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Serviço Social, história e desafios

EDITORIAL

Serviço Social, história e desafios

Esta edição da Revista Katalysis nos coloca diante do Serviço Social como profissão e área de conhecimento, em seu movimento histórico e teórico, em diferentes cenários e tendências. Contextos que desafiam e apresentam para a profissão uma nova, extensa e inquietante agenda.

Partimos do pressuposto que a Questão Social, em sua gênese e desenvolvimento, tem posição nuclear como objeto da intervenção profissional e também de estudos e pesquisas desenvolvidos pelos assistentes sociais em sua função intelectual, para a construção de conhecimentos na área do Serviço Social e das políticas sociais. Essas duas dimensões compõem o âmbito do Serviço Social e da política social enquanto campo material do exercício da profissão.

As novas configurações da questão social, com a complexidade que adquiriu no mundo contemporâneo, ampliam os desafios para abordá-la e desvendá-la, como bem revelam os aspectos temáticos aqui aprofundados. É fundamental lembrar que a questão social é referência para entender o desenvolvimento das políticas sociais. Questão que, apesar de redefinições no contexto da crise contemporânea e dos impactos que a alcançam nos novos processos de acumulação, permanece a mesma em sua essência, por se tratar de uma questão estrutural que não se resolve em uma formação econômico-social por natureza excludente.

O contexto de crise e mudanças que caracteriza os anos recentes interpela o Serviço Social especialmente sob dois aspectos: das novas manifestações e expressões da questão social, resultantes das transformações estruturais do capitalismo, aos processos de redefinição dos sistemas de proteção social e da política social em geral que emergem nesse contexto. Novas conexões com o mundo globalizado redesenham os espaços e territórios urbanos (e rurais) configurando um novo cenário com suas múltiplas recomposições em termos de trabalho, ilegalidades, pobreza e desemprego.

Estamos diante de uma realidade complexa, ambivalente e contraditória na qual, mais uma vez na história, está colocada a "disputa pelos sentidos da sociedade". E, entre as disputas centrais a serem travadas nos próximos anos, está a disputa pelo lugar do social na construção da nação. Os rumos e a politização desse debate é que permitirão que as políticas sociais e em seu bojo, a profissão, coloquem-se (ou não) na perspectiva de forjar formas de resistência e defesa da cidadania dos subalternos, ou apenas reiterar práticas conservadoras e assistencialistas. Os riscos que enfrentamos nessa disputa são no sentido de que as ações sociais, particularmente destinadas aos mais pobres, permaneçam no plano do assistencialismo e do dever moral e humanitário, e não se direcionem em uma perspectiva emancipatória, pela mediação da construção de direitos. Até o momento, as propostas de políticas sociais no país não rompem com a ótica seletiva, emergencial, e com o desenvolvimento de ações de caráter paliativo.

São novas e velhas questões com as quais os assistentes sociais convivem cotidianamente como: a exploração e expropriação do trabalho, sua precarização e intensificação; a violência contra mulheres, crianças, adolescentes, idosos; as discriminações por questões de genêro e etnia; a moradia na rua ou em habitações precárias e insalubres; as crianças e os adolescentes sem proteção; os doentes mentais; a droga; a AIDS; as dificuldades dos portadores de necessidades especiais; o envelhecimento sem recursos; a fome e a alimentação insuficiente e outras tantas questões e temáticas relacionadas à questão social, à desigualdade e à pobreza com suas múltiplas destituições.

Como tantas vezes afirmamos, é inserido neste contexto, desafiado pelas mudanças em andamento, convivendo cotidianamente com a violência da desigualdade e da pobreza, que o assistente social brasileiro trava o embate a que se propõe: o de avançar em seu projeto ético-político na direção de uma sociabilidade mais justa, mais igualitária. Sem dúvida, temos grandes desafios pela frente e apesar de sabermos que escapa às políticas sociais, às suas capacidades, desenhos e objetivos reverter questões estruturais e níveis tão elevados de desigualdade, como os encontrados no mundo atual, sabemos também que as políticas sociais respondem a necessidades e direitos concretos de seus usuários e muitas vezes fazem a diferença para uma sobrevivência digna.

Nesse processo, as atividades profissionais constituem-se em mediações técnico-políticas e, necessariamente, redefinem-se a partir de condições concretas. E, na medida em que novas situações colocam novos desafios e exigências, a profissão deve buscar redefinir seus procedimentos e estratégias de ação, adequando-se às novas demandas e redefinições do mercado de trabalho e da conjuntura social. Este movimento da profissão não se faz sem referentes, mas segue uma direção social apoiada na força de um projeto profissional construído coletivamente.

Esta perspectiva envolve o compromisso ético-profissional com as lutas sociais das classes subalternas e a conquista e fruição de direitos (existentes e novos) de equidade e igualdade no enfrentamento das desigualdades sociais, econômicas e políticas.

As questões abordadas nos artigos que compõem este número da Revista Katálysis mostram-nos mais uma vez uma profissão que, particularmente pela mediação das políticas sociais, interfere nos processos relacionados com a reprodução social da vida. Esses processos desenvolvem-se numa trama permeada por relações de classe, gênero, etnia, aspirações sociais, políticas, éticas, culturais, além de componentes de ordem afetiva e emocional. O trabalho do assistente social interfere nas condições materiais, sociais e culturais da vida de seus usuários, em seu acesso e usufruto de políticas sociais, programas, serviços, recursos e bens, em seus comportamentos, valores, seu modo de viver e de pensar, suas formas de luta e organização, suas práticas de "resistência" e em sua constituição como sujeitos políticos na trama das relações sociais. O trabalho do assistente social pode colaborar na construção de hegemonia ou de contra-hegemonia e, sobretudo, pode politizar relações despolitizadas.

O assistente social intervém nas relações sociais que fazem parte do cotidiano da população com a qual trabalha. A intervenção do profissional se dá tanto pela oferta de bens, recursos e serviços como pelo exercício de uma ação política, socioeducativa. Esta ação socioeducativa do assistente social, tanto pode assumir características disciplinadoras voltadas ao enquadramento "suave" da população usuária de seus serviços em sua inserção institucional e na vida social, como pode voltar-se para uma perspectiva emancipatória.

Cabe lembrar ainda que o trabalho do assistente social é demandado em diversos contextos organizacionais públicos e privados, assim como são diversificadas as temáticas com as quais o assistente social trabalha e que variam de acordo com o lugar que o profissional ocupa no mercado de trabalho.

O Serviço Social, seu exercício e seu processo de produzir conhecimento, não tem outro caminho senão privilegiar tanto a análise das novas expressões da questão social e das lutas sociais e formas de organização coletiva para a construção de uma nova ordem societária, como também, as respostas do Estado, da sociedade e da profissão no âmbito das políticas sociais e no da esfera pública, para fazer frente às necessidades e aos direitos sociais da maioria da população.

Inúmeros desafios interpelam o assistente social brasileiro no árduo movimento de interferir nesse processo, seja no âmbito das políticas sociais ou em outros campos do exercício profissional, onde sempre tem um papel de politizar e dar visibilidade aos interesses e direitos das classes subalternas na esfera pública.

Finalmente, não por acaso, destacamos para o Serviço Social brasileiro o desafio de realizar a difícil tarefa de (re)construir o político na política social, o que supõe participar da criação e da disseminação de uma cultura que torne indeclináveis os direitos da população com a qual trabalhamos.

Maria Carmelita Yazbek, São Paulo, março de 2013.

Maria Carmelita Yazbek

mcyaz@uol.com.br

Doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

Pós-Doutoramento no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP)

Professora da Pós-Graduação em Serviço Social da PUC-SP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Maio 2013
  • Data do Fascículo
    2013
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