Fatores associados ao estado nutricional de idosos da atenção primária à saúde do município de Maringá, Paraná, Brasil

Factors associated with the nutritional status of the elderly in primary health care at the city of Maringá, Paraná, Brazil.

Resumo

Introdução

o estado nutricional e seus fatores associados assume uma importante função na saúde dos idosos.

Objetivo

Identificar os fatores associados ao estado nutricional dos idosos da atenção primária à saúde da cidade de Maringá, Paraná.

Método

Estudo transversal, do qual fizeram parte 654 idosos usuários das Unidades Básicas de Saúde. Como instrumentos foram utilizados um questionário sociodemográfico, o Mini Nutritional Assessment, o Questionário Internacional de Atividade Física. A análise de dados foi conduzida por meio dos testes de Kolmogorov-Smirnov, “U” de Mann-Whitney, qui-quadrado e regressão logística binária (p < 0,05).

Resultados

Os resultados evidenciaram maior proporção de idosos com percepção de saúde boa, que tomam menos medicamentos, não tiveram quedas e com nível muito ativo/ativo com o estado nutricional normal. Verificou-se que idosos com estado nutricional normal apresentaram maior circunferência de panturrilha (p = 0,01). Destaca-se que idosos com melhor percepção de saúde, maior nível de atividade física e circunferência de panturrilha, nível mais alto de escolaridade e renda mensal de 2,1 a 3 salários mínimos têm mais chances de apresentar estado nutricional normal.

Conclusão

Concluiu-se que o estado nutricional normal em idosos está associado ao maior nível de escolaridade, maior poder aquisitivo, melhor percepção de saúde e à prática regular de atividade física.

Palavras-chave:
envelhecimento; Sistema Único de Saúde; composição corporal; promoção de saúde

Abstract

Background

nutritional status and its associated factors play an important role in the health of the elderly.

Objective

To identify the factors associated with the nutritional status of the elderly in primary health care at the city of Maringá, Paraná.

Method

A cross-sectional study was carried out with 654 Basic Health Units’ elderly patients. The research instruments included a sociodemographic questionnaire, the Mini Nutritional Assessment, and the International Physical Activity Questionnaire. Data analysis was performed using the Kolmogorov-Smirnov, Mann-Whitney U, Chi-square and Binary Logistic Regression tests (p <0.05).

Results

The results showed a higher proportion of elderly patients with good health perception, who took less medication, had no falls, and had a high/average activity level with normal nutritional status. It was verified that the elderly with normal nutritional status presented a higher calf circumference (p = 0.01). It should be emphasized that older people with better health perception, higher level of physical activity and calf circumference, higher level of education and monthly income of 2.1 to 3 minimum wages are more likely to present normal nutritional status.

Conclusion

It was concluded that a normal nutritional status in the elderly population is associated with a higher educational level, greater purchasing power, better health perception and regular practice of physical activity.

Keywords:
aging; Brazilian Unified Health System; body composition; health promotion

INTRODUÇÃO

Mudanças fisiológicas e metabólicas ocorrem no organismo durante o processo de envelhecimento com repercussões sobre o desempenho motor e o estado nutricional dos idosos¹, acarretando perda progressiva da capacidade funcional e modificação da composição corporal do idoso, expondo-o a um estado de maior vulnerabilidade², além de perdas de autonomia e qualidade de vida³. Assim, o estado nutricional assume uma importante função na saúde desta população⁴.

Por um lado, a obesidade consolidou-se como agravo nutricional associado à alta incidência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)⁴, tais como doenças cardiovasculares, câncer e diabetes, influenciando, desta maneira, no perfil de morbimortalidade das populações^3-5. No Brasil, as DCNT são consideradas as principais causas de doenças e de mortalidade, com 72,4% do total de óbitos⁶, e que mais da metade destas mortes estão relacionadas com a alimentação³.

Por outro, a desnutrição apresenta-se fortemente associada ao aumento da incapacidade funcional, aumento no número de internações, redução da qualidade de vida, maior susceptibilidade às infecções e, consequentemente, aumento da mortalidade⁷. Entre os fatores que favorecem o desenvolvimento do baixo peso nos idosos destacam-se o isolamento social, dificuldades de mastigação, alterações do paladar, doenças crônicas, uso de medicamentos que causam inapetência, comprometimento cognitivo, quadros de depressão, além dos fatores socioeconômicos e psicológicos⁸.

Precisa se destacar ainda que o envelhecimento populacional serve como alerta ao governo brasileiro para a necessidade de criação de políticas públicas que preparem a sociedade para tal realidade. Esta modificação do perfil epidemiológico de morbimortalidade acarreta uma maior sobrecarga aos serviços de saúde por esses idosos e, desta maneira, traz consequências sociais e econômicas à saúde pública⁹.

Considerando a importância nutricional para a população idosa, as medidas antropométricas são ferramentas essenciais no processo de avaliação da saúde. Além de fornecerem informações básicas sobre as variações físicas e sobre a composição corporal, estas medidas representam um método não invasivo, de fácil e rápida execução⁵.

Entre as medidas utilizadas na avaliação antropométrica da população idosa incluem-se medidas da estatura e do peso corporal, circunferência da cintura, circunferência do quadril e a circunferência da panturrilha. Entre os indicadores antropométricos utilizados na avaliação do estado nutricional estão o índice de massa corporal (IMC) e a relação cintura/quadril (RCQ). Contudo, é importante destacar que não existe consenso em relação aos indicadores e pontos de corte indicados para idosos⁵.

Nesse contexto, entende-se que a investigação da situação nutricional de idosos possa subsidiar ajustes nas políticas públicas de prevenção e promoção de saúde, a partir da compreensão desses fatores intervenientes nos agravos nutricionais. Nessa perspectiva, o presente trabalho teve por objetivo identificar os fatores associados ao estado nutricional dos idosos da atenção primária à saúde do município de Maringá, Paraná, Brasil.

MÉTODO

Participantes

O processo de amostragem deste estudo epidemiológico de corte transversal foi realizado em dois estágios. Inicialmente foram elencadas as UBS das quatro regiões da cidade: leste (7 UBS) que contempla 21,8% da população, região norte (8 UBS) com 34,5% da população, região oeste (8 UBS) com 23,2% da população e a região sul (8 UBS) que contempla 20,4% da população total de idosos. A partir disso, foram selecionadas de forma aleatória três UBS de cada região geográfica para participar da pesquisa, totalizando 12 UBS. Conforme dados da Secretaria de Saúde de Maringá-PR de 2016, aproximadamente 42.000 idosos são atendidos pelas UBS do município. A partir dessa população-alvo, a amostra a ser considerada foi de 654 idosos considerando possíveis perdas amostrais, os quais foram selecionados por conveniência. Adotou-se nível de confiança de 95% e 4% de margem de erro e o software utilizado para obtenção dos cálculos foi o StatDisk versão 8.4.

Foram incluídos no estudo idosos de ambos os sexos com idade igual ou superior a 60 anos, com capacidade de fala e audição preservada, que permitia a aplicação dos questionários. Foram excluídos idosos com possíveis déficits cognitivos, avaliados pelo mini exame do estado mental (MEEM)¹⁰. As notas de corte utilizadas para exclusão pelo MEEM foram: 17 para os analfabetos; 22 para idosos com escolaridade entre 1 e 4 anos; 24 para os com escolaridade entre 5 e 8 anos e 26 os que tiverem 9 anos ou mais anos de escolaridade. Correspondem à média obtida por esses autores para cada faixa de escolaridade, menos um desvio padrão¹¹. Idosos classificados abaixo do ponto de corte específico para sua escolaridade foram excluídos.

Instrumentos

Para a caracterização do perfil sociodemográfico e de saúde foi utilizado um questionário semiestruturado, composto por informações referentes ao sexo, faixa etária, estado civil, renda mensal em salário mínimo (SM), aposentadoria, percepção de saúde, motivo de ida à UBS, uso de medicamentos, histórico de quedas e quase quedas no último semestre.

O peso dos idosos foi mensurado por uma balança digital da marca Mondial, na qual o idoso foi avaliado descalço e com traje de banho sobre o aparelho. A estatura foi medida com uma trena, partindo do ponto onde a sola do pé estava em contato com o solo até a posição acima da cabeça. Por meios desses dados, o IMC foi avaliado. O IMC é a relação entre a massa corporal em kg e a estatura em m², e é muito utilizado como indicador do estado nutricional por sua boa correlação com a massa corporal e baixa correlação com a estatura¹². A RCQ também foi avaliada. Ela é o cálculo que se faz a partir das medidas da cintura e do quadril para averiguar o risco que um indivíduo possui de sofrer de doenças cardiovasculares¹³.

Para completar a avaliação do estado nutricional foi utilizada a Mini Nutritional Assessment (MNA), desenvolvida pela Nestlé® Nutrition Institute e validada para idosos brasileiros¹⁴, que se trata de uma ferramenta que pode identificar risco nutricional ou desnutrição instalada. A detecção desses riscos, em qualquer grau, é uma medida importante para a adequada orientação nutricional desses idosos. Ele é dividido, além da triagem, em quatro partes: avaliação antropométrica (IMC, circunferência do braço, circunferência da panturrilha e perda de peso); avaliação global (perguntas relacionadas com o modo de vida, medicação, mobilidade e problemas psicológicos); avaliação dietética (perguntas relativas ao número de refeições, ingestão de alimentos e líquidos e autonomia na alimentação); e autoavaliação (a autopercepção da saúde e da condição nutricional). Para o questionário total da MNA os escores que foram ser considerados são: estado nutricional adequado (normal): ≥ 24; risco de desnutrição: entre 17 e 23,5; desnutrição: < 17.

A circunferência da cintura foi aferida em centímetros, na borda da crista ilíaca, com fita métrica inextensível modelo Gulick, marca Mabbis (CARDIOMED, Curitiba, Paraná) e a circunferência do quadril foi aferida em centímetros na área de maior protuberância glútea, em um plano horizontal¹⁵. Já a circunferência da panturrilha (CP) foi aferida com fita inelástica com o idoso na posição ereta, com os pés afastados 20 cm, na máxima circunferência no plano perpendicular à linha longitudinal da panturrilha; foram realizadas três aferições para obtenção da média entre elas¹⁶.

O nível de atividade física dos idosos foi avaliado utilizando-se a versão curta do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ). O mesmo é composto por sete questões abertas e suas informações permitem estimar o tempo despendido, por semana, em diferentes dimensões de atividade física (caminhadas e esforços físicos de intensidades moderada e vigorosa) e de inatividade física (posição sentada). O nível de atividade física foi classificado em sedentário, irregularmente ativo, ativo ou muito ativo^17,18.

Procedimentos

Inicialmente foi realizado contato com a Assessoria de Formação e Capacitação Permanente dos Trabalhadores de Saúde (Cecaps) com o intuito de se obter autorização para a realização da coleta de dados. Em seguida, o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Unicesumar (Unicesumar) por meio do parecer 1.626.966/2016, de acordo com as normas da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisa envolvendo seres humanos.

Os idosos voluntários foram abordados pelos pesquisadores nas próprias UBS, informados quanto à justificativa, objetivos e procedimentos a serem realizados. Após esses procedimentos, aqueles que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta foi realizada em dias, turnos e horários diversos, de acordo com a disponibilidade dos pesquisadores, que foram previamente treinados para isso. Foi optado pela entrevista direta na aplicação dos questionários, em razão da possível dificuldade de leitura, problemas visuais e de compreensão dos questionamentos. A coleta de dados foi realizada entre março a setembro de 2016.

Análise dos dados

A análise dos dados foi realizada por meio do software SPSS 22.0. A análise foi realizada mediante uma abordagem de estatística descritiva e inferencial. Na abordagem descritiva fez-se a distribuição das frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas (sociodemográficas, de saúde e de atividade física). Para as variáveis numéricas, inicialmente foi verificada a normalidade dos dados por meio do teste Kolmogorov-Smirnov. Como os dados não apresentaram distribuição normal, foram utilizados Mediana (Md) e Quartis (Q1; Q3) para a caracterização dos resultados. Na comparação entre os grupos (estado nutricional normal e sob risco/desnutrição), foi utilizado o teste “U” de Mann-Whitney. O teste de qui-quadrado foi empregado para investigar diferenças proporcionais na prevalência de estado nutricional com base nas variáveis sociodemográficas, de saúde e de atividade física. A regressão logística binária (análise bruta e ajustada) foi usada para examinar as associações das variáveis sociodemográficas, de saúde e atividade física (variáveis independentes), com a presença de estado nutricional normal (variável dependente) dos idosos. Para modelagem da análise de regressão foram consideradas apenas as variáveis que apresentaram nível de significância igual ou inferior a 0,20 nos testes de qui-quadrado e “U” de Mann-Whitney. O ajuste do modelo foi verificado por meio do teste de Hosmer-Lemeshow. As análises foram realizadas utilizando o programa SPSS versão 20.0 (p < 0,05)

RESULTADOS

Ao comparar as proporções das variáveis sociodemográficas em função do estado nutricional (Tabela 1), verificou-se diferença significativa apenas da escolaridade (p = 0,004), indicando que existe maior prevalência de idosos com nível superior com estado nutricional normal. As demais variáveis não apresentaram diferença significativa (p > 0,05).

Tabela 1
Comparação das proporções das variáveis sociodemográficas em função do estado nutricional dos idosos usuários da atenção primária à saúde do município de Maringá, Paraná, Brasil, 2016

VARIÁVEIS	Normal	Sob risco/ Desnutrido	X 2	P
	ƒ (%)	ƒ (%)
Sexo
Masculino	204 (70,8)	84 (29,2)	2,712	0,100
Feminino	237 (64,8)	129 (35,2)
Faixa etária
60 a 69 anos	256 (66,1)	131 (33,9)
71 a 79 anos	134 (68,0)	63 (32,0)	1,149	0,284
80 anos ou mais	51 (72,9)	19 (27,1)
Estado civil
Casado	273 (68,1)	128 (31,9)	0,105	0,746
Solteiro	38 (65,5)	20 (34,5)
Divorciado/Separado	49 (66,2)	25 (33,8)
Viúvo	81 (66,9)	40 (33,1)
Cor
Branca	365 (68,9)	165 (31,1)	1,675	0,196
Preta	63 (60,0)	42 (40,0)
Outras	13 (68,4)	6 (31,6)
Escolaridade
Analfabeto	39 (49,4)	40 (50,6)	5,945	0,015 *
Fund. incompleto	196 (69,8)	85 (30,2)
Fund. completo	101 (68,7)	46 (31,3)
Médio completo	66 (68,8)	30 (31,2)
Superior	39 (76,5)	12 (23,5)
Aposentadoria
Sim	332 (68,5)	153 (31,5)	0,733	0,392
Não	105 (64,8)	57 (35,2)
Renda mensal
1 a 2 SM	282 (65,1)	151 (34,9)	2,487	0,115
2,1 a 3 SM	119 (76,3)	37 (23,7)
Mais de 3 SM	19 (63,3)	11 (36,7)

• ^*
  Diferença significativa – p < 0,05: Teste de qui-quadrado para proporções
• SM: salário(s) mínimo(s)

Ao comparar as proporções das condições de saúde em função do estado nutricional (Tabela 2), foi encontrada diferença significativa com a percepção de saúde (p = 0,001), uso de medicamentos (p = 0,001), histórico de quedas nos últimos seis meses (p = 0,001) e nível de atividade física (p = 0,004). Ressalta-se que existe maior proporção de idosos com percepção de saúde boa, que tomam menos medicamentos, não tiveram quedas e com nível muito ativo/ativo com o estado nutricional normal.

Tabela 2
Comparação das proporções das condições de saúde em função do estado nutricional dos idosos usuários da atenção primária à saúde do município de Maringá, Paraná, Brasil, 2016

VARIÁVEIS	Normal	Sob risco/ Desnutrido	X 2	P
	ƒ (%)	ƒ (%)
Percepção de saúde
Boa	232 (73,4)	84 (26,6)	18,239	0,001 *
Regular	174 (66,4)	88 (33,6)
Ruim	34 (45,9)	40 (54,1)
Medicamentos
Nenhum	73 (76,0)	23 (24,0)
1 a 2	203 (71,2)	82 (28,8)	11,030	0,001*
Mais de 2	161 (60,1)	107 (39,9)
Quedas
Sim	59 (55,7)	47 (44,3)	8,296	0,004*
Não	382 (70,0)	164 (30,0)
Quase quedas
Sim	88 (66,7)	44 (33,3)	0,088	0,767
Não	353 (68,0)	166 (32,0)
Nível de atividade física
Muito ativo/Ativo	287 (72,3)	110 (27,7)	8,402	0,004*
Irregularmente ativo	107 (59,4)	73 (40,6)
Sedentário	47 (61,0)	30 (39,0)

• ^*
  Associação significativa – p < 0,05: Teste de qui-quadrado para proporções

Ao comparar a composição corporal dos idosos em função do estado nutricional (Tabela 3), verificou-se diferença significativa entre os grupos apenas na circunferência de panturrilha (p = 0,01), evidenciando maior medida para os idosos com estado nutricional normal (Md = 34,0) em comparação aos idosos com risco/desnutrição (Md = 33,0).

Tabela 3
Comparação da composição corporal dos idosos usuários da atenção primária à saúde de Maringá, Paraná, Brasil, 2016, em função do estado nutricional

VARIÁVEIS	Normal	Sob risco/ Desnutrido	P
	Md (Q1-Q3)	Md (Q1-Q3)
Peso (kg)	71,3 (64,0-80,0)	70,0 (62,0-79,0)	0,063
Estatura (cm)	1,62 (1,51-1,68)	1,62 (1,56-1,69)	0,119
Circunferência de cintura (cm)	90,0 (82,0-98,0)	89,0 (80,0-97,5)	0,120
Circunferência abdominal (cm)	96,0 (88,0-104,0)	94,0 (87,0-102,2)	0,144
Circunferência de quadril (cm)	100,0 (94,0-106,0)	99,0 (93,0-105,0)	0,131
Circunferência de panturrilha (cm)	34,0 (31,0-37,0)	33,0 (30,0-34,0)	0,001 *
Relação cintura/quadril	0,90 (0,85-0,96)	0,92 (0,85-0,96)	0,196
IMC (kg/m2)	26,5 (24,1-29,4)	26,3 (24,1-29,6)	0,835

• ^*
  Diferença significativa (p < 0,05) – Teste “U” de Mann-Whitney
• IMC: Índice de massa corporal

Para modelagem da análise de regressão foram consideradas apenas as variáveis que apresentaram nível de significância igual ou inferior a 0,20 nas análises anteriores. A Tabela 4 mostra os fatores associados ao estado nutricional normal. Na análise bruta, verificou-se associação significativa (p < 0,05) do estado nutricional normal com circunferência de panturrilha, escolaridade, renda mensal, medicamentos, quedas e nível de atividade física. Destaca-se que idosos com maior circunferência de panturrilha, nível mais alto de escolaridade, renda mensal de 2,1 a 3 SM, que não têm histórico de quedas, não tomam medicamentos e nível ativo de atividade física têm mais chances de apresentar estado nutricional normal.

Tabela 4
Fatores associados ao estado nutricional normal dos idosos usuários da atenção primária à saúde do município de Maringá, Paraná, Brasil, 2016

VARIÁVEIS	OR bruta	OR ajustada [I.C. 95%]
Peso	1,012 [0,999-1,026]	1,024 [0,994-1,055]
Estatura	0,985 [0,985-1,004]	0,983 [0,976-1,009]
Circunferência de cintura	1,012 [0,999-1,026]	1,043 [0,988-1,101]
Circunferência abdominal	1,009 [0,996-1,022]	0,991 [0,951-1,032]
Circunferência de quadril	1,013 [0,998-1,028]	0,974 [0,933-1,018]
Circunferência de panturrilha	1,176 [1,045-1,245]*	1,185 [1,089-1,186]*
Relação cintura/quadril	0,401 [0,076-2,127]	0,037 [0,000-2,713]
Sexo
Masculino	1,00	1,00
Feminino	0,756 [0,543-1,055]	0,895 [0,561-1,429]
Cor
Branca	1,00	1,00
Preta	0,678 [0,440-1,044]	0,709 [0,425-1,184]
Outras	0,979 [0,366-2,622]	0,859 [0,292-2,523]
Escolaridade
Analfabeto	1,00	1,00
Fund. incompleto	2,365 [1,421-3,935]*	3,278 [1,692-6,351]*
Fund. completo	2,252 [1,283-3,951]*	2,978 [1,451-6,112]*
Médio completo	2,256 [1,217-4,182]*	2,613 [1,197-5,704]*
Superior	3,333 [1,523-7,294]*	4,033 [1,533-10,610]*
Renda mensal
1 a 2 SM	1,00	1,00
2,1 a 3 SM	1,722 [1,133-2,617]*	1,735 [1,060-2,840]*
Mais de 3 SM	0,925 [0,429-1,994]	0,710 [0,292-1,726]
Percepção de saúde
Boa	1,00	1,00
Regular	0,716 [0,501-1,024]	0,872 [0,574-1,326]
Ruim	0,308 [0,183-0,518]	0,314 [0,161-0,614]*
Medicamentos
Nenhum	1,00	1,00
1 a 2	0,780 [0,457-1,331]	0,971 [0,529-1,780]
Mais de 2	0,474 [0,279-0,804]*	0,599 [0,319-1,127]
Quedas
Sim	1,00	1,00
Não	1,856 [1,214-2,837]*	1,528 [0,928-2,516]
Nível de atividade física
Muito ativo/Ativo	1,00	1,00
Irregularmente ativo	0,562 [0,388-0,813]*	0,670 [0,430-0,976]*
Sedentário	0,600 [0,361-0,998]*	0,805 [0,450-0,989]*

• ^*
  Associação significativa – p < 0,05: regressão logística binária. OR ajustada por todas as variáveis. OR = odds ratio; IC = intervalo de confiança
• SM: salário(s) mínimo(s)

Quando a análise foi ajustada por todas as variáveis (Tabela 4), notou-se uma associação significativa (p < 0,05) do estado nutricional normal com a circunferência de panturrilha, a escolaridade, a renda mensal, a percepção de saúde e o nível de atividade física. Destaca-se que os idosos com maior circunferência de panturrilha, nível mais alto de escolaridade e renda mensal de 2,1 a 3 SM têm mais chances de apresentar estado nutricional normal. Já a percepção de saúde e o nível de atividade física foram observados como fatores de proteção, ou seja, os idosos com percepção de saúde ruim apresentaram menor chance (69%) de ter estado nutricional normal do que os idosos que se percebem com saúde boa, e com nível de atividade física sedentário (20%) e irregularmente ativo (33%) têm menos chances de apresentar estado nutricional normal em comparação aos idosos muito ativos/ativos.

DISCUSSÃO

A avaliação do estado nutricional de idosos faz-se necessária para incorporação de medidas que possibilitam a melhoria do estado de saúde global e qualidade de vida, ademais o incentivo do envelhecimento saudável. O conhecimento das condições associadas ao estado nutricional pode servir como norte para formulações de políticas públicas de prevenção e cuidados específicos para essa população¹⁹. Assim, os resultados principais do presente estudo mostraram que o estado nutricional normal se associou à escolaridade, renda, percepção de saúde, ao nível de atividade física e circunferência da panturrilha. Vale destacar, ainda, que os idosos com nível superior de ensino, boa percepção de saúde, que não tomavam nenhum medicamento, os não caidores e muito ativos ou ativos, em maioria, apresentaram estado nutricional normal.

O nível superior associou-se ao estado nutricional normal com razão de chance maior em relação aos outros níveis de estudo inferiores. Essa relação provavelmente decorre entre a associação do nível escolaridade e melhores condições de vida ou sociais. Damião et al.²⁰, em um estudo transversal realizado no triângulo mineiro com 3.047 idosos residentes na comunidade, observaram que a educação esteve fortemente associada ao estado nutricional, especificamente aqueles que nunca frequentaram a escola apresentaram maiores riscos para desnutrição. De outro modo, é sabido que pessoas com nível superior de estudo consomem com maior frequência os alimentos que trazem benefícios à saúde, principalmente hortaliças, frutas, vegetais e peixes; além disso, sabe-se que o nível superior se associa ao maior acesso às informações em saúde e à compreensão da importância dos alimentos fundamentais para manutenção de uma dieta saudável²¹.

A variável renda também foi relevante em relação ao estado nutricional normal, apresentando associação significativa com o desfecho estudado, sendo que a razão de chance foi maior para as rendas mais altas. A literatura ressalta que na velhice as condições socioeconômicas desempenham papel fundamental em relação à qualidade de vida. Assim como a escolaridade, a elevação da renda influencia na disponibilidade e acesso aos alimentos, de modo a afetar as escolhas dietéticas²².

Observou-se que os idosos com percepção de saúde ruim apresentaram razão de chance de 0,31 para o estado nutricional normal. Ressalta-se que a autoavaliação de saúde é um importante indicador de saúde global e os inquéritos populacionais ao longo das duas últimas décadas demostram a relação dessa variável com morbidades, mortalidade, fatores socioeconômicos e comportamentais entre a população idosa²³. De fato, esse é um bom indicativo na velhice, como foi demonstrado no estudo de Maseda et al.²⁴ realizado com 749 idosos espanhóis residentes na comunidade; os autores observaram que a autopercepção de saúde ruim esteve relacionada com desnutrição ou risco de desnutrição. No contexto da atenção terciária, Santiago et al. em uma pesquisa recente demonstram que a autoavaliação de saúde ruim também esteve associada ao risco para desnutrição, e ainda mencionaram que entre pessoas idosas com comorbidades esse indicador pode auxiliar na escolha de medidas de tratamento, pois proporciona a identificação daqueles com maiores riscos de eventos adversos em saúde.

Em relação ao nível de atividade física constatou-se associação com estado nutricional normal, notadamente as categorias irregularmente ativo e sedentário apresentaram menores razões de chance (abaixo de 1) para o desfecho. A atividade física é essencial para a manutenção da saúde, diminuição dos riscos de doenças crônicas, melhora da qualidade de vida e manutenção do peso corporal, e salienta-se que o processo do envelhecimento está relacionado com diminuição da atividade física, redução da massa muscular magra e aumento da gordura corporal (obesidade sarcopênica)²⁵; sendo assim, um olhar cauteloso deve ser voltado para esse grupo específico de idosos, principalmente devido às perdas das propriedades musculares, com isso os exercícios resistidos aliados à dieta adequada são fundamentais para o ganho de massa muscular magra²⁶.

Dentre as medidas antropométricas e de avaliação do estado nutricional, apenas a circunferência da panturrilha obteve associação significativa, mesmo após ajuste para fatores de confusão. Os indicadores de massa muscular (circunferência de braço e da panturrilha) são medidas simples de baixo custo, as quais devem ser implementadas na rotina de atendimento, para se obter precisão do quadro nutricional do idoso²⁷. Além disso, as medidas antropométricas são recomendadas para avaliação da massa muscular e identificação precoce da sarcopenia no âmbito da atenção primária²⁸. Nossos resultados mostraram que na comparação da composição corporal entre grupos, observou-se diminuição do referido indicador no grupo sob risco/desnutrição em relação ao grupo com estado nutricional normal (p < 0,05), sendo concordantes com estudos populacionais recentes internacionais²⁹ e nacionais³⁰.

O rastreio da situação nutricional dos idosos assistidos na atenção primária é relevante, especialmente levando-se em consideração os aspectos socioeconômicos e de saúde associados, compreendendo que este é um problema de complexidade e que deve envolver ações públicas interdisciplinares abrangentes para garantir identificação precoce das vulnerabilidades e melhores cuidados, sobretudo visando as particularidades e heterogeneidade do processo do envelhecimento.

Este estudo apresenta algumas limitações e as interpretações de seus resultados devem ser feitas com cautela. Primeiro, trata-se de um estudo transversal, o que dificulta inferir causalidade a partir das associações entre as variáveis. Segundo, a amostra é não probabilística, escolhida por conveniência, o que possibilita a ocorrência de viés de seleção. Por fim, os resultados são referentes a idosos de uma região específica do Sul do país, não permitindo a generalização dos resultados e conclusões do estudo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que o estado nutricional adequado/normal em idosos à atenção primária do município avaliado está associado ao maior nível de escolaridade, maior poder aquisitivo, melhor percepção de saúde e à prática regular de atividade física. No entanto, ressalta-se que tanto os idosos com estado nutricional adequado e os idosos com risco de desnutrição apresentaram medidas semelhantes de composição corporal.

Do ponto de vista prático, os achados desta pesquisa revelam a necessidade de se estudar a situação nutricional da população idosa conforme as condições contextuais que a rodeiam e não somente levando em consideração características individuais. Somente a partir disso é que se poderá ter um aprofundado conhecimento dos fatores determinantes do estado nutricional de idosos, que está diretamente relacionado ao perfil epidemiológico e de mortalidade desse segmento populacional.

AGRADECIMENTOS

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

• Como citar: Oliveira DV, Jesus MC, Oliveira RV, Franco MF, Leme DEC, Bertolini SMMG, et al. Fatores associados ao estado nutricional de idosos da atenção primária à saúde do município de Maringá, Paraná, Brasil. Cad Saúde Colet, 2022; Ahead of Print. https://doi.org/10.1590/1414-462X202230020359
• Trabalho realizado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – Campinas (PR), Brasil.
• Fonte de financiamento: CAPES (01P-3372/2017).

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  10 Jun 2022
• Data do Fascículo
  Apr-Jun 2022

Histórico

• Recebido
  21 Ago 2019
• Aceito
  28 Out 2020