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Associação entre consumo de marcadores alimentares, orientação nutricional e número de refeições em usuários da ESF

Association between consumption of food markers, nutritional counseling and number of meals in FHS users

Resumo

Introdução:

O número de refeições/dia tem sido associado a uma alimentação saudável, mas há controvérsias sobre a direção dessa associação. A orientação nutricional, estratégia essencial para construção de estilos de vida saudáveis na população atendida pela Estratégia Saúde da Família, pode ser fundamental nessa relação.

Objetivo:

Verificar se o consumo regular de marcadores alimentares está associado ao número de refeições diárias e ao recebimento de orientação nutricional.

Método:

Estudo transversal realizado com usuários da Estratégia Saúde da Família de um município gaúcho. Consumo regular de marcadores alimentares e características nutricionais (número de refeições/dia e recebimento de orientação nutricional) foram avaliados por aplicação de questionário. A associação entre características nutricionais e consumo regular de marcadores alimentares foi analisada utilizando-se regressão de Poisson.

Resultados:

Dos 529 indivíduos analisados, 2/3 referiram realizar de três a quatro refeições/dia e 30% afirmaram ter recebido orientação nutricional. A frequência de consumo regular de marcadores alimentares variou de 1,7% para frituras a quase 60% para feijão. Indivíduos que receberam orientação nutricional apresentaram menor prevalência de consumo regular de doces e refrigerantes (RP=0,64; IC95% 0,43–0,97). Número de refeições/dia foi positivamente associado ao consumo de lácteos; frutas e hortaliças; frituras, embutidos e salgados. Para os dois últimos grupos, observou-se associação apenas para quem não recebeu orientação nutricional.

Conclusões:

Os resultados sugerem que consumo regular de marcadores alimentares se associa com recebimento de orientação nutricional e número de refeições.

Palavras-chave:
aconselhamento; guias alimentares; vigilância alimentar e nutricional; atenção primária à saúde

Abstract

Background:

The number of meals/day has been associated with a healthy diet, but there are controversies about the direction of this association. Nutritional counseling, an essential strategy for building healthy lifestyles in the population served by the Family Health Strategy (FHS), can be fundamental in this relationship.

Objective:

To verify whether the regular consumption of food markers is associated with the number of daily meals eaten and receiving nutritional counseling.

Method:

Cross-sectional study carried out with users of the Family Health Strategy in a city in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. Regular consumption of food markers and nutritional characteristics (number of meals/day and receiving nutritional counseling) were assessed by applying a questionnaire. The association between nutritional characteristics and regular consumption of food markers was analyzed using Poisson regression.

Results:

Of the 529 individuals analyzed, 2/3 reported having three to four meals/day and 30% stated they had received nutritional counseling. The frequency of regular consumption of food markers ranged from 1.7% for fried foods to almost 60% for beans. Individuals who received nutritional counseling had a lower prevalence of regular consumption of sweets and soft drinks (PR=0.64; 95%CI 0.43–0.97). Number of meals/day was positively associated with dairy consumption; fruits and vegetables; fried foods, sausages and pastries. For the last two groups, an association was observed only for those who did not receive nutritional counseling.

Conclusions:

The results suggest that regular consumption of food markers is associated with receiving nutritional counseling and number of meals.

Keywords:
counselin; food guide; food and nutritional surveillance; primary health care

INTRODUÇÃO

A educação em saúde é um conjunto de práticas que busca contribuir para que a população se aproprie de temas diversos em saúde, colaborando para aumentar a autonomia das pessoas em seus processos de autocuidado11 Brasil. Glossário Temático: Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. 2ᵃ ed. Brasil: Secretaria-Executiva, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Ministério da Saúde; 2012. 44 p.. Essa prática educativa também contempla o necessário apoio dos gestores e a importante formação permanente dos profissionais que atuam nesse cenário, visando à melhoria da qualidade de vida da comunidade assistida22 Brasil. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasil: Secretaria de Atenção à Saúde, Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição, Ministério da Saúde; 2009. 64 p.. Nesse contexto, a orientação nutricional realizada por profissionais da Atenção Primária em Saúde (APS) se configura em estratégia educativa essencial para a construção e manutenção de estilos de vida saudáveis, que incluem comportamentos alimentares mais alinhados com as recomendações científicas vigentes.

Um marco essencial na contribuição para a garantia de direitos ao cidadão, como o Direito Humano à Alimentação Adequada, foi a criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF)33 Brasil. Portaria n° 154, de 24 de janeiro de 2008, que cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF [Internet]. Brasil; 2008 [acessado em 2 dez. 2020]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/prt0154_24_01_2008.html
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, posteriormente descaracterizados para Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB)44 Brasil. Portaria n° 2.436, de 21 de setembro de 2017, que aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasil; 2017 [acessado em 2 dez. 2020]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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, e por fim destituídos de financiamento federal específico em janeiro/202055 Brasil. Portaria n° 2.979, de 12 de novembro de 2019, que institui o Programa Previne Brasil, que estabelece novo modelo de financiamento de custeio da Atenção Primária à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, por meio da alteração da Portaria de Consolidação n° 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017 [Internet]. Brasil; 2019 [acessado em 2 dez. 2020]. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.979-de-12-de-novembro-de-2019-227652180
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. Ainda que tenham sido identificadas fragilidades66 Lima RSA, Nascimento JA, Ribeiro KSQS, Sampaio J. O apoio matricial no trabalho das equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família: análise a partir dos indicadores do 2° ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade. Cad Saúde Colet. 2019;27(1):25-31. https://doi.org/10.1590/1414-462X201900010454
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,77 Brocardo D, Andrade CLT, Fausto MCR, Lima SML. Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf): panorama nacional a partir de dados do PMAQ. Saúde Debate. 2018;42(Esp. 1):130-44. https://doi.org/10.1590/0103-11042018S109
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, os NASF contribuíram, por meio de especialidades não contempladas nas equipes de Saúde da Família (eSF), como o nutricionista, para a organização da agenda de modo compartilhado66 Lima RSA, Nascimento JA, Ribeiro KSQS, Sampaio J. O apoio matricial no trabalho das equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família: análise a partir dos indicadores do 2° ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade. Cad Saúde Colet. 2019;27(1):25-31. https://doi.org/10.1590/1414-462X201900010454
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e para a melhoria no planejamento e desenvolvimento de ações de forma integrada66 Lima RSA, Nascimento JA, Ribeiro KSQS, Sampaio J. O apoio matricial no trabalho das equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família: análise a partir dos indicadores do 2° ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade. Cad Saúde Colet. 2019;27(1):25-31. https://doi.org/10.1590/1414-462X201900010454
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,77 Brocardo D, Andrade CLT, Fausto MCR, Lima SML. Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf): panorama nacional a partir de dados do PMAQ. Saúde Debate. 2018;42(Esp. 1):130-44. https://doi.org/10.1590/0103-11042018S109
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na Estratégia Saúde da Família (ESF). De toda forma, assim como todo profissional de saúde, o nutricionista atuante na APS possui atividades privativas e atividades passíveis de matriciamento.

O apoio assistencial e técnico-pedagógico prestado a uma equipe de saúde por profissionais de áreas especializadas, no intuito de qualificar suas ações, caracteriza o cerne do matriciamento88 Brasil. Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasil: Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Ministério da Saúde; 2014. 116 p. Cadernos de Atenção Básica, n. 39.. Todos os profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) devem ser agentes multiplicadores de informações sobre promoção de saúde e prevenção de agravos, tanto nas Unidades de Saúde da Família (USF) quanto nas demais estruturas de ação no território adstrito à ESF99 Brasil. Política Nacional de Promoção da Saúde: PNPS: Anexo I da Portaria de Consolidação n° 2, de 28 de setembro de 2017, que consolida as normas sobre as políticas nacionais de saúde do SUS. Brasil: Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde; 2018. 40 p.. Nesse sentido, tanto a Política Nacional de Promoção da Saúde99 Brasil. Política Nacional de Promoção da Saúde: PNPS: Anexo I da Portaria de Consolidação n° 2, de 28 de setembro de 2017, que consolida as normas sobre as políticas nacionais de saúde do SUS. Brasil: Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde; 2018. 40 p. quanto a Política Nacional de Alimentação e Nutrição1010 Brasil. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasil: Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Ministério da Saúde; 2012. 84 p. trazem o incentivo à alimentação adequada e saudável como tema prioritário para a promoção da saúde no país. Já a Vigilância Alimentar e Nutricional possibilita a geração de importantes subsídios para a promoção da saúde, ao incluir a avaliação contínua do perfil antropométrico e alimentar dos usuários do SUS em todas as fases da vida1010 Brasil. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasil: Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Ministério da Saúde; 2012. 84 p..

O Guia Alimentar para a População Brasileira (GAPB) é uma das principais estratégias de promoção à saúde e à alimentação saudável no país, constituindo-se em importante ferramenta para embasamento das ações educativas realizadas por nutricionistas e outros profissionais do serviço, de forma a garantir a integralidade do cuidado no SUS. Em sua segunda edição, o GAPB enfatiza a relevância do contexto em que o consumo alimentar ocorre e o incentivo à autonomia dos indivíduos, trazendo uma abordagem inovadora ao incluir recomendações não quantitativas sobre a alimentação1111 Brasil. Guia Alimentar para a População Brasileira. 2ᵃ ed. Brasil: Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde; 2014. 156 p.. As recomendações, que em 2006 incluíam a realização das três principais refeições do dia e dois lanches entre elas1212 Brasil. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasil: Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Ministério da Saúde; 2006. 210 p., no GAPB de 2014 foram readequadas para a realização das três principais refeições do dia, respeitando os sinais de fome, sede e saciedade, e, se necessário, complementando com pequenas refeições1111 Brasil. Guia Alimentar para a População Brasileira. 2ᵃ ed. Brasil: Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde; 2014. 156 p.. A despeito dessa atualização, a antiga recomendação sobre o número de refeições perdura não apenas na população em geral, como entre profissionais de diferentes especialidades.

Embora tenha havido flexibilização em algumas recomendações do GAPB, evidências científicas têm sugerido que o número de refeições/dia está associado a uma alimentação saudável, embora ainda haja controvérsia sobre a direção dessa associação1313 Paoli A, Tinsley G, Bianco A, Moro T. The Influence of Meal Frequency and Timing on Health in Humans: The Role of Fasting. Nutrients. 2019;11(4):719. https://doi.org/10.3390/nu11040719
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. Assim, no intuito de gerar informações úteis ao planejamento de ações e direcionamento de estratégias para a promoção da alimentação saudável no âmbito da APS, bem como compreender o papel do número de refeições sobre o consumo alimentar de indivíduos, o objetivo do presente estudo foi verificar se o consumo regular de marcadores alimentares está associado a recebimento de orientação nutricional e número de refeições realizadas por usuários da Estratégia Saúde da Família.

MATERIAIS E MÉTODOS

Os dados deste estudo transversal fazem parte de outra pesquisa maior intitulada “Estratégia Saúde da Família: qualidade do serviço e perfil nutricional do usuário”, realizada no período de março a setembro de 2015. A pesquisa foi realizada em um município do extremo oeste gaúcho, fronteira com a Argentina, que possui 37.489 habitantes, de acordo com a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para o ano de 2020, e que possuía Índice de Desenvolvimento Humano superior ao do Brasil (0,713 vs. 0,699) em 2010. É um município cuja economia está baseada na agropecuária, sendo um dos maiores produtores de arroz do país.

Amostragem

O cálculo do tamanho de amostra do estudo principal foi realizado no programa OpenEpi 3.03, utilizando-se os seguintes parâmetros: tamanho da população de 3887 (número de famílias cadastradas na ESF do município até dezembro de 2014 e considerando a inclusão de apenas um indivíduo por família); prevalência estimada em 50%; erro aceitável de 4 pontos percentuais e intervalo de confiança de 95% (IC95%). O tamanho de amostra resultante foi de 521 indivíduos; após acréscimo de 10% para possíveis perdas e/ou recusas, a amostra final foi de 573 indivíduos. O processo de amostragem foi realizado nas quatro USF do município à época, e a amostra foi selecionada a partir de sorteio aleatório de aproximadamente 15% das famílias cadastradas em cada uma das microáreas de cada USF. Informações prévias sobre o endereço das famílias sorteadas foram obtidas das fichas de atendimento em cada USF.

Coleta de dados

Inicialmente, realizou-se estudo-piloto com 32 usuários de uma unidade básica de saúde não incluída na pesquisa. Na coleta de dados, a abordagem da família no domicílio foi realizada por um entrevistador identificado, que conferia a elegibilidade de cada integrante. Foram incluídos indivíduos cadastrados na ESF do município, com idade ≥20 anos, residentes na zona urbana e que utilizaram qualquer serviço da ESF ou do NASF nos doze meses anteriores à entrevista. Foram excluídas gestantes; mulheres que tiveram filhos há, no máximo, seis meses; e indivíduos que, por algum motivo de saúde, modificaram a alimentação nos sete dias anteriores à entrevista; que estavam em alimentação por via enteral; e/ou que apresentavam incapacidades para responder ao questionário. Nas famílias com mais de um indivíduo elegível, foi realizado sorteio para definir quem seria convidado. Quando nenhum membro da família sorteada atendia aos critérios de elegibilidade, era realizado um novo sorteio aleatório para substituir a família por outra da mesma microárea.

O controle de qualidade foi realizado por telefone, através da aplicação de questionário reduzido em aproximadamente 10% da população entrevistada, sorteados aleatoriamente em cada microárea. Esta etapa foi realizada concomitantemente à coleta de dados, a fim de garantir proximidade com a data da entrevista.

Variáveis estudadas

O desfecho do presente estudo, consumo regular de marcadores alimentares, foi investigado por meio do formulário do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN)1414 Brasil. Protocolos do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – SISVAN na assistência à saúde. Brasil: Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Ministério da Saúde; 2008. 61 p. que avalia a frequência de consumo de cinco marcadores de uma alimentação saudável e cinco marcadores de uma alimentação pouco recomendada. Cada pergunta considerou o período recordatório de sete dias anteriores à entrevista.

As variáveis de exposição principal consideradas foram as nutricionais: número de refeições/dia e recebimento de orientação nutricional. O número refeições/dia foi obtido por meio de perguntas específicas sobre a realização de café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde, jantar e ceia. Foi investigado se o participante já havia recebido orientação de algum profissional da USF sobre alimentação nos doze meses anteriores à entrevista e, em caso positivo, qual teria sido o profissional, dentre as opções: médico, nutricionista/estagiário de nutrição, enfermeiro, dentista, educador físico, ou “outro”.

Também foram coletadas as seguintes informações socioeconômicas: escolaridade em anos completos de estudo, classe econômica (definida a partir do Critério de Classificação Econômica Brasil) e recebimento do benefício do Programa Bolsa Família (PBF). Além disso, as variáveis demográficas sexo e idade (em anos completos) também foram coletadas e consideradas para caracterização da amostra.

Análises estatísticas

Os dados coletados foram revisados, duplamente digitados e validados no programa EpiData 3.1 (EpiData Association, Odense, Denmark), e as análises estatísticas foram conduzidas no programa Stata 12.1 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).

Inicialmente, foram obtidas frequências simples de cada variável de exposição e dos desfechos. Classificou-se a frequência de consumo semanal de cada alimento em não regular (<5 x/semana) e regular (≥5 x/semana). A escolha desse ponto de corte se justifica pela utilização frequente deste parâmetro em estudos sobre consumo alimentar no Brasil1515 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2014.1717 Brasil. Vigitel Brasil 2019 – vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasil: Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis, Ministério da Saúde; 2020. 137 p..

Análises bivariadas foram realizadas para testar a associação de características socioeconômicas e nutricionais com o consumo regular dos marcadores da amostra estudada. Os marcadores alimentares feijão e laticínios foram analisados separadamente e, de forma a facilitar a apresentação e interpretação dos resultados, foram agrupados: Frutas e Hortaliças (FH); Frituras, Embutidos e Salgados (FES); e Doces e Refrigerantes (DR). A frequência do consumo de cada grupo foi considerada regular quando pelo menos um dos respectivos itens alimentares apresentou frequência de consumo ≥5 x/semana. Utilizou-se teste χ2 de heterogeneidade e/ou tendência linear, conforme a natureza das variáveis. Para cada estimativa, calculou-se IC95% e considerou-se nível de significância de 5%.

Posteriormente, realizou-se análise ajustada da associação entre as características nutricionais e as variáveis de desfecho que apresentaram associações significativas (p<0,05) na análise bruta. Utilizou-se regressão de Poisson1818 Barros AJ, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol. 2003;3:21. https://doi.org/10.1186/1471-2288-3-21
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com variância robusta, e os modelos foram ajustados para escolaridade, classe econômica e recebimento do benefício do PBF. Por fim, uma análise de sensibilidade foi conduzida com o intuito de verificar se o recebimento de orientação nutricional atua como modificador do efeito da relação entre o número de refeições/dia e o consumo regular de grupos alimentares.

Aspectos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Pampa, conforme parecer número 954.173. Aos entrevistados, foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido previamente à entrevista. Em todas as etapas do estudo, foi garantido o cumprimento das exigências que constam na resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta o desenvolvimento de pesquisas envolvendo seres humanos.

RESULTADOS

Das 573 famílias sorteadas, doze não participaram do estudo (nove recusas e três perdas). Dos 561 (97,9%) indivíduos que atendiam aos critérios de inclusão, 32 (5,7%) foram excluídos: 14 (2,5%) gestantes, 13 (2,3%) mulheres que tiveram filho nos últimos seis meses e 5 (0,9%) indivíduos com modificação na alimentação nos sete dias anteriores à entrevista. Assim, a amostra do presente estudo foi composta por 529 indivíduos com informações completas sobre consumo alimentar. O controle de qualidade da pesquisa foi realizado com 52 participantes (9,3% da amostra), e o resultado do teste kappa variou de 0,56 (moderado) a 0,81 (excelente).

Dos 529 entrevistados, quase 80% eram do sexo feminino, e a média (±desvio-padrão) de idade foi de 49,2 anos (±16,4 anos), variando de 20 a 90 anos, com idosos contabilizando cerca de um quarto da amostra (dados não apresentados). De acordo com a Tabela 1, cerca de 40% dos entrevistados completaram até a quarta série do ensino fundamental, e cerca de um terço referiu ser beneficiário do PBF. Além disso, a classe econômica C foi a mais frequente (50,7%), ressaltando-se que nenhum indivíduo estava na classe econômica A.

Tabela 1
Descrição da amostra de usuários da Estratégia Saúde da Família, de acordo com características socioeconômicas e nutricionais. Itaqui/RS, 2015 (n=529)

Quando questionados sobre o número de refeições/dia, quase dois terços da amostra referiram realizar de três a quatro refeições/dia. Em relação ao recebimento de orientação nutricional na USF de referência, resposta positiva foi referida por cerca de 30% dos entrevistados, dos quais dois terços disseram ter sido orientados por nutricionista.

De maneira geral, observaram-se maiores frequências de consumo regular para marcadores de alimentação saudável — cerca de 60% para feijão e 42,5% para lácteos — e menores para marcadores de alimentação pouco recomendada, destacando-se que apenas 1,7% dos entrevistados relatou consumo regular de frituras. O consumo regular de refrigerantes, no entanto, foi 2,8 pontos percentuais acima do de legumes e verduras cozidos (Figura 1). Ao se avaliar os marcadores em grupos, evidenciou-se 55,8% de consumo regular de FH, 27,8% de DR e 26,1% de FES (dados não apresentados).

Figura 1
Frequência de consumo regular dos marcadores de alimentação saudável e pouco recomendada. Itaqui/RS, 2015 (n=529)

Verificou-se que indivíduos com pelo menos nove anos de estudo referiram menor consumo regular de feijão. Em relação à classe econômica, indivíduos que estavam nas classes mais baixas apresentaram maior consumo regular de feijão e menor de FH. Ainda, beneficiários do PBF apresentaram menor consumo regular de lácteos. Em relação às características nutricionais, indivíduos que referiram ter recebido orientação nutricional de algum profissional da USF apresentaram maior consumo regular de FH e de lácteos, e menor consumo regular de DR. Ainda, aqueles que relataram ter realizado cinco a seis refeições ao dia tiveram maior consumo regular de FH e de lácteos, mas também de FES (Tabela 2).

Tabela 2
Consumo regular dos grupos de marcadores alimentares, de acordo com características socioeconômicas e nutricionais. Itaqui/RS, 2015 (n=529)

Na análise ajustada, observou-se que indivíduos que receberam orientação nutricional apresentaram menor prevalência de consumo regular de DR (RP=0,64; IC95% 0,43–0,97) quando comparados àqueles que não receberam. Já o número de refeições/dia foi positivamente associado com o consumo regular de FH (RP=1,74; IC95% 1,15–2,63), lácteos (RP 3,48; IC95% 1,97-6,17) e FES (RP 2,57; IC95% 1,28-5,14), independente das características socioeconômicas utilizadas para ajuste (Tabela 3).

Tabela 3
Análises ajustadas e estratificadas da associação entre grupos alimentares e características nutricionais. Itaqui/RS, 2015 (n=529)

Quando a associação entre número de refeições/dia e consumo regular de marcadores alimentares foi estratificada pelo recebimento de orientação nutricional, observou-se que tanto FES (marcador de alimentação pouco recomendada) quanto FH (marcador de alimentação saudável) só foram positivamente associados com o número de refeições/dia naqueles indivíduos que não receberam orientação nutricional. Entre os indivíduos que receberam algum tipo de orientação nutricional e que relataram maior número diário de refeições não se observou maior prevalência de consumo regular nem de FES nem de FH (Tabela 3).

DISCUSSÃO

O presente estudo, realizado com usuários da ESF de um município da fronteira oeste do RS, mostrou que o consumo regular de marcadores alimentares esteve associado a variáveis socioeconômicas e nutricionais e sugere que receber orientação nutricional na ESF atenua o efeito da associação entre número de refeições/dia e consumo regular de FES e de FH.

O consumo alimentar de adultos e idosos de diferentes locais no Brasil tem sido associado a variáveis demográficas1919 Gorgulho BM, Santos RO, Teixeira JA, Baltar VT, Marchioni DM. Lunch quality and sociodemographic conditions between Brazilian regions. Cad Saúde Pública. 2018;34(5):e00067417. https://doi.org/10.1590/0102-311X00067417
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,2020 Pereira IFS, Gonzaga MR, Lyra CO. Indicador multidimensional de fatores de risco relacionados ao estilo de vida: aplicação do método Grade of Membership. Cad Saúde Pública. 2019;35(6):e00124718. https://doi.org/10.1590/0102-311X00124718
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, socioeconômicas2020 Pereira IFS, Gonzaga MR, Lyra CO. Indicador multidimensional de fatores de risco relacionados ao estilo de vida: aplicação do método Grade of Membership. Cad Saúde Pública. 2019;35(6):e00124718. https://doi.org/10.1590/0102-311X00124718
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dentre outras. No presente estudo, escolaridade, classe econômica, recebimento de benefício do PBF, orientação nutricional e número de refeições/dia se mostraram associadas ao consumo regular de marcadores alimentares.

Indivíduos com maior escolaridade e maior classe econômica apresentaram menor frequência de consumo regular de feijão. De fato, os dados da PNS 20131515 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013: percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; 2014. e da VIGITEL 20151616 Brasil. Vigitel Brasil 2015 – vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2015. Brasil: Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Ministério da Saúde; 2016. 160 p. e 20191717 Brasil. Vigitel Brasil 2019 – vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019. Brasil: Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis, Ministério da Saúde; 2020. 137 p. sugerem que o consumo regular de feijão é inversamente proporcional à escolaridade. Classe econômica e escolaridade possuem relação entre si, o que sugere que indivíduos mais escolarizados têm oportunidade de adquirir maior variedade de alimentos, substituindo o feijão por outras leguminosas de maior custo ou mesmo por outras preparações.

A classe econômica também se associou positivamente com a frequência de consumo regular de FH. Dados recentes mostram que a aquisição alimentar domiciliar ainda é maior para arroz, óleo vegetal, açúcar e pães — alimentos com maior densidade calórica, em comparação a frutas e hortaliças2121 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018: Avaliação Nutricional da Disponibilidade Domiciliar de Alimentos no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2020. 61 p.. Além disso, estudos transversais verificaram associação positiva do consumo de FH com renda per capita2222 Mondini L, Moraes SA, Freitas ICM, Gimeno SGA. Consumo de frutas e hortaliças por adultos em Ribeirão Preto, SP. Rev Saúde Pública. 2010;44(4):686-94. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000400012
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e familiar2323 Maziero CCS, Jaime PC, Duran AC. The influence of meal and food markets in fruit and vegetable consumption among adults in the city of São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(4):611-23. https://doi.org/10.1590/1980-5497201700040005
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, respectivamente. Nesse sentido, o custo, considerado um dos obstáculos para se ter uma alimentação saudável, é discutido pelo GAPB sob a perspectiva da importância do acesso financeiro a frutas, legumes e verduras a famílias de baixa renda, ressaltando que, embora isoladamente esses alimentos possam ter maior preço que alguns ultraprocessados, o custo total de uma alimentação baseada em in natura ou minimamente processados ainda é menor do que o custo de uma alimentação baseada em ultraprocessados1111 Brasil. Guia Alimentar para a População Brasileira. 2ᵃ ed. Brasil: Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde; 2014. 156 p.. Pensando nisso, o GAPB faz recomendações que podem contribuir na redução do custo de uma alimentação mais saudável, como preferir vegetais da época, comprar direto do produtor e levar comida de casa para o trabalho.

A associação entre receber auxílio do PBF e o consumo alimentar de adultos tem sido pouco explorada na literatura científica2424 Martins AP, Canella DS, Baraldi LG, Monteiro CA. Transferência de renda no Brasil e desfechos nutricionais: revisão sistemática. Rev Saúde Pública. 2013;47(6):1159-71. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004557
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. No presente estudo, ser beneficiário do PBF esteve associado apenas com consumo regular de lácteos, que foi 20% menor em comparação aos não beneficiários. De modo geral, os resultados observados por outros autores corroboram este achado quando informam que beneficiários do PBF possuem menor gasto2525 Carvalho GR, Maisashvili A, Richardson JW, Carvalho CO. Demand analysis on food: effects of bolsa família on dairy consumption as a source of calcium. PPP. 2015;(45):221-44. e menor consumo de lácteos2626 Coelho PL, Melo ASSA. Impacto do Programa Bolsa Família sobre a qualidade da dieta das famílias de Pernambuco no Brasil. Ciên Saúde Coletiva. 2017;22(2):393-402. https://doi.org/10.1590/1413-81232017222.13622015
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em comparação a não beneficiários. O consumo do leite de vaca, seja puro, com frutas, com café ou em preparações, faz parte da cultura brasileira; já o uso de seus derivados varia, desde os iogurtes naturais, que possuem um consumo baixo, mas crescente, aos diferentes tipos de queijo, que apesar do preço mais elevado, são frequentemente usados como parte de preparações culinárias. A literatura traz que, não apenas o consumo de leite, mas a alimentação da população de maneira geral é influenciada pelo PBF, e que a direção dessa associação depende da autonomia dos beneficiados2727 Carvalho TFB, Sá TS, Ruas JPP, Vieira MA, Sampaio CA. Estado nutricional e segurança alimentar de famílias beneficiadas pelo programa bolsa família: revisão integrativa. Rev Fun Care Online. 2020;12:593-602.. O PBF contribui para elevar o acesso aos alimentos em quantidade e variedade, mas não resulta necessariamente em uma melhora da qualidade nutricional da alimentação2727 Carvalho TFB, Sá TS, Ruas JPP, Vieira MA, Sampaio CA. Estado nutricional e segurança alimentar de famílias beneficiadas pelo programa bolsa família: revisão integrativa. Rev Fun Care Online. 2020;12:593-602.. Esse desfecho pode ser alcançado através de ações de promoção da saúde, previstas para o momento de avaliação das condicionalidades de saúde do PBF, bem como, de maneira mais ampla, por meio da orientação profissional e da educação alimentar e nutricional na atenção básica.

O presente estudo observou que quanto maior o número de refeições, maior o consumo regular de marcadores tanto de alimentação saudável (FH e lácteos) quanto de alimentação pouco recomendada (FES). A influência do número de refeições no consumo alimentar e em desfechos de saúde tem sido, durante anos, objeto de estudo em muitas populações. Revisão recentemente publicada1313 Paoli A, Tinsley G, Bianco A, Moro T. The Influence of Meal Frequency and Timing on Health in Humans: The Role of Fasting. Nutrients. 2019;11(4):719. https://doi.org/10.3390/nu11040719
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ressaltou que, embora evidências epidemiológicas prévias tenham indicado associação inversa entre número de refeições/dia e risco de agravos à saúde, ensaios experimentais observaram resultados conflitantes e pesquisas prospectivas mostraram aumento significativo no risco de agravos à saúde conforme maior número de refeições/dia. Os autores concluíram que um padrão regular de refeição, que inclua duas a três refeições/dia, com um café da manhã que contenha a maior proporção de energia do dia, e períodos regulares de jejum podem fornecer benefícios fisiológicos, como redução de inflamação, melhoria no ritmo circadiano e modulação da microbiota intestinal.

Considerando que café da manhã, almoço e jantar fornecem cerca de 90% do total de calorias consumidas ao longo do dia, entre os brasileiros que baseiam sua alimentação em alimentos in natura ou minimamente processados, o GAPB1111 Brasil. Guia Alimentar para a População Brasileira. 2ᵃ ed. Brasil: Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde; 2014. 156 p. recomenda a realização diária dessas três refeições principais para alcançar as necessidades nutricionais do indivíduo. Sua abordagem qualitativa enfatiza a ideia de que a composição das refeições e o respeito aos sinais de fome e saciedade são mais importantes que o número de refeições/dia isoladamente, pois contribuem para a prevenção de agravos1111 Brasil. Guia Alimentar para a População Brasileira. 2ᵃ ed. Brasil: Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde; 2014. 156 p.,2828 Louzada MLC, Canella DS, Jaime PC, Monteiro CA. Alimentação e saúde: a fundamentação científica do guia alimentar para a população brasileira. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2019. 132 p.. De fato, o presente estudo observou que maior número de refeições/dia parece estar associado a maior consumo regular de grupos alimentares, independentemente se saudáveis ou não, associações estas que se mantiveram significativas até a análise ajustada. A estratificação da análise, porém, evidenciou perda de associação para FH e FES entre aqueles que receberam orientação nutricional, chamando a atenção para a importância do nutricionista e demais profissionais da área da saúde na orientação de práticas alimentares e estilos de vida saudáveis, e na superação de obstáculos à adoção de uma alimentação adequada.

A prevalência de recebimento de orientação nutricional na USF chamou a atenção pelo fato de se mostrar inferior à observada na literatura2929 Santos RP, Horta PM, Souza CS, Santos CA, Oliveira HBS, Almeida LMR, et al. Aconselhamento sobre alimentação e atividade física: prática e adesão de usuários da atenção primária. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(4):14-21. https://doi.org/10.1590/S1983-14472012000400002
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,3030 Lopes ACS, Toledo MTT, Câmara AMCS, Menzel H-JK, Santos LC. Condições de saúde e aconselhamento sobre alimentação e atividade física na Atenção Primária à Saúde de Belo Horizonte-MG. Epidemiol Serv Saúde. 2014;23(3):475-86. https://doi.org/10.5123/S1679-49742014000300010
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, porém o médico foi o responsável pela maior proporção dos aconselhamentos, enquanto no presente estudo quase 70% dessas ações foram realizadas por nutricionista e/ou estagiários de Nutrição. Isso demonstra, por um lado, a importância da Universidade para o potencial resolutivo da atenção básica em um município de pequeno porte, mas por outro, considerando que em 2015 havia apenas uma nutricionista no setor saúde, evidencia a necessidade de mais profissionais da área, não apenas para melhorar a cobertura de atuação, mas também para possibilitar matriciamento contínuo dos demais profissionais das USF. O maior consumo regular de FH e de lácteos e menor de DR, observado entre os participantes que receberam orientação nutricional, apenas corrobora o efeito positivo dessa ação na atenção básica, que é bem documentado na literatura3131 Silva CP, Carmo AS, Horta PM, Santos LC. Intervenção nutricional pautada na estratégia de oficinas em um serviço de promoção da saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais. Rev Nutr. 2013;26(6):647-58. https://doi.org/10.1590/S1415-52732013000600004
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,3232 Ball L, Leveritt M, Cass S, Chaboyer W. Effect of nutrition care provided by primary health professionals on adults’ dietary behaviours: a systematic review. Fam Pract. 2015;32(6):605-17. https://doi.org/10.1093/fampra/cmv067
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.

Uma limitação deste estudo refere-se ao delineamento transversal, que impossibilita o estabelecimento de relação causa-efeito entre as variáveis investigadas e pressupõe que alguns resultados sejam avaliados com cautela. O curto período recordatório do instrumento, por um lado, reduz a possibilidade de viés de memória, por outro, impossibilita a identificação de hábitos alimentares. Para minimizar essa questão, a investigação da frequência de consumo alimentar foi precedida por pergunta filtro que identificava se nos sete dias anteriores à entrevista o usuário havia se alimentado como sempre, sendo excluído aquele que respondeu positivamente. Ainda sobre o consumo alimentar, é importante considerar o amplo período de coleta, pois se sabe que a ingestão de FH segue um padrão sazonal de consumo e que, pelo menos para esses alimentos, a queda das temperaturas costuma reduzir a ingestão. Isso pode ter contribuído para a subestimação da frequência do consumo regular de FH na amostra avaliada, que foi abaixo do esperado. Por fim, é importante ressaltar que pessoas idosas e mulheres estiveram sobrerrepresentadas em relação à população em geral porque a população-alvo deste estudo foi aquela atendida pela ESF nos 12 meses anteriores à entrevista. Perfil semelhante ao da presente pesquisa foi evidenciado por estudo que avaliou as características principais dos usuários dos serviços de APS no Brasil3333 Guibu IA, Moraes JC, Guerra Junior AA, Costa EA, Acurcio FA, Costa KS, et al. Main characteristics of patients of primary health care services in Brazil. Rev Saúde Pública. 2017;51(Supl. 2):17s. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007070
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Os resultados deste estudo mostram que número de refeições/dia se associa a consumo regular de FH, lácteos e FES, e sugerem que receber orientação nutricional na ESF atenua o efeito da associação entre número de refeições/dia e consumo regular de FH e de FES, evidenciando a importância do componente educativo em alimentação e nutrição na atuação dos profissionais da ESF. Esses achados podem servir de subsídio para a elaboração de estratégias que reforcem hábitos de vida saudáveis entre os moradores do município, como a capacitação dos profissionais da ESF para garantia da integralidade no SUS e o desenvolvimento de políticas de incentivo à compra de alimentos produzidos localmente.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Jan 2021
  • Aceito
    07 Jul 2021
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