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Conhecimentos sobre a doença de Chagas entre escolares de dois municípios de Minas Gerais, Brasil

Knowledge about Chagas disease among schoolchildren from two municipalities of Minas Gerais, Brazil

Resumo

Introdução:

No Brasil, a vigilância entomológica da doença de Chagas (DCh) é respaldada na participação comunitária, que notifica a presença dos vetores nas habitações. Assim, a sustentabilidade desta medida de controle depende do conhecimento da população sobre os vetores.

Objetivo:

Avaliar o conhecimento de escolares sobre a doença de Chagas nos municípios mineiros de Itatiaiuçu (vigilância ativa) e Sabará (vigilância inativa).

Método:

Questionário semiestruturado foi aplicado para alunos matriculados no ensino médio em duas escolas de Sabará (rural e urbana) e uma em Itatiaiuçu (urbana).

Resultados:

Em geral, os alunos residentes em Sabará demonstraram conhecimento limitado acerca dos vetores, patógeno, transmissão e doença (sem diferenças relevantes quanto à localização entre área urbana e rural), quando comparados aos residentes em Itatiaiuçu, que apesar de ter uma vigilância mais atuante, também não apresentaram conhecimento totalmente satisfatório.

Conclusões:

Os resultados enfatizam a carência de informações sobre a DCh tanto em relação ao conhecimento acadêmico quanto às campanhas de educação firmadas pelo programa. Ações educativas para sensibilizar a comunidade e promover o conhecimento sobre esta doença mostram-se necessárias e fundamentais para a manutenção da vigilância ao longo do tempo e espaço.

Palavras-chave:
doença de Chagas; Triatominae; controle de vetores de doenças; vigilância em saúde pública; educação em saúde

Abstract

Background:

In Brazil, entomological surveillance of Chagas disease (ChD) is based on community participation, which notifies the presence of vectors inside their homes. Thus, the sustainability of this control measure depends on the knowledge of the population about the vectors.

Objective:

To evaluate the knowledge of schoolchildren about ChD in the municipalities of Itatiaiuçu (active surveillance) and Sabará (inactive surveillance).

Method:

A semi-structured questionnaire was given to students enrolled in two high schools in Sabará (rural and urban) and one in Itatiaiuçu (urban).

Results:

In general, students living in Sabará demonstrated only limited knowledge about vectors, pathogens, transmission, and disease (with no significant differences between the schools in urban and rural areas). Similarly, the schoolchildren in Itatiaiuçu, despite living in an area of active surveillance, also did not have a fully satisfactory knowledge of ChD.

Conclusions:

The results emphasize the lack of information about ChD, both in relation to academic knowledge and the education campaigns established by the program. Improvements in educational interventions to raise community awareness and promote knowledge about ChD are necessary and vital for maintaining vigilance against ChD over space and time.

Keywords:
Chagas disease; Triatominae; vector control of diseases; public health surveillance; health education

INTRODUÇÃO

A doença de Chagas (DCh) é uma enfermidade negligenciada que acomete mundialmente 6-7 milhões de pessoas11 World Health Organization. Chagas disease (American trypanosomiasis) [Internet]. World Health Organization; 2020 [acessado em 25 out. 2023]. Disponível em: https://www.who.int/health-topics/chagas-disease#tab=tab_1
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. No Brasil a estimativa de infecção pelo Trypanosoma cruzi varia entre 1,4 e 3,2 milhões, em uma população onde mais de 21,8 milhões permanecem expostas ao risco. A dificuldade de acesso ao diagnóstico e tratamento sistemáticos sustentam o elevado impacto na morbimortalidade e o custo social da doença22 Dias JCP, Ramos Jr. AN, Gontijo ED, Luquetti A, Shikanai-Yasuda MA, Coura JR, et al. II Consenso Brasileiro em Doença de Chagas, 2015. Epidemiol Serv Saúde. 2016;25(N. Esp.):7-86. https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000500002
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.

Apesar de apresentar outras formas de transmissão, a vetorial clássica (através das fezes de triatomíneos infectadas com o T. cruzi) configura-se como a principal forma de infecção para o ser humano. Por essa razão, historicamente o enfrentamento desta enfermidade tem priorizado ações preventivas centradas na detecção, notificação e eliminação do vetor domiciliado33 Silveira AC, Dias JCP. O controle da transmissão vetorial. Rev Soc Bras Med Tropical. 2011;44(Supl. 2):52-63. https://doi.org/10.1590/S0037-86822011000800009
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. No Brasil, os esforços depositados no controle vetorial a partir da década de 70 culminaram na certificação de eliminação da transmissão pelo Triatoma infestans, principal vetor domiciliado44 Dias JCP. Doença de Chagas: Sucessos e desafios. Cad Saúde Pública. 2006;22(10):2020-1. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2006001000001
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. Todavia, atualmente existem mais de 150 espécies de triatomíneos descritas, das quais 66 ocorrem de forma autóctone55 Monteiro FA, Weirauch C, Felix M, Lazoski C, Abad-Franch F. Evolution, systematics, and biogeography of the Triatominae, vectors of Chagas disease. In: Rollinson D, Stothard JR (Eds.). Advances in Parasitology. Cambridge: Academic Press; 2018. v. 99. p. 265-344.. Esta grande diversidade de espécies no país e suas diferenças em relação à competência vetorial apontam a existência de diferentes cenários epidemiológicos.

Marcada por uma baixa densidade vetorial nos domicílios, os esforços atuais devem concentrar-se em manter os resultados obtidos, consolidar o controle de focos residuais e impedir o estabelecimento de novos focos de transmissão66 Dias JCP. Problemas e possibilidades de participação comunitária no controle das grandes endemias no Brasil. Cad Saúde Pública. 1998;14(Supl. 2):19-37. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1998000600003
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. Neste contexto, a vigilância entomológica passiva, através da participação comunitária, deve ser compreendida como uma etapa permanente, a ser mantida de forma ativa e atuante, sustentada no tempo e no espaço para a prevenção de novas infecções66 Dias JCP. Problemas e possibilidades de participação comunitária no controle das grandes endemias no Brasil. Cad Saúde Pública. 1998;14(Supl. 2):19-37. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1998000600003
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88 Vasconcelos EM. Educação popular como instrumento de reorientação das estratégias de controle das doenças infecciosas e parasitárias. Cad Saúde Pública. 1998;14(Supl. 2):39-57. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1998000600004
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.

Para tal, a população precisa conhecer o risco ao qual está exposta, a fim de viabilizar atitudes e comportamentos concernentes à detecção e eliminação de focos, mesmo na ausência de colonização das casas66 Dias JCP. Problemas e possibilidades de participação comunitária no controle das grandes endemias no Brasil. Cad Saúde Pública. 1998;14(Supl. 2):19-37. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1998000600003
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,99 Dias JCP. Chagas disease control in Brazil: which strategy after the attack phase? Ann Soc Belg Med Trop [Internet]. 1991 [acessado em 25 out. 2023];71(Supl. 1):75-86. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1793283.
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. Neste modelo, a população é responsável pelo encaminhamento dos insetos ao Posto de Informação de Triatomíneos (PIT) ou para outras unidades de saúde que possam conduzir os insetos para identificação e exame. Assim, para evitar subnotificações e alcançar melhores resultados, é necessário que a população saiba reconhecer o vetor e sua importância para o ciclo de transmissão do T. cruzi.

O componente educativo no âmbito do programa de controle de triatomíneos pelos municípios (com supervisão do estado) é secundário ou inexistente, sendo dependente do agente de saúde. Neste sentido, o ambiente escolar pode se apresentar como um espaço para promover a educação em saúde, exercendo o compromisso social com as comunidades nas quais está inserido77 Abad-Franch F. Vigilancia epidemiológica y entomológica para el control de la enfermedad de Chagas, con énfasis en la participación de la comunidad. In: Programa regional para el control de la enfermedad de Chagas en América Latina. Iniciativa de Bienes Públicos Regionales. Organización Panamericana de La Salud; 2010.,88 Vasconcelos EM. Educação popular como instrumento de reorientação das estratégias de controle das doenças infecciosas e parasitárias. Cad Saúde Pública. 1998;14(Supl. 2):39-57. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1998000600004
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. As ações de educação em saúde deveriam ser trabalhadas permanentemente, a fim de promover o reconhecimento da doença e suas formas de transmissão, a importância da organização da casa e do manejo do peridomicílio, além de proporcionar o reconhecimento, a captura e notificação de triatomíneos66 Dias JCP. Problemas e possibilidades de participação comunitária no controle das grandes endemias no Brasil. Cad Saúde Pública. 1998;14(Supl. 2):19-37. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1998000600003
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. Entretanto, pouco se sabe em relação ao conhecimento e à percepção dos indivíduos que residem em áreas endêmicas sobre a DCh e seus vetores, embora a Organização Mundial da Saúde recomende este tipo de avaliação para melhor adequação às práticas de saúde no combate às doenças endêmicas88 Vasconcelos EM. Educação popular como instrumento de reorientação das estratégias de controle das doenças infecciosas e parasitárias. Cad Saúde Pública. 1998;14(Supl. 2):39-57. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1998000600004
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Acredita-se que a inclusão de jovens no contexto da participação comunitária e na vigilância entomológica da DCh proporcione a estes entusiasmo e credibilidade, levando-os a atuarem como multiplicadores de conhecimentos na família e na comunidade1010 Villela MM, Pimenta DN, Lamounier PA, Dias JCP. Avaliação de conhecimentos e práticas que adultos e crianças têm acerca da doença de Chagas e seus vetores em região endêmica de Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(8):1701-10. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000800006
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. Esta, atenta à presença do triatomíneo domiciliado, induz a ação do agente de combate a endemias, por meio da notificação da captura e de ações de controle, mantendo-se assim a interrupção da transmissão do parasito1111 Silva RA, Bonifácio PR, Wanderly DMV. Doença de Chagas no Estado de São Paulo: comparação entre pesquisa ativa de triatomíneos em domicílios e notificação de sua presença pela população em área sob vigilância entomológica. Rev Soc Bras Med Tropical. 1999;32(6):653-9. https://doi.org/10.1590/S0037-86821999000600007
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. Neste cenário, o presente estudo buscou avaliar o conhecimento de escolares sobre diferentes aspectos relacionados à DCh em dois municípios endêmicos de Minas Gerais (MG), mas que possuem distintas ações no que concerne ao sistema de vigilância entomológica.

MÉTODO

Um questionário semiestruturado foi aplicado para estudantes de Itatiaiuçu e Sabará (MG, Brasil), municípios selecionados em função das divergências relacionadas à atuação das ações de vigilância e controle da transmissão domiciliar do T. cruzi. Localizado na Cordilheira do Espinhaço, Itatiaiuçu (20°12’33”S; 44°23’27”W), situado a 70 km de Belo Horizonte, possui 295,145 km² de extensão e tem como principal atividade econômica a mineração de ferro. A população estimada em 2018 era de 11,037 habitantes1212 Instituto Brasileiro de Geográfica e Estatística. Cidades de Minas Gerais [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [acessado em 25 out. 2023]; 2019. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/
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. De acordo com informações da Gerência Regional de Saúde de Divinópolis, Itatiaiuçu segue a rotina de trabalho entomológico em conformidade com as orientações propostas pelo Ministério da Saúde, de modo contínuo e em caráter permanente, aqui denominado vigilância ativa (VA). Conforme dados da Secretaria de Educação de MG, somente a Escola Estadual Manoel Dias Correa, localizada na área urbana do município, oferece o ensino médio para a população, sendo esta convidada a participar da pesquisa.

Sabará (19°53’21”S; 43°8’17”W), por sua vez, pertence à região metropolitana de Belo Horizonte, localizado a 20 km da capital mineira. Município histórico e famoso por sua rica arquitetura barroca com influência oriental, possui 302,419 km² e uma população estimada em 135,421 habitantes1212 Instituto Brasileiro de Geográfica e Estatística. Cidades de Minas Gerais [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [acessado em 25 out. 2023]; 2019. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/
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. A economia se baseia na indústria siderúrgica e extrativismo de minério de ferro e ouro. A vigilância entomológica não tem sido executada pelo município e não há dados sobre a atual realidade em relação ao contexto em que se insere a DCh — vigilância inativa (VIN) — (Comunicação pessoal através da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais — SES/MG). Esse município possui um total de 13 escolas estaduais que dispõem de ensino médio. Entre elas, apenas a Escola Estadual José Luiz Gonzaga Ferreira localiza-se em área rural, sendo, portanto, convidada a participar da pesquisa. As demais estão localizadas na área urbana, e a escolha pela Escola Estadual Coronel Adelino Castelo Branco foi aleatória.

O questionário foi composto por 20 questões organizadas nas categorias: aspectos gerais da DCh, agente etiológico, vetor, transmissão e controle. As questões faziam inferência tanto ao conhecimento adquirido na escola, quanto à compreensão a respeito do assunto e à prática como tomada de decisão (cultura popular). O questionário foi direcionado aos alunos matriculados na 3ᵃ série do ensino médio, tendo em vista a programação do Conteúdo Básico Comum do ensino de biologia nas escolas estaduais de MG.

Para a avaliação e classificação geral do nível de conhecimento entre os escolares participantes do estudo, desenvolvemos uma chave de respostas baseada em um estudo anterior1313 Cabrera R, Mayo C, Suárez N, Infante C, Náquira C, García-Zapata MTA. Conocimientos, actitudes y prácticas sobre la enfermedad de Chagas en poblacíon escolar en una zona endémica del Perú. Cad Saúde Pública. 2003;19(1):147-54. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2003000100016
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. Para cada questão foi atribuída uma pontuação pelo coordenador do Serviço de Referência do Laboratório de Triatomíneos e Epidemiologia da doença de Chagas — Fiocruz Minas, que levou em consideração a importância desta questão sob o ponto de vista epidemiológico, sendo o conhecimento classificado em três níveis:

  • Insuficiente: pontuação de 0 a 50 pontos;

  • Básico: de 51 a 75 pontos; e

  • Avançado: de 76 a 100 pontos1313 Cabrera R, Mayo C, Suárez N, Infante C, Náquira C, García-Zapata MTA. Conocimientos, actitudes y prácticas sobre la enfermedad de Chagas en poblacíon escolar en una zona endémica del Perú. Cad Saúde Pública. 2003;19(1):147-54. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2003000100016
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Adicionalmente, as respostas de cada questão foram recodificadas como certas ou erradas, com o objetivo de avaliar a frequência dos acertos. A descrição dos resultados foi baseada em frequências absolutas e relativas. O teste χ22 Dias JCP, Ramos Jr. AN, Gontijo ED, Luquetti A, Shikanai-Yasuda MA, Coura JR, et al. II Consenso Brasileiro em Doença de Chagas, 2015. Epidemiol Serv Saúde. 2016;25(N. Esp.):7-86. https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000500002
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de Pearson foi utilizado para examinar a significância estatística das diferenças entre prevalências de respostas corretas. Todas as análises foram realizadas no software estatístico Stata versão 13.0, sendo considerado o nível de significância igual a 5%.

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IRR/FIOCRUZ Minas — CAAE nº 43037415.0.0000.5091, sendo contemplados os aspectos ético-legais da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. A participação na pesquisa foi voluntária e condicionada à assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos responsáveis legais, assim como do Termo de Assentimento (TA) pelos participantes menores de 18 anos.

RESULTADOS

Dos 183 alunos matriculados na 3ᵃ série do ensino médio nas três escolas, 63 participaram da pesquisa. A Tabela 1 mostra a classificação geral do nível de conhecimento dos escolares em relação à vigilância entomológica da DCh. Na região com VIN, a maioria dos alunos enquadra-se no nível I de conhecimento (Insuficiente), independente de a escola estar situada em área urbana ou rural. Já na escola situada em área de VA, 39,3% pertencem ao nível I, 50% ao nível II (Básico), e 10,7% estão compreendidos no nível III (Avançado).

Tabela 1
Classificação geral do nível de conhecimento sobre a doença de Chagas entre escolares residentes em municípios com diferentes perfis de atuação em relação às ações de vigilância e controle vetorial

Sobre a frequência de respostas corretas obtidas nas categorias avaliadas, os resultados estão apresentados na Tabela 2. Em relação aos aspectos gerais da DCh, não houve diferença estatisticamente significativa entre as respostas dos alunos residentes nos municípios com diferentes perfis de vigilância entomológica. A maioria dos participantes demonstrou ter um bom nível de conhecimento. As menores porcentagens de acertos foram observadas para o caráter tipicamente rural ou urbano da doença, e à descoberta da infecção por um pesquisador mineiro.

Tabela 2
Porcentagem de respostas corretas sobre a doença de Chagas entre escolares residentes em municípios com diferentes perfis de atuação em relação às ações de vigilância e controle vetorial

Na categoria agente etiológico, os alunos da escola rural demonstraram total desconhecimento sobre essa temática. Também nas escolas localizadas nas áreas urbanas, a porcentagem de acertos em relação à classificação do patógeno, cuja resposta correta seria “protozoário”, foi baixa. Quanto ao nome científico deste, os resultados apontam diferença significativa entre as respostas obtidas nas escolas de Sabará (VIN) e Itatiaiuçu (VA) (p=0,001).

Na série de questões sobre os vetores, quando questionados sobre a correta nomenclatura do inseto transmissor, de modo geral, os alunos possuem mais percepção em relação ao nome popular (barbeiro), com diferenças significativas entre área rural e urbana (p=0,006).

Para avaliar a capacidade dos participantes em reconhecer os triatomíneos, foi disponibilizada uma imagem contendo alguns insetos para que os alunos assinalassem aquele que ilustrava corretamente um vetor da DCh (Figura 1). Nas três escolas, mais de 50% dos participantes marcaram a opção correta. Porém, o percentual de acertos foi significativamente maior em Itatiaiuçu (VA), se comparado à Sabará (urbana) (p=0,025).

Figura 1
Imagem usada no questionário para avaliar a capacidade de reconhecimento de um vetor da doença de Chagas entre os participantes da pesquisa

Os resultados obtidos sobre a biologia do inseto (hábito noturno e comportamento alimentar) foram semelhantes entre os alunos das três escolas. Quanto ao risco oferecido pela picada, a menor porcentagem de acertos foi observada entre os participantes da área urbana com vigilância inativa (p=0,043).

Quanto aos locais onde os triatomíneos podem ser capturados, todas as opções apresentadas no questionário estavam corretas e poderiam ser escolhidas pelos participantes. Contudo, menos da metade dos alunos das áreas avaliadas consideraram que os vetores poderiam ser encontrados no interior da casa ou no ambiente silvestre. A maior frequência de acertos foi observada em relação ao ambiente peridomiciliar (correspondentes a chiqueiros, currais, montes de telha e madeira), com diferença estatisticamente significativa em favor dos alunos da área com VA (p=0,019).

Todos os integrantes da pesquisa que residem na área rural (VIN) desconhecem que a transmissão vetorial se dá pelas fezes contaminadas do vetor (p=0,012) e que a transmissão congênita é uma das vias de infecção. Ainda no contexto de outras formas de transmissão, observamos que os alunos de Itatiaiuçu (VA) apresentaram uma maior porcentagem de acertos, exceto sobre o transplante de órgãos, mas sem diferenças significativas.

A última categoria refere-se ao controle vetorial. Quanto aos métodos convencionalmente utilizados, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos. Por fim, quando questionados sobre qual atitude os alunos ou seus familiares adotariam se encontrassem o vetor, a maior parte dos participantes da área rural de Sabará e Itatiaiuçu adotaria a atitude correta: “levar o inseto a um PIT para identificação e notificação”. Neste caso, a porcentagem de acerto foi de 73,3 e 82,1%, respectivamente, enquanto os participantes da escola urbana de Sabará (VIN) atingiram apenas 35% (p=0,002).

DISCUSSÃO

A DCh persiste como um grave problema de saúde pública nos países endêmicos, incluindo o Brasil1414 Dias JCP. Human Chagas Disease and Migration in the Context of Globalization: Some Particular Aspects. J Trop Medicine. 2013;789758. https://doi.org/10.1155/2013/789758
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. O controle vetorial e a vigilância entomológica (exercida por busca ativa ou pela informação gerada pelo PIT) seguem como as principais estratégias para evitar novos casos de transmissão do T. cruzi. Contudo, a sustentabilidade das ações de vigilância depende da participação comunitária que, dentre outros, pode contribuir para a tomada de decisões e o estabelecimento de prioridades que visem ampliar o alcance e a efetividade do controle. Para isso, o conhecimento da população acerca do problema é indispensável.

Minas Gerais é um dos estados com maior prevalência da DCh no Brasil1515 Camargo ME, Silva GR, Castilho EA, Silveira AC. Inquérito sorológico da prevalência da infecção chagásica no Brasil, 1975/1980. Rev Inst Med Tropical. 1984;26(4):192-204. https://doi.org/10.1590/S0036-46651984000400003
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. Notadamente sobre os municípios de Itatiaiuçu e Sabará, na década de 80, quando foi realizado o primeiro inquérito sorológico nacional, a prevalência da infecção na população geral nesses municípios era de 3,5 e 5,8%, respectivamente1515 Camargo ME, Silva GR, Castilho EA, Silveira AC. Inquérito sorológico da prevalência da infecção chagásica no Brasil, 1975/1980. Rev Inst Med Tropical. 1984;26(4):192-204. https://doi.org/10.1590/S0036-46651984000400003
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, sendo o Panstrongylus megistus a principal espécie vetora1616 Silveira AC, Feitosa VR, Borges R. Distribuição de triatomíneos capturados no ambiente domiciliar, no período 1975-1983, Brasil. Rev Bras Mal D Tropical. 1984;36:15-312.. Apesar disso, os resultados obtidos no presente estudo apontam para um baixo nível de conhecimento dos participantes sobre vários aspectos relacionados à enfermidade, independentemente das atividades exercidas para a manutenção do controle vetorial nos municípios avaliados. Todavia, quando presente, o conhecimento favorece o município com VA, ou seja, mesmo que incipiente, a VA parece afetar o entendimento dos escolares, o que também pode ser observado perante a classificação geral apresentada na Tabela 1.

Vale ponderar que a visibilidade da doença diminuiu consideravelmente nas duas últimas décadas, à medida que as infestações por vetores domiciliados também decresceram e, consequentemente, a transmissão ao longo da área endêmica clássica. Dessa forma, não se pode pretender que a população mantenha o mesmo nível de informação e interesse pelo tema1717 Silveira AC, Rezende DF, Nogales AM, Cortez-Escalante JJ, Castro C, Macedo V. Avaliação do Sistema de Vigilância Entomológica da Doença de Chagas com Participação Comunitária em Mambaí e Buritinópolis, Estado de Goiás. Rev Soc Bras Med Tropical. 2009;42(1):39-46. https://doi.org/10.1590/S0037-86822009000100009
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. Neste sentido, chama a atenção o número reduzido de participantes que responderam ao questionário (34% entre os elegíveis), corroborando um trabalho anterior que utilizou o mesmo instrumento de pesquisa para avaliar o conhecimento sobre a DCh entre escolares1515 Camargo ME, Silva GR, Castilho EA, Silveira AC. Inquérito sorológico da prevalência da infecção chagásica no Brasil, 1975/1980. Rev Inst Med Tropical. 1984;26(4):192-204. https://doi.org/10.1590/S0036-46651984000400003
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.

O melhor desempenho dos participantes em relação aos cinco eixos temáticos abordados deu-se na categoria denominada conhecimentos gerais. Todos os alunos reconheceram que a DCh ainda existe, diferentemente do que foi observado em Goiás, onde 69,6% dos participantes (entre 7 e 15 anos) mencionaram nunca ter ouvido falar sobre a doença1717 Silveira AC, Rezende DF, Nogales AM, Cortez-Escalante JJ, Castro C, Macedo V. Avaliação do Sistema de Vigilância Entomológica da Doença de Chagas com Participação Comunitária em Mambaí e Buritinópolis, Estado de Goiás. Rev Soc Bras Med Tropical. 2009;42(1):39-46. https://doi.org/10.1590/S0037-86822009000100009
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. Apesar disso, dados do Ministério da Saúde mostram que as infestações intradomiciliares por vetores autóctones ainda persistem no estado e que, portanto, o risco de transmissão é mantido1818 Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico 2015 [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde [acessado em 25 out. 2023]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/doenca-de-chagas/arquivos/boletim-epidemiologico-volume-46-no-21-2015-doenca-de-chagas-aguda-no-brasil-serie-historica-de-2000-a-2013.pdf
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
.

Ainda na categoria conhecimentos gerais, a maioria dos alunos reconhece a capacidade do parasito em causar lesões no ser humano, acometendo especialmente o coração, esôfago e intestino. Por outro lado, observa-se que grande parte dos alunos desconhece o nome do pesquisador responsável pela descoberta da infecção, bem como o caráter tipicamente rural da doença. Sobre esse aspecto, ressalta-se que Carlos Chagas, pesquisador mineiro, foi o responsável pela descoberta mais completa e bem-sucedida nas pesquisas relacionadas à Saúde Pública1919 Chagas C. Nova tripanozomiase humana: Estudos sobre a morfolojia e o ciclo evolutivo do Schizotrypanum cruzi n. gen., n. sp., ajente etiolojico de nova entidade morbida do homem. Mem Inst Oswaldo Cruz. 1909;1(2):159-218. https://doi.org/10.1590/S0074-02761909000200008
https://doi.org/10.1590/S0074-0276190900...
. Ele descobriu não só a doença, mas também seu agente etiológico, vetor, reservatórios domésticos e silvestres e animais de laboratórios susceptíveis à infecção.

No Brasil, a prevalência e distribuição da infecção humana pelo T. cruzi sempre estiveram associadas com as populações que vivem no campo, em um cenário fortemente marcado pela miséria1616 Silveira AC, Feitosa VR, Borges R. Distribuição de triatomíneos capturados no ambiente domiciliar, no período 1975-1983, Brasil. Rev Bras Mal D Tropical. 1984;36:15-312., bem como pela presença de colônias de vetores domiciliados33 Silveira AC, Dias JCP. O controle da transmissão vetorial. Rev Soc Bras Med Tropical. 2011;44(Supl. 2):52-63. https://doi.org/10.1590/S0037-86822011000800009
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,1313 Cabrera R, Mayo C, Suárez N, Infante C, Náquira C, García-Zapata MTA. Conocimientos, actitudes y prácticas sobre la enfermedad de Chagas en poblacíon escolar en una zona endémica del Perú. Cad Saúde Pública. 2003;19(1):147-54. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2003000100016
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. Contudo, a expansão das cidades para locais onde ocorre o ciclo natural do T. cruzi pode favorecer a invasão das casas por vetores não domiciliados, bem como a presença de reservatórios sinantrópicos próximo às habitações2020 Coura JR. Chagas disease: what is known and what is needed – A background article. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2007;102(Suppl. 1):113-22. https://doi.org/10.1590/S0074-02762007000900018
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. De fato, há relatos na literatura sobre a infestação domiciliar em áreas urbanas por vetores autóctones, o que aumenta o risco de transmissão, mas não caracteriza a urbanização da doença2121 Maeda MH, Gurgel-Gonçalves R. Conhecimentos e práticas de moradores do Distrito Federal, Brasil, em relação à doença de Chagas e seus vetores. Rev Patol Tropical. 2012;41(1):15-26. https://doi.org/10.5216/rpt.v41i1.17749
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2424 Dias JVL, Queiroz DRM, Martins HR, Gorla DE, Pires HHR, Diotaiuti L. Spatial distribution of triatomines in domiciles of an urban area of the Brazilian Southeast Region. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2016;111(1):43-50. https://doi.org/10.1590/0074-02760150352
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.

Em relação ao agente etiológico, observou-se grande dificuldade da amostra avaliada em identificar e nomear corretamente o parasito, sobretudo entre aqueles residentes no município com VIN. Na escola localizada na área rural, o desconhecimento foi total. Já os participantes do município com a VA demonstraram um desempenho melhor nas questões referentes ao agente etiológico, com diferenças significativas aos demais, em relação ao nome do protozoário que leva à infecção. A aparente desconexão entre o agente etiológico e a doença poderia ser explicada pela percepção de que quem causa a enfermidade é o vetor, uma vez que uma parcela importante do estudo acredita que o triatomíneo possui veneno e, por isso, é perigoso.

Apesar de a maioria dos participantes indicar que os barbeiros são os insetos transmissores, o mesmo não ocorre quando são questionados sobre o nome científico destes. A falta de conexão entre nome popular e científico está em conformidade com o observado no Paraná, onde a população mais jovem também desconhece o termo triatomíneo (nome da subfamília dos vetores)2525 Falavigna-Guilherme AL, Costa AL, Bastista O, Pavanelli GC, Araújo SM. Atividades educativas para o controle de triatomíneos em área de vigilância epidemiológica do Estado do Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública. 2002;18(6):1543-50. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2002000600007
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. Da mesma forma, no Peru apenas 0,83% dos alunos reconhecem esse termo científico1515 Camargo ME, Silva GR, Castilho EA, Silveira AC. Inquérito sorológico da prevalência da infecção chagásica no Brasil, 1975/1980. Rev Inst Med Tropical. 1984;26(4):192-204. https://doi.org/10.1590/S0036-46651984000400003
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Por outro lado, a maioria dos alunos foi capaz de identificar corretamente a imagem que representa o vetor da DCh, especialmente os alunos residentes da cidade com VA. Esse dado é extremamente importante, já que atualmente as ações de controle vetorial realizadas pelos municípios contam primeiramente com a participação da população para captura e notificação do vetor. Esses resultados corroboram com estudos anteriores realizados em Honduras2626 Ávila-Montes G, Martinez M, Ponce C, Ponce E, Rosales R, Orellana L, et al. Participación Comunitaria para el Control de la Enfermedad de Chagas: Experiencia en una área Endémica de Honduras. Rev Med Honduras [Internet]. 1996 [acessado em 25 out. 2023];64(2):52-9. Disponível em: http://www.bvs.hn/RMH/pdf/1996/pdf/Vol64-2-1996-4.pdf
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, Minas Gerais1010 Villela MM, Pimenta DN, Lamounier PA, Dias JCP. Avaliação de conhecimentos e práticas que adultos e crianças têm acerca da doença de Chagas e seus vetores em região endêmica de Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(8):1701-10. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000800006
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,2727 Villela MM, Souza JMB, Melo VP, Dias JCP. Vigilância epidemiológica da doença de Chagas em programa descentralizado: avaliação de conhecimentos e práticas de agentes municipais em região endêmica de Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 2007;23(10):2428-38. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007001000018
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e no Distrito Federal2121 Maeda MH, Gurgel-Gonçalves R. Conhecimentos e práticas de moradores do Distrito Federal, Brasil, em relação à doença de Chagas e seus vetores. Rev Patol Tropical. 2012;41(1):15-26. https://doi.org/10.5216/rpt.v41i1.17749
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, onde a maioria dos participantes identificaram de forma correta o vetor do T. cruzi. Em contrapartida, no Paraná, a população mais jovem não reconhece os triatomíneos e foi demonstrado que apenas os moradores mais antigos preservaram a memória da imagem do vetor da DCh2525 Falavigna-Guilherme AL, Costa AL, Bastista O, Pavanelli GC, Araújo SM. Atividades educativas para o controle de triatomíneos em área de vigilância epidemiológica do Estado do Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública. 2002;18(6):1543-50. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2002000600007
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O conhecimento sobre a biologia do triatomíneo, que inclui o hábito noturno e o comportamento alimentar, são fundamentais na perspectiva da importância desses insetos como transmissores de patógeno. Sobre esse ponto, foi verificado que uma parcela importante entre os elegíveis responderam corretamente o questionamento apresentado. O conhecimento sobre essas características é extremamente relevante e pode auxiliar na tomada de decisões por parte da população exposta, especialmente quando se vivenciam quadros de baixa infestação domiciliar.

Ainda sobre os vetores, a maioria dos participantes das três escolas considera que a probabilidade de encontrar triatomíneos no peridomicílio (chiqueiros, currais, montes de telha e madeira) é maior em relação ao intradomicílio e ambiente silvestre. Contudo, nos municípios de Itatiaiuçu e Sabará, o P. megistus sempre foi a espécie mais capturada (Comunicação pessoal SES-MG), sendo esta capaz de formar colônias tanto no intra como no peridomicilio. Considerando tal cenário, e diante da impossibilidade de eliminação de vetores autóctones, torna-se necessário despertar o conhecimento da população sobre a possibilidade de transmissão vetorial, especialmente quando o controle de novos focos depende da notificação de infestação realizada pelos moradores.

Sobre as vias de infecção pelo T. cruzi, os estudos que se dedicam a avaliar o conhecimento da população priorizam a via vetorial, mas sem questionar o mecanismo propriamente dito. Neste estudo, foi possível observar que a maioria dos participantes desconhece que a transmissão vetorial se dá pelo contato das fezes contaminadas do vetor com o ser humano. Esse resultado reforça a hipótese de que, de modo geral, a população acredita que os vetores causam a doença, sem fazer a conexão com o parasito. Quando questionados sobre a possibilidade de outras formas de transmissão do T. cruzi, de modo geral, os dados sugerem que a ingestão de alimentos contaminados e a transfusão sanguínea são as vias mais conhecidas entre os participantes. Dentre as formas de infecção mencionadas, a única incorreta era “contato humano”. Uma parcela importante dos participantes considera ser possível essa forma de transmissão, especialmente na escola localizada na área rural, onde 60% dos alunos marcaram essa opção como sendo correta. O conhecimento sobre outras formas de infecção no Peru1515 Camargo ME, Silva GR, Castilho EA, Silveira AC. Inquérito sorológico da prevalência da infecção chagásica no Brasil, 1975/1980. Rev Inst Med Tropical. 1984;26(4):192-204. https://doi.org/10.1590/S0036-46651984000400003
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, na Argentina2828 Sanmartino M, Crocco L. Conocimientos sobre la enfermedad de Chagas y factores de riesgo en comunidades epidemiológicamente diferentes de Argentina. Rev Panam Salud Publica [Internet]. 2000 [acessado em 25 out. 2023];7(3):173-8. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/rpsp/2000.v7n3/173-178/es
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e no Paraná2525 Falavigna-Guilherme AL, Costa AL, Bastista O, Pavanelli GC, Araújo SM. Atividades educativas para o controle de triatomíneos em área de vigilância epidemiológica do Estado do Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública. 2002;18(6):1543-50. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2002000600007
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também foi muito limitado. Em Goiás, os participantes também mencionaram mecanismos incorretos da transmissão do T. cruzi como, por exemplo, através de água mal tratada, mosquitos, inseticidas usados no controle de vetores e até mesmo por herança genética1717 Silveira AC, Rezende DF, Nogales AM, Cortez-Escalante JJ, Castro C, Macedo V. Avaliação do Sistema de Vigilância Entomológica da Doença de Chagas com Participação Comunitária em Mambaí e Buritinópolis, Estado de Goiás. Rev Soc Bras Med Tropical. 2009;42(1):39-46. https://doi.org/10.1590/S0037-86822009000100009
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.

As respostas obtidas em relação às medidas adotadas corretamente para o controle vetorial apontam a falta de conhecimento dos participantes sobre essa temática. Preocupa o fato de que em Sabará, além da maioria dos alunos não ter conhecimento sobre o tradicional método de controle químico, proposto pelo Ministério da Saúde, ainda desconhecem, no caso dos alunos da área urbana, a possibilidade de captura manual pelos proprietários das áreas infestadas e posterior notificação, caracterizando a vigilância passiva.

Em relação à atitude que os alunos ou seus familiares teriam ao encontrar o vetor no ambiente domiciliar, contrariando a questão anterior, a maioria dos participantes da área rural (VIN) e Itatiaiuçu (VA) afirmou que levaria o inseto a um PIT para identificação e notificação. Avaliando as respostas do questionário como um todo, e cujo conhecimento se mostrou insuficiente para a maioria das categorias, é possível que o fato de ter colocado o significado do acrônimo PIT (Posto de Informação sobre Triatomíneos) possa ter induzido a resposta por parte dos alunos. De forma semelhante, Silveira et al.1717 Silveira AC, Rezende DF, Nogales AM, Cortez-Escalante JJ, Castro C, Macedo V. Avaliação do Sistema de Vigilância Entomológica da Doença de Chagas com Participação Comunitária em Mambaí e Buritinópolis, Estado de Goiás. Rev Soc Bras Med Tropical. 2009;42(1):39-46. https://doi.org/10.1590/S0037-86822009000100009
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também questionaram os participantes sobre qual atitude adotariam ao encontrar um barbeiro. Entre as crianças de 7 a 15 anos, apenas 35% avisariam o agente de saúde. Já na população de maior idade (51-85 anos), a porcentagem foi consideravelmente maior (75,5%), o que corresponde à população que presenciou o trabalho intensivo de controle vetorial.

A sustentabilidade das ações de prevenção e controle da DCh passa obrigatoriamente pela informação e participação da população, além de ações de promoção à saúde. Segundo a carta de Ottawa, a promoção à saúde pode ser entendida como “processo de preparação do estado, comunidade e indivíduos, para o aconselhamento, orientação e educação individual e coletiva para atuarem na mudança da qualidade de vida”2929 Carta de Ottawa [Internet]. In: 1ᵃ Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde; 1986 [acessado em 25 out. 2023]. 4 p. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/carta_ottawa.pdf
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. Ainda, a promoção à saúde remete ao pensamento de que o indivíduo também é responsável por sua saúde, diminuindo assim a responsabilidade do estado3030 Czeresnia D. The concept of health and the difference between prevention and promotion. Cad Saúde Pública. 1999;15(4):701-9. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1999000400004
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, mas não a eliminando. A partir deste trabalho, observamos que faltam medidas estruturadas e atuantes no campo da educação e promoção à saúde em relação à DCh.

Ainda que a possibilidade de detecção do vetor seja maior em um ambiente com vigilância baseada na notificação pela população, preocupa a pouca motivação e a falta de conhecimento da geração nascida após a certificação da eliminação da transmissão vetorial. Neste sentido, faz-se extremamente oportuna uma reaproximação entre as autoridades de Saúde e de Educação, nos diferentes níveis de governo, para elencar e viabilizar ações de Educação em Saúde no ambiente escolar. Em tempo, sugere-se que trabalhos semelhantes sejam realizados com os agentes de saúde e professorado, preferencialmente ampliando o número de municípios investigados, em busca de respostas mais definitivas, embora as diferenças encontradas a favor do grupo com VA já indiquem a importância da mesma no processo de controle da DCh nas áreas endêmicas.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2020
  • Aceito
    15 Dez 2020
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