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Desempenho das Unidades Básicas de Saúde e uso do Programa Farmácia Popular

Performance of Basic Health Unitsand use ofthe Popular PharmacyProgram

Resumo

Introdução

O Brasil conta com dois programas de financiamento governamental para a provisão de medicamentos, o Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB) e a provisão em Unidades do Sistema Único de Saúde, ambos possuindo itens em comum.

Objetivo

Explorar a relação entre o uso do PFPB por hipertensos e diabéticos com fatores relacionados ao atendimento nas Unidades Básicas de Saúde, à estrutura da farmácia destas Unidades e à disponibilidade dos anti-hipertensivos e antidiabéticos comuns ao PFPB e ao SUS em municípios brasileiros de médio e grande porte populacional.

Método

Delineamento ecológico transversal utilizando dados secundários do PFPB e do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e Qualidade na Atenção Básica (PMAQ-AB), com dados referentes ao ano de 2012.

Resultados

Municípios de médio porte apresentaram uma proporção de Unidades de Saúde com disponibilidade de anti-hipertensivos e antidiabéticos superior aos de grande porte. A maioria dos respondentes do PMAQ-AB relataram disponibilidade dos anti-hipertensivos e antidiabéticos nos serviços públicos. A análise multivariada mostrou que o uso da Farmácia Popular pela população está mais relacionado às situações emergenciais e ocasionais.

Conclusão

Na ausência do SUS, o PFPB supre a necessidade da população para obter medicamentos, evidenciando o seu importante papel para a continuidade do tratamento de muitos indivíduos com hipertensão e diabetes.

Palavras-chave:
atenção primária; Programa Farmácia Popular do Brasil; anti-hipertensivo; antidiabético

Abstract

Background

Brazil has two government-funded drug supply programs, the Popular Pharmacy Program of Brazil (PFPB), and the provision in Unified Health System (SUS) units, which have items in common.

Objective

To explore the relationship between the use of PFPB by hypertensive and diabetic patients and factors related to care in basic health units, the pharmacy structure of units, and the availability of antihypertensive and antidiabetic agents common to PFPB and SUS in Brazilian municipalities of medium and large population sizes.

Method

A cross-sectional ecological study was carried out using secondary data from PFPB and the National Program for Improving Access and Quality in Primary Care (PMAQ-AB) for 2012.

Results

Municipalities of medium population showed a greater proportion of health units with antihypertensive and antidiabetic availability than those of large size. Most respondents at PMAQ-AB affirmed that hypertension and diabetes medications are available in public health services. The multivariate analysis showed that the use of Popular Pharmacy by the population is more related to emergency and occasional situations.

Conclusion

PFPB supplies the need for the population to obtain medications in the absence of SUS, evidencing an important role in the continuity of drug treatment for many individuals suffering from hypertension and diabetes.

Keywords:
primary care; Brazilian Popular Pharmacy Program; antihypertensive; antidiabetic

INTRODUÇÃO

A Atenção Primária à Saúde (APS) integra um processo permanente de assistência sanitária que inclui prevenção, promoção, cura e reabilitação. Quando suas práticas são definidas como estratégicas nos sistemas de saúde, os indicadores de saúde da população melhoram e os custos com a assistência hospitalar da população são reduzidos.

No Brasil, a APS é denominada como Atenção Básica à Saúde (AB) e tem promovido mudanças positivas por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), centrada no trabalho em equipe multiprofissional e atuando em população adstrita. Apesar dos avanços obtidos na cobertura da AB, há inúmeros desafios que repercutem em um desempenho diferenciado entre as regiões do Brasil11 Fracolli LA, Gomes MFP, Nabão FRZ, Santos MS, Cappellini VK, de Almeida AC. Primary health care assessment tools: a literature review and metasynthesis. Cien Saude Colet. 2014;19(12):4851-60. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320141912.00572014. PMid:25388193.
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2 Miclos PV, Calvo MCM, Colussi CF. Avaliação do desempenho das ações e resultados em saúde da atenção básica. 2017;51:86. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051006831.
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-33 Protasio APL, Gomes LB, Machado LS, Valença AMG. Satisfação do usuário da Atenção Básica em Saúde por regiões do Brasil: 1o ciclo de avaliação externa do PMAQ-AB. Cien Saude Colet. 2017;22(6):1829-44. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017226.26472015. PMid:28614503.
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.

É válido destacar aqui a iniciativa do governo brasileiro de instituir o Programa Nacional para a Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), que visa obter um padrão de qualidade comparável nacional, regional e localmente44 Brasil. Ministério da Saúde. Institui no âmbito do Sistema Único de Saúde o Programa Nacional de Melhoria Do Acesso e Da Qualidade Da Atenção Básica (PMAQ-AB) e o Incentivo Financeiro Do PMAQ-AB, Denominado Componente de Qualidade Do Piso de Atenção Básica Variável - PAB Variável. Brasília: Ministério da Saúde; 2011..

A Atenção Básica busca resolver os problemas de saúde de maior relevância dentro do seu território e, para isso, utiliza diferentes tecnologias, como os medicamentos. Neste contexto, os serviços farmacêuticos são essenciais para garantir uma atenção integral às demandas em saúde de uma população55 Nascimento RCRM, Álvares J, Guerra AA Jr, Gomes IC, Costa RS, Leite SN, et al. Disponibilidade de medicamentos essenciais na atenção primária do Sistema Único de Saúde. Rev Saúde Pública. 2017;51(Supl 2):10s. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007062.
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A disponibilidade dos medicamentos na APS é fundamental para obter resultados positivos em saúde. Apesar dos crescentes investimentos pelas três esferas de gestão do SUS, estudos apontam problemas relativos à̀ oferta e à qualidade do uso de medicamentos em Unidades de Saúde, além de deficiências na gestão da cadeia logística55 Nascimento RCRM, Álvares J, Guerra AA Jr, Gomes IC, Costa RS, Leite SN, et al. Disponibilidade de medicamentos essenciais na atenção primária do Sistema Único de Saúde. Rev Saúde Pública. 2017;51(Supl 2):10s. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007062.
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6 Barreto MNSC, Cesse EÂ, Lima RF, Marinho MG, Specht YS, de Carvalho EM, et al. Analysis of access to hypertensive and diabetic drugs in the Family Health Strategy, State of Pernambuco, Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(2):413-24. http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201500020010. PMid:26083512.
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-77 Mendes LV, Campos MR, Chaves GC, Silva RM, Freitas PS, Costa KS, et al. Disponibilidade de medicamentos nas unidades básicas de saúde e fatores relacionados: uma abordagem transversal. Saúde Debate. 2014;38(N. esp.). http://dx.doi.org/10.5935/0103-1104.2014S009.
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.

O Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB) foi uma iniciativa governamental instituída em maio de 2004, como um novo mecanismo para ampliar o acesso da população aos medicamentos. Desde sua implementação, o Programa passou por diversas modificações, incluindo mudanças administrativas na cobertura de medicamentos88 Emmerick ICM, do Nascimento JM Jr, Pereira MA, Luiza VL, Ross-Degnan D, ISAUM-Br Collaborative Group. Farmácia Popular Program: changes in geographic accessibility of medicines during ten years of a medicine subsidy policy in Brazil. J Pharm Policy Pract. 2015;8(1):10. http://dx.doi.org/10.1186/s40545-015-0030-x. PMid:25926990.
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. A partir de 2017, passou a funcionar apenas por meio de convênio com farmácias privadas, onde é possível ter acesso aos medicamentos da sua lista de duas maneiras: mediante o copagamento, com valores inferiores aos praticados pelo mercado; ou obtenção gratuita, para alguns medicamentos de hipertensão, diabetes e asma99 Brasil. Ministério da Saúde. Informações sobre o fim do repasse de manutenção às Unidades de Rede Própria do Programa Farmácia Popular do Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2017..

A modalidade que funciona em convênio com o setor privado de farmácias é denominada Aqui Tem Farmácia Popular (ATFP). O credenciamento dos estabelecimentos comerciais ocorre através da manifestação de interesse do empresariado que solicita o seu cadastro, desde que sejam cumpridas as regras de entrada, com a comprovação realizada por meio de documentos de caráter fiscal e sanitário, sem exigência de qualquer ordenação geográfica ou populacional1010 da Silva RM, Caetano R. Programa “Farmácia Popular do Brasil”: caracterização e evolução entre 2004-2012. Cien Saude Colet. 2015;20(10):2943-56. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152010.17352014. PMid:26465839.
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A Farmácia Popular se configura como uma fonte adicional de obtenção de medicamentos para a população brasileira, inclusive para itens que deveriam ser obtidos nas farmácias das Unidades Básicas de Saúde, devido ao elenco de medicamentos em comum (anti-hipertensivos, antidiabéticos e antiasmáticos) da atenção primária e do PFPB1111 Brasil. Ministério da Saúde. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: RENAME 2017. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.,1212 Brasil. Ministério da Saúde. Lista de medicamentos disponibilizados pelo “Aqui Tem Farmácia Popular” Brasília: Ministério da Saúde; 2018..

Pressupõe-se que parte da população que sofre de doenças crônicas como hipertensão e diabetes utiliza o PFPB para suprir os problemas de disponibilidade dos medicamentos para estas doenças no SUS. Desta forma, sob um ponto de vista mais amplo, o PFPB pode contribuir para o alcance de indicadores positivos no controle de doenças crônicas não transmissíveis, como a diminuição de internações por diabetes e hipertensão arterial1313 Ferreira PAA. Efeitos do copagamento de medicamentos sobre a saúde no Brasil: evidências do programa Aqui Tem Farmácia Popular. Rev BNDES. 2017;47:67-117..

Tendo em vista que a maioria dos medicamentos do elenco provido pela Farmácia Popular está incluída na lista de medicamentos da atenção básica no SUS, sendo em geral ofertado no mesmo local do atendimento clínico, alguns autores têm questionado se entre esses dois programas de provisão de medicamentos existe uma relação de competição ou de complementariedade1414 Aragão GA Jr. Avaliação Política do Programa Farmácia Popular do Brasil à luz dos princípios do Sistema Único de Saúde [dissertação]. São Luís (MA): Universidade Federal do Maranhão; 2012.,1515 Mattos LV. Assistência Farmacêutica na Atenção Básica e Programa Farmácia Popular do Brasil: uma análise crítica das políticas públicas de provisão de medicamentos no Brasil [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2015..

Portanto, o presente estudo se propõe a explorar a relação entre o uso do PFPB por hipertensos e diabéticos com fatores relacionados ao atendimento nas Unidades Básicas de Saúde, à estrutura da farmácia destas Unidades e à disponibilidade dos anti-hipertensivos e antidiabéticos comuns ao PFPB e ao SUS em municípios brasileiros de médio e grande porte populacional.

MÉTODO

Estudo ecológico transversal com dados secundários oriundos dos seguintes bancos: Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB) e Programa Nacional de Melhoria do Acesso e Qualidade na Atenção Básica (PMAQ-AB), ambos referentes ao ano de 2012.

O PMAQ-AB possui acesso irrestrito, e as planilhas referentes à avaliação externa do primeiro ciclo foram acessadas pelo portal da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde1616 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade [Internet]. 2011 [citado em 2017 maio 30]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/pmaq
https://www.gov.br/saude/pt-br/composica...
.

O PFPB foi cedido pelo Ministério da Saúde para o estudo Farmácia Popular: O impacto das políticas de subsídios no acesso e no uso de medicamentos no Brasil (ISAUM-BR), cuja equipe de pesquisa inclui as coautoras do presente artigo.

Em 2012, o PFPB funcionava por meio das Unidades Rede Própria e dos convênios com as farmácias, chamado de Aqui Tem Farmácia Popular (ATFP). No entanto, para este artigo, foram analisados apenas os dados ATFP, com expressiva maior cobertura de municípios88 Emmerick ICM, do Nascimento JM Jr, Pereira MA, Luiza VL, Ross-Degnan D, ISAUM-Br Collaborative Group. Farmácia Popular Program: changes in geographic accessibility of medicines during ten years of a medicine subsidy policy in Brazil. J Pharm Policy Pract. 2015;8(1):10. http://dx.doi.org/10.1186/s40545-015-0030-x. PMid:25926990.
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,99 Brasil. Ministério da Saúde. Informações sobre o fim do repasse de manutenção às Unidades de Rede Própria do Programa Farmácia Popular do Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2017.. O ano de 2012, além de apresentar o primeiro ciclo do PMAQ-AB, representa o marco de quase 12 meses desde a intervenção do Saúde Não Tem Preço pelo Programa Farmácia Popular, que eliminou o copagamento para medicamentos de hipertensão e diabetes88 Emmerick ICM, do Nascimento JM Jr, Pereira MA, Luiza VL, Ross-Degnan D, ISAUM-Br Collaborative Group. Farmácia Popular Program: changes in geographic accessibility of medicines during ten years of a medicine subsidy policy in Brazil. J Pharm Policy Pract. 2015;8(1):10. http://dx.doi.org/10.1186/s40545-015-0030-x. PMid:25926990.
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, o que confere estabilidade aos desfechos aqui analisados.

O PMAQ-AB foi instituído pelo Ministério da Saúde em 2011, visando aprimorar a qualidade da atenção básica. No primeiro ciclo foi realizada a avaliação das condições de acesso e qualidade dos serviços de saúde nos municípios brasileiros, incluindo aspectos de assistência farmacêutica44 Brasil. Ministério da Saúde. Institui no âmbito do Sistema Único de Saúde o Programa Nacional de Melhoria Do Acesso e Da Qualidade Da Atenção Básica (PMAQ-AB) e o Incentivo Financeiro Do PMAQ-AB, Denominado Componente de Qualidade Do Piso de Atenção Básica Variável - PAB Variável. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.,77 Mendes LV, Campos MR, Chaves GC, Silva RM, Freitas PS, Costa KS, et al. Disponibilidade de medicamentos nas unidades básicas de saúde e fatores relacionados: uma abordagem transversal. Saúde Debate. 2014;38(N. esp.). http://dx.doi.org/10.5935/0103-1104.2014S009.
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Dados dos três módulos do questionário da avaliação externa do primeiro ciclo do PMAQ-AB foram analisados para o presente estudo. O primeiro módulo, aplicado em todas as Unidades de APS, abordou aspectos das condições de infraestrutura, materiais, insumos e medicamentos das Unidades de Saúde, por meio da observação direta dos pesquisadores acompanhados por um profissional da equipe de atenção básica. O segundo e o terceiro módulos envolveram entrevistas, respectivamente, com profissionais das equipes de atenção básica e com os usuários das Unidades de Saúde, sendo aplicados unicamente aos municípios cujas equipes aderiram ao PMAQ-AB77 Mendes LV, Campos MR, Chaves GC, Silva RM, Freitas PS, Costa KS, et al. Disponibilidade de medicamentos nas unidades básicas de saúde e fatores relacionados: uma abordagem transversal. Saúde Debate. 2014;38(N. esp.). http://dx.doi.org/10.5935/0103-1104.2014S009.
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,1717 Brasil. Ministério da Saúde. Saúde Mais Perto De Você - Acesso e Qualidade Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ) - Manual Instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2012..

No primeiro ciclo do PMAQ-AB, 99,5% dos municípios brasileiros foram visitados. A estes, foram aplicados os seguintes critérios de inclusão para compor a amostra do presente estudo: ter população residente maior ou igual a 100.000 habitantes em 2012, e ter pelo menos uma farmácia credenciada no ATFP em 2012. Assim, 289 municípios de médio e grande porte populacional foram selecionados, incluindo todas as capitais estaduais e o Distrito Federal.

A estratificação dos municípios por porte populacional é um critério importante para as avaliações de desempenho da gestão em saúde, devido à sua alta correlação com os indicadores de estrutura dos serviços77 Mendes LV, Campos MR, Chaves GC, Silva RM, Freitas PS, Costa KS, et al. Disponibilidade de medicamentos nas unidades básicas de saúde e fatores relacionados: uma abordagem transversal. Saúde Debate. 2014;38(N. esp.). http://dx.doi.org/10.5935/0103-1104.2014S009.
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,1818 Calvo MCM, de Lacerda JT, Colussi CF, Schneider IJ, Rocha TA. Estratificação de municípios brasileiros para avaliação de desempenho em saúde. Epidemiol Serv Saude. 2016;25(4):767-76. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000400010. PMid:27869970.
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. Os municípios incluídos foram estratificados em médio e grande porte, sendo estes os que possuem população residente maior que 500.000 habitantes1919 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2000 [Internet]. 2000 [citado em 2017 ago 22]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
.

O Quadro 1 apresenta a descrição das variáveis dependentes (desfechos) e independentes, informando o banco de dados e o módulo do questionário do PMAQ-AB dos quais as variáveis derivaram.

Quadro 1
Variáveis dependentes e independentes utilizadas na análise descritiva

Quadro 1

Para cada um dos 289 municípios foi realizada a agregação dos dados de interesse relativos aos três módulos do questionário do PMAQ-AB, em seguida, foram criadas variáveis e categorias para descrever os dados agregados, com as informações registradas como perda sendo analisadas antes de serem recodificadas como missings.

Apenas o módulo I do questionário do PMAQ-AB foi aplicado na forma de censo nacional, assim, não há informações das variáveis referentes aos módulos II e III de 44 municípios (missings).

No cálculo dos desfechos referentes ao volume de atendimento e ao volume de comprimidos dispensados, o denominador foi expresso pela estimativa da população de portadores de hipertensão ou diabetes no município em 2012. Para tanto, os dados de prevalência de hipertensão ou diabetes no ano de 2010 foram extrapolados para os municípios dos respectivos estados, dados estes que foram obtidos nas 26 capitais estaduais e Distrito Federal pelo sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL)44 Brasil. Ministério da Saúde. Institui no âmbito do Sistema Único de Saúde o Programa Nacional de Melhoria Do Acesso e Da Qualidade Da Atenção Básica (PMAQ-AB) e o Incentivo Financeiro Do PMAQ-AB, Denominado Componente de Qualidade Do Piso de Atenção Básica Variável - PAB Variável. Brasília: Ministério da Saúde; 2011..

Para compor os desfechos, os anti-hipertensivos e antidiabéticos aqui analisados corresponderam àqueles cuja disponibilidade foi verificada no módulo I do questionário do PMAQ-AB e que constavam na lista de medicamentos do Saúde Não Tem Preço em 2012. Foram verificados os seguintes anti-hipertensivos: atenolol, cloridrato de propranolol, captopril, maleato de enalapril, hidroclorotiazida e losartana potássica; assim como os seguintes antidiabéticos: glibenclamida, metformina, insulina regular e insulina NPH.

A regressão multivariada obteve um nível de significância de 5%, sendo realizada com a técnica backward, onde o modelo de regressão contém inicialmente todas as variáveis independentes de interesse. O modelo inicial é então recalculado, eliminando a variável de maior valor-p até atingir o modelo final, no qual todas as variáveis apresentaram valor-p menor ou igual a 0,05. Esta técnica foi repetida para os desfechos supracitados relacionados ao uso da Farmácia Popular.

Para auxiliar a entrada das variáveis independentes no modelo inicial da regressão multivariada, formulou-se um modelo lógico (Figura 1), pressupondo que as variáveis relacionadas à disponibilidade de medicamentos na Unidade de Saúde influenciam mais fortemente os desfechos relacionados ao uso da Farmácia Popular. Também foi pressuposto que as variáveis relacionadas à acessibilidade geográfica, atendimento e infraestrutura da Unidade de Saúde para as atividades de farmácia influenciam de maneira menos marcante o uso da Farmácia Popular, e que a influência das características dos indivíduos atendidos no PFPB sobre o uso da Farmácia Popular é ainda mais fraca. Entende-se aqui que estes fatores são importantes para o bom desenvolvimento das atividades de assistência farmacêutica na atenção básica e, por isso, influenciam de alguma forma a escolha da população sobre a fonte de obtenção de medicamentos.

Figura 1
Modelo lógico para o uso do Programa Farmácia Popular do Brasil (PFPB) para a obtenção de anti-hipertensivos e antidiabéticos comuns ao SUS, segundo as variáveis do PMAQ-AB, 20122121 Brasil. Ministério da Saúde. Saúde Mais Perto De Você - Acesso e Qualidade Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (Pmaq) - Manual Instrutivo [Internet]. 2012 [citado em 2016 fev 16]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_instrutivo_pmaq_atencao_basica.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...

A metodologia usada por Emmerick et al.2222 Emmerick ICM, Campos MR, Luiza VL, Chaves LA, Bertoldi AD, Ross-Degnan D. Retrospective interrupted time series examining hypertension and diabetes medicines usage following changes in patient cost sharing in the ‘Farmácia Popular’ programme in Brazil. BMJ Open. 2017;7(11):e017308. http://dx.doi.org/10.1136/bmjopen-2017-017308. PMid:29101135.
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foi aplicada para o cálculo do desfecho "Proporção de Dias Cobertos" (PDC), incluindo apenas os pacientes que receberam duas ou mais dispensações no período do estudo. Utilizou-se uma coorte aberta, de forma que, quando um paciente recebia uma dispensação, o mesmo era incluído na análise e mantido por 120 dias (tempo máximo de validade de uma receita no Brasil). O paciente que não possuísse uma "nova dispensação" durante o intervalo de 120 dias era excluído da análise e, por consequência, do denominador. Os pacientes com uma única dispensação neste intervalo de tempo foram considerados compradores ocasionais e, por essa razão, excluídos da análise de PDC. Por isso, o desfecho PDC é uma medida da fidelização do indivíduo à Farmácia Popular.

Para a organização e limpeza dos dados, além da obtenção de um banco de dados final combinado ISAUM-Br/PMAQ e da análise dos dados, utilizou-se Microsoft Excel® 2010 e Stata/IC® 12.1.

O presente estudo foi aprovado no Comitê de Ética Nacional da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (nº do parecer: 2.609.184).

RESULTADOS

Entre as 10.311 Unidades de Saúde analisadas, 87,8% funcionam por dois turnos, 95,5% de 1 a 5 dias na semana, 90,8% durante 8h/dia ou mais, e 57,0% não atendem nos fins de semana. Quanto ao padrão de funcionamento das farmácias das Unidades de Saúde, 86,3% têm dispensação de medicamentos durante os dias e horários de funcionamento (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização das Unidades de Saúde e usuários entrevistados em municípios de médio e grande porte populacional. PMAQ-AB, 2012

Nos municípios de grande porte, 35,0% das equipes da atenção básica consideraram receber medicamentos em quantidade suficientes para atender a sua população, e nos municípios de médio porte esta proporção foi de 32,3%. Ademais, 52,1% entre os 23.933 usuários entrevistados no PMAQ-AB disseram que os medicamentos prescritos as vezes estão disponíveis na Unidade de Saúde (Tabela 1).

Quanto à disponibilidade física dos medicamentos, as proporções encontradas nos municípios de grande porte foram de 35,8% para todos os anti-hipertensivos, e de 45,2% para todos os antidiabéticos investigados pelo PMAQ-AB. Nos municípios de médio porte, as proporções de disponibilidade física foram 64,2% para anti-hipertensivos e 54,8% para antidiabéticos (Tabela 1).

Em relação ao local de obtenção dos medicamentos, 81,2% dos indivíduos entrevistados no PMAQ-AB com diagnóstico de hipertensão e medicados disseram obter os seus remédios nos serviços públicos de saúde. 84,9% dos indivíduos entrevistados no PMAQ-AB com diagnóstico de diabetes e que usam medicamentos disseram obtê-los nesta mesma fonte. A obtenção PFPB foi 11,1% entre os indivíduos com hipertensão, e de 10,8% entre os que sofrem de diabetes (Tabela 1). É importante destacar que, entre os 6.780.981 indivíduos que utilizaram o PFPB em 2012 nos 289 municípios de médio e grande porte selecionados, 61,0% eram do sexo feminino e 84,0% eram portadores de hipertensão arterial (Tabela 2).

Tabela 2
Descrição indivíduos atendidos no Programa Farmácia Popular do Brasil em municípios brasileiros de médio e grande porte populacional. PFPB, 2012 (N = 6.780.981)

A Tabela 3 exibe os modelos finais da análise de regressão multivariada entre as variáveis independentes, significativamente associadas aos seguintes desfechos: volume de atendimentos no PFPB em 2012 per capita para hipertensão/diabetes, e volume de comprimidos dispensados per capita para hipertensão/diabetes no PFPB em 2012.

Tabela 3
Modelo final de regressão multivariada do uso do PFPB para a obtenção de anti-hipertensivos e antidiabéticos em 2012, segundo variáveis independentes. PFPB e PMAQ, 2012

A associação negativa com algumas variáveis independentes indica que, quanto maior é o número de indivíduos que consideram perto a distância de casa à Unidade de Saúde, contabilizando o número de Unidades de Saúde com disponibilidade de todos os anti-hipertensivos e o número de equipes da atenção básica que recebem medicamentos suficientes, menor é o uso da Farmácia Popular, expresso pelo volume de atendimentos e volume de comprimidos dispensados tanto para hipertensão arterial quanto para diabetes (Tabela 3).

Foram encontradas algumas associações positivas inesperadas nos desfechos com algumas variáveis independentes dos modelos de regressão multivariada (Tabela 3). Um exemplo é a associação positiva relativa à variável "número de indivíduos que relatam sempre haver a medicação prescrita na Unidade de Saúde”. Isso pode ter ocorrido em virtude desta variável não ser uma medida objetiva da disponibilidade dos medicamentos, visto que depende da percepção dos indivíduos entrevistados pelo PMAQ-AB.

O resultado encontrado nos modelos de regressão multivariada para os desfechos de PDC "proporção de dias cobertos" apresentaram baixo coeficiente de determinação (R2=0,2), ou seja, a qualidade do ajuste do modelo é ruim. Por ser um indicador de fidelização do indivíduo à Farmácia Popular (ATFP), estes resultados obtidos indicam que os indivíduos que usam as farmácias do ATFP não são usuários fiéis.

DISCUSSÃO

A maioria das Unidades de Saúde apresentou um funcionamento equivalente ao padrão de referência para o atendimento de qualidade na atenção básica, conforme o estudo de Bousquat et al.2323 Bousquat A, Giovanella L, Fausto MCR, Fusaro ER, Mendonça MHM, Gagno J, et al. Tipologia da estrutura das unidades básicas de saúde brasileiras: os 5 R. Cad Saude Publica. 2017;33(8):e00037316. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00037316. PMid:28832772.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00037...
.

O Ministério da Saúde definiu diretrizes para organização das farmácias no âmbito do SUS2424 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência farmacêutica e Insumos Estratégicos. Diretrizes para estruturação de farmácias no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2009., nas quais foi baseado o instrumento de avaliação externa do primeiro ciclo do PMAQ-AB, no que se refere aos elementos estruturais da assistência farmacêutica, como climatização das áreas de estocagem de medicamentos, existência de geladeiras para preservação dos produtos termolábeis e ambientes adequados para a armazenagem.

Neste estudo, foram consideradas as condições adequadas de estrutura e armazenagem da farmácia, verificando se havia simultaneamente sala de estocagem de medicamentos, geladeira e ar-condicionado para a farmácia. Apenas 5,4% das Unidades de Saúde atenderam a este critério, resultado que reflete um cenário ruim de estrutura para a maioria das Unidades de Saúde. Leite et al.2525 Leite SN, Manzini F, Álvares J, Guerra AA Jr, Costa EA, Acurcio FA et al. Infrastructure of pharmacies of the primary health care in the Brazilian Unified Health System: analysis of PNAUM - Services data. Rev Saúde Pública. 2017;51(Suppl 2):13s. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007120.
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e Mendes et al.77 Mendes LV, Campos MR, Chaves GC, Silva RM, Freitas PS, Costa KS, et al. Disponibilidade de medicamentos nas unidades básicas de saúde e fatores relacionados: uma abordagem transversal. Saúde Debate. 2014;38(N. esp.). http://dx.doi.org/10.5935/0103-1104.2014S009.
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também encontraram resultados insatisfatórios sobre a infraestrutura das farmácias da atenção básica do SUS, ressaltando, por exemplo, que, em muitas Unidades, a área destinada ao armazenamento de medicamentos carecia de geladeira exclusiva para este fim. Essa grave questão pode ter um impacto negativo na conservação dos medicamentos e para a segurança dos pacientes. Supõe-se que as farmácias do ATFP, que são privadas, não apresentem estas deficiências de infraestrutura e ofereçam os medicamentos sem comprometimento da qualidade devido aos problemas com a estocagem. Ademais, as farmácias do ATFP funcionam durante mais horas e dias da semana do que as farmácias das Unidades de Saúde.

A presença de pelo menos uma unidade dos medicamentos investigados caracterizava a disponibilidade física dos mesmos na Unidade de Saúde. Independente do porte populacional do município, os resultados encontrados para a disponibilidade física de anti-hipertensivos e antidiabéticos não podem ser entendidos como satisfatórios para atender à toda população, especialmente porque são medicamentos utilizados para doenças crônicas de alta prevalência e porque a falta de medicamentos nas Unidades de Saúde é recorrente.

Outros estudos mediram a disponibilidade média de medicamentos na atenção primária utilizando este mesmo procedimento, como o trabalho de Mendes et al.77 Mendes LV, Campos MR, Chaves GC, Silva RM, Freitas PS, Costa KS, et al. Disponibilidade de medicamentos nas unidades básicas de saúde e fatores relacionados: uma abordagem transversal. Saúde Debate. 2014;38(N. esp.). http://dx.doi.org/10.5935/0103-1104.2014S009.
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, que verificou disponibilidade média de 58,5% dos medicamentos-chave, excluindo os fitoterápicos da análise.

No trabalho de Nascimento et al.55 Nascimento RCRM, Álvares J, Guerra AA Jr, Gomes IC, Costa RS, Leite SN, et al. Disponibilidade de medicamentos essenciais na atenção primária do Sistema Único de Saúde. Rev Saúde Pública. 2017;51(Supl 2):10s. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007062.
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, a disponibilidade nos três meses anteriores à pesquisa foi avaliada também sob a perspectiva dos usuários, médicos e profissionais responsáveis pela dispensação de medicamentos. Entre os médicos, 58,8% consideraram a disponibilidade de medicamentos essenciais muito boa/boa. Quando ocorreram faltas de medicamentos, a conduta mais freqüente foi a possibilidade de substituição (77,4%), seguida pelo encaminhamento para a Farmácia Popular (75,4%). Para 38,0% dos responsáveis pela dispensação e 67,0% dos usuários, há faltas de medicamentos sempre ou repetidamente nas Unidades dispensadoras na atenção primária do SUS.

Adicionalmente, o presente estudo verificou se a proximidade entre a Unidade de Saúde e a casa do indivíduo influencia o uso do ATFP para a obtenção de anti-hipertensivos e antidiabéticos, diminuindo quando a casa do indivíduo é perto da Unidade de Saúde. Álvares et al.2626 Álvares J, Guerra AA Jr, Araújo VE, Almeida AM, Dias CZ, Ascef BO et al. Access to medicines by patients of the primary health care in the Brazilian Unified Health System. Rev Saúde Pública. 2017;51(Suppl 2):20s. http://dx.doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007139.
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, analisando os dados da PNAUM - Serviços de 2015, realizado por meio de entrevistas a 8.591 usuários do SUS em municípios brasileiros, constataram que a maioria dos entrevistados em todas as cinco regiões declarou que a Unidade Básica de Saúde não ficava distante de sua residência, um reflexo importante do crescimento da rede de atenção básica.

Viacava et al.2727 Viacava F, de Oliveira RAD, Carvalho CC, Laguardia J, Bellido JG. SUS: oferta, acesso e utilização de serviços de saúde nos últimos 30 anos. Cien Saude Colet. 2018;23(6):1751-62. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018236.06022018. PMid:29972484.
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demonstraram que a expansão da rede assistencial pública nos últimos trinta anos ocorreu principalmente entre as Unidades que dão suporte aos programas de atenção básica no SUS. Especialmente a partir da década de 2000, houve um expressivo crescimento da cobertura populacional pela Estratégia Saúde da Família e pelas equipes da Atenção Básica, alcançando, em 2015, as taxas de 59,9% e de 63%, respectivamente. Pode-se incluir a procura da atenção básica como fonte de obtenção de medicamentos para doenças crônicas como a hipertensão e diabetes, visto que, na maioria dos casos, uma vez diagnosticadas, estas doenças necessitam do uso contínuo de medicamentos.

Em relação ao PDC, é importante destacar que o resultado aponta para um uso do ATFP mais relacionado às situações emergenciais e ocasionais que os indivíduos enfrentam para obterem seus medicamentos, não existindo fidelização dos indivíduos à Farmácia Popular como fonte de obtenção de medicamentos anti-hipertensivos e antidiabéticos. É evidente que o programa cumpre um papel muito importante como fonte de obtenção para os indivíduos que regularmente obtêm seus medicamentos nas farmácias do SUS, mas que sofrem com o desabastecimento recorrente destas Unidades. Esta é uma valiosa contribuição para o acesso da população brasileira a estes medicamentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O regime de austeridade levou ao encerramento das Unidades de Rede Própria do PFPB a partir de 2017, permanecendo apenas em funcionamento nas farmácias conveniadas (componente ATFP). A Rede Própria oferecia cobertura relevante no Norte e Nordeste, em especial para hipertensão e diabetes88 Emmerick ICM, do Nascimento JM Jr, Pereira MA, Luiza VL, Ross-Degnan D, ISAUM-Br Collaborative Group. Farmácia Popular Program: changes in geographic accessibility of medicines during ten years of a medicine subsidy policy in Brazil. J Pharm Policy Pract. 2015;8(1):10. http://dx.doi.org/10.1186/s40545-015-0030-x. PMid:25926990.
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, doenças importantes no país. De forma que, atualmente, em muitos municípios dessas regiões, em caso de falta de medicamentos no SUS, não haverá alternativa para continuar o tratamento que não seja a aquisição nas farmácias conveniadas, levando ao desprendimento de recursos financeiros para o copagamento.

A redução do PFPB prejudica uma parcela da população, especialmente àqueles menos favorecidos socioeconomicamente que dependem exclusivamente das farmácias públicas como fonte de obtenção de medicamentos. Casos estas Unidades faltem com o compromisso do fornecimento destes insumos de saúde, muitos indivíduos ficarão sem os medicamentos essenciais para a estabilização das doenças crônicas, não sendo possível evitar as complicações hospitalares advindas desta situação.

Uma limitação do presente estudo foi o fato de que, como o nível de análise é municipal, é possível que munícipes de um município utilizem os serviços de um outro, sobrecarregando a rede de cuidados e, portanto, inflando os indicadores que se referem a esta questão. Outra limitação se refere ao critério de seleção dos locais para a coleta de dados, visto que os municípios pequenos e sem farmácia do ATFP foram excluídos, apesar de sua relevância no programa nas regiões Norte e no Nordeste do país.

Quanto ao uso de dados mais antigos no presente estudo, considera-se que a relação investigada entre o uso da farmácia popular e o desempenho das Unidades de atenção primária pode ser considerada atemporal, gerando reflexões importantes para serem compartilhadas com a comunidade científica, profissionais e tomadores de decisão do SUS.

Pelos resultados obtidos, pode-se inferir que há preferência na obtenção de medicamentos nas farmácias das Unidades de Saúde públicas, especialmente quando as mesmas se localizam perto da casa dos indivíduos e quando possuem disponibilidade dos anti-hipertensivos e antidiabéticos dos quais a população necessita. Quando há falta de medicamentos nas farmácias das Unidades públicas, a população tende a procurar medicação pelo Programa Farmácia Popular. Infelizmente, não foi implementado nenhum indicador para monitorar o aspecto relativo aos usuários do Programa Farmácia Popular que não usam o SUS para o cuidado, realidade esta que não pode ser negada.

Frente às dificuldades enfrentadas para o acesso aos medicamentos para doenças crônicas não transmissíveis, o PFPB contribui para garantir a continuidade do tratamento medicamentoso para muitos indivíduos, evitando a falta de adesão provocada por indisponibilidade destes remédios. Por conseguinte, ajuda a diminuir o risco de internações hospitalares em virtude das complicações das doenças e a desafogar os leitos hospitalares do SUS.

É muito importante repensar as consequências de longo prazo que a redução do PFPB pode ocasionar para o sistema de saúde brasileiro. Este cenário representa uma diminuição no acesso aos medicamentos, especialmente para os menos favorecidos socioeconomicamente. Além disso, restringir ambos simultaneamente, tanto o PFPB quanto a oferta de medicamentos no SUS, pode ter efeitos desastrosos, como o agravamento de doenças, levando a um aumento do uso de serviços de saúde, à redução da qualidade de vida e à perda de dias de trabalho.

  • Como citar: Matta SR, Bertoldi AD, Emmerick ICM, Luiza VL. Desempenho das Unidades Básicas de Saúde e Uso do Programa Farmácia Popular. Cad Saúde Colet, 2023; 31 (3):e31030418. https://doi.org/10.1590/1414-462X202331030418
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2020
  • Aceito
    29 Jun 2021
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