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A reabilitação da incapacidade para o trabalho na percepção de homens e mulheres trabalhadores: uma metassíntese qualitativa

Rehabilitation of work disability in the perception of working men and women: a qualitative meta-synthesis

Resumo

Introdução:

A incapacidade para o trabalho e o processo de reabilitação são eventos importantes na vida de homens e mulheres trabalhadores que sofrem algum tipo de interrupção da vida laborativa por causa de agravos relacionados ao trabalho. Assim, conhecer como ambos enfrentam essas situações pode trazer luz para as abordagens de reabilitação.

Objetivo:

Sistematizar e sintetizar o que a literatura científica aponta a respeito da reabilitação da incapacidade para o trabalho na percepção de homens e mulheres.

Método:

Buscou-se estudos qualitativos publicados nas bases de dados CINAHL, SCOPUS, PsycINFO e Web of Science, utilizando-se os descritores: qualitative method, work disability, rehabilitation e gender. A análise foi feita com base nos pressupostos de Noblit e Hare para metassíntese.

Resultados:

Os homens valorizam a atuação dos serviços de saúde ocupacional e a incorporação das exigências do trabalho na reabilitação. As mulheres apontaram as atitudes dos profissionais, família e colegas e valorizaram a mudança de local ou tarefa de trabalho e o acreditar na potencialidade delas no processo de reabilitação.

Conclusões:

A presente metassíntese apontou para o valor que homens e mulheres atribuem respectivamente, mas não exclusivamente, à centralidade do trabalho e às redes de apoio social no processo de reabilitação.

Palavras-chave:
revisão sistemática; trabalho; reabilitação; identidade de gênero

Abstract

Background:

Disability to work and the rehabilitation process are important events in the lives of working men and women who suffer some form of interruption in their working life due to work-related illnesses. Thus, knowing how they both cope with these situations can shed light on rehabilitation approaches.

Objective:

Systematize and synthesize what the scientific literature points out about the rehabilitation of incapacity for work in the perception of men and women.

Method:

Qualitative studies published in the CINAHL, SCOPUS, PsycINFO, and Web of Science databases were searched, using the descriptors: qualitative method, work disability, rehabilitation, and gender. The analysis was based on the assumptions of Noblit and Hare for meta-synthesis.

Results:

Men value the performance of occupational health services and the incorporation of work demands in rehabilitation. Women pointed out the attitudes of professionals, family and colleagues and valued the change of place or work task and the belief in their potential in the rehabilitation process.

Conclusions:

The present meta-synthesis pointed to the value that men and women attribute respectively, but not exclusively, to the centrality of work and social support networks in the rehabilitation process.

Keywords:
systematic review; work; rehabilitation; gender identity

INTRODUÇÃO

Vários são os sentidos socialmente atribuídos ao trabalho; quando associado à boa saúde física e mental, ele desempenha, na vida dos trabalhadores, uma posição central e positiva para a construção da identidade individual, dos papéis sociais, do status social etc. Quando ligado aos acidentes, adoecimentos e mortes dos trabalhadores, o mesmo ganha uma conotação negativa que compromete a qualidade de vida, colocando em evidência, dentre outras coisas, a incapacidade, a baixa produtividade e o sofrimento no viver cotidiano11 Waddell G, Burton AK. Is work good for your health and well-being? Londres: The Stationery Office; 2006.33 Ramos MZ, Tittoni J, Nardi HC. A experiência de afastamento do trabalho por adoecimento vivenciada como processo de ruptura ou continuidade nos modos de viver. Cad Psicol Soc Trab. 2008;11(2):209-21..

Tomou-se a incapacidade para o trabalho, aqui, como uma construção social complexa que vai além de uma insuficiência na aptidão necessária para que o trabalhador permaneça ou retorne ao trabalho após uma lesão ou doença44 Secretaria da Saúde do Estado da Bahia. Orientações técnicas para ações de prevenção e manejo da incapacidade para o trabalho no SUS. Bahia: Secretaria da Saúde do Estado da Bahia; 2014. 52 p.,55 Loisel P, Anema JR. Handbook of Work Disability. Nova York: Springer; 2013..

Trabalhadores que estão em processo de reabilitação após acidente ou adoecimento, vivenciam condição singular, visto que estão entre o trabalho e o não trabalho durante todo o período de recuperação, convivem com a incapacidade temporária ou permanente, possuem expectativas sobre como será o seu trabalho e sua vida cotidiana após a recuperação e lidam com a fragmentação dos diferentes sistemas (saúde, trabalho, seguridade social e familiar)11 Waddell G, Burton AK. Is work good for your health and well-being? Londres: The Stationery Office; 2006..

Homens e mulheres lidam de formas diferentes com vários eventos relacionados à saúde, tais como: a busca por serviços de saúde, os cuidados pessoais, a atitude em relação à dor etc.66 Helman CG. Cultura, saúde e doença. Porto Alegre: Artes Médicas; 1994.. Mas ainda é parco o conhecimento sistematizado sobre como homens e mulheres têm percebido e lidado com a incapacidade e com o processo de reabilitação77 Brasil. Ministério da Fazenda. Anuário Estatístico da Previdência Social. Brasília: Ministério da Fazenda; 2017. 909 p.. Por isso, questiona-se: como a literatura científica tem tratado a percepção de homens e mulheres sobre a incapacidade para o trabalho e sua reabilitação?

O objetivo geral deste artigo é sistematizar o que a literatura científica aponta a respeito da reabilitação da incapacidade para o trabalho na percepção de homens e mulheres trabalhadores e, a partir disso, produzir uma síntese interpretativa.

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Trata-se de uma metassíntese qualitativa cuja síntese interpretativa é produzida por meio de um elevado grau de abstração e compreensão88 Noblit GW, Hare RDR. Meta-ethnography: synthesizing qualitative studies. Newbury Park: Sage; 1988.1010 Neves RF, Nunes MO, Magalhães L. As interações entre os atores no retorno ao trabalho após afastamento por transtorno mental: uma metaetnografia. Cad Saúde Pública. 2015;31(11):2275-90. https://doi.org/10.1590/0102-311X00029215
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Processo de busca e critérios de inclusão

A busca dos estudos originais foi realizada no período de dezembro de 2018 até fevereiro de 2019. As bases acessadas foram: CINAHL, SCOPUS, PsycINFO e Web of Science. Utilizou-se os seguintes descritores: qualitative method, work disability, rehabilitation and gender. Esse último adotado na perspectiva biológica e não naquela que trata da construção social, histórica e cultural do gênero.

Os estudos elegíveis para composição dessa pesquisa tiveram como requisito:

  • serem estudos qualitativos;

  • terem sido publicados em texto completo em revista/jornal revisado por pares entre os anos de 2008 a 2019; e

  • abordarem a reabilitação e a incapacidade para o trabalho na percepção de homens e mulheres trabalhadores.

Após busca nas quatro bases, 113 artigos foram recuperados. Com a leitura de título e resumo, 41 artigos foram considerados como potencialmente relevantes para o estudo. Aplicados os critérios de elegibilidade, 14 artigos foram incluídos. A Figura 1 detalha todo o processo. Posteriormente à finalização dos processos de busca e elegibilidade, todos os estudos selecionados foram submetidos a uma avaliação de qualidade por meio do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)1111 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): A 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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. Nessa avaliação, os 14 estudos preenchiam a maioria dos itens da avaliação atestando a qualidade deles (Tabela 1). Dois pesquisadores realizaram as etapas acima e, nos casos de dúvida, um terceiro pesquisador tomava a decisão final.

Figura 1
Processo de busca da literatura, elegibilidade e inclusão dos estudos
Tabela 1
Avaliação do rigor metodológico segundo o Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)

Análise de dados

Para elaboração da síntese, optou-se pela Tradução Recíproca proposta por Noblit e Hare88 Noblit GW, Hare RDR. Meta-ethnography: synthesizing qualitative studies. Newbury Park: Sage; 1988., pois se almejou examinar os estudos buscando as semelhanças existentes entre eles, ou seja, os conceitos semelhantes achados em mais de um documento tiveram seus sentidos comparados e, mediante esse processo, uma nova interpretação dos achados foi gerada.

Três etapas compõem o processo de elaboração da análise dos dados. Na primeira etapa, denominada de primeira ordem (PO), busca-se identificar os conceitos relevantes provenientes dos principais achados dos artigos primários. Na segunda etapa, denominada de interpretação de segunda ordem (SO), é realizada a comparação entre os achados que surgiram em, pelo menos, dois estudos originais. Na terceira etapa, chamada de terceira ordem ou síntese, diferentemente de outros tipos de revisão de literatura, ocorre a reinterpretação dos conceitos de segunda ordem, gerando uma nova interpretação com base em conceitos mais abrangentes, iluminados pelas teorias que os fundamentam88 Noblit GW, Hare RDR. Meta-ethnography: synthesizing qualitative studies. Newbury Park: Sage; 1988.,99 Dantas KO, Neves RF, Ribeiro KSQS, Brito GEG, Batista MC. Repercussões do nascimento e do cuidado de crianças com deficiência múltipla na família: uma metassíntese qualitativa. Cad Saúde Pública. 2019;35(6):e00157918. https://doi.org/10.1590/0102-311X00157918
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RESULTADOS

Conceitos de primeira ordem

A Tabela 2 apresenta as principais características dos artigos originais. Na última coluna dessa tabela encontram-se os conceitos de primeira ordem (PO) de cada estudo. O Quadro 1 retrata a evolução do conceito de PO até a síntese final ou terceira ordem. Já os conceitos de segunda ordem estão descritos abaixo.

Tabela 2
Artigos selecionados e descrição dos conceitos de primeira ordem
Quadro 1
Evolução dos conceitos de primeira, segunda e terceira ordem

Conceitos de segunda ordem

Com base nos doze conceitos de PO identificados, e por meio das convergências encontradas entre conceitos que se assemelhavam, foi possível apresentar quatro conceitos de SO, que serão descritos a seguir.

Lidar com a doença e o tratamento

Os conceitos de PO que levantaram temáticas como as diferenças existentes entre homens e mulheres na procura por cuidados de saúde, a falta de conhecimento dos envolvidos sobre suas enfermidades e a dificuldade que trabalhadores de ambos os sexos encontraram ao lidar com as recomendações dadas pelos profissionais de saúde que lidam com o processo de reabilitação geraram esse conceito de SO.

Conforme descrito por Stergiou-Kita et al.1212 Stergiou-Kita M, Mansfield E, Sokoloff S, Colantonio A. Gender influences on return to work after mild traumatic brain injury. Arch Phys Med Rehabil. 2016;97(2 Supl.):S40-5. https://doi.org/10.1016/j.apmr.2015.04.008
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, as mulheres tendem a ser mais proativas na busca de assistência médica e solicitação de múltiplas opiniões médicas, enquanto os homens relatam estar menos envolvidos na procura de cuidados de saúde. Em contrapartida, Kvam e Vik1313 Kvam L, Vik K. Discourses of participation in work among men and women in vocational rehabilitation. J Occup Sci. 2015;22(3):345-57. https://doi.org/10.1080/14427591.2014.897204
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observaram que há uma apropriação do discurso médico entre os homens, e que esse influencia a futura reintegração ao trabalho deste público.

O parco conhecimento dos trabalhadores a respeito de sua enfermidade e do processo de retorno ao trabalho (RT) surgiu como um obstáculo nos estudos. Participantes de ambos os sexos declararam que os médicos e enfermeiros não lhes forneceram muitas informações sobre suas doenças e sobre o processo de RT, ou seja, era dada ênfase à doença e não aos papéis ocupacionais desempenhados pelo trabalhador. Ressalta-se, ainda, que os participantes cujas informações sobre sua doença e sobre o RT eram substanciais foram capazes de gerenciar o RT com mais sucesso, mesmo enfrentando dificuldades para aplicar as recomendações1414 Zamanzadeh V, Valizadeh L, Rahmani A, Zirak M, Desiron H. Cancer survivors’ experiences of return to work: A qualitative study. 2018;27(10):2398-404. https://doi.org/10.1002/pon.4840
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,1515 Maillette P, Coutu M, Gaudreault N. Worker's perspectives on return to work after total knee arthroplasty. Ann Phys Rehabil Med. 2017;60(5):299-305. https://doi.org/10.1016/j.rehab.2017.01.004
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Apesar de reconhecer a importância do encorajamento médico no que tange às dúvidas e aos medos quanto à tomada de decisão de se manter no trabalho e de se ajustar emocionalmente ao local de trabalho, pairava, ainda, sobre homens e mulheres, a percepção de que era insuficiente o engajamento dos profissionais da reabilitação e que as recomendações para restrições médicas às vezes eram feitas com uma compreensão inadequada de seu trabalho1616 O’Hagan FT, Coutu MF, Thomas SG, Mertens DJ. Work reintegration and cardiovascular disease: Medical and rehabilitation influences. J Occup Rehabil. 2012;22(2):270-81. https://doi.org/10.1007/s10926-011-9345-x
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,1717 Lindbäck C, Nordgren L. To be on sick-leave due to heart failure: a qualitative perspective. Disabil Rehabil. 2015;37(19):1732-38. https://doi.org/10.3109/09638288.2014.974835
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.

Importância do apoio de atores diversos no processo de reabilitação

Esse tópico foi composto pelos seguintes conceitos de PO: importância do apoio ofertado em ambientes diversos, fatores positivos para a reabilitação e fatores negativos para a reabilitação.

Ahrberg et al.1818 Ahrberg Y, Landstad BJ, Bergroth A, Ekholm J. Desire, longing and vanity: Emotions behind successful return to work for women on long-term sick leave. Work. 2010;37(2):167-77. https://doi.org/10.3233/wor-2010-1067
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afirmaram que mulheres que se sentiram apoiadas pelos profissionais do sistema de saúde e da previdência social — quando estes não duvidavam da sua história de adoecimento, se interessavam pelo seu problema e as ouviam atentamente — conseguiram lidar de modo mais positivo com o processo de RT. Entretanto, o mesmo estudo destaca a existência de experiências anteriores de encontros com peritos da seguridade social que produziram o efeito oposto, gerando, dentre outras coisas, desmotivação para a voltar ao trabalho. Na experiência de ambos os sexos, a relação com profissionais que ouviam sem pressa, apoiavam sempre e agiam com simpatia foi percebida como positiva e sinérgica para a reabilitação1919 Müssener U, Stahl C, Söderberg E. Does the quality of encounters affect return to work? Lay people describe their experiences of meeting various professionals during their rehabilitation process. Work. 2015;52(2):447-55. https://doi.org/10.3233/wor-152121
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.

No trabalho desenvolvido por O’Hagan et al.1616 O’Hagan FT, Coutu MF, Thomas SG, Mertens DJ. Work reintegration and cardiovascular disease: Medical and rehabilitation influences. J Occup Rehabil. 2012;22(2):270-81. https://doi.org/10.1007/s10926-011-9345-x
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, o apoio dos profissionais dos serviços de saúde ocupacional no próprio local de trabalho foi identificado como fundamental para o processo de RT, pois os profissionais da saúde ocupacional forneceram uma ponte entre as recomendações dadas para o RT por profissionais médicos externos e as realidades do trabalho na fábrica.

De acordo com o estudo de Maillette et al.1515 Maillette P, Coutu M, Gaudreault N. Worker's perspectives on return to work after total knee arthroplasty. Ann Phys Rehabil Med. 2017;60(5):299-305. https://doi.org/10.1016/j.rehab.2017.01.004
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, para trabalhadores e trabalhadoras que foram submetidos a procedimento de artroplastia de joelho e retornaram ao trabalho encaminhados pelos profissionais que os assistiram, o apoio nesse processo foi considerado relevante para o bom êxito do RT.. Por outro lado, nesse mesmo estudo, entre os trabalhadores e trabalhadoras que não voltaram ao trabalho, houve uma percepção de pouco apoio dos atores envolvidos na sua reabilitação. Dentre os problemas destacados para o não retorno ao trabalho estão à brevidade das consultas com o cirurgião ortopédico e sentimento de não serem ouvidos1515 Maillette P, Coutu M, Gaudreault N. Worker's perspectives on return to work after total knee arthroplasty. Ann Phys Rehabil Med. 2017;60(5):299-305. https://doi.org/10.1016/j.rehab.2017.01.004
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A família e os parentes, assim como os profissionais de reabilitação, também foram percebidos como apoiadores, pois assumiam responsabilidades, apoiavam e defendiam o trabalhador afastado1717 Lindbäck C, Nordgren L. To be on sick-leave due to heart failure: a qualitative perspective. Disabil Rehabil. 2015;37(19):1732-38. https://doi.org/10.3109/09638288.2014.974835
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. Entretanto, o estudo de Ahrberg et al.1818 Ahrberg Y, Landstad BJ, Bergroth A, Ekholm J. Desire, longing and vanity: Emotions behind successful return to work for women on long-term sick leave. Work. 2010;37(2):167-77. https://doi.org/10.3233/wor-2010-1067
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apontou que, no caso das mulheres, não se deve pressupor que a presença do parceiro, da família e de uma extensa rede sejam sinais de influência positiva para a reabilitação, contudo os autores desse estudo não apontam explicações claras para isso.

Outro aspecto destacado foi a relevância dos familiares, parentes e profissionais dos centros de saúde que ajudavam na tomada de decisões ou até mesmo assumiam essa tarefa pelas trabalhadoras doentes, quando essas não reuniam condições cognitivas para entender alguma situação ou quando não tinham vigor suficiente para agir. As mulheres expressaram que apreciavam, por exemplo, quando um profissional de saúde ou um gerente no local de trabalho recomendavam que ela parasse o trabalho e voltasse para casa. Os parentes também eram valorizados, pelos trabalhadores em reabilitação, no acompanhamento em reuniões com médicos ou em contatos com o profissional do seguro social. Essa valoração se deve ao fato dessas pessoas ajudarem a mulher a lembrar o que foi dito e a explicar os sintomas ou descreverem a situação2020 Mårtensson L, Hensing G. Experiences of factors contributing to women's ability to make informed decisions about the process of rehabilitation and return to work: A focus group study. Work. 2012;43(2):237-48. https://doi.org/10.3233/wor-2012-1397
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Anseios e motivações para a reabilitação

A capacidade de estabelecer metas e o anseio por retornar ao trabalho foram os conceitos de PO que colocaram em relevo este aspecto.

No estudo de Ahrberg et al.1818 Ahrberg Y, Landstad BJ, Bergroth A, Ekholm J. Desire, longing and vanity: Emotions behind successful return to work for women on long-term sick leave. Work. 2010;37(2):167-77. https://doi.org/10.3233/wor-2010-1067
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foram identificadas características pessoais nas mulheres, como teimosia, motivação, o anseio pelo RT e a capacidade de criar metas, que serviram como forças motrizes durante o processo de reabilitação. Os autores do estudo criticam a pouca importância dada a essas características no atual contexto da reabilitação profissional (RP).

Matérne et al.2121 Matérne M, Lundqvist LO, Strandberg T. Opportunities and barriers for successful return to work after acquired brain injury: A patient perspective. Work. 2017;56(1):125-34. https://doi.org/10.3233/wor-162468
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destacaram que a criação de metas para o RT em tempo integral foi realçada por homens e mulheres como importante. Isso se baseava no pensamento de que caso tivessem sucesso no trabalho, tudo na vida voltaria ao normal, do jeito que era antes da lesão. Essa foi uma força motriz que aumentou a confiança dos trabalhadores participantes durante o processo de reabilitação.

Para Ahlstrom et al.2222 Ahlstrom L, Dellve L, Hagberg M, Ahlberg K. Women with Neck Pain on Long-Term Sick Leave—Approaches Used in the Return to Work Process: A Qualitative Study. J Occup Rehabil. 2017;27(1):92-105. https://doi.org/10.1007%2Fs10926-016-9636-3
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, é possível que existam mais obstáculos durante o processo de reabilitação, quando o indivíduo não tem claro quais são seus desejos e metas nesse processo, e as partes interessadas (chefes, profissionais de saúde etc.) estão incertas sobre o seu curso. Nesse estudo2222 Ahlstrom L, Dellve L, Hagberg M, Ahlberg K. Women with Neck Pain on Long-Term Sick Leave—Approaches Used in the Return to Work Process: A Qualitative Study. J Occup Rehabil. 2017;27(1):92-105. https://doi.org/10.1007%2Fs10926-016-9636-3
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, conclui-se que os pontos de partida para o bom êxito do processo de reabilitação são:

  • levar em consideração a história pregressa de vida e trabalho do indivíduo; e

  • incluir suas motivações e visões sobre o trabalho no processo de reabilitação e RT.

Trabalho como elemento no processo de reabilitação

Esse conceito foi composto pelos conceitos de PO: recomendações dadas pelos profissionais de saúde e outros ligados ao RT, as informações dadas aos trabalhadores sobre os processos vivenciados na reabilitação e a necessidade da inclusão de elementos reais do trabalho no processo de reabilitação.

Por um lado, os trabalhadores homens do estudo de O’Hagan et al.1616 O’Hagan FT, Coutu MF, Thomas SG, Mertens DJ. Work reintegration and cardiovascular disease: Medical and rehabilitation influences. J Occup Rehabil. 2012;22(2):270-81. https://doi.org/10.1007/s10926-011-9345-x
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consideraram que a reabilitação cardíaca na qual estavam inseridos teve modesta influência na reintegração ao trabalho, visto que a falta de relação entre as características e exigências reais do trabalho e a intensidade dos exercícios empregados na reabilitação foram os responsáveis pela redução da efetividade da reabilitação. Por outro lado, os participantes cujas atividades de trabalho tornaram-se parte do seu processo de reabilitação tiveram mais sucesso ao se reintegrarem ao trabalho do que aqueles cujo tratamento foi menos específico.

No estudo de Ahlstrom et al.2222 Ahlstrom L, Dellve L, Hagberg M, Ahlberg K. Women with Neck Pain on Long-Term Sick Leave—Approaches Used in the Return to Work Process: A Qualitative Study. J Occup Rehabil. 2017;27(1):92-105. https://doi.org/10.1007%2Fs10926-016-9636-3
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, as mulheres revelaram que o foco do seu processo de reabilitação foi colocado em suas limitações e no que não podiam fazer; seus empregadores estavam se concentrando em excluir as tarefas de trabalho em vez de trabalhar para descobrir possibilidades de como executá-las. Para as mulheres do estudo de Ahrberg et al.1818 Ahrberg Y, Landstad BJ, Bergroth A, Ekholm J. Desire, longing and vanity: Emotions behind successful return to work for women on long-term sick leave. Work. 2010;37(2):167-77. https://doi.org/10.3233/wor-2010-1067
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, a possibilidade de treinar uma nova função e/ou testar um novo posto de trabalho foi considerada importante no processo de reabilitação e RT. A realização desse treinamento para o trabalho visa identificar quando a função desempenhada pode não ser mais apropriada para a trabalhadora. Para algumas mulheres, reconhecer que não foram capazes de vencer as exigências da posição anterior de trabalho teve um aspecto positivo, trazendo para elas a sensação pessoal de terem sido reabilitadas, pois consideram que o processo de reabilitação envolve também reconher e aceitar esses limites1818 Ahrberg Y, Landstad BJ, Bergroth A, Ekholm J. Desire, longing and vanity: Emotions behind successful return to work for women on long-term sick leave. Work. 2010;37(2):167-77. https://doi.org/10.3233/wor-2010-1067
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DISCUSSÃO

Os conceitos de segunda ordem fundamentaram um processo reinterpretativo que gerou duas sínteses: a centralidade do trabalho no processo de reabilitação e a importância das redes de apoio social para a reabilitação, as quais são novas interpretações, ou seja, nelas estão as inferências possíveis sobre o assunto com base nos achados secundários.

A centralidade do trabalho no processo de reabilitação

Os artigos analisados no estudo em tela evidenciaram que as expectativas de retornar ao trabalho ocupam um lugar central no processo de reabilitação. Os conceitos de SO “anseios e motivações para a reabilitação” e “o trabalho como elemento no processo de reabilitação” remeteram à teoria de centralidade do trabalho, uma vez que o trabalho surgiu como um fator tanto motivacional, quanto direcionador do processo de reabilitação.

Nos artigos estudados nessa metassíntese, não foram explorados a fundo os motivos pelos quais o trabalho era valorizado pelos trabalhadores, nem o que estava por trás do anseio pelo RT. No entanto, o modo como o trabalho entra no processo de reabilitação nos estudos abordados faz crer que essa é uma temática cuja problematização é necessária na reabilitação e no RT de trabalhadores.

Os sentidos e significados do trabalho foram pesquisados por diferentes autores, com base em diversas vertentes epistemológicas2323 Tolfo S da R, Piccinini V. Sentidos e significados do trabalho: explorando conceitos, variáveis e estudos empíricos brasileiros. Psicol Soc. 2007;19(N. Esp.):38-46. https://doi.org/10.1590/S0102-71822007000400007
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. Adotou-se, aqui, a perspectiva do grupo Meaning of Work (MOW), que definiu a centralidade do trabalho como a importância que um indivíduo atribui a ele em um determinado momento ou ainda a certeza do valor desempenhado pelo mesmo em sua vida2424 Kubo SH, Gouvêa MA. Análise de fatores associados ao significado do trabalho. Rev Adm. 2012;47(4):540-54. https://doi.org/10.5700/rausp1057
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Concordamos com Silva e Tolfo2525 Silva N, Tolfo S R. Trabalho Significativo e Felicidade Humana: Explorando Aproximações. Rev Psicol Organ Trab. 2012;12(3):341-54. que os estudos do grupo MOW têm as contribuições mais extensas para a compreensão desse fenômeno em nível mundial, pois foram capazes de detectar que os significados do trabalho são constituídos pelo significado individual, coletivo e social; pela utilidade do trabalho para a empresa/organização; pela autorrealização e satisfação gerada pela execução do trabalho; pelo sentimento de desenvolvimento e evolução pessoal e profissional; e pela liberdade e autonomia existente para a realização do trabalho.

Os frutos das pesquisas do grupo MOW resultaram em uma outra teoria que se aproxima dessa temática, denominada resultados valorizados do trabalho, na qual são englobadas as finalidades das atividades para a pessoa e os motivos que a levam a trabalhar. Os resultados abrangem o conjunto de produtos básicos que os indivíduos buscam no trabalho, as funções desenvolvidas pelos trabalhadores e as necessidades possivelmente satisfeitas pelo trabalho, incluindo obter prestígio e retorno financeiro, manter-se ativo, estabelecer contatos sociais e relações interpessoais, além da contribuição para a autorrealização2525 Silva N, Tolfo S R. Trabalho Significativo e Felicidade Humana: Explorando Aproximações. Rev Psicol Organ Trab. 2012;12(3):341-54..

A centralidade do trabalho é um aspecto importante na organização dos modos de viver e, por isso, estar afastado dele desestabiliza os trabalhadores, gerando sofrimento. No entanto, esse rompimento poderia não apenas desestabilizar, como também produzir alternativas e modos de trabalhar diferenciados, até mesmo mais vantajosos2626 Ramos MZ, Tittoni J, Nardi HC. A experiência de afastamento do trabalho por adoecimento vivenciada como processo de ruptura ou continuidade nos modos de viver. Cad Psicol Soc Trab. 2008;11(2):209-21.. Ressalta-se, ainda, que o retorno à mesma realidade de trabalho ou mudanças de função sem a realização de um processo de readaptação podem causar piora no adoecimento e nas condições de afastamentos2727 Toldrá RC, Daldon MTB, Santos M da C dos, Lancman S. Facilitadores e barreiras para o retorno ao trabalho: a experiência de trabalhadores atendidos em um centro de referência em saúde do trabalhador - SP, Brasil. Rev Bras Saúde Ocup. 2012;35(121):10-22. https://doi.org/10.1590/S0303-76572010000100003
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.

Homens e mulheres destacaram uma relação entre a efetividade da reabilitação e o envolvimento com o trabalho1616 O’Hagan FT, Coutu MF, Thomas SG, Mertens DJ. Work reintegration and cardiovascular disease: Medical and rehabilitation influences. J Occup Rehabil. 2012;22(2):270-81. https://doi.org/10.1007/s10926-011-9345-x
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,1818 Ahrberg Y, Landstad BJ, Bergroth A, Ekholm J. Desire, longing and vanity: Emotions behind successful return to work for women on long-term sick leave. Work. 2010;37(2):167-77. https://doi.org/10.3233/wor-2010-1067
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. Porém, para Cestari e Carlotto2828 Cestari E, Carlotto MS. Reabilitação profissional: o que pensa o trabalhador sobre sua reinserção. Estud Pesqui Psicol. 2012;12(1):93-115., é clara a falta de articulação entre instituições e agentes da RP e das empresas. Como consequência, a RP centra-se apenas na capacidade do trabalhador de voltar para o mesmo posto de trabalho ou de adaptar-se a um outro. Nesses termos, o RT se dá sem negociação mais ampliada, tendo a capacidade física como principal elemento definidor do retorno, resultando em angústia e insegurança para voltar ao trabalho2828 Cestari E, Carlotto MS. Reabilitação profissional: o que pensa o trabalhador sobre sua reinserção. Estud Pesqui Psicol. 2012;12(1):93-115.. Esse formato de RP afasta os trabalhadores de outras possibilidades de reabilitação profissional, como a reinserção no mercado de trabalho em outra profissão/ocupação66 Helman CG. Cultura, saúde e doença. Porto Alegre: Artes Médicas; 1994.. Para isso, é fundamental que os agentes ligados à reabilitação e ao retorno ao trabalho estejam sensíveis e invistam na formação educacional e vocacional como estratégias para reabilitar trabalhadores.

Importância das redes de apoio social para a reabilitação

Essa síntese foi elaborada a partir dos conceitos de SO: lidar com a doença e o tratamento e importância do apoio de atores diversos no processo de reabilitação. Os estudos contidos nesses conceitos evidenciaram aproximações e distanciamentos dos agentes ligados à RP e ao RT das realidades vivenciadas pelos trabalhadores em reabilitação. Com base nisso, será abordada nessa síntese a temática das redes de apoio social e sua relação com as questões de saúde e incapacidade.

É possível afirmar que a qualidade da rede de apoio social e a da saúde estão fortemente correlacionadas, pois a estabilidade na rede de apoio social serve como proteção contra o surgimento de doenças, colaborando, assim, para uma melhor qualidade de vida e da saúde2929 Fonseca ISS, Moura, SB. Apoio social, saúde e trabalho: uma breve revisão. Psicol Am Lat. 2008;(15)..

A função e as características assumidas pelas redes de apoio diferem mediante os contextos no qual estão inseridas. Isso significa que elas são moldadas conforme o problema envolvido e o tipo de resposta que se faz necessária3030 Portugal S. Quem tem amigos tem saúde: O papel das redes sociais no acesso aos cuidados de saúde. In: Família, Redes Sociais e Saúde; 2005. 23 p.. Suas influências positivas na saúde, principalmente nos casos mais duradouros, podem ser compreendidas pela constatação de que a convivência entre as pessoas favorece comportamentos de acompanhamento da saúde. Em uma situação de enfermidade, a disponibilidade do apoio social contribui para o sucesso do tratamento por meio de um aumento na autoestima e vontade de viver do paciente3131 Andrade GRB, Vaitsman J. Apoio social e redes: conectando solidariedade e saúde Social. Ciên Saúde Colet. 2002;7(4):925-34. https://doi.org/10.1590/S1413-81232002000400023
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.

Um obstáculo percebido, a partir da análise dos conceitos no estudo em tela, foi a falta de esclarecimento aos trabalhadores acerca de sua enfermidade relatada nos estudos. Andrade e Vaitsman3131 Andrade GRB, Vaitsman J. Apoio social e redes: conectando solidariedade e saúde Social. Ciên Saúde Colet. 2002;7(4):925-34. https://doi.org/10.1590/S1413-81232002000400023
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afirmaram que informar as pessoas sobre seus problemas de saúde pode ter como consequência o envolvimento proativo nos problemas que as afligem, possibilitando o avanço na qualidade dos serviços prestados e nas ações de saúde, sobretudo àquelas relacionadas a outras arenas de cuidado como família, amigos, colegas de trabalho, dentre outros que compõem a rede de apoio social do trabalhador.

Ao desconsiderar a perspectiva de rede, há um comprometimento não só da qualidade da assistência à saúde, como também de sua eficiência e efetividade. Isso ocorre pela incompreensão acerca das situações de agravamento e possibilidades de cuidado à saúde ligadas à reabilitação no âmbito pessoal, grupal e familiar1515 Maillette P, Coutu M, Gaudreault N. Worker's perspectives on return to work after total knee arthroplasty. Ann Phys Rehabil Med. 2017;60(5):299-305. https://doi.org/10.1016/j.rehab.2017.01.004
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,3232 Holanda CMA, Andrade FLJP, Bezerra MA, Nascimento JPS, Neves RF, Alves SB, et al. Support networks and people with physical disabilities: Social inclusion and access to health services. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(1):175084. https://doi.org/10.1590/1413-81232014201.19012013
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. Quando há integração entre as redes de apoio social no entorno da reabilitação, as ações de saúde são intensificadas, e obstáculos no processo podem ser superados pela atuação de membros das redes. Esses elementos realçam a importância de discentralizar as ações de reabilitação3333 Ribeiro KSQS. A Relevância das Redes de Apoio Social no Processo de Reabilitação. Rev Bras Ciências da Saúde [Internet]. 2009 [acessado em 14 dez. 2019];13(2):69-78. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/rbcs/article/view/3662
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Os achados apontaram que homens e mulheres trabalhadores apreciavam quando familiares os apoiavam, seja tomando decisões conjuntas ou assumindo a responsabilidade pela tomada de decisão quando eles não reuniam condições suficientes para exercê-las por conta dos efeitos do adoecimento ou do tratamento1717 Lindbäck C, Nordgren L. To be on sick-leave due to heart failure: a qualitative perspective. Disabil Rehabil. 2015;37(19):1732-38. https://doi.org/10.3109/09638288.2014.974835
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,2020 Mårtensson L, Hensing G. Experiences of factors contributing to women's ability to make informed decisions about the process of rehabilitation and return to work: A focus group study. Work. 2012;43(2):237-48. https://doi.org/10.3233/wor-2012-1397
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. Para que isso se torne possível, a família deve ser integrada ao tratamento, recebendo, além do suporte para aprender a cuidar do paciente, o auxílio necessário para que consiga enfrentar, compreender e compartilhar a situação de doença e/ou deficiência, com autonomia para lidar com problemas, conflitos, medos e aumento de responsabilidades3434 Mancussi e Faro AC. Uma proposta de levantamento de dados para assistência à família e ao cuidador de lesados medulares. Rev Esc Enferm USP. 1999;33(4):334-41. https://doi.org/10.1590/S0080-62341999000400002
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. Os conflitos nas relações entre os profissionais de saúde e as famílias são capazes de influenciar negativamente o andamento da reabilitação, provocando rupturas no processo que podem inviabilizá-lo3535 Canesqui AM, Barsaglini RA. Apoio social e saúde: pontos de vista das ciências sociais e humanas. Ciên Saúde Colet. 2012;17(5):1103-14. https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000500002
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.

Os resultados encontrados nessa metassíntese mostram ser equivocado pressupor que uma extensa rede familiar, invariavelmente, vá influenciar positivamente na reabilitação1818 Ahrberg Y, Landstad BJ, Bergroth A, Ekholm J. Desire, longing and vanity: Emotions behind successful return to work for women on long-term sick leave. Work. 2010;37(2):167-77. https://doi.org/10.3233/wor-2010-1067
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, assim como uma rede pequena não está necessariamente ligada à insuficiência de apoio. O apoio ofertado pela rede está mais ligado ao envolvimento dela no processo do que na sua extensão, como destacado por Ribeiro3333 Ribeiro KSQS. A Relevância das Redes de Apoio Social no Processo de Reabilitação. Rev Bras Ciências da Saúde [Internet]. 2009 [acessado em 14 dez. 2019];13(2):69-78. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/rbcs/article/view/3662
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ao acompanhar famílias de pessoas com deficiências e a consistência de suas redes de apoio.

Trabalhadores de ambos os sexos referiram o importante papel desempenhado pelos profissionais de saúde. A importância da função exercida por eles está vinculada à troca de informações, que tem como objetivo tornar o trabalhador mais consciente de seus problemas e dos obstáculos encontrados no seu local de trabalho, garantindo, assim, que essas questões possam ser solucionadas antes de retornar ao trabalho. Para efetivação desse empoderamento, os achados apontaram para o uso de abordagens cognitivas baseadas em estratégias de enfrentamento como: a adoção de comportamentos úteis para evitar conflitos, estabelecer limites adequados à sua condição e, por fim, treinar habilidades e competências que possam ser transferíveis para o local de trabalho3636 Andersen MF, Nielsen KM, Brinkmann S. Meta-synthesis of qualitative research on return to work among employees with common mental disorders. Scand J Work Environ Health. 2012;38(2):93-104. https://doi.org/10.5271/sjweh.3257
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. O estudo de Zamanzadeh et al.1414 Zamanzadeh V, Valizadeh L, Rahmani A, Zirak M, Desiron H. Cancer survivors’ experiences of return to work: A qualitative study. 2018;27(10):2398-404. https://doi.org/10.1002/pon.4840
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alerta para o fato de que não adotar medidas de enfrentamento no local de trabalho pode traduzir-se em empecilho para o bom andamento do processo de reabilitação e RT.

Outro fator importante foi a percepção de que múltiplos contatos com profissionais de saúde que oferecem diagnósticos, prognósticos e recomendações diferentes atrapalham ainda mais a compreensão do problema e a visualização do que seria importante para a sua recuperação3737 O’Hagan FT, Coutu MF, Baril R. A case of mistaken identity? the role of injury representations in chronic musculoskeletal pain. Disabil Rehabil. 2013;35(18):1552-63. https://doi.org/10.3109/09638288.2012.748835
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.

A rede de apoio dos trabalhadores sofre mudanças específicas durante o curso da incapacidade, visto que, no momento de crise, ela passa por uma ampliação, mas com o passar do tempo, ela tende a reduzir. O primeiro distanciamento ocorre nas relações de estudo e trabalho, as quais pressupõe-se que, nesses casos, as ligações existentes são fracas; já aquelas estabelecidas com grupo de amigos e vizinhos são consideradas ligações mais fortes pelo contato mais intenso, que gera apoio mais duradouro e proporciona uma experiência de interação social mais rica3333 Ribeiro KSQS. A Relevância das Redes de Apoio Social no Processo de Reabilitação. Rev Bras Ciências da Saúde [Internet]. 2009 [acessado em 14 dez. 2019];13(2):69-78. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/rbcs/article/view/3662
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,3838 Lorenzo AP, Neves RF, Ribeiro KSQS. Análise da Rede de Apoio Social na Saúde do Trabalhador. Rev Bras Ciên Saúde. 2011;15(2):153-66.. Esses aspectos apontam para a necessidade de desenvolver estratégias que alimentem os vínculos entre os membros de redes com ligações mais fortes.

Percebe-se então que, além dos familiares, é de suma importância a participação dos profissionais de saúde na rede de apoio social dos trabalhadores, visto que a integração pacientes-profissionais-familiares aumenta a relação de confiança e conhecimento da realidade do paciente, resultando em uma maior efetividade do tratamento.

CONCLUSÃO

Na metassíntese em tela, infere-se que, para homens e mulheres:

  • a centralidade do trabalho está presente nos processos de reabilitação e RT e, para além da percepção hegemônica de que o trabalho é um elemento estressor nesses processos, os resultados apontaram para sua função motivacional e para a importância de se investir em estratégias de aproximação do processo de reabilitação e RT das condições reais e futuras que o trabalhador encontrará no seu local de trabalho; e

  • as redes de apoio social são identificadas como necessárias na reabilitação da incapacidade e RT, mas ainda são parcamente acionadas de forma propositiva nesses processos. Por isso, advoga-se aqui pelo fortalecimento e encorajamento da utilização das redes de apoio social nas intervenções reabilitadoras, ressaltando seus aspectos valorativos na recuperação da saúde, no RT e na retomada da vida cotidiana.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2020
  • Aceito
    19 Jul 2021
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