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Qualidade dos registros de ocupação das doenças associadas ao asbesto no sistema de informação sobre mortalidade, Brasil

Quality of occupation records of asbestos-related diseases in the mortality information system, Brazil

Resumo

Introdução:

Registros de ocupações de trabalhadores em sistemas de informação significam muito mais que um dado sociodemográfico. Na Medicina do Trabalho e na Epidemiologia em Saúde do Trabalhador, são especialmente relevantes por indicarem possíveis fatores de risco ocupacionais.

Objetivo:

Estimar indicadores de qualidade do registro da ocupação das doenças associadas ao asbesto no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), Brasil.

Método:

Estudo transversal conduzido com registros de óbito de maiores de 16 anos de idade, registrados no SIM, entre 2000-2016, com diagnósticos de doenças tipicamente associadas ao asbesto (DAA): mesotelioma, asbestose e placas pleurais. O registro da “ocupação” foi analisado para a completude e consistência.

Resultados:

Foram identificados 3.764 registros de óbito, para os quais observou-se 60,3% (n=2.268) de incompletude/inconsistência do registro da ocupação. Dados inválidos da ocupação representaram 40,1% (n=1.508), concentrando-se em registros de aposentados e donas de casa, não reconhecidos como ocupações. A má qualidade do registro de ocupação entre os óbitos por DAA foi superior a 50,0% em todas as regiões do país.

Conclusões:

A qualidade do registro da ocupação no SIM foi ruim tanto para as DAA quanto outros diagnósticos, especialmente no que se refere a completude e consistência dos dados, em relação à Classificação Brasileira de Ocupações.

Palavras-chave:
confiabilidade dos dados; sistemas de informação; atestado de óbito; mesotelioma; asbestose

Abstract

Background:

Records from occupations of workers in information systems mean much more than just sociodemographic data. In Occupational Medicine and Occupational Health Epidemiology, they are especially relevant as they indicate possible occupational risk factors.

Objective:

To estimate quality indicators of the record of occupation of asbestos-related diseases in the Mortality Information System (SIM), Brazil.

Method:

Cross-sectional study, conducted with death records of people over 16 years of age, registered in SIM, from 2000 to 2016, with diagnoses of asbestos-related diseases (ARD): mesothelioma, asbestosis, and pleural plaques. The “occupation” field was analyzed for completeness and consistency.

Results:

From a total of 3,764 death records, for which 60.3% (n=2,268) of missed/inconsistent occupation records were observed. Invalid occupation data accounted for 40.1% (n=1,508), mainly filled with “retired” or “housewives”, not recognized as formal job titles. The poor occupancy record quality among ARD records was over 50.0% in all regions of the country.

Conclusions:

The quality of the occupation records in SIM was poor for both ARD and other diagnoses, especially regarding the completeness and consistency of the data, in relation to the Brazilian Classification of Occupations.

Keywords:
data accuracy; occupations; information systems; death certificates; mesothelioma; asbestosis

INTRODUÇÃO

Ao longo da vida, trabalhadores constroem suas histórias ocupacionais, sequências singulares de vínculos empregatícios com empresas ou como autônomos, entre outras modalidades e diferentes ramos de atividade econômica, exercendo tarefas típicas comuns, i.e., grupos ou categorias ocupacionais11 Mannetje AT, Kromhout H. The use of occupation and industry classifications in general population studies. Int J Epidemiol. 2003;32(3):419-28. https://doi.org/10.1093/ije/dyg080
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. Essas histórias ocupacionais significam muito mais que um atributo sociodemográfico, podendo ser de grande utilidade no âmbito administrativo, previdenciário ou na saúde, em especial na investigação da relação da enfermidade com o trabalho22 Taylor J, Frey L. The Need for Industry and Occupation Standards in Hospital Discharge Data. J Occup Environ Med. 2013;55(5):495-9. https://doi.org/10.1097/JOM.0b013e318293af12
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,33 Rajamani S, Chen ES, Lindemann E, Aldekhyyel R, Wang Y, Melton GB. Representation of occupational information across resources and validation of the occupational data for health model. J Am Med Inform Assoc. 2018;25(2):197-205. https://doi.org/10.1093/jamia/ocx035
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. O registro da ocupação pode ser empregado para se projetar ou estimar a existência ou mesmo o grau de exposição a um agente de risco. Consequentemente, é muito importante a qualidade do dado sobre a ocupação nos sistemas de informação, especialmente nos relativos ao trabalho e(ou) saúde11 Mannetje AT, Kromhout H. The use of occupation and industry classifications in general population studies. Int J Epidemiol. 2003;32(3):419-28. https://doi.org/10.1093/ije/dyg080
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. Isso vale tanto para a pesquisa como o conhecimento para a vigilância44 Koné Pefoyo AJ, Genesove L, Moore K, Del Bianco A, Kramer D. Exploring the usefulness of occupational exposure registries for surveillance: the case of the Ontario Asbestos Workers Registry (1986-2012). J Occup Environ Med. 2014;56(10):1100-10. https://doi.org/10.1097/jom.0000000000000235
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. De fato, sabe-se que mensurações sistemáticas e continuadas de exposições ocupacionais, próprias da Higiene Ocupacional e da Vigilância em Saúde do Trabalhador, são, frequentemente, de má qualidade ou de acesso restrito, limitando o seu uso para a proteção dos trabalhadores. Isso ocorre, especialmente, em países de baixa e média renda55 Odgerel C, Takahashi K, Sorahan T, Driscoll T, Fitzmaurice C, Yoko-o M, et al. Estimation of the global burden of mesothelioma deaths from incomplete national mortality data. Occup Environ Med. 2017;74:851-8. https://doi.org/10.1136/oemed-2017-104298
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No Brasil, semelhantemente, registros do ramo de atividade econômica codificados pelo Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (Cnae) e as ocupações pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) podem indicar ou sugerir experiências ou situações de contato com fatores de risco ocupacionais no ambiente de trabalho66 Nobre LCC. Uso da ocupação e ramo de atividade econômica nos sistemas de informações em saúde: potencialidades e factibilidade. Ciênc Saúde Colet. 2003;8(Supl. 2):158.. Entretanto dados sobre a história ocupacional, a exemplo de registros do Perfil Profissiográfico Previdenciário, do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), são de acesso restrito e voltados para questões relacionadas à previdência. Registros de ocupação em prontuários médicos, declarações de óbito e outros documentos que alimentam redes de informação eletrônica, a exemplo do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), estão frequentemente afetados pela má qualidade, especialmente a completitude, i.e., quando a informação está ausente, na forma de registros “ignorado”, “não informado”, entre outros. Além da ausência, a consistência dos registros da ocupação também pode estar comprometida. Isso é revelado em vários estudos conduzidos no Brasil, tanto para acidentes de trabalho77 Cordeiro R, Peñaloza ERO, Cardoso CF, Cortez DB, Kakinami E, Souza JJG, et al. Validade das informações ocupação e causa básica em declarações de óbito de Botucatu, São Paulo. Cad Saúde Pública. 1999;15(4):719-28. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1999000400006
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,88 Ferreira-de-Sousa FN, Santana VS. Mortalidade por acidentes de trabalho entre trabalhadores da agropecuária no Brasil. Cad Saúde Pública. 2016;32(4):e00071914. https://doi.org/10.1590/0102-311X00071914
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como para registros de câncer99 Tabalipa MM, Boccolini PMM, Simões DR, Chrisman JR, Otero UB, Garbin HBR, et al. Informação sobre ocupação em registros hospitalares de câncer no estado do Rio de Janeiro. Cad Saúde Colet. 2011;19(3):278-86.,1010 Grabois MF, Souza MC, Guimarães RM, Otero UB. Completude da Informação “Ocupação” nos Registros Hospitalares de Câncer do Brasil: Bases para a Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho. Rev Bras Cancerol. 2014;60(3):207-14. https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2014v60n3.465
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O problema da completitude dos registros de ocupação é muito menor em países com maior renda per capita, como os Estados Unidos da América (EUA), onde apenas 5,7% das declarações de óbito não contavam com essa informação, entre 1980-19811111 Swanson M, Schwartz G, Burrows RW. An Assessment of Occupation and Industry Data from Death Certificates and Hospital Medical Records for Population-Based Cancer Surveillance. Am J Public Health. 1984;74(5):464-7. https://doi.org/10.2105/ajph.74.5.464
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. Todavia, nesse mesmo país, em sistemas de informação sobre câncer, verificou-se que apenas 23,0% dos casos tinham a ocupação informada1212 Armenti KR, Celaya MPH, Cherala S, Riddle B, Schumacher PK, Rees JR. Improving the Quality of Industry and Occupation Data at a Central Cancer Registry. Am J Ind Med. 2010;53(10):995-1001. https://doi.org/10.1002/ajim.20851
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. Diante desses problemas, a Academia Nacional de Medicina vem recomendando o registro da ocupação em bases de dados eletrônicas de saúde. Essa proposta foi incorporada às políticas do National Institute for Occupational Safety and Health (Niosh), que vem apoiando o desenvolvimento de modelos teóricos e metodológicos específicos, com instrumentos próprios, a exemplo de um algoritmo de codificação automatizado para registro da ocupação1313 Taylor JA, Widman SA, James SJ, Green-McKenzie J, McGuire C, Harris EJ. Time Well Spent: Patient Industry and Occupation Data Collection in Emergency Departments. J Occup Environ Med. 2017;59(8):742-5. https://doi.org/10.1097/JOM.0000000000001088
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. No Brasil, vários estudos vêm demonstrando avanços expressivos na qualidade da informação em saúde e também no seu uso na vigilância epidemiológica, notadamente a completitude e a consistência de dados. Em um município do estado de São Paulo, em 1997, analisando-se todas as declarações de óbito, apenas 41,3% tinham o registro da ocupação77 Cordeiro R, Peñaloza ERO, Cardoso CF, Cortez DB, Kakinami E, Souza JJG, et al. Validade das informações ocupação e causa básica em declarações de óbito de Botucatu, São Paulo. Cad Saúde Pública. 1999;15(4):719-28. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1999000400006
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e, desses, 15,7% eram inconsistentes, com expressões que não correspondiam a códigos da CBO, a exemplo de “pensionista”, “menor”, “desempregado” e “do lar”. Posteriormente, Ferreira-de-Sousa e Santana88 Ferreira-de-Sousa FN, Santana VS. Mortalidade por acidentes de trabalho entre trabalhadores da agropecuária no Brasil. Cad Saúde Pública. 2016;32(4):e00071914. https://doi.org/10.1590/0102-311X00071914
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analisaram dados do SIM entre 2000 e 2010 e encontraram 65,9% de completitude do campo ocupação, variando de 46,1 a 65,9% anualmente. Em sistemas de informação específicos do câncer, como no Sistema de Registro Hospitalar do Câncer, no Rio de Janeiro, 2006, apenas 55,0% dos casos tinham registros da ocupação99 Tabalipa MM, Boccolini PMM, Simões DR, Chrisman JR, Otero UB, Garbin HBR, et al. Informação sobre ocupação em registros hospitalares de câncer no estado do Rio de Janeiro. Cad Saúde Colet. 2011;19(3):278-86.. Nesse mesmo sistema, mas abrangendo todo o país, entre 2000 e 2008, somente 54,0% dos registros contavam com dados da ocupação1010 Grabois MF, Souza MC, Guimarães RM, Otero UB. Completude da Informação “Ocupação” nos Registros Hospitalares de Câncer do Brasil: Bases para a Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho. Rev Bras Cancerol. 2014;60(3):207-14. https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2014v60n3.465
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. Essa omissão parece indicar o pouco conhecimento sobre a importância do registro da ocupação e da sua relevância para a compreensão de que o trabalho pode ser a origem de adoecimento, como nos cânceres relacionados à ocupação. Apesar de essa enfermidade ser um dos agravos relacionados ao trabalho mais comuns como causa de morte no mundo; no Brasil, o pequeno número de óbitos identificados como causados pelo trabalho é evidência de possível sub-registro44 Koné Pefoyo AJ, Genesove L, Moore K, Del Bianco A, Kramer D. Exploring the usefulness of occupational exposure registries for surveillance: the case of the Ontario Asbestos Workers Registry (1986-2012). J Occup Environ Med. 2014;56(10):1100-10. https://doi.org/10.1097/jom.0000000000000235
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O asbesto é o principal cancerígeno ocupacional do mundo. Estima-se que, isoladamente, ele seja responsável por cerca de 62,7% de todos os óbitos por câncer relacionado ao trabalho registrados globalmente em 20161414 GBD 2016 Occupational Carcinogens Collaborators. Global and regional burden of cancer in 2016 arising from occupational exposure to selected carcinogens: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016 GBD 2016 Occupational Carcinogens Collaborators. Occup Environ Med. 2020;77(3):151-9. https://doi.org/10.1136/oemed-2019-106012
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. São vários tipos de câncer associados ao asbesto, mas o mesotelioma, uma neoplasia maligna, ao lado da asbestose1515 Harding AH, Darnton AJ. Asbestosis and mesothelioma among British asbestos workers (1971-2005). Am J Ind Med. 2010;53(11):1070-80. https://doi.org/10.1002/ajim.20844
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e das placas pleurais1616 Maxim LD, Niebo R, Utell MJ. Are pleural plaques an appropriate endpoint for risk analyses? Inhal Toxicol. 2015;27(7):321-34. https://doi.org/10.3109/08958378.2015.1051640
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são consideradas patologias tipicamente causadas pela exposição a este cancerígeno. No Brasil, um dos maiores produtores e consumidores de asbesto desde os anos 1930, surpreendentemente são poucos os casos registrados de câncer associado a ele, como também das doenças não malignas relacionadas à asbestose e às placas pleurais1717 Santana VS, Algranti E, Campos F, Cavalcante F, Salvi L, Santos AS, et al. Recovering missing mesothelioma deaths in death certificates using hospital records. Am J Ind Med. 2018;61(7):547-55. https://doi.org/10.1002/ajim.22846
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. Como a ocupação é uma informação importante como ponto de partida para o estabelecimento da relação da doença com o trabalho, neste estudo, analisa-se a qualidade do registro da ocupação para mortes por doenças associadas ao asbesto (DAA) no SIM, Brasil, estimando indicadores de qualidade de completude e consistência.

MÉTODOS

Este é um estudo de desenho transversal, conduzido com registros de óbitos de maiores de 16 anos de idade, de todo o país, extraídos do SIM, para o período de 2000 a 2016. Bases de dados individuados anônimos do SIM estão disponíveis no DataSUS, do Ministério da Saúde, correspondendo às informações das declarações de óbitos (DO). Óbitos por mesotelioma, asbestose e placas pleurais (DAA), tipicamente associadas à exposição ocupacional ao asbesto, correspondem aos seguintes códigos da Classificação Internacional de Doenças, 10ᵃ. Rev. (CID-10): mesotelioma de pleura (C45.0), peritônio (C45.1), pericárdio (C45.2), de outras localizações (C45.7) e não especificado (C45.9); a asbestose tem o código J61 e as placas pleurais J92. Óbitos por câncer de pleura (C38.4) foram incluídos devido às limitações do diagnóstico diferencial com mesotelioma de pleura. Consideraram-se óbitos por DAA, aqueles cujos códigos dos diagnósticos da causa básica, <causabas>, ou das causas contribuintes registradas nos campos <linhaa>, <linhab>, <linhac>, <linhad> e <linhaII> incluíam, ao menos, um dos definidos como DAA. Para comparação com diagnósticos de enfermidades não associadas ao asbesto, criou-se um grupo referente composto por óbitos por neoplasias malignas dos órgãos digestivos (neoplasia maligna do intestino delgado (C17); neoplasia maligna do ânus e do canal anal (C21); neoplasia maligna do fígado (C22), exceto carcinoma de vias biliares intra-hepáticas (C221); CID neoplasia maligna do pâncreas (C25); e neoplasia maligna de outros órgãos digestivos (C26)), excetuando-se neoplasias malignas do esôfago, estômago, retossigmoide, vias biliares e colorretal que se associam ao asbesto1818 Wolff H, Vehmas T, Oksa P, Rantanen J, Vainio H. Asbestos, asbestosis, and cancer, the Helsinki criteria for diagnosis and attribution 2014: recommendations. Scand J Work Environ Health. 2015;41(1):5-15. https://doi.org/10.5271/sjweh.3462
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Variáveis do estudo

As variáveis relativas à qualidade do registro foram: grau de incompletude, definido como o percentual de registros de ocupação não preenchidos ou anotados com o código de ignorado; e grau de inconsistência, medido pelo percentual de registros não compatíveis com o conceito de ocupação empregado na CBO, analisada também de modo dicotômico, inconsistência sim/não ou preenchimento/ignorado. Variáveis descritoras foram: diagnóstico da DAA, mesotelioma, asbestose, placas pleurais e câncer de pleura; sexo (masculino ou feminino); escolaridade equivalente ao número de anos de séries concluídas, nenhum, 1-3, 4-7, 8 ou mais; cor da pele, branca, preta, amarela, parda e indígena; idade em anos analisada em faixas: 16- 51, 52-69 e 70-84; ano calendário; região e unidade da Federação.

Análise

Calcularam-se frequências absolutas e relativas das categorias das variáveis correspondentes à qualidade, especificamente, incompletude e inconsistência, de acordo com as descritoras. Empregou-se a razão de proporção (RP) para estimar o tamanho da diferença entre proporções. A inferência estatística foi realizada com intervalos de confiança a 95% (IC95%), método de Mantel-Haenszel. Realizou-se a análise empregando-se planilhas Excel e o aplicativo SAS versão 9.4.

Este estudo integra o Projeto Interdisciplinar sobre a Exposição Ocupacional ao Asbesto e seus Efeitos sobre a Saúde no Brasil e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (Parecer nº 962.145/CEP-ISC, de 27 de outubro de 2014).

RESULTADOS

Identificaram-se 3.764 registros de óbitos de DAA no SIM, no período de 2000 a 2016. A maioria tinha diagnóstico de câncer de pleura (54,8%), seguido de mesotelioma (36,7%), placas pleurais (4,7%) e asbestose (3,8%). Do total, 2.268 (60,3%) óbitos apresentavam incompletude e inconsistência do registro da ocupação (Tabela 1). Especificamente, foram 760 (20,2%) registros faltantes e 1.508 (40,1%) anotados de modo inconsistente. No grupo das DAA, asbestose e placas pleurais foram as enfermidades que apresentaram a pior qualidade do registro da ocupação, com incompletude de 27,5% e de 27,3%, respectivamente; os melhores registros ocorreram para os óbitos por mesotelioma (19,0%) e câncer de pleura (19,9%). A inconsistência do registro da ocupação foi maior para o câncer de pleura (42,9%) e menor para o mesotelioma (36,1%) e as placas pleurais (36,9%). No geral, não houve diferenças expressivas nas estimativas de incompletude e inconsistência de acordo com o diagnóstico, embora o grau de incompletude nos registros de óbitos por mesotelioma e por câncer de pleura tenha sido próximo, como também para a asbestose e placas pleurais.

Tabela 1
Percentual de incompletude1 1 Incompletude: percentual de registros de ocupação ignorados e sem preenchimento; e inconsistência2 2 Inconsistência: percentual de registros de ocupação com aposentado, estudante, desempregado e dona de casa; de registros da ocupação do Sistema de Informação sobre Mortalidade, SIM, por diagnóstico de doenças associadas ao asbesto, DAA3 3 DAA: mesotelioma (CID: 45.X); asbestose (CID: J61) e placas pleurais (CID: J92.X); casos de câncer de pleura (CID: 38.4) foram incluídos devido a limitações no diagnóstico diferencial com mesotelioma da pleura . Brasil, 2000-2016

Na Tabela 2, verifica-se que a maior parte dos óbitos por DAA era do sexo masculino (54,1%), entre 52 e 69 anos (44,5%), de cor da pele branca (63,6%) e escolaridade sem preenchimento/ignorada (26,7%). A incompletude dos registros de ocupação foi mais comum entre os homens, reduziu-se discretamente com a idade, e foi bem maior quando a cor da pele e a escolaridade também não haviam sido registradas. Em relação à inconsistência dos registros de ocupação, diferenças de acordo com os descritores foram muito mais marcantes do que para a incompletude. Especificamente, o grau de inconsistência do registro da ocupação entre as mulheres (57,5%) foi mais que o dobro da proporção estimada em homens (25,2%). A proporção de registros de ocupação inconsistentes aumentou expressivamente com a idade e, ao contrário, se reduziu com o número de anos de estudo. Não foram observadas diferenças do grau de inconsistência em relação à cor da pele.

Tabela 2
Indicadores de qualidade dos registros da ocupação para as doenças associadas ao asbesto, DAA1 1 DAA: mesotelioma (CID: 45.X); asbestose (CID: J61) e placas pleurais (CID: J92.X); casos de câncer de pleura (CID: 38.4) foram incluídos devido a limitações no diagnóstico diferencial com mesotelioma da pleura; no Sistema de Informação sobre Mortalidade, SIM, de acordo com as características sociodemográficas. Brasil, 2000-2016

A proporção de incompletude dos registros da ocupação para o total das mortes por DAA foi menor (11,5%) na região Centro-Oeste e maior (27,5%) no Nordeste, ficando em 20,4% na região Sudeste (Tabela 3). A interpretação dos achados específicos por unidades da Federação ficou comprometida pela grande dispersão da distribuição e pequenos números. Quando passível de interpretação, a maior incompletude foi estimada na Bahia (39,0%), próxima à de Minas Gerais (33,5%), e a menor, em Santa Catarina (5,5%), ficando São Paulo e Rio de Janeiro com 18,4 e 15,2%, respectivamente. Distintamente, a inconsistência do registro da ocupação (Tabela 3) foi menor nos estados da região Norte (28,6%), mas chegou a 45,4% no Centro-Oeste. Estimativas do grau de inconsistência também foram marcadas pela alta dispersão, exceto em São Paulo (41,9%), Minas Gerais (38,7%) e Rio de Janeiro (37,8%), onde se concentraram os óbitos por DAA. A má qualidade do registro da ocupação entre os óbitos por DAA foi superior a 50,0% em todas as regiões do país.

Tabela 3
Indicadores de qualidade dos registros da ocupação para as doenças associadas ao asbesto, DAA1 1 DAA: mesotelioma (CID: 45.X); asbestose (CID: J61) e placas pleurais (CID: J92.X); casos de câncer de pleura (CID: 38.4) foram incluídos devido a limitações no diagnóstico diferencial com mesotelioma da pleura; no Sistema de Informação sobre Mortalidade, SIM, de acordo com a região e unidade da Federação. Brasil, 2000-2016

Registros consistentes da ocupação (n=1.496) foram mais comuns em trabalhadores da indústria (29,9%), seguidos de profissionais das ciências e artes (21,1%), trabalhadores de serviços, vendas e comércio (18,4%) e da agropecuária (15,1%), nessa ordem. Em todos os grupos de diagnósticos específicos de DAA, predominaram trabalhadores da indústria, mas a maior proporção foi observada entre os óbitos de asbestose (63,6%). Profissionais das ciências e das artes foram destaque entre os óbitos de mesotelioma (24,8%) e os trabalhadores da agropecuária foram mais comumente observados entre os óbitos de placas pleurais (27,0%) (Tabela 4). Entre os inconsistentes (n=1.508), os registros mais comuns foram aposentados (52,1%) e donas de casa (44,8%) como ocupação.

Tabela 4
Distribuição dos registros da ocupação para as doenças associadas ao asbesto, DAA1 1 DAA: mesotelioma (CID: 45.X); asbestose (CID: J61) e placas pleurais (CID: J92.X); casos de câncer de pleura (CID: 38.4) foram incluídos devido a limitações no diagnóstico diferencial com mesotelioma da pleura , no Sistema de Informação sobre Mortalidade, SIM, por diagnóstico. Brasil, 2000-2016

Na Tabela 5, verifica-se que a proporção de incompletude do campo foi um pouco maior entre as DAA, em comparação com o grupo de referência, composto por neoplasias dos órgãos digestivos, RP=1,1 em nível limítrofe (IC95% 1,03–1,17). Todavia, ao contrário, registros inconsistentes foram mais comuns no grupo de referência RP=0,94 (IC95% 0,90–0,98).

Tabela 5
Razão de proporção e intervalos de confiança (IC) entre os indicadores de qualidade do registro da ocupação no Sistema de Informação sobre Mortalidade, SIM, para as doenças associadas ao asbesto, DAA1 1 DAA: mesotelioma (CID: 45.X); asbestose (CID: J61) e placas pleurais (CID: J92.X); casos de câncer de pleura (CID: 38.4) foram incluídos devido a limitações no diagnóstico diferencial com mesotelioma da pleura; e grupo referente2 2 Grupo referente: neoplasias dos órgãos digestivos — neoplasia maligna do intestino delgado (C17); neoplasia maligna do ânus e do canal anal (C21); neoplasia maligna do fígado (C22), exceto carcinoma de vias biliares intra-hepáticas (C221); CID neoplasia maligna do pâncreas (C25); neoplasia maligna de outros órgãos digestivos (C26); . Brasil, 2000-2016

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo revelaram que a qualidade do registro de ocupação no SIM foi ruim para os óbitos com, pelo menos, uma das causas de morte registrada como DAA, entre 2000 e 2016, limitados a maiores de 16 anos. A incompletude do campo ocupação habitual ficou acima de 20,0%, enquanto a inconsistência dos registros foi superior a 40,0%. Essa incompletude do campo ocupação na declaração de óbito foi pior para os óbitos por asbestose e placas pleurais, em comparação com os demais diagnósticos de DAA no SIM. A qualidade ruim também foi observada nas declarações de óbito onde faltavam registros da cor da pele e da escolaridade, ou quando o óbito era proveniente da região Nordeste. Distintamente, a proporção de registros inconsistentes da ocupação foi maior para o câncer de pleura, entre as mulheres, maiores de 70 anos de idade, com nível de escolaridade inferior a oito anos de estudo e que residiam na região Centro-Oeste. Os registros inconsistentes mais comuns foram “aposentados” e “donas de casa”, que não são ocupações.

A má qualidade do registro da ocupação no SIM não surpreende. Em geral, a qualidade dos sistemas de informação em saúde do país vem apresentando melhorias significativas nas duas últimas décadas, notadamente na cobertura e no acesso. Entretanto esses sistemas ainda requerem aprimoramento na qualidade1919 Chagas AMR, Servo LMS, Salim CA. Indicadores da Saúde e Segurança no Trabalho: Fontes de Dados e Aplicações. In: Chagas AMR, Salim CA, Servo LMS, editores. Saúde e Segurança no 35 Brasil: aspectos institucionais, sistemas de informação e indicadores. 2. ed. São Paulo: IPEA, 2012. p. 253-273. dos registros, especialmente a ocupação, foco de vários estudos sobre qualidade, que analisaram especificamente a completude. Por exemplo, Cordeiro et al.77 Cordeiro R, Peñaloza ERO, Cardoso CF, Cortez DB, Kakinami E, Souza JJG, et al. Validade das informações ocupação e causa básica em declarações de óbito de Botucatu, São Paulo. Cad Saúde Pública. 1999;15(4):719-28. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1999000400006
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estimaram que 41,3% das DO contavam com o registro da ocupação, em um município do estado de São Paulo, em 1997. Distintamente, um estudo conduzido com dados do SIM, sobre causas externas, na cidade de Fortaleza (CE), em 2010, mostrou que apenas 9,5% dos óbitos tinham a ocupação registrada2020 Messias KLM, Júnior JPB, Pegado MFQ, Oliveira LC, Peixoto TG, Sales MAC, et al. Qualidade da informação dos óbitos por causas externas em Fortaleza, Ceará, Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(4):1255-66. https://doi.org/10.1590/1413-81232015214.07922015
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. Nesse mesmo sistema de informação, entre 2000-2010, Ferreira-de-Sousa e Santana88 Ferreira-de-Sousa FN, Santana VS. Mortalidade por acidentes de trabalho entre trabalhadores da agropecuária no Brasil. Cad Saúde Pública. 2016;32(4):e00071914. https://doi.org/10.1590/0102-311X00071914
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relataram que 65,9% dos registros, em geral, contavam com dados de ocupação. Neste estudo, com dados de DAA, a incompletude foi maior entre os óbitos de asbestose e placas pleurais, em comparação com o mesotelioma e câncer de pleura. Não foram encontradas diferenças significativas das proporções dos dados faltantes de ocupação em relação ao grupo de referência, com outras neoplasias. Disparidades regionais na incompletude do registro da ocupação observadas neste estudo, com destaque negativo para a região Nordeste, são consistentes com problemas recorrentes em sistemas de informação em saúde nessa região do país. Em geral, a região Nordeste ainda é marcada pela concentração de pobreza, dificuldade de acesso a serviços de saúde etc.2121 Martins Junior DF, Costa TM, Lordelo MS, Felzemburg RDM. Tendência dos óbitos por causas mal definidas na região Nordeste do Brasil, 1979-2009. Rev Assoc Med Bras. 2011;57(3):338-46. https://doi.org/10.1590/S0104-42302011000300019
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, que se refletem na qualidade dos seus registros.

A simultaneidade da falta de registros da ocupação e de dados sociodemográficos revela uma negligência comum para esse tipo de informação. Resultados de diversos estudos demostraram também a completude insuficiente dessas informações no SIM2222 Rios MA, Anjos KF, Meira SS, Nery AA, Casotti CA. Completude do sistema de informação sobre mortalidade por suicídio em idosos no estado da Bahia. J Bras Psiquiatr. 2013;62(2):131-8. https://doi.org/10.1590/S0047-20852013000200006
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,2323 Melo GB, Valongueiro S. Incompletude dos registros de óbitos por causas externas no Sistema de Informações sobre Mortalidade em Pernambuco, Brasil, 2000-2002 e 2008-2010. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(4):651-60. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000400007
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. Para a ocupação, especificamente, isso pode ser resultante do desconhecimento sobre a importância desses dados pelos atestantes, assim como da complexidade na seleção/identificação dos códigos de ocupação disponíveis no sistema. Nos países de alta renda, a completude da ocupação em registros de óbitos não chega a ser um problema. Nos EUA, por exemplo, a incompletude foi de 5,7%, entre 1980-19811111 Swanson M, Schwartz G, Burrows RW. An Assessment of Occupation and Industry Data from Death Certificates and Hospital Medical Records for Population-Based Cancer Surveillance. Am J Public Health. 1984;74(5):464-7. https://doi.org/10.2105/ajph.74.5.464
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.

O conhecimento sobre a magnitude de registros inconsistentes de ocupação ainda é escasso. Neste estudo, a inconsistência foi elevada, maior que a estimada em Botucatu (SP)77 Cordeiro R, Peñaloza ERO, Cardoso CF, Cortez DB, Kakinami E, Souza JJG, et al. Validade das informações ocupação e causa básica em declarações de óbito de Botucatu, São Paulo. Cad Saúde Pública. 1999;15(4):719-28. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1999000400006
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, com os registros de Aids do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)2424 Cassano C, Frias LAM, Valente JG. Classificação por ocupação dos casos de AIDS no Brasil – 1995. Cad Saúde Pública. 2000;16(Sup. 1):53-64. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2000000700005
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. Vale notar que o tipo de erro foi semelhante ao encontrado nesta pesquisa, com a informação de aposentados, donas de casa, entre outros, que chegaram a quase totalidade dos óbitos de DAA. Notar que registros inconsistentes de ocupação aumentaram com a idade, especialmente em mulheres e entre os que tinham mais de 70 anos de idade, possivelmente devido à situação de aposentadoria, comum entre os óbitos. Sabe-se que as DAA emergem após longo período de latência, comumente de 30 a 40 anos da exposição pregressa2525 World Health Organization (WHO). Tumours of the Pleura. In: Travis WD, Brambilla E, Burke AP, Marx A, Nicholson AG, editores. Classification of Tumours of the Lung, Pleura, Thymus and Heart. 4ᵃ ed. Lion: WHO; 2015. v. 7. p. 128., ou seja, a ocupação é registrada mais adequadamente quando o trabalhador se encontra ativo no mercado de trabalho. Pode também ser consequência de erro de interpretação do termo “ocupação habitual”, que se refere à ocupação desenvolvida na maior parte da vida produtiva do trabalhador, e não a atual ou a última. Nesse sentido, destaca-se que os manuais de preenchimento dos dados nos formulários ou no sistema de informação devem conter orientações precisas para o registro da ocupação, informando a classificação utilizada, CBO, e sua respectiva versão, por exemplo2626 Romero DE, Cunha CB. Avaliação da qualidade das variáveis epidemiológicas e demográficas do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, 2002. Cad Saúde Pública. 2007;23(3):701-14. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007000300028
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.

Nota-se que em países de alta renda, o foco de estudos é a concordância das ocupações oriundas de diferentes fontes de informação2727 Mathiowetz NA. Errors in Reports of Occupation. Public Opinion Quarterly [Internet]. 2017 [acessado em Jul. 29, 2017];56(3):352-5. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2749157
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, porque problemas de completude e consistência foram superados. Mesmo com o reconhecimento da importância e da potencialidade da utilização dos registros de ocupação para a clínica1111 Swanson M, Schwartz G, Burrows RW. An Assessment of Occupation and Industry Data from Death Certificates and Hospital Medical Records for Population-Based Cancer Surveillance. Am J Public Health. 1984;74(5):464-7. https://doi.org/10.2105/ajph.74.5.464
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ou para a vigilância da mortalidade por causas específicas, de acordo com a ocupação2828 Dubrow R, Sestito JP, Lalich NR, Burnett CA, Salg JA. Death Certificate-Based Occupational Mortality Surveillance in the United States. Am J Ind Med. 1987;11(3):329-342. https://doi.org/10.1002/ajim.4700110309
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, esse tipo de informação ainda requer validação para que continue sendo empregado de forma confiável2727 Mathiowetz NA. Errors in Reports of Occupation. Public Opinion Quarterly [Internet]. 2017 [acessado em Jul. 29, 2017];56(3):352-5. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2749157
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. A Academia Nacional de Medicina dos EUA vem reiterando a importância da incorporação de dados relacionados à ocupação nos registros eletrônicos de saúde, considerando a necessidade de sua maior utilização33 Rajamani S, Chen ES, Lindemann E, Aldekhyyel R, Wang Y, Melton GB. Representation of occupational information across resources and validation of the occupational data for health model. J Am Med Inform Assoc. 2018;25(2):197-205. https://doi.org/10.1093/jamia/ocx035
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. Apesar da importância da informação sobre a ocupação no campo da Saúde do Trabalhador no mundo, esse problema persiste no SIM, no Brasil, contudo não houve evidência de ser próprio das DAA, mas geral, afetando os idosos, aposentados e mulheres. Os resultados deste estudo reforçam a necessidade de melhoria da completude e da consistência dos dados de ocupação e, em especial, da manutenção dessa informação nas bases de dados de saúde, além do ramo de atividade econômica, de relevância para a pesquisa e a vigilância. Isso requer investimentos em capacitação e atualização dos profissionais envolvidos com os sistemas de informação em saúde, notadamente, sobre a determinação ocupacional das doenças e dos acidentes. Ocupações são numerosas e, embora organizadas em sistemas taxonômicos que facilitam o registro e a sua padronização, são inerentemente complexas. Isso dificulta a sua utilização, definindo-se, assim, a necessidade de introdução de mecanismos que permitam a interoperabilidade de distintos sistemas de informação que contenham informações precisas sobre a ocupação. Desse modo, será possível traçar toda a história ocupacional de cada trabalhador e, futuramente, com a elaboração de matrizes de exposição ocupacional ter estimativas de expostos a fatores de risco de interesse,

A qualidade do registro da ocupação no SIM precisa melhorar, e ser introduzido o registro do ramo de atividade econômica, como também da relação com o trabalho para todos os diagnósticos, ou, ao menos, aqueles existentes na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho do Ministério da Saúde66 Nobre LCC. Uso da ocupação e ramo de atividade econômica nos sistemas de informações em saúde: potencialidades e factibilidade. Ciênc Saúde Colet. 2003;8(Supl. 2):158..

Este estudo contribui para maior visibilidade da má qualidade do registro da ocupação no SIM, um dos principais sistemas de informação universal do país. Considerando que a maioria dos óbitos de DAA se associa à exposição ocupacional ao asbesto2525 World Health Organization (WHO). Tumours of the Pleura. In: Travis WD, Brambilla E, Burke AP, Marx A, Nicholson AG, editores. Classification of Tumours of the Lung, Pleura, Thymus and Heart. 4ᵃ ed. Lion: WHO; 2015. v. 7. p. 128., estimativas de mortalidade específicas por ocupação são de fundamental importância para a vigilância. Estudos futuros poderão contemplar fatores associados ao mal registro da ocupação em sistemas de informação em saúde. Estimativas de concordância de diagnósticos e do impacto de avaliações e intervenções visando à melhoria da qualidade do registro são valiosos para identificar fontes de erros e imperfeições. Vale ressaltar que a consistência dos dados é essencial na produção de informações de qualidade e deve ser avaliada sistematicamente, uma vez que a completitude dos dados não é, por si só, suficiente para garantir informações precisas. Recomendam-se ações que promovam a melhoria da qualidade do registro da ocupação, criando, por exemplo, um dispositivo dentro do próprio sistema de registro que detecte e impeça o uso de códigos de ocupação inconsistentes, com alertas aos operadores, como também para a ausência de preenchimento no campo.

Além disso, a informatização de toda a cadeia e fluxo de cada sistema, o desenvolvimento e implementação de mecanismos de interoperabilidade entre eles, permitirão a atualização e a recuperação de dados, reduzindo os dados faltantes. Ademais, capacitação dos profissionais e o acompanhamento sistemático de todo o processo de produção da informação também são fundamentais para a melhoria da qualidade dos dados, principalmente a ocupação. O Ministério da Saúde publicou, em março de 2020, regras para a melhoria da qualidade do preenchimento dessa informação. Antes, em 2018, a Portaria nº 1.520, já estabelecia a proporção de preenchimento do campo “ocupação” nas notificações de agravos relacionados ao trabalho como um dos indicadores de cumprimento das metas do Programa de Qualificação das Ações de Vigilância em Saúde. A meta estabelecida previa o preenchimento de 95,0% desse dado e reforçava a utilização dos códigos da CBO como parâmetro de qualidade2929 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.520/GM/MS, de 30 de maio de 2018. Altera os Anexos XCVIII e XCIX à Portaria de Consolidação nº 5/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, com a inclusão de metas e indicadores do Programa de Qualificação das Ações de Vigilância em Saúde - PQA-VS, a partir de 2018. Brasil: Ministério da Saúde; 2018.. E, recentemente, começou a vigorar a Portaria nº 458, de 20 de março de 2020, que tornou obrigatória a inclusão e o preenchimento dos campos “Classificação Brasileira de Ocupações (CBO)” e “Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnae)” nos sistemas de informação3030 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 458/GM/MS, de 20 de março de 2020. Altera a Portaria de Consolidação nº 1/GM/MS, de 28 de setembro de 2017 e nº 2, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre a inclusão e o preenchimento obrigatório dos campos Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) e Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) nos sistemas de informação. Brasil: Ministério da Saúde; 2020.. Essas iniciativas são de grande importância, em tempos de uma necessária esperança de dias melhores.

  • Fonte de financiamento: este estudo faz parte do Projeto Interdisciplinar sobre a Exposição Ocupacional ao Asbesto e seus Efeitos sobre a Saúde no Brasil, coordenado pela Universidade Federal da Bahia, Instituto de Saúde Coletiva e Fundação Jorge Duprat, Fundacentro, Ministério da Economia, financiado pelo Ministério Público do Trabalho, 15ᵃ Região, Campinas, São Paulo (CODIN: 45672/2014).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2019
  • Aceito
    19 Jul 2021
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