Fatores associados a acidentes com exposição a material biológico de trabalhadores da saúde da atenção básica e da média complexidade em cinco municípios baianos

Factors associated with occupational accidents involving exposure to biological material in primary care and medium complexity among workers in five municipalities in Bahia, Brazil

Resumo

Introdução

no trabalho em saúde podem ocorrer os acidentes de trabalho com exposição a material biológico, potencial fonte de infecção para doenças graves.

Objetivo

estimar os fatores associados aos acidentes com exposição a material biológico entre trabalhadores da saúde da atenção básica e da média complexidade.

Método

estudo transversal, exploratório, realizado com trabalhadores da atenção básica e da média complexidade em cinco municípios baianos. O processamento dos dados incluiu análises descritivas, uni e multivariadas.

Resultados

a incidência dos acidentes de trabalho com exposição a material biológico foi de 3,4%, atingindo a faixa etária entre 19 a 33 anos (RR: 2,06; IC 95%: 1,2 - 3,4), revelando ausência de prática regular de atividade de lazer (RR: 1,8; IC 95%:1,1-2,8), atuação na média complexidade (RR: 1,8; IC 95%: 1,2-2,8), exposição a agentes biológicos (RR: 3,7; IC 95%: 2,4 - 5,9) e trabalho de alta exigência (RR: 1,9; IC 95%: 1,1 - 3,3).

Conclusão

verifica-se ser necessária a priorização dos trabalhadores da saúde em ações de vigilância em ambientes de trabalho e programas voltados à prevenção dos acidentes como compromisso da área de saúde do trabalhador no Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave:
acidentes de trabalho; profissional de saúde; exposição ocupacional; atenção básica à saúde; atenção secundária à saúde

Abstract

Background: i

n health work, work accidents may occur with exposure to biological material, a potential source of infection for serious diseases.

Objective

To estimate the factors associated with occupational accidents with exposure to biological material among health workers in primary care and medium complexity.

Method

A cross-sectional and exploratory study was carried out with primary care and medium complexity workers in five municipalities in Bahia, Brazil. Data processing included descriptive, univariate, and multivariate analyses.

Results

The incidence of occupational accidents with exposure to biological material was 3.4%. The associated factors were age group of 19 to33 years (RR: 2.06; 95% CI: 1.2 - 3.4), absence of regular leisure activity (RR: 1.8; 95% CI: 1.1- 2.8), acting in medium complexity (RR: 1.8; 95% CI: 1.2-2.8), exposure to biological agents (RR: 3.7; 95% CI: 2.4 - 5, 9), and high-strain jobs (RR: 1.9; 95% CI: 1.1 - 3.3).

Conclusion

It is necessary to prioritize workers’ health in actions to monitor work environments and programs aimed at preventing accidents as a commitment in occupational health, in the Unified Health System (SUS).

Keywords:
occupational accidents; health personnel; occupational exposure; primary health care; secondary care

INTRODUÇÃO

A realização de atividades ocupacionais expõe os trabalhadores a diversos fatores de risco, que podem resultar em agravos à saúde e doenças. Esses fatores de risco podem ser físicos (vibrações, ruídos, radiações ionizantes e não ionizantes, temperaturas extremas), químicos (agentes e substâncias químicas), ergonômicos e psicossociais (trabalhos em turnos e noturno, monotonia ou ritmo de trabalho excessivo, exigência de produtividade, trabalho em posturas e posições inadequadas), mecânicos e de acidentes (proteção de máquinas e equipamentos, arranjo físico e ordem do ambiente de trabalho impróprios), bem como os biológicos (vírus, bactérias, fungos e parasitas)¹.

Para os trabalhadores da saúde destaca-se a exposição aos materiais biológicos potencialmente presentes em diversos níveis de complexidade de atenção à saúde. A exposição ocupacional a esses materiais, representados por sangue e fluidos corporais (i.e secreções vaginais, líquor, líquido amniótico, urina), é capaz de ensejar risco de desenvolvimento de doenças graves como as causadas pelos vírus da hepatite B (HBV) e C (HVC), bem como o da imunodeficiência humana (HIV)², desencadeando o aparecimento de transtornos mentais, por exemplo, o transtorno do estresse pós-traumático, que pode se manifestar sob a forma de ansiedade, preocupação, perda do sono e medo de contrair uma doença infecciosa³.

Os acidentes de trabalho em razão da exposição a material biológico (ATbio) podem ser decorrentes de lesões percutâneas ocasionadas por agulhas e outros pérfurocortantes, contato de mucosas com respingos de sangue ou outros fluidos corporais, ou da pele não íntegra com o sangue. Estima-se que ocorram anualmente cerca de três milhões de exposições ocupacionais, o que pode resultar em 15 mil infecções por HCV, 70 mil por HBV e 500 por HIV⁴. A magnitude e a seriedade potencial dos ATbio para os trabalhadores da saúde representam um problema de saúde pública, motivo pelo qual têm recebido atenção da comunidade científica. Estudos conduzidos em outros países estimaram a incidência de ATbio variando de 1,22% entre os trabalhadores pesquisados em uma unidade de tratamento de doenças infecciosas em Nápoles, Itália, em 2015⁵, a 88,6% nos profissionais de quatro instituições de saúde em Debre Berhan, na Etiópia, em 2014⁶.

No Brasil, estudos que estimaram a incidência dos ATbio foram realizados mais frequentemente em hospitais que mantêm áreas de atenção à alta complexidade do Sistema Único de Saúde (SUS), mais comumente enfocando ocorrências com os profissionais da enfermagem⁷. Além das pesquisas com trabalhadores em hospitais, foram conduzidos estudos com trabalhadores da média complexidade (serviços especializados), incluindo atendimentos pré-hospitalar (APH) e de emergência, com enfoque em ATbio, obtendo-se estimativas de incidência que variaram de 19,8%, em trabalhadores do APH de Contagem (MG) em 2006⁸ a 56,0% entre os profissionais de um atendimento pré-hospitalar móvel no interior paulista em 2007⁹. Entre os trabalhadores da atenção básica, a incidência de ATbio foi de 5,5% nas unidades básicas de saúde de Ribeirão Preto (SP), em 2004¹⁰, e de 29,9% entre auxiliares e técnicos de enfermagem das unidades básicas de saúde de Fortaleza, em 2013¹¹.

Os fatores associados aos ATbio incluem a idade⁸, sexo¹², escolaridade¹³, ser tabagista¹³, ocupação - médico¹⁴,¹⁵, auxiliar de enfermagem¹³ ou enfermeiro -¹⁶, ser paramédico¹⁷, menor tempo de trabalho na instituição¹⁶,¹⁷, considerar as condições de trabalho como inadequadas¹³ e não usar luvas de proteção¹⁷.

Com base no exposto, percebe-se que os cenários das pesquisas sobre ATbio são majoritariamente os hospitais, lócus ocupacional mais tradicional para os trabalhadores da saúde. Contudo, nos últimos anos no Brasil, a fim de efetivar a descentralização dos serviços de saúde e superação do modelo tecnoassistencial médico privatista, esforços vêm sendo conduzidos no SUS para o fortalecimento da atenção básica e da média complexidade. Entretanto, as evidências sobre acidentes de trabalho com exposição a material biológico nesses dois níveis de atenção são ainda incipientes.

Cabe também mencionar o subregistro frequente das exposições ocupacionais ao sangue e a fluídos biológicos em outros países¹⁶,¹⁸, bem como no Brasil¹⁹. Em que pese a compulsoriedade da notificação dos ATbio no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) desde 2004, com posterior implantação da ficha de notificação individual em 2006, havendo crescente aumento no número das notificações, ainda assim verifica-se o fenômeno da subnotificação que compromete a qualidade dos dados, assim como à incompletude dos seus campos²⁰, fator capaz de impactar negativamente tanto o planejamento quanto a implantação de ações de prevenção efetivas em função do desconhecimento da magnitude do agravo e outros fatores que podem estar envolvidos nessas ocorrências.

Assim, este estudo objetivou estimar os fatores associados aos acidentes de trabalho com exposição a material biológico entre trabalhadores da saúde da atenção básica e de média complexidade do SUS em cinco municípios baianos.

MÉTODO

Realizou-se estudo transversal, exploratório, integrante do projeto multicêntrico "Condições de trabalho, condições de emprego e saúde dos trabalhadores da saúde na Bahia", incluindo trabalhadores da saúde dos municípios de Feira de Santana, Itabuna, Jequié, Juazeiro, Santo Antônio de Jesus, e um distrito Sanitário de Salvador, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia - FAPESB (Edital PPSUS 004/2009, Termo de Outorga - TO/SUS nº 0024/2009) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Processo nº 480611/2010-6, Edital MCT/CNPq 14/2010).

Participaram da pesquisa trabalhadores da saúde da atenção básica e da média complexidade da rede de atenção à saúde do SUS dos municípios selecionados. A amostragem foi realizada em múltiplos estágios. Para a definição da população de estudo, levantou-se previamente a estrutura e a força de trabalho dos serviços de saúde. O número e o tipo de serviço de saúde foram delimitados, bem como o número de trabalhadores e suas respectivas ocupações, e a área geográfica em que cada serviço se localizava. A amostra foi aleatória, estratificada proporcionalmente por área geográfica, nível de complexidade do serviço e ocupação.

Como o cálculo do tamanho amostral do projeto multicêntrico não foi realizado com o objetivo específico de avaliar a incidência de acidentes de trabalho com exposição a material biológico, nova estimativa foi feita a fim de averiguar o poder do presente estudo. Para esse cálculo foram considerados o número total de trabalhadores nos cinco municípios (N=6.191), a incidência de acidentes com exposição a material biológico entre profissionais de equipe multidisciplinar de 56,0%⁹, com precisão de 3%, a correção para efeito de desenho amostral de 1.5, o nível de confiança de 95%, resultando em 1.349 trabalhadores. A esse número acrescentou-se 20% em função de perdas e recusas (n= 269,8), o que resultou em estimativa amostral de 1.619 trabalhadores.

Para a coleta de dados, realizada em 2012, empregou-se questionário estruturado construído com base na revisão da literatura e testado em estudo piloto, constituído por blocos referentes às informações sociodemográficas, condições de trabalho, aspectos psicossociais do trabalho, atividades domésticas e hábitos de vida, capacidade para o trabalho, aspectos relacionados à saúde, atos de violência e vitimização do trabalhador. Os trabalhadores foram abordados em seus ambientes de trabalho para a coleta dos dados. Os instrumentos foram autoaplicados para os trabalhadores com ensino superior completo e aplicados por entrevistadores treinados aos de menor escolaridade.

A variável dependente deste estudo sobre acidentes de trabalho com exposição a material biológico foi definida com base na resposta à seguinte pergunta: "Nos últimos doze meses, você sofreu algum acidente de trabalho que o colocou em contato direto com sangue, escarro ou outros líquidos corporais do paciente?". A variável foi categorizada em “sim” e “não”.

As variáveis independentes foram as sociodemográficas: sexo (masculino, feminino); faixa etária (19-33 anos, 34-42 anos, 43 anos ou mais); situação conjugal (com companheiro, sem companheiro); escolaridade (ensino fundamental incompleto/completo, ensino médio incompleto a superior incompleto, ensino superior completo/pós-graduação); cor da pele autorreferida (negra, não negra); renda (até R$: 680,00, R$: 681,0 - 1.000,00, R$: 1.001,0 ou mais); existência de filhos (sim, não). Os hábitos de vida incluíram consumo de bebidas alcoólicas, tabagismo, prática de atividade física e de lazer, categorizadas em “sim” e “não”. Também foram pesquisadas características ocupacionais, que compreendem ocupação do trabalhador (administrativo, agente comunitário de saúde/controle de endemias, técnico de nível médio, técnico de enfermagem, enfermeiro, médico, outros profissionais de nível superior, outros); nível de complexidade da unidade de saúde (atenção básica, média complexidade); tempo de trabalho na unidade de saúde (até três anos, entre quatro a seis anos, sete anos ou mais); outro vínculo de trabalho (sim, não); regime de trabalho (estatutário, celetista, outros); jornada de trabalho (até 40 horas/semanais, mais de 40 horas/semanais); e direitos trabalhistas (13º salário, folgas, férias e adicional de férias, categorizadas em “sim” e “não”).

Para a avaliação das exposições ocupacionais foram criadas variáveis compostas, agrupadas em: físicas (ventilação, temperatura, iluminação, ruídos); ergonômicas (condições de cadeiras e mesas, permanência em pé e/ou sentado por muito tempo, manipulação de peso excessivo, auxílio ao paciente para locomoção, andar muito, ausência de pausas durante a jornada); biológicas (contato com materiais biológicos); e químicas (contato com antissépticos ou gases anestésicos, administração de medicamentos), as quais foram categorizadas em “sim” e “não”. Também foram pesquisados aspectos psicossociais do trabalho, segundo o modelo demanda-controle, MDC (trabalho de baixa exigência, ativo, passivo, alta exigência), bem como a disponibilidade e o uso de equipamentos de proteção individual (sim, não).

Os dados foram analisados empregando técnicas descritivas, uni e multivariadas. Na análise descritiva foram calculadas as frequências absolutas e relativas para a caracterização da população de estudo e ainda para a variável dependente. A análise univariada foi realizada para a seleção das variáveis a serem incluídas na modelagem multivariada, empregando-se os Testes Qui-quadrado de Pearson ou Teste Exato de Fischer ao nível de significância de 25% (α=0,25). Para a análise multivariada empregou-se a regressão de Poisson com variância robusta, com procedimento de seleção backward. Permaneceram no modelo final as variáveis estatisticamente associadas ao desfecho ao nível de significância de 5% (α=0,05). Adotou-se como medida de frequência epidemiológica a incidência cumulativa, e como de associação, o risco relativo, apesar de os dados serem oriundos de uma pesquisa de desenho transversal, cuja medida de frequência é a prevalência em razão de o desfecho estudado se tratar de um evento agudo, extremamente bem delimitado no tempo e de curta duração²¹. A fim de avaliar a existência de multicolinearidade entre as variáveis, utilizou-se a medida de variance inflation factor (VIF). A entrada dos dados e as análises foram realizadas no Statistical Package for Social Sciences versão 9.0.

Previamente à coleta dos dados, os trabalhadores assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, em duas vias. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana (Protocolo nº 081/2009; CAAE0086.0.059.000-091).

RESULTADOS

No estudo participaram 3.084 trabalhadores da saúde, entre os quais 105 (3,4%) sofreram acidentes de trabalho com exposição a material biológico. A maior frequência dos trabalhadores era do sexo feminino (78,2%), com idade entre 43 anos ou mais (35,5%), com companheiro (57,3%), escolarização ensino médio incompleto a superior incompleto (67,9%), negros/pardos (80,6%), renda entre R$: 681,00 a R$: 1.000,00 (36,7%) e com filhos (68,8%). Com relação aos hábitos de vida, a maioria não consumia bebidas alcoólicas (60,9%), não era tabagista (94,0%), não realizava atividade física regular (56,1%), e realizava atividade de lazer (83,6%) (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas e hábitos de vida dos trabalhadores da atenção básica e da média complexidade em cinco municípios baianos, 2012.

Variáveis	n	%
Sociodemográficas
Sexo (N= 3.077)
Masculino	672	21,8
Feminino	2.405	78,2
Faixa etária (N=3.016)
19-33 anos	1.041	34,5
34-42 anos	904	30,0
43 anos ou mais	1.071	35,5
Situação conjugal (N=3.074)
Sem companheiro	1.314	42,7
Com companheiro	1.760	57,3
Escolaridade (N= 3.042)
Ensino Fundamental incompleto/completo	122	4,0
Ensino Médio incompleto a Superior incompleto	2.085	67,9
Ensino Superior completo/ Pós-Graduação	855	28,1
Cor da pele (N=3.032)
Não negra	588	19,4
Negra/parda	2.444	80,6
Renda em R$ (N=2.352)
Até 680,00	816	34,7
681,0 - 1.000,00	864	36,7
Mais de 1.000,00	672	28,6
Possuía filhos (N=3.065)
Não	957	31,2
Sim	2.108	68,8
Hábitos de vida
Consumo de bebidas alcoólicas (N= 2.783)
Não	1.694	60,9
Sim	1.089	39,1
Tabagismo (N= 3.020)
Não	2.838	94,0
Sim	182	6,0
Atividades físicas regulares (N= 2.652)
Não	1.488	56,1
Sim	1.164	43,9
Atividade de lazer (N= 3.058)
Não	503	16,4
Sim	2.555	83,6

Quanto às características ocupacionais e do trabalho atual, com maior frequência eram agentes comunitários de saúde/controle de endemias (37,4%), atuavam na atenção básica (84,5%), trabalhavam na unidade de saúde há, pelo menos, três anos (43,4%), não possuíam outro vínculo de trabalho (74,8%), eram estatutários (64,8%), trabalhavam até 40h semanais (77,9%), não comunicaram exposição ocupacional aos agentes físicos (54,7%), biológicos (57,7%) e químicos (53,7%), embora tenham se reconhecido como expostos aos fatores ergonômicos (75,5%), o trabalho era de baixa exigência (26,7%), não tinham equipamentos de proteção individual disponíveis (57,5%), mas os usavam (64,8%). Os direitos trabalhistas não eram garantidos para todos os trabalhadores: 82,8% recebiam 13º salário, ao passo que apenas 52,7% gozavam de folgas e 65,5% de férias dentre os quais 62,2% recebiam adicional de férias (Tabela 2).

Tabela 2
Características ocupacionais, exposições ocupacionais e direitos trabalhistas dos trabalhadores da atenção básica e da média complexidade em cinco municípios baianos, 2012.

Variáveis	n	%
Características ocupacionais
Ocupação (N=3.074)
Administrativo	505	16,4
Agente comunitário de saúde/controle de endemias	1.149	37,4
Técnico de nível médio	145	4,7
Técnico de enfermagem	412	13,4
Enfermeiro	213	6,9
Médico	146	4,8
Outros profissionais de nível superior e odontólogo	228	7,4
Outros	276	9
Nível de complexidade da unidade em que atua (N= 2.995)
Atenção básica	2.532	84,5
Média complexidade	463	15,5
Tempo de trabalho na unidade de saúde (N= 2.956)
Até três anos	1.284	43,4
De quatro a seis anos	815	27,6
Sete anos ou mais	857	29,0
Regime de trabalho (N=3.054)
Estatutário	1.978	64,8
Celetista	230	7,5
Outros	846	27,7
Possui outro vínculo de trabalho (N= 3.020)
Não	2.259	74,8
Sim	761	25,2
Jornada de trabalho (N=2.984)
Até 40 horas/semanais	2.325	77,9
Mais de 40 horas/semanais	659	22,1
Exposições ocupacionais
Agentes físicos (N=1.989)
Não	1.087	54,7
Sim	902	45,3
Agentes ergonômicos (N= 1.963)
Não	481	24,5
Sim	1.482	75,5
Agentes biológicos (N= 3.070)
Não	1.770	57,7
Sim	1.300	42,3
Agentes químicos (N= 3.058)
Não	1.643	53,7
Sim	1.415	46,3
Aspectos psicossociais do trabalho (N= 2.890)
Baixa exigência	772	26,7
Trabalho ativo	703	24,3
Trabalho passivo	726	25,2
Alta exigência	689	23,8
Disponibilidade de equipamentos de proteção individual (N= 2.934)
Não	1.687	57,5
Sim	1.247	42,5
Uso de equipamento de proteção individual (N= 1.782)
Não	628	35,2
Sim	1.154	64,8
Direitos trabalhistas
Recebimento de 13º salário (N=3.031)
Não	521	17,2
Sim	2.510	82,8
Direito a folgas (N=3.032)
Não	1.433	47,3
Sim	1.599	52,7
Direito a férias (N=3.032)
Não	1.046	34,5
Sim	1.986	65,5
Recebimento de adicional de férias (N= 3.032)
Não	1.145	37,8
Sim	1.887	62,2

Na análise univariada foram observadas associações estatisticamente significantes entre as características sociodemográficas, hábitos de vida e acidentes de trabalho com exposição a material biológico para sexo (p= 0,23), faixa etária dos 19 aos 33 anos (p< 0,01), escolaridade ensino fundamental incompleto (p=0,08), e não praticante de atividade de lazer (p= 0,01) (Tabela 3).

Tabela 3
Associação univariada entre características sociodemográficas, hábitos de vida e acidentes de trabalho com exposição a material biológico dos trabalhadores da atenção básica e da média complexidade em cinco municípios baianos, 2012.

Variáveis	Incidência	Valor de p
	n (%)
Sociodemográficas
Sexo (N= 3.052)
Masculino	18 (2,7)
Feminino	87 (3,7)	0,23
Faixa etária (N=2.995)
19-33 anos	47 (4,6)	< 0,01
34-42 anos	29 (3,2)	0,30
43 anos ou mais	26 (2,5)
Situação conjugal (N=3.048)
Sem companheiro	43 (3,3)	0,77
Com companheiro	61 (3,5)
Escolaridade (N= 3.017)
Ensino Fundamental incompleto/completo	01 (0,8)	0,08*
Ensino Médio incompleto a Superior incompleto	71 (3,5)	0,81
Ensino Superior completo/Pós-Graduação	31 (3,7)
Cor da pele (N=3.006)
Não negro	17 (2,9)
Negro/pardo	88 (3,6)	0,39
Renda em R$ (N= 2.340)
Até R$ 680,00	35 (4,3)	0,92
681,0 - 1.000,00	27 (3,2)	0,28
Mais de 1.000,00	28 (4,2)
Possuía filhos (N= 3.041)
Não	31 (3,3)
Sim	72 (3,4)	0,82
Hábitos de vida
Consumo de bebidas alcoólicas (N= 2.762)
Não	61 (3,6)
Sim	32 (3,0)	0,34
Tabagista (N= 3.001)
Não	97 (3,4)
Sim	07 (3,9)	0,75
Praticante de atividade física (N= 2.630)
Não	48 (3,3)	0,63
Sim	34 (2,9)
Praticante de atividade de lazer (N= 3.034)
Não	26 (5,2)	0,01
Sim	78 (3,1)

• ^*
  Teste Exato de Fisher

Observaram-se associações estatisticamente significantes na análise univariada entre as características ocupacionais e do trabalho atual e a incidência de acidentes de trabalho com exposição a material biológico para as seguintes ocupações: agente comunitário de saúde/controle de endemias (p=0,17); técnico de nível médio (p=0,22); técnico de enfermagem (p<0,001); enfermeiro (p=0,17); médico (p<0,01); outros profissionais de nível superior (p=0,06); outros profissionais (p=0,04); nível de complexidade da unidade em que atua (p=0,002); tempo de trabalho na unidade de saúde até três anos (p= 0,05); e de quatro a seis anos (p=0,08); regime de trabalho celetista (p=0,25); e outros (p=0,08); possuir outro vínculo de trabalho (p= 0,04); jornada de trabalho (p=0,003); exposição a agentes físicos (p=0,13), ergonômicos (p=0,04), biológicos (p<0,001), químicos (p<0,001); aspectos psicossociais do trabalho representados por trabalho de baixa exigência (p=0,07), e trabalho de alta exigência (p=0,006); disponibilidade de equipamentos de proteção individual (p<0,001); uso de equipamento de proteção individual (p=0,01); recebimento de 13º salário (p=0,01); recebimento de adicional de férias (p=0,13) (Tabela 4).

Tabela 4
Associação univariada entre características ocupacionais, direitos trabalhistas e exposições ocupacionais e acidentes de trabalho com exposição a material biológico dos trabalhadores da atenção básica e da média complexidade em cinco municípios baianos, 2012.

Variáveis	Incidência	Valor de p
	n (%)
Características ocupacionais
Ocupação (N=3.047)
Administrativo	07 (1,4)
Agente comunitário de saúde/controle de endemias	28 (2,5)	0,17
Técnico de nível médio	05 (3,5)	0,22*
Técnico de enfermagem	29 (7,1)	<0,001
Enfermeiro	07 (3,3)	0,17*
Médico	09 (6,2)	<0,01*
Outros profissionais de nível superior	09 (4,0)	0,06*
Outros	10 (3,6)	0,04
Nível de complexidade da unidade em que atua (N= 2.968)
Atenção básica	76 (3,0)
Média complexidade	27 (5,9)	0,002
Tempo de trabalho na unidade de saúde (N= 2.931)
Até três anos	50 (3,9)	0,05
De quatro a seis anos	31 (3,8)	0,08
Sete anos ou mais	20 (2,4)
Regime de trabalho (N=3.028)
Estatutário	58 (3,0)
Celetista	10 (4,4)	0,25
Outros	37 (4,4)	0,05
Possui outro vínculo de trabalho (N= 3.020)
Não	69 (3,1)
Sim	35 (4,6)	0,04
Jornada de trabalho (N=2.961)
Até 40 horas/semanais	66 (2,9)
Mais de 40 horas/semanais	34 (5,2)	0,003
Exposições ocupacionais
Agentes físicos (N= 1.976)
Não	36 (3,3)
Sim	42 (4,7)	0,13
Agentes ergonômicos (N= 1.950)
Não	11 (2,3)
Sim	64(4,4)	0,04
Agentes biológicos (N= 3.044)
Não	29 (1,7)
Sim	76 (5,9)	<0,001
Agentes químicos (N= 3.033)
Não	27 (1,7)
Sim	78 (5,6)	<0,001
Aspectos psicossociais do trabalho (N= 2.866)
Baixa exigência	19 (2,5)
Trabalho ativo	29 (4,2)	0,07
Trabalho passivo	16 (2,2)	0,74
Alta exigência	36 (5,3)	0,006
Disponibilidade de equipamentos de proteção individual (N= 2.909)
Não	38 (2,3)	<0,001
Sim	62 (5,0)
Uso de equipamento de proteção individual (N= 1.765)
Não	17 (2,7)	0,01
Sim	62 (5,4)
Direitos trabalhistas
Recebimento de 13º salário (N=3.005)
Não	27 (5,3)	0,01
Sim	76 (3,1)
Direito a folgas (N=3.006)
Não	45 (3,2)	0,45
Sim	58 (3,7)
Direito a férias (N=3.006)
Não	37 (3,6)	0,75
Sim	66 (3,3)
Recebimento de adicional de férias (N= 3.006)
Não	46 (4,1)	0,13
Sim	57 (3,0)

• ^*
  Teste Exato de Fisher.

Na análise multivariada foram observadas associações estatisticamente significantes na faixa etária entre 19-33 anos (RR: 2,06; IC 95%: 1,2 - 3,4), não praticar atividade de lazer (RR: 1,8; IC 95%:1,1-2,8), atuação na média complexidade (RR: 1,8; IC 95%: 1,2-2,8), exposição aos agentes biológicos (RR: 3,7; IC 95%: 2,4 - 5,9) e ao trabalho de alta exigência (RR: 1,9; IC 95%: 1,1 - 3,3) (Tabela 5). Nenhuma colinearidade foi observada entre as variáveis no modelo final (VIF= 1,42).

Tabela 5
Modelo final dos fatores associados aos acidentes de trabalho com exposição a material biológico de trabalhadores da atenção básica e da média complexidade em cinco municípios baianos, 2012 (N= 2.704)

Variáveis	RR (IC 95%)
Faixa etária
19-33 anos	2,1 (1,2 - 3,4)
34-42 anos	1,5 (0,9 - 2,7)
43 anos ou mais	1,0
Praticante de atividade de lazer
Não	1,8 (1,1 - 2,8)
Sim	1,0
Nível de complexidade da unidade em que atua
Atenção básica	1,0
Média complexidade	1,8 (1,2 - 2,8)
Percepção de exposição aos agentes biológicos
Não	1,0
Sim	3,7 (2,4 - 5,9)
Aspectos psicossociais do trabalho
Baixa exigência	1,0
Trabalho ativo	1,5 (0,8 - 2,6)
Trabalho passivo	0,9 (0,4 - 1,8)
Alta exigência	1,9 (1,1 - 3,3)

DISCUSSÃO

A incidência de ATbio no presente estudo (3,4%) foi inferior ao observado em outras pesquisas realizadas na atenção básica em Florianópolis, que foi de 5,5%¹³, e de 7% em Ribeirão Preto¹⁰, o que pode estar relacionado às diferenças na complexidade dos procedimentos oferecidos à população entre as unidades de saúde. Adicionalmente, deve ser considerado que, na prática cotidiana dos trabalhadores da saúde, existem situações em que ocorre a exposição à material biológico consideradas inerentes às ocupações²² e, por serem percebidas como de menor gravidade, não são comunicadas oportunamente²³.

Neste estudo foram observados como fatores associados aos acidentes de trabalho com material biológico a faixa etária entre 19-33 anos, não praticar atividade de lazer, atuar na média complexidade, perceber-se ocupacionalmente exposto aos agentes biológicos e trabalho de alta exigência.

A incidência de ATbio ter sido maior em trabalhadores mais jovens contraria o esperado, uma vez que houve maior risco de ATbio entre trabalhadores mais velhos em outros estudos⁸,²⁴. Talvez, isso possa estar atrelado à menor experiência na realização dos procedimentos entre os trabalhadores mais jovens, muito embora haja evidências²⁵ de que, com o aumento da idade e consequente tempo de atuação, tenha ocorrido diminuição na percepção dos riscos e resistência ao uso de equipamentos de proteção individual.

A não realização de atividade de lazer como fator associado aos ATbio não foi reportada na literatura consultada, embora exista evidência de que a falta de tempo para atividades de lazer se associa a desfechos em saúde do trabalhador, tais como a Síndrome de Burnout em professores da Educação Básica²⁶. É possível que a ausência de atividade física decorra da restrição de tempo em função de longas e extenuantes jornadas de trabalho, sem o devido e necessário tempo dedicado ao lazer. A redução das atividades de recomposições físicas e mentais proporcionadas pelas atividades de lazer pode potencializar as exposições presentes no ambiente de trabalho, como o estresse, e ensejar a ocorrência dos ATbio.

A maior incidência de ATbio na média complexidade pode estar relacionada às próprias competências do nível de atenção, as quais se caracterizam por ações nas especialidades médicas e de apoio diagnóstico e terapêutico. As unidades de saúde responsáveis por tal incidência são as policlínicas, centros de atenção psicossocial, centros de reabilitação, centros especializados em Odontologia, e todos aqueles direcionados a um grupo de doenças/agravos à saúde específicos, além das unidades de pronto atendimento e as de atendimento pré-hospitalar. Sabe-se que nesse nível de atenção são oferecidas consultas médicas e procedimentos ambulatoriais especializados, assistência odontológica especializada, exames diagnósticos (Patologia clínica, Anatomopatologia, Citopatologia, radiodiagnóstico, ultrassonografia), entre outros procedimentos²⁷. É provável que em razão da maior manipulação dos usuários submetidos aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos, os trabalhadores encontrem-se potencialmente mais expostos ao sangue e aos fluídos biológicos do que na atenção básica.

A associação entre a percepção da exposição aos agentes biológicos e os ATbio evidencia uma relação entre as inadequações dos ambientes e condições de trabalho às necessidades de segurança e saúde dos trabalhadores, uma vez que a própria natureza da atividade ocasiona a exposição a tais fatores. Contudo, pode ser minimizada com distribuição de equipamentos de proteção individual (EPI) em número suficiente para imediata reposição, bem como adoção de equipamentos de proteção coletiva. Faz-se necessário ressalvar que a ocorrência do ATbio provavelmente tenha materializado nos corpos dos trabalhadores acidentados à exposição aos agentes biológicos, mas isso, pelo próprio desenho do estudo, não é possível concluir.

A associação entre trabalho de alta exigência e a incidência de ATbio corrobora achados anteriores referentes à relação entre estressores no ambiente de trabalho e a ocorrência de acidentes com objetos pérfurocortantes²⁸. A situação de trabalho de alta exigência, segundo o modelo demanda-controle, tem elevado impacto psicológico, que se caracteriza pelas exigências psicológicas a que os trabalhadores são submetidos, bem como decorrem da pressão, concentração necessária à execução das atividades, pausas na sua realização e tempo de espera do término do trabalho de outros colegas para iniciar a tarefa²⁹, possivelmente indicando sobrecarga de trabalho. No cotidiano dos serviços públicos de saúde é notório o número de trabalhadores muito aquém da necessidade da população, fazendo-os lidar com a pressão do tempo. Além de atender à demanda programada, aquela que foi "agendada" para o dia, existem casos de atendimento às urgências e emergências, bem como da demanda reprimida dentro do território pelo qual o serviço é responsável.

Os achados do presente estudo precisam ser analisados com parcimônia em razão de ter se baseado na ocorrência de acidentes autorreferida e, como mencionado, eventos de menor gravidade podem ser naturalizados pelos trabalahdores no cotidiano de trabalho, não sendo notificados, contribuindo para sua subestimação. Também deve ser considerada a possibilidade do viés de memória, uma vez que as respostas ao que foi consultado dependia de recordação dos sujeitos nos últimos 12 meses. Embora o número de respondentes seja superior à estimativa do tamanho amostral para o presente estudo, não se pode desconsiderar a presença do efeito do trabalhador sadio, uma vez que os profissionais não participantes podem estar afastados do trabalho, justamente em decorrência de um ATbio.

Com base nos achados do presente estudo evidencia-se a urgência da priorização dos trabalhadores da saúde em ações de vigilância em ambientes de trabalho e programas voltados à prevenção dos ATbio enfocando o incentivo à realização de atividades de lazer, especialmente para os trabalhadores mais jovens, nos serviços da média complexidade, bem como a neutralização/diminuição da exposição os materiais biológicos e aspectos psicossociais do trabalho, os quais devem ser compromissos da área de saúde do trabalhador no SUS.

• Como citar: Soares JFS, Lua I, Santos KOB, Cruz MLS, Araújo TM. Fatores associados a acidentes com exposição à material biológico de trabalhadores da saúde da atenção básica e da média complexidade em cinco municípios baianos. Cad Saúde Colet, 2023; 31 (3): e31030272. https://doi.org/10.1590/1414-462X202331030272
• Fonte de Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia- FAPESB (Termo de Outorga SUS Nº 0024/2009) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq (Processo nº 480611/2010-6 Edital MCT/CNPq-14/2010).

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  10 Nov 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  15 Jun 2020
• Aceito
  12 Maio 2021