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Comprometimento cognitivo e fatores associados em uma população de idosos

Cognitive impairment and associated factors in a population of aged people

Resumo

Introdução:

O envelhecimento populacional está entre as transformações globais mais importantes. Na população idosa, há prevalência aumentada de condições crônicas que comprometem a autonomia relacionadas ao comprometimento cognitivo.

Objetivo:

Este estudo buscou estimar a prevalência de comprometimento cognitivo e os fatores associados em uma população de idosos.

Método:

Trata-se de pesquisa transversal analítica envolvendo idosos com 60 anos ou mais, cadastrados na Estratégia Saúde da Família de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Para caracterização dos fatores sociodemográficos, hábitos de vida e condições de saúde, utilizou-se o instrumento Brazilian Older Americans Researches and Service Multidimensional Function Assessment Questionnaire; para avaliação cognitiva, o Mini Exame do Estado Mental, e os resultados, ajustados por escolaridade na análise de regressão logística binária, com apresentação de odds ratio (OR) e intervalos de confiança (IC) de 95%.

Resultados:

Dos 1.746 idosos avaliados, 11,5% apresentaram comprometimento cognitivo. Os fatores de risco associados foram idosos acima de 80 anos (OR=4,463; IC95% 3,160–6,304); analfabetos (OR=3,996; IC95% 2,716–5,791); sem companheiro (OR=1,989; IC95% 1,388–2,850); sedentários (OR=1,777; IC95% 1,208–2,613) e com histórico de Acidente Vascular Cerebral (OR=3,635; IC95% 2,213–5,971).

Conclusões:

Comprometimento cognitivo foi associado a variáveis passíveis de ações preventivas, como o acesso à escolarização e hábitos de vida saudáveis.

Palavras-chave:
saúde do idoso; disfunção cognitiva; prevalência

Abstract

Background:

Population aging is among the most important global transformations. In the elderly population, there is an increased prevalence of chronic conditions that compromise autonomy, related to cognitive impairment.

Objective:

This study sought to estimate the prevalence of cognitive impairment and associated factors in an elderly population.

Method:

This is a cross-sectional and analytical survey involving elderly people aged 60 years old or older, registered with the Family Health Strategy of Montes Claros, Minas Gerais, Brazil. To characterize sociodemographic factors, life habits and health conditions, the Brazilian Older Americans Researches and Service Multidimensional Function Assessment Questionnaire was used; for cognitive evaluation, the Mini Mental State Examination, and the results adjusted for education in the binary logistic regression analysis, with the presentation of odds ratios (OR) and 95% confidence intervals (CI).

Results:

Of the 1,746 aged individuals evaluated, 11.5% presented cognitive impairment. The associated risk factors were elderly over 80 years old (OR=4.463; 95%CI 3.160–6.304); illiterate (OR=3.996; 95%CI 2.716–5.791); without companion (OR=1.989; 95%CI 1.388–2.850); sedentary (OR=1.777; 95%CI 1.208–2.613), and with a history of stroke (OR=3.635; 95%CI 2.213–5.971).

Conclusions:

Cognitive commitment was associated with variables susceptible to preventive actions, such as access to schooling and healthy living habits.

Keywords:
health of the elderly; cognitive dysfunction; prevalence

INTRODUÇÃO

O envelhecimento populacional está entre as transformações globais mais importantes. Dados recentes demonstram que 12% da população mundial tem 60 anos ou mais e, em meados deste século, chegará a 21,5%11 United Nations (ONU). World population prospects: The 2015 revision, key findings and advance tables. Working Paper No. ESA/P/WP. Nova York: United Nations; 2019.,22 Thumala D, Kennedy BK, Calvo E, Billault CG, Zitko P, Lillo P, et al. Aging and Health Policies in Chile: New Agendas for Research. Health Syst Reform. 2017;3(4):253-60. https://doi.org/10.1080/23288604.2017.1353844
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. No Brasil, estima-se que as pessoas com 60 anos ou mais representem cerca de 13,4% da população total e que, em 2.060, os idosos serão 32,2% da população brasileira33 Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeções e estimativas da população do Brasil e das Unidades da Federação. Projeções da População do Brasil. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; 2018..

Na população idosa, há prevalência aumentada de condições crônicas que comprometem a autonomia, relacionadas ao comprometimento cognitivo44 Prince M, Wimo A, Guerchet M, AliG C, Wu YT, Prina M. World Alzheimer Report 2015: The Global Impact of Dementia. 8ᵃ ed. Londres: Alzheimer's Disease International; 2015.. Quando o comprometimento cognitivo é leve (CCL), ele não necessariamente preenche os parâmetros clínicos para diagnóstico de demência, apesar de corresponder a declínio em pelo menos um dos domínios cognitivos e poder gerar prejuízo na capacidade de realizar tarefas complexas. Entretanto, o CCL pode corresponder a uma etapa incipiente de uma das modalidades de demência, como Alzheimer55 World Health Organization (WHO). Global Dementia Observatory. WHO Department of Mental Health and Substance Abuse. Genebra: WHO; 2018.. Atualmente, estima-se que entre 5 e 8% da população mundial acima de 60 anos, ou 50 milhões de pessoas, tenha demência. A projeção é de que, em 2030, serão 82 milhões de pessoas, e em 2050, 152 milhões com essa condição55 World Health Organization (WHO). Global Dementia Observatory. WHO Department of Mental Health and Substance Abuse. Genebra: WHO; 2018..

As demências são uma das condições mais incapacitantes e onerosas à saúde66 Oliveira D, Jun Otuyama L, Mabunda D, Mandlate F, Gonçalves-Pereira M, Xavier M, et al. Reducing the number of people with dementia through primary prevention in Mozambique, Brazil, and Portugal: An Analysis of Population-Based Data. J Alzheimers Dis. 2019;70(s1):S283-S291. https://doi.org/10.3233/jad-180636
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. Em torno de 60% dos idosos com demência vivem em países de baixa e média renda, onde a prevalência desse transtorno está se expandindo rapidamente55 World Health Organization (WHO). Global Dementia Observatory. WHO Department of Mental Health and Substance Abuse. Genebra: WHO; 2018.,66 Oliveira D, Jun Otuyama L, Mabunda D, Mandlate F, Gonçalves-Pereira M, Xavier M, et al. Reducing the number of people with dementia through primary prevention in Mozambique, Brazil, and Portugal: An Analysis of Population-Based Data. J Alzheimers Dis. 2019;70(s1):S283-S291. https://doi.org/10.3233/jad-180636
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. Os custos relacionados a esse problema foram estimados em 818 milhões de dólares em 2015, ou 1,1% do Produto Interno Bruto global55 World Health Organization (WHO). Global Dementia Observatory. WHO Department of Mental Health and Substance Abuse. Genebra: WHO; 2018..

A manifestação clínica característica da demência é um declínio cognitivo importante a partir de nível anterior de desempenho em um ou mais domínios cognitivos (atenção complexa, função executiva, aprendizagem e memória, linguagem, preceptomotor ou cognição social), o que seria suficiente para causar comprometimento social ou ocupacional77 American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 5ᵃ ed. Washington, D.C.: American Psychiatric Association; 2013..

Os testes de rastreamento podem identificar pessoas com demência não diagnosticada e assim permitir que os pacientes e suas famílias recebam cuidados em estágio inicial da doença. Dessa forma, o diagnóstico precoce contribui para a redução de danos, e estabelecendo abordagens terapêuticas que retardem a velocidade da evolução do comprometimento cognitivo88 Boustani M, Peterson B, Hanson L, Harris R, Lohr K. Screening for dementia in primary care:a summary of the evidence for the US Preventive Services Task Force. Ann Intern Med. 2003;138(11):927-37. https://doi.org/10.7326/0003-4819-138-11-200306030-00015
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.

Os testes de rastreamento são ferramentas que podem ser usadas no contexto da Atenção Primária para avaliação da pessoa idosa, pois fornecem uma indicação da extensão do problema cognitivo e monitoram o nível de desempenho cognitivo ao longo do tempo99 Gondim A, Coelho J, Cavalcanti A, Roriz J, Nogueira C, Peixoto A, et al. Prevalência e fatores associados ao comprometimento cognitivo funcional em idosos residentes na comunidade brasileira. Dement Neuropsychol. 2017;11(1):32-9. https://doi.org/10.1590/1980-57642016dn11-010006
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.

Assim, o objetivo deste estudo foi estimar a prevalência de comprometimento cognitivo e fatores associados em uma população de idosos.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal e analítico realizado no município de Montes Claros, ao norte de Minas Gerais, Brasil. Sua população estimada é de 400 mil habitantes33 Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeções e estimativas da população do Brasil e das Unidades da Federação. Projeções da População do Brasil. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; 2018.. O Índice de Desenvolvimento Urbano do município é considerado alto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com indicadores semelhantes aos da média nacional1010 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Brasileiro. Atlas do Desenvolvimento Humano. Brasília: PNUD, Ipea, FJP; 2013. 96 p..

A amostra populacional foi constituída por idosos cadastrados e acompanhados pelas equipes urbanas da Estratégia Saúde da Família (ESF), vinculadas à Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade. Foram definidos como critérios de inclusão: apresentar idade igual ou superior a 60 anos e ser cadastrado e acompanhado por equipe de ESF urbana. Como critérios de exclusão, foram definidos: idosos gravemente enfermos e acamados que não tivessem condições de responder ao questionário ou idosos hospitalizados durante o período de coleta de dados.

O cálculo amostral foi feito pela fórmula para população infinita. O tamanho da amostra foi definido a partir da população estimada de 33.930 pessoas com 60 anos ou mais, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Considerou-se a frequência do evento estudado de 50%, por se tratar de uma frequência conservadora, que produz um tamanho amostral maior. O nível de confiança definido foi de 95%, a margem de erro amostral de 3% e, ao final, o valor obtido foi multiplicado por um fator de correção pelo efeito do desenho (“deff”) igual a 2. Ao valor obtido, foi acrescido um percentual de 10% para compensação de possíveis perdas. Assim, estimou-se a participação de, no mínimo, 1.708 idosos.

A seleção da amostra foi do tipo probabilística por conglomerados em dois estágios. No primeiro estágio, foi realizado o sorteio dos polos regionais de saúde, tomadas como unidades conglomeradas; já no segundo estágio, foram sorteadas as equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF)/microáreas assistidas, em que todos os idosos residentes foram convidados a participar do estudo (Figura 1).

Figura 1
Organograma para seleção da amostra de idosos, conglomerados em dois estágios. ESF e microáreas

Definiram-se como perdas idosos não localizados em suas residências após, pelo menos, três visitas em dias e horários diferentes, mesmo após agendamento prévio. A coleta de dados foi realizada por entrevistadores previamente capacitados — em estudo piloto — e ocorreu entre setembro de 2016 e maio de 2017, nos domicílios dos participantes.

O instrumento utilizado para a coleta de dados foi o Brazilian Older Americans Researches and Service Multidimensional Function Assessment Questionnaire (BOMFAQ), adaptado e validado no Brasil1111 Blay SL, Ramos LR, Mari JJ. Validity of a Brazilian version of the Older Americans Resources and Services (OARS) mental health screening questionnaire. J Am Geriatr Soc. 1988;36(8):687-92. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.1988.tb07169.x
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. Esse instrumento é constituído por 60 questões que analisam dados sociodemográficos, capacidade funcional, saúde física e saúde mental, a utilização de serviços de saúde, além da integração social. A partir desse instrumento, foram identificadas as variáveis sociodemográficas (sexo, raça/cor autodeclarada, faixa etária, estado conjugal, renda familiar mensal e escolaridade), hábitos de vida (tabagismo e atividade física regular), condições de saúde (hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, internação hospitalar nos últimos seis meses e Acidente Vascular Cerebral — AVC). A variável faixa etária foi categorizada em 60 a 79 anos e 80 e mais anos; estado conjugal categorizada em sem companheiro e com companheiro; renda familiar mensal em <1 salário mínimo, 1 a 2 salários mínimos e maior que 2 salários mínimos; e escolaridade em analfabeto, baixa/média (ensino básico e médio) e alta (ensino superior).

Para a avaliação cognitiva, foi utilizado o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), também conhecido como Mini Mental1212 Folstein M, Folstein S, Mchugh P. Mini-Mental State: A practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatric Res. 1975;12(3):189-98. https://doi.org/10.1016/0022-3956(75)90026-6
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, contido no BOMFAQ. Neste estudo, foram utilizados os escores propostos por Bertolucci et al.1313 Bertolucci P, Brucki S, Campacci S, Juliano Y. O Mini Exame do Estado Mental em uma população geral: impacto da escolaridade. Arq Neuro-Psiquiatr. 1994;52(1):1-7. https://doi.org/10.1590/S0004-282X1994000100001
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, que são 13 para caso e 14 para não caso em idosos analfabetos; 18 para caso e 19 para não caso em idosos com baixa e média escolaridade (oito anos incompletos); e 26 para caso e 27 para não caso em idosos com alta escolaridade (oito anos ou mais).

Os dados foram analisados por meio do software Statiscal Package for the Social Science, versão 20® (IBM SPSS Statistics for Windows, Chicago, EUA). Inicialmente, realizou-se a análise descritiva mediante a apresentação de valores absolutos e percentuais. Para verificar a associação entre comprometimento cognitivo e as variáveis sociodemográficas, hábitos de vida e condições de saúde foi realizada a análise bivariada por meio do teste χ2 de Pearson. As variáveis que apresentaram p menor ou igual a 0,05 na análise bivariada foram incluídas na análise de regressão logística binária, em que foram estimados os valores de odds ratio (OR), ajustadas com intervalos de confiança (IC) de 95%.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Institucional (# 1.NN [eliminado para efeitos da revisão por pares]).

RESULTADOS

Houve 2,2% de perda de respondentes, resultando em 1.746 idosos avaliados. Entre os entrevistados, observou-se maior percentual de mulheres (63,4%), de indivíduos na faixa etária entre 60 e 79 anos (81,1%); raça/cor autodeclarada parda (50,3%); com baixa e média escolaridade (69,9%); com companheiro (54,2%) e com renda familiar média mensal entre um e dois salários mínimos — entre R$ 954,00 e R$ 1.908,00 — (35,9% da população). Quanto aos hábitos de vida, a maioria (92,4%) relatou não fumar. Em relação à prática de atividade física, 66,6% dos participantes relataram não praticar atividade física regular. No que se refere às condições de saúde, a maioria nega internação hospitalar nos últimos seis meses (93%) e histórico de AVC (93,8%). Dentre os participantes, 20,6% declararam apresentar diabetes mellitus e 70,9%, Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS).

Dos idosos avaliados, 11,5% apresentaram resultados compatíveis com comprometimento cognitivo (Tabela 1), sendo que a maior prevalência foi observada entre as mulheres (12,7%; p=0,033); os idosos com faixa etária acima de 80 anos (28,4%; p=0,000); analfabetos (17,5%; p=0,000); e entre os que vivem sem companheiro (16,0%; p=0,000) (Tabela 2). No que se refere aos hábitos de vida, houve maior prevalência de comprometimento cognitivo entre os idosos que relataram não praticar atividade física regular (13,6%; p=0,000) (Tabela 3). Quanto ao histórico de saúde, houve associação entre comprometimento cognitivo e AVC (32,4%; p=0,000) (Tabela 4).

Tabela 1
Prevalência de comprometimento cognitivo nos idosos cadastrados nas Equipes de Estratégia Saúde da Família da área urbana, Montes Claros-MG
Tabela 2
Análise bivariada do comprometimento cognitivo dos idosos cadastrados nas Equipes de Estratégia Saúde da Família na área urbana, Montes Claros-MG, em relação às variáveis sociodemográficas
Tabela 3
Análise bivariada do comprometimento cognitivo dos idosos cadastrados nas Equipes de Estratégia Saúde da Família da área urbana, Montes Claros-MG, segundo fatores relacionados aos hábitos de vida
Tabela 4
Análise bivariada do comprometimento cognitivo dos idosos cadastrados nas Equipes de Estratégia Saúde da Família da área urbana, Montes Claros-MG, segundo fatores relacionados à situação de saúde

Na análise de regressão logística binária, os fatores de risco que permaneceram associados ao declínio cognitivo foram idosos acima de 80 anos (OR=4,463; IC95% 3,160–6,304); analfabetos (OR=3,996; IC95% 2,716–5,791); sem companheiro (OR=1,989; IC95% 1,388–2,850); sedentários (OR=1,777; IC95% 1,208–2,613) e com histórico de AVC (OR=3,635; IC95%2,213–5,971) (Tabela 5).

Tabela 5
Análise de regressão logística multinominal. Distribuição dos idosos cadastrados nas Equipes de Estratégia Saúde da Família da área urbana, Montes Claros-MG, de acordo com sexo, faixa etária, escolaridade, estado conjugal, atividade física e Acidente Vascular Cerebral, com relação ao comprometimento cognitivo

DISCUSSÃO

A prevalência de comprometimento cognitivo entre os idosos avaliados neste estudo foi estimada em 11,5%, considerando pessoas acima de 60 anos. Isso é equivalente ao relatado em outros estudos internacionais22 Thumala D, Kennedy BK, Calvo E, Billault CG, Zitko P, Lillo P, et al. Aging and Health Policies in Chile: New Agendas for Research. Health Syst Reform. 2017;3(4):253-60. https://doi.org/10.1080/23288604.2017.1353844
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,1414 Prince M, Bryce R, Albanese E, Wimo A, Ribeiro W, Ferri C. The global prevalence of dementia: a systematic review and meta analysis. Alzheimers Dement. 2013;9(1):63-75.e2. https://doi.org/10.1016/j.jalz.2012.11.007
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,1515 Deng J, Cao C, Jiang Y, Peng B, Wang T, Yan K, et al. Prevalence and effect factors of dementia among the community elderly in Chongqing, China. Psychogeriatrics. 2018;18(5):412-20. https://doi.org/10.1111/psyg.12343
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. Apesar de o comprometimento cognitivo leve não preencher os critérios clínicos definidos para diagnóstico de demência, ele pode constituir-se de uma fase inicial da mesma55 World Health Organization (WHO). Global Dementia Observatory. WHO Department of Mental Health and Substance Abuse. Genebra: WHO; 2018.. Portanto, essas duas situações clínicas, apesar de distintas clinicamente, envolvem comprometimento cognitivo entre idosos, tema central do atual estudo.

No que diz respeito às estimativas da Organização Mundial de Saúde para demências, essas atingem aproximadamente de 5 a 8% da população com mais de 60 anos1616 World Health Organization (WHO). Dementia Fact Sheets. Genebra: WHO; 2019.. De 1990 a 2010, o número de anos perdidos em virtude da incapacidade como resultado da demência aumentou mais de 200%1717 Murray CJ, Vos T, Lozano R, Naghavi M, Flaxman AD, Michaud C, et al. Disability-adjusted life years (DALYs) for 291 diseases and injuries in 21 regions, 1990–2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. Lancet. 2012;380(9859):2197-223. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(12)61689-4
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. No mesmo período, o número de mortes atribuído à demência aumentou 526%, tornando-a a causa de morte que mais cresce nas últimas duas décadas1818 Lozano R, Naghavi M, Foreman K, Lim S, Shibuya K, Aboyans V, et al. Global and regional mortality from 235 causes of death for 20 age groups in 1990 and 2010: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2010. Lancet. 2012;380(9859):2095-128. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(12)61728-0
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, com variação conforme região geográfica.

No cenário nacional, verificaram-se variações de resultados em diferentes regiões. Em Viçosa-MG, a prevalência de comprometimento cognitivo foi estimada em 26%1919 Freitas DHM, Campos FCA, Linhares LQ, Santos CR, Ferreira CB, Diniz BS. Autopercepção da saúde e desempenho cognitivo em idosos residentes na comunidade. Rev Psiquiatr Clín. 2010;37(1):32-5. https://doi.org/10.1590/S0101-60832010000100007
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; em Pouso Alegre-MG, 4,9%2020 Faria E, Silva S, Farias K, Cintra A. A avaliação cognitiva de pessoas idosas cadastradas na estratégia saúde da família: município do sul de Minas. Rev Esc Enferm. 2011;45(spe2):1748-52. https://doi.org/10.1590/S0080-62342011000800019
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; em Dourados-MS, 42,7%2121 Macêdo A, Cerchiari E, Alvarenga M, Faccenda O, Oliveira M. Avaliação Funcional De Idosos Com Déficit Cognitivo. Acta Paul Enferm. 2012;25(3):358-63. https://doi.org/10.1590/S0103-21002012000300007
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; e em Bagé-RS, 34,1%2222 Holz AW, Nunes BP, Thumé E, Lange C Facchini LA. Prevalence of cognitive impairment and associated factors among the elderly in Bagé, Rio Grande do Sul, Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2013;16(4):880-8. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2013000400008
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. A discrepância entre as prevalências do comprometimento cognitivo nos estudos brasileiros pode ser atribuída aos pontos de corte utilizados, ao processo de coleta de dados, assim como à seleção das amostras dos estudos.

A demência é uma das principais causas de incapacidade e dependência entre as pessoas idosas em todo o mundo1616 World Health Organization (WHO). Dementia Fact Sheets. Genebra: WHO; 2019.. Essa doença compromete o tempo de sobrevida dos idosos, como apresentado no estudo prospectivo, realizado em Taiwan, com idosos mais velhos com doença de Alzheimer, recém-diagnosticados, admitidos em um estabelecimento residencial de longa permanência e que observou que o tempo de sobrevida média global foi de 3,5 anos a partir do momento do diagnóstico2323 Chen TB, Weng SC, Chou YY, Lee YS, Liang CK, Lin CS, et al. Predictors of Mortality in the Oldest Old Patients with Newly Diagnosed Alzheimer Disease in a Residential Aged Care Facility. Dement Geriatr Cogn Disord. 2019;48(1-2):93-104. https://doi.org/10.1159/000503059
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.

No presente estudo, a idade avançada foi considerada um fator associado ao comprometimento cognitivo. Lebrão e Laurent2424 Lebrão M, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(2):127-41. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2005000200005
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, durante o estudo SABE, cujo objetivo foi coletar informações sobre as condições de vida dos idosos residentes em áreas urbanas da América Latina e Caribe, identificaram um aumento linear das perdas cognitivas com o avançar da idade. Castro-Costa et al.2525 Castro-Costa E, Dewey M, Uchôa E, Firmo J, Lima-Costa M, Stewart R. Trajectories of cognitive decline over 10 years in a Brazilian elderly population: the Bambuí cohort study of aging. Cad Saúde Pública. 2011;27(Supl. 3):345-50. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011001500004
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, em um estudo de base populacional, identificaram uma maior prevalência de declínio cognitivo mais acelerado nos idosos. A relação entre o avanço da idade e a diminuição dos resultados no MEEM foi encontrada também em outros estudos99 Gondim A, Coelho J, Cavalcanti A, Roriz J, Nogueira C, Peixoto A, et al. Prevalência e fatores associados ao comprometimento cognitivo funcional em idosos residentes na comunidade brasileira. Dement Neuropsychol. 2017;11(1):32-9. https://doi.org/10.1590/1980-57642016dn11-010006
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,2424 Lebrão M, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(2):127-41. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2005000200005
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2626 Nascimento RASA, Batista RTS, Rocha SV, Vasconcelos LRC. Prevalência e fatores associados ao declínio cognitivo em idosos com baixa condição econômica: estudo MONIDI. J Bras Psiquiatr. 2015;64(3):187-92. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000077
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. A idade avançada também esteve associada à demência em idosos chineses1515 Deng J, Cao C, Jiang Y, Peng B, Wang T, Yan K, et al. Prevalence and effect factors of dementia among the community elderly in Chongqing, China. Psychogeriatrics. 2018;18(5):412-20. https://doi.org/10.1111/psyg.12343
https://doi.org/10.1111/psyg.12343...
. Garre-Olmo2727 Garre-Olmo J. Epidemiology of Alzheimer's disease and other dementias. Rev Neurol. 2018;66(11):377-86. ressalta que, diante do envelhecimento progressivo da população e do aumento da expectativa de vida, o número de casos de demência aumentará nas próximas décadas.

Além da idade, outra associação encontrada foi entre baixos níveis educacionais e desempenho cognitivo, resultado que está em concordância com a literatura nacional e internacional2424 Lebrão M, Laurenti R. Saúde, bem-estar e envelhecimento: o estudo SABE no município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(2):127-41. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2005000200005
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200500...
,2626 Nascimento RASA, Batista RTS, Rocha SV, Vasconcelos LRC. Prevalência e fatores associados ao declínio cognitivo em idosos com baixa condição econômica: estudo MONIDI. J Bras Psiquiatr. 2015;64(3):187-92. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000077
https://doi.org/10.1590/0047-20850000000...
,2828 Norton S, Matthews FE, Barnes DE, Yaffe K, Brayne C. Potential for primary prevention of Alzheimer's disease: an analysis of population-based data. Lancet Neurol. 2014;13(8):788-94. https://doi.org/10.1016/s1474-4422(14)70136-x
https://doi.org/10.1016/s1474-4422(14)70...
,2929 Diniz BSO, Volpe FM, Tavares AR. Nível educacional e idade no desempenho no Miniexame do Estado Mental em idosos residentes na comunidade. Rev Psiquiatr Clín. 2007;34(1):13-7. https://doi.org/10.1590/S0101-60832007000100002
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. O efeito da escolaridade sobre o desempenho do MEEM pode ser compreendido analisando-se a estrutura desse instrumento: é uma escala composta por itens que avaliam orientação temporal e espacial, registro de palavras, atenção e cálculo, lembrança de palavras, linguagem e capacidade construtiva visual. Sendo assim, sobretudo o tópico de linguagem, para o qual se exigem leitura, escrita, atenção e cálculo, seria item difícil de ser respondido por pessoas de pouca ou nenhuma escolaridade2929 Diniz BSO, Volpe FM, Tavares AR. Nível educacional e idade no desempenho no Miniexame do Estado Mental em idosos residentes na comunidade. Rev Psiquiatr Clín. 2007;34(1):13-7. https://doi.org/10.1590/S0101-60832007000100002
https://doi.org/10.1590/S0101-6083200700...
.

Segundo Ardila et al.3030 Ardila A, Ostrosky-Solis F, Rosseli GC. Age-related cognitive decline during normal aging: the complex effect of education. Arch Clin Neuropsychol. 2000;15(6):495-513., baixos níveis educacionais comumente se associam a uma maior exposição a condições precárias de vida, como nutrição inadequada e escassa estimulação psicomotora, fatores que prejudicam o desenvolvimento cerebral, refletindo na vida adulta em pior performance cognitiva. Em contrapartida, elevado nível educacional é considerado como fator protetor quanto ao desenvolvimento de quadros demenciais3030 Ardila A, Ostrosky-Solis F, Rosseli GC. Age-related cognitive decline during normal aging: the complex effect of education. Arch Clin Neuropsychol. 2000;15(6):495-513.. Segundo Katzman3131 Katzman R. Education and the prevalence of dementia and Alzheimer's disease. Neurology. 1993;43(1):13-20. https://doi.org/10.1212/wnl.43.1_part_1.13
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, a educação formal aumentaria a intensidade de associação entre diferentes áreas cerebrais e, dessa forma, diminuiria o impacto das agressões ao sistema nervoso central, conferindo uma maior resistência e flexibilidade ao cérebro contra quadros demenciais.

A associação entre viver sem companheiro e comprometimento cognitivo foi observada neste estudo. Resultados semelhantes foram observados entre os idosos na China e nos Estados Unidos1515 Deng J, Cao C, Jiang Y, Peng B, Wang T, Yan K, et al. Prevalence and effect factors of dementia among the community elderly in Chongqing, China. Psychogeriatrics. 2018;18(5):412-20. https://doi.org/10.1111/psyg.12343
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,3232 Liu H, Zhang Y, Burgard SA, Needham BL. Marital status and cognitive impairment in the United States: evidence from the National Health and Aging Trends Study. Ann Epidemiol. 2019;38:28-34.e2. https://doi.org/10.1016/j.annepidem.2019.08.007
https://doi.org/10.1016/j.annepidem.2019...
.

O aumento da prevalência de comprometimento cognitivo entre os idosos com histórico de AVC corrobora resultados de Lopes3333 Lopes M. Estudo epidemiológico de prevalência de demência em Ribeirão Preto. Tese (Doutorado). São Paulo: Universidade Estadual de São Paulo; 2006. e Magalhães et al.3434 Magalhães MOC, Peixoto JMS, Frank MH, Gomes I, Rodrigues BM, Menezes C, et al. Risk factors for dementia in a rural area of Northeastern Brazil. Arq Neuro-Psiquiatr. 2008;66(2a):157-62. https://doi.org/10.1590/S0004-282X2008000200003
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. O AVC pode estar fortemente associado à demência de diferentes maneiras: pode ser a causa principal do quadro demencial ou compartilhar fatores etiológicos em comum. Como causa principal, o AVC está associado à demência de múltiplos infartos ou vascular, que por sua vez se associa ao controle precário de outros riscos cardiovasculares3535 Zhu L, Fratiglioni L, Aguero H, Winblad B, Viitanen M. Association of stroke with dementia cognitive impairment and functional based study in the very old: a population based study. Stroke. 1998;29(10):2094-9. https://doi.org/10.1161/01.str.29.10.2094
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,3636 Flicker L, Almeida OP, Acres J, Le MT, Tuohy RJ, Jamrozik K, et al. Predictors of impaired cognitive function in men over the age of 80 year. Age Ageing. 2005;34(1):77-80. https://doi.org/10.1093/ageing/afh235
https://doi.org/10.1093/ageing/afh235...
.

Assim como em outros estudos3636 Flicker L, Almeida OP, Acres J, Le MT, Tuohy RJ, Jamrozik K, et al. Predictors of impaired cognitive function in men over the age of 80 year. Age Ageing. 2005;34(1):77-80. https://doi.org/10.1093/ageing/afh235
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3838 Andel R, Crowe M, Pedersen NL, Fratiglioni L, Johansson B, Gratz M. Physical exercise at midlife and risk of dementia three decades later: a population-based study of Swedish twins. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2008;63(1):62-6. https://doi.org/10.1093/gerona/63.1.62
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, a prática de atividade física teve efeito protetor sobre a cognição de idosos. Para a doença demência, em artigo de meta-análise, Norton et al.2828 Norton S, Matthews FE, Barnes DE, Yaffe K, Brayne C. Potential for primary prevention of Alzheimer's disease: an analysis of population-based data. Lancet Neurol. 2014;13(8):788-94. https://doi.org/10.1016/s1474-4422(14)70136-x
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apontam uma associação consistente entre essa doença e sedentarismo. Da mesma forma, na avaliação de benefícios da atividade física, Lafortune et al.3939 Lafortune L, Martin S, Kelly S, Kuhn I, Remes O, Cowan A, et al. Behavioural Risk Factors in Mid-Life Associated with Successful Ageing, Disability, Dementia and Frailty in Later Life: A Rapid Systematic Review. PLoS One. 2016;11(2):e0144405. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0144405
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, em artigo de revisão sistemática, encontraram resultados que sugerem que a atividade física possa reduzir o risco de doenças crônicas, incluindo a demência. Alguns autores4040 Suzuki M, Umegaki H, Ieda S, Mogi N, Iguchi A. Factors associated with cognitive impairment in elderly patients with diabetes mellitus. J Am Geriatr Soc. 2006;54(3):558-9. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2006.00643_11.x
https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2006...
,4141 Foroni P, Santos P. Fatores de risco e proteção associados ao declínio cognitivo no envelhecimento: revisão sistemática de literatura. Rev Bras Promoç Saúde. 2012;5(3):364-73. sugerem ainda que esse efeito protetor se daria por meio da redução do risco de problemas vasculares, que tendem a piorar o desempenho cognitivo, culminando na demência.

No que diz respeito ao sexo, apesar de o comprometimento cognitivo ter sido mais frequente no sexo feminino, após análise de regressão, não houve associação significativa, estando em concordância com outras pesquisas3333 Lopes M. Estudo epidemiológico de prevalência de demência em Ribeirão Preto. Tese (Doutorado). São Paulo: Universidade Estadual de São Paulo; 2006.,4242 Lopes MA, Bottino CMC. Prevalência de demência em diversas regiões do mundo: Análise dos estudos epidemiológicos de 1994 a 2000. Arq Neuro-Psiquiatr. 2002;60(1):61-9. https://doi.org/10.1590/S0004-282X2002000100012
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,4343 Nitrini R, Bottino C, Albala C, Custodio N, Ketzoian C, Rodriguez J, et al. Prevalence of dementia in Latin America: a collaborative study of population-based cohorts. Int Psychogeriatr. 2009;21(4):622-30. https://doi.org/10.1017/s1041610209009430
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. Uma possível explicação para esse fato é a maior expectativa de vida do sexo feminino, e não algum fator de risco específico relacionado ao sexo4444 Atalaia-Silva KC, Ribeiro P, Lourenço R. Epidemiologia das demências. Braz J Health Biomed Scien. 2008;7(1):46-51..

Por ser a demência uma prioridade de saúde pública, medidas globais têm sido propostas para o seu enfrentamento. As ações incluem aumentar a conscientização sobre esta condição; estabelecer iniciativas favoráveis à demência; reduzir o seu risco; realizar diagnóstico, tratamento e cuidados para as pessoas com demência e suporte para os seus cuidadores1616 World Health Organization (WHO). Dementia Fact Sheets. Genebra: WHO; 2019.. Reconhece-se ser possível, por meio de estratégias de prevenção primária e secundária, com ênfase nos fatores de risco potencialmente modificáveis para demência, a diminuição do ônus da demência para a saúde pública no futuro2727 Garre-Olmo J. Epidemiology of Alzheimer's disease and other dementias. Rev Neurol. 2018;66(11):377-86.,4545 Crous-Bou M, Minguillón C, Gramunt N, Molinuevo JL. Alzheimer's disease prevention: from risk factors to early intervention. Alzheimers Res Ther. 2017;9(1):71. https://doi.org/10.1186/s13195-017-0297-z
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.

Como limitação do estudo, aponta-se o caráter transversal que impossibilita a avaliação longitudinal das variáveis investigadas, sendo que as associações encontradas não devem ser interpretadas como causa e efeito. O estudo foi conduzido em município de grande porte de Minas Gerais, com uma amostra robusta de idosos, respeitando os critérios metodológicos quanto ao tamanho e seleção dos participantes, e fundamenta-se em tema importante no campo da saúde coletiva.

CONCLUSÕES

Constata-se uma alta prevalência de comprometimento cognitivo entre idosos, em relação à estimativa da Organização Mundial de Saúde. Os fatores associados ao desfecho foram: maior idade, menor escolaridade, não execução de atividade física regular, histórico de AVC e entre os que vivem sem companheiro(a). Sugerem-se novas investigações com caráter longitudinal para verificação desses fatores como risco relacionado ao comprometimento cognitivo.

Os resultados do atual estudo podem subsidiar planejamento de ações na atenção primária à saúde, a partir da constatação de que há fatores associados ao comprometimento cognitivo em idosos que são modificáveis e passíveis de ações preventivas, tais como ampliação do acesso à educação e incorporação de hábitos de vida saudáveis relacionados à atividade física de forma regular. Quanto às ações coletivas, programas de atividade física para idosos devem ser implantados/reforçados na Estratégia de Saúde da Família, com incorporação/manutenção de profissional preparador físico na assistência à saúde para pessoas da terceira idade. Sugere-se, também, que gestores públicos propiciem instalação de equipamentos em praças públicas e criem espaços saudáveis que possam estimular a prática de exercícios físicos, como parques para caminhadas, que conciliam saúde com lazer. Os profissionais de saúde podem, também, estabelecer ações importantes quanto à promoção de saúde a partir da educação, da realização de diagnóstico o mais precoce possível, do tratamento adequado a cada caso e, com oferta de apoio àqueles que assumem cuidar de idosos com comprometimento cognitivo, que muitas vezes não se encontram preparados, técnica e emocionalmente, para tal função.

  • Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG): CDS-APQ-02965-17.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Out 2020
  • Aceito
    07 Ago 2021
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