223i
  • 7
    Lima MM, Linhares ACF, Farias MM, Medeiros HRL, Camboim FEDF, Sousa MNA. Identificação dos riscos ocupacionais e medidas protetivas de segurança laboral: estudo com grupo de mototaxistas. Arq Cienc Saúde. 2016;23(4):89-94. http://dx.doi.org/10.17696/2318-3691.23.4.2016.437
    » http://dx.doi.org/10.17696/2318-3691.23.4.2016.437
  • 8
    Teixeira JRB, Boery EM, Casotti CA, Araújo TM, Pereira R, Ribeiro IJS, et al. Associação entre aspectos psicossociais do trabalho e qualidade de vida de mototaxistas. Cad Saude Publica. 2015;31(1):97-110. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00214313 PMid:25715295.
    » http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00214313
  • 9
    Veronese AM, Oliveira DLLC. Os riscos dos acidentes de trânsito na perspectiva dos motoboys: subsídios para a promoção da saúde. Cad Saude Publica. 2006;22(12):2717-21. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2006001200021 PMid:17096050.
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2006001200021
  • 10
    Bergamini CW. O que não é motivação. Rev Adm Empresas. 1986;21(4):3-8.
  • 11
    Harvey D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 17. ed. São Paulo: Loyola; 2008.
  • 12
    Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. 229 p.
  • 13
    Silva MB, Oliveira MB, Fontana RT. Atividade do mototaxista: riscos e fragilidades autorreferidos. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1048-55. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672011000600010 PMid:22664603.
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672011000600010
  • 14
    Paula GF, Camargo FCC, Iwamoto HH. Condições de saúde e trabalho e exposição a acidentes e violência no trânsito entre mototaxistas. Rev Enferm Atenção Saúde. 2015;4(2):74-87. http://dx.doi.org/10.18554/2317-1154v4n2p74
    » http://dx.doi.org/10.18554/2317-1154v4n2p74
  • 15
    Heydari ST, Vossoughi M, Akbarzadeh A, Lankarani KB, Sarikhani Y, Javanmardi K, et al. Prevalence and risk factors of alcohol and substance abuse among motorcycle drivers in Fars province, Iran. Chin J Traumatol. 2016;19(2):79-84. http://dx.doi.org/10.1016/j.cjtee.2015.12.006 PMid:27140214.
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.cjtee.2015.12.006
  • 16
    Ribeiro EL, Silva Júnior JCR, Azevedo FHC. Produção científica acerca dos acidentes de trânsito no Brasil. Rev Saúde em Foco. 2014;1(2):149-66.
  • 17
    Jomar RT, Abreu AMM, Souto JS. Beber e dirigir: comportamentos de motociclistas abordados pela operação lei seca. Cogitare Enferm. 2015;20(4):792-7. http://dx.doi.org/10.5380/ce.v20i4.43010
    » http://dx.doi.org/10.5380/ce.v20i4.43010
  • 18
    Novo CF, Soares DP, Miolla JCS, Thielen IP. Percepção de risco de motociclistas infratores. Psicologia. 2015;35(4):991-1006. http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703000182014
    » http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703000182014
  • 19
    Golias ARC, Caetano R. Acidentes entre motocicletas: análise dos casos ocorridos no estado do Paraná entre julho de 2010 e junho de 2011. Cien Saude Colet. 2013;18(5):1235-46. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000500008 PMid:23670451.
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000500008
  • 20
    Amorim CR, Araújo EM, Araújo TM, Oliveira NF. Acidentes de trabalho com mototaxistas. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(1):25-37. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012000100003 PMid:22450490.
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2012000100003
  • 21
    Queiroz MS, Oliveira PC. Acidentes de trânsito: uma análise a partir da perspectiva das vítimas em Campinas. Psicol Soc. 2003;15(2):101-23. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822003000200008
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822003000200008
  • 22
    Barros AJD, Amaral RL, Oliveira MSB, Lima SC, Gonçalves EV. Motor vehicle accidents resulting in injuries: underreporting, characteristics, and case fatality rate. Cad Saude Publica. 2003;19(4):979-86. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2003000400021 PMid:12973564.
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2003000400021
  • 23
    Simpson JC, Wilson S, Currey N. Motorcyclists’ perceptions and experiences of riding and risk and their advice for safety. Traffic Inj Prev. 2015;16(2):159-67. http://dx.doi.org/10.1080/15389588.2014.911852 PMid:24761932.
    » http://dx.doi.org/10.1080/15389588.2014.911852
  • 24
    Andrade SSCA, Mello-Jorge MHP. Mortality and potential years of life lost by road traffic injuries in Brazil. Rev Saude Publica. 2016;50(0):59. http://dx.doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006465 PMid:27706375.
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006465

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2021

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2019
  • Aceito
    04 Mar 2020
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro Avenida Horácio Macedo, S/N, CEP: 21941-598, Tel.: (55 21) 3938 9494 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@iesc.ufrj.br