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Padrão atual de acumulação de capital, mundo do trabalho e reestruturação da previdência social no Brasil

Resumo

O artigo procura demonstrar que a reestruturação restritiva de direitos no âmbito da previdência social brasileira guarda profundas conexões com as transformações do mundo do trabalho e com o padrão de acumulação de capital predominantemente financeiro. O objetivo é discutir as mediações que operam entre mundialização financeira, reestruturação do mundo do trabalho e contrarreformas da previdência operadas no governo de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva. Defende que os obstáculos à universalização da previdência social brasileira não podem ser resolvidos apenas no escopo das políticas de proteção social, mas remete à necessidade de transformações estruturais na economia e na sociedade brasileiras.

Palavras-chave:
Trabalho; Previdência Social; Reestruturação; Financeirização

Abstract

This article demonstrates that the restructuring of rights to Brazilian social security benefits in a restrictive manner has deep connections with transformations in the world of labor and with the predominantly financial standard of capital accumulation. The objective is to discuss the mediations that operate between the worldwide financial movements of capital, the restructuring of the world of labor and counter-reforms in the social security system operated in the governments of President Fernando Henrique Cardoso and Luiz Inácio Lula da Silva. It defends that the obstacles to universalization of Brazilian social security cannot be resolved only within the scope of social protection policies, but must be related to the need for structural transformations in the Brazilian economy and society.

Keywords:
Work; Social Security; Restructuring; Financialization

Introdução

A política de previdência social no Brasil, a partir da década de 1990, tem sofrido um movimento de redefinição. O argumento principal utilizado pelas classes dominantes para justificar a reestruturação destitutiva de direitos é o de supostodéficit orçamentário da referida política. O ponto de vista desse artigo caminha em outra direção, indica que tal processo é parte de um projeto mais amplo que procura transferir o ônus da crise capitalista para o trabalho, salvaguardando a lucratividade do capital. A análise é feita, portanto, à luz das implicações do padrão de acumulação de capital com dominância financeira sobre o mundo do trabalho e sobre as políticas públicas em geral, focando na previdência social.

Os sistemas de proteção social se estruturaram no contexto de amplo acesso das massas trabalhadoras ao emprego formal e aos direitos sociais no bojo do padrão de acumulação fordista/keynesiano que se implantou nas economias centrais - e, de forma incompleta, nas economias periféricas desenvolvidas, como o Brasil - no período que se abre após a crise de 1929 e a II Guerra Mundial. Impulsionado pelas lutas dos trabalhadores, o fordismo/keynesianismo baseou-se em amplo sistema de regulações tecidas por uma relação mais ou menos tensa ou pactuada entre o grande capital, o Estado e as grandes corporações trabalhistas. É nesse cenário que se construíram os sistemas de proteção social secundado nas políticas sociais geridas pelo Estado. Na feliz elaboração de Mota (2008MOTA, A. E. Crônica de uma morte anunciada: as reformas da previdência social brasileira nos anos de 1990 e 2000. In:Serviço social na previdência: trajetória, projetos profissionais e saberes. São Paulo: Cortez, 2008., p. 123): "A questão reside no fato de o capital ser compelido a incorporar algumas exigências dos trabalhadores, mesmo que elas sejam conflitantes com seus interesses imediatos; contudo, ao fazê-lo, procura integrar tais exigências à sua ordem, transformando o atendimento delas em respostas políticas que, contraditoriamente, também atendem às suas necessidades".

É nessa linha que se pode compreender a generalização do trabalho assalariado e, por meio dele, a consolidação dos sistemas de proteção social que tinham a seguridade social como eixo central (SILVA, 2012SILVA, M. L. Previdência social no Brasil: (des)estruturação do trabalho e condições para sua universalização., São Paulo: Cortez 2012. ). Esses sistemas de proteção social são de natureza contraditória, pois respondem a interesses dos trabalhadores ao mesmo tempo em que atendem as necessidades do padrão de acumulação fordista/keynesiano por legitimálo e agregarem demanda ao mercado.

Nas sendas de Castel (1999CASTEL, R. As metamorfoses da questão social. Trad. de Iraci D. Poleti. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999., p. 387), podemos afirmar que a ideia de direitos garantidos a partir da solidariedade entre membros de uma nação é a base da proteção de tipo previdenciário, que não está fundada no princípio da equidade, mas, ao contrário, expressa o reconhecimento e a aceitação de que a sociedade moderna forma um conjunto de condições desiguais e interdependentes:

A seguridade social é proveniente de uma sorte de 'transferência de propriedade' pela mediação do trabalho e sob a égide do Estado. Segurança social e trabalho tornaram-se substancialmente ligados porque, em uma sociedade que se reorganiza em torno do trabalho assalariado, é o status dado ao trabalho que produz o homólogo moderno das proteções tradicionalmente asseguradas pela propriedade privada.

Desta forma, a proteção social permitiu aos trabalhadores não proprietários, ou seja, àqueles que só dispõem da força de trabalho para sobreviver, transitar de uma situação de segurança condicionada à propriedade a uma situação de segurança resultante da participação no mundo do trabalho, tornando os direitos condicionados ao trabalho, como a previdência social, uma resposta adequada ao capitalismo, no sentido de que ela não colocava em questão a propriedade privada e, ao mesmo tempo, garantia a reprodução da força de trabalho. Noutras palavras, a mutação da "segurança-propriedade" a "segurança-trabalho" realizada com base na técnica do seguro se consolidou a partir do que Castel (1999CASTEL, R. As metamorfoses da questão social. Trad. de Iraci D. Poleti. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.) denominou "propriedade de transferência", que se materializou efetivamente com as políticas previdenciárias, proporcionando segurança social sem atingir a coluna de sustentação do capitalismo, ou seja, a propriedade privada.

Desse modo, para compreender a política da previdência social e seu processo de reestruturação faz-se necessário analisar a realidade do mundo do trabalho e o modo como o atual padrão de acumulação de capital opõe sérios óbices à integração por meio do emprego, do salário e dos direitos sociais a eles vinculados.

Mundo do trabalho e Previdência Social

No Brasil, a segurança social gerada pelo sistema previdenciário foi estruturada por meio de dois regimes:

os básicos e os complementares. Os regimes básicos, de filiação compulsória, são: a) Regime Geral de Previdência Social (RGPS), para os trabalhadores da iniciativa privada, responsável pela proteção de grande massa dos brasileiros; e b) Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), para servidores públicos ocupantes de cargos efetivos e os militares. A natureza dos regimes básicos previdenciários é institucional ou estatutária, já que o Estado, por meio de lei, utiliza-se de seu poder de império e cria a figura da vinculação automática, independente da vontade do beneficiário. Não há relação de consumo no seguro social, mas sim de proteção coercitiva patrocinada pelo Estado, que se utiliza de seu custeio, entre outras fontes, de contribuição do próprio segurado (IBRAHIM, 2009IBRAHIM, F. Curso de direito previdenciário. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.). Já os regimes complementares são de ingresso facultativo, comportam os seguros privados na modalidade aberto, para qualquer trabalhador que deseja complementar sua aposentadoria, ou fechado, para trabalhadores específicos de uma empresa ou instituição, também conhecidos como Fundos de Pensão.

Para Boschetti (2008BOSCHETTI, I. S. Seguridade social e trabalho: paradoxos na construção das políticas de previdência e assistência social no Brasil. Brasília: Editora UNB, 2008.), o direito à previdência pública brasileira foi se constituindo na lógica do seguro e por isso esbarrou em duas contradições. A primeira delas refere-se ao acesso aos direitos previdenciários, que, por estar condicionado à prévia contribuição, tem um caráter mais de direitos ligados ao trabalho do que à cidadania. A segunda contradição aponta para a exigência da contribuição em um país cujo cenário ainda não permitira uma condição salarial generalizada a toda a População Economicamente Ativa (PEA), consequentemente deixando de fora da proteção social um enorme contingente de desprotegidos, equivalente a 45,5 milhões dessa mesma população, que estavam fora da cobertura previdenciária no ano de 2011 (IBGE, Pnad, 2011IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), 2011.).

Isto pode ser visualizado nas tabelas elaboradas a partir de dados da PNAD (IBGE, 2011IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), 2011.). A tabela 1 demostra que do total de 100 milhões de brasileiros que faziam parte da PEA em 2011, 93,4 milhões estavam ocupados e 6,7 milhões encontravam-se desocupados. A tabela demonstra que, em termos relativos e no período compreendido entre 2005 e 2011, as ocupações tiveram índices de crescimento maiores do que o crescimento da PEA (17,1% e 13,6%, respectivamente), evidenciando um período favorável em que se geraram postos de trabalho formais na base da pirâmide salarial (POCHMANN, 2012POCHMANN, M. Nova Classe Média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira., São Paulo: Boitempo 2012.).

Tabela 1
População Economicamente Ativa ocupada e desocupada

Para efeito de qualificar melhor os dados sobre ocupação1 1 A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE (2011), classificou as ocupações por ramos e classes de atividade. A pesquisa apresenta seis categorias de posição na ocupação: I) empregado; II) trabalhador doméstico; III) conta-própria; IV) empregador; V) trabalhador não remunerado, membro da unidade domiciliar; VI) outro trabalhador não remunerado. Para o DIEESE, o conceito de ocupados, adotado na realização da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), inclui os indivíduos que possuem trabalho remunerado exercido regularmente; ou que possuem trabalho remunerado exercido de forma irregular; ou, ainda, que possuem trabalho não remunerado de ajuda em negócios de parentes, sem procura de trabalho. , é importante trazer à baila informações sobre taxa de assalariamento e de emprego2 2 Quanto à categoria do emprego, os empregados foram classificados pela PNAD,IBGE (2011), em: I) com carteira de trabalho assinada; II) militares e funcionários públicos estatutários; ou III) outro. com e sem carteira assinada porque estes dados ajudam a compreender a real situação da classe trabalhadora quanto ao direito à previdência social. A tabela 2, elaborada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, seção de Fortaleza/ CE), apresenta esses dados nos anos de 2005 a 2011 no Brasil.

Tabela 2
Evolução das taxas de assalariamento e emprego com carteira assinada - Brasil 2005 -2011 (%)

A partir da tabela 2 é possível verificar um percentual de crescimento de 8,6% da taxa de assalariamento no Brasil entre os anos de 2005 e 2011. Essa taxa tem como objetivo dimensionar a participação dos indivíduos que recebem salário dentre o total de trabalhadores ocupados, que no ano de 2011 foram apenas 68%, um número bastante baixo, apesar da tendência de crescimento. Já a taxa de emprego com carteira assinada registrou um aumento de 12,9% em relação ao total de emprego assalariado, e 22,7% em relação ao total de ocupados, no mesmo período de análise. Isto põe em evidência que houve uma dinâmica favorável à formalização das ocupações, como já argumentado, o que não deixa de ser importante no quadro de um mercado de trabalho marcado historicamente por relações de trabalho extremamente precárias. Mesmo reconhecendo a importância desse fato, não se pode olvidar que as condições favoráveis ao crescimento do emprego e à inserção das massas trabalhadoras no consumo não foram capazes de remexer as estruturas arcaicas do mercado de trabalho. Muito ao contrário, estas últimas apenas reproduziram noutro patamar e sob o lenitivo da inclusão na base da pirâmide salarial de grande parte do exército de reserva acumulado anteriormente, repondo o traço característico das formações capitalistas dependentes: a superexploração do trabalho. Basta verificar, consoante os dados da tabela 2, que apenas 48,1% dos ocupados mantinham carteira assinada em 2011.

Poder-se-ia pensar que tal inserção em ocupações formais, no que pese as altas taxas de exploração, aponta para uma tendência de longo prazo com efeitos consequentes sobre a arcaica estrutura do mercado de trabalho. Todavia, os indicadores macroeconômicos mostram que o social-liberalismo3 3 O social-liberalismo é a denominação dada a segunda fase do neoliberalismo, que emergiu como um projeto hegemônico das classes dominantes, conduzido pela sua fração rentista, através de governos conservadores (Thatcher, na Inglaterra, e Reagan, nos EUA). Tempos depois, governos social democratas europeus e até mesmo partidos comunistas do Leste Europeu encarregaram-se de adotar medidas preconizadas pelos receituários neoliberais. Assim, o neoliberalismo fortaleceu-se quando deixou de ser uma referência ideológica para um grupo restrito de intelectuais e ganhou uma base material nas políticas de governos do mundo ocidental. Neste momento, tornou-se a consciência hegemônica das classes dominantes. Os projetos neoliberais de reforma do Estado após o fracasso do "Estado-mínimo" ganharam uma nova configuração: o Estado, agora, teria uma função reguladora das atividades econômicas e operacionalizaria, em parceria com o setor privado, políticas sociais emergenciais, focalizadas e assistencialistas. Na perspectiva social-liberal iniciada já em meados dos anos 1990, a ideologia dominante passou a admitir uma intervenção mais ativa do Estado na chamada questão social. Têm-se, assim, uma inflexão do pensamento hegemônico em relação ao debate sobre mercado e bem-estar social, na qual uma epistemologia de direita - maximização e otimização dos recursos, escassez relativa, capital humano - é envernizada por uma ética de esquerda, com palavras de ordem como justiça social, solidariedade, filantropia e voluntariado. É neste momento que surgem as teses da chamada terceira via que pretende implantar um sincretismo entre o mercado e o Estado capaz de promover o bem-estar social. Daí a fórmula do desenvolvimento econômico - baseado no dinamismo do mercado - com a promoção da equidade social - propiciado pela ação conjunta do Estado com o terceiro setor (CASTELO, 2008). exibe claros sinais de esgotamento e que há pressão constante, vinda de frações poderosas do capital - como bancos e rentistas em geral - no sentido do aprofundamento das diretrizes da ortodoxia neoliberal.

A análise da População Economicamente Ativa ocupada também permite mensurar o nível de abrangência da proteção previdenciária brasileira, medido pelo percentual de contribuintes aos regimes oficiais de previdência, RGPS e RPPS, conforme demonstrado na tabela 3. No período compreendido entre os anos 2005 e 2011, a PEA ocupada cresceu em 17,1% enquanto a proporção de contribuintes evoluiu positivamente da ordem de 34,6%, apontando uma dinâmica favorável à formalização das ocupações. Com efeito, como é possível notar, no ano de

2005 a proporção de ocupados que contribuíam com a previdência era de 46,1%, saltando para 58,5% em 2011.

Tabela 3
Contribuintes e não contribuintes da PEA ocupada para a previdência em qualquer trabalho

Aqui já é possível adiantar que, se é verdade que os índices de formalização das ocupações e de contribuição previdenciária cresceram, também cresceu a reprodução de uma velha chaga estrutural do mercado de trabalho brasileiro: a existência de 38,8 milhões de trabalhadores ocupados, ou 41,5% da PEA ocupada, que não contribuem com nenhum regime de previdência social. Além destes, ainda existiam, em 2011, 6,7 milhões de pessoas desocupadas que também estão sem cobertura previdenciária, conforme apontado na tabela 1, o que totaliza o número de 45,5 milhões de pessoas, o equivalente a 45,4% do total da PEA sem proteção social da previdência.

A maior parte desses 38,8 milhões de brasileiros ocupados e não contribuintes são os que se situam nas faixas de rendimentos de até dois salários mínimos. Conforme apontado na tabela 4, pode-se notar, também, que quase a totalidade dos que auferem até 1/2 salário mínimo e mais da metade dos ocupados com rendimentos acima de 1/2 até um salário mínimo não são contribuintes da previdência, expressão do alto grau de informalidade das ocupações que reforça o círculo vicioso: hoje pobre, amanhã sem proteção previdenciária. Outra informação particularmente instrutiva para a compreensão de como as estruturas arcaicas do mercado de trabalho brasileiro se reproduzem sob o brilho do social-liberalismo, revela-se no fato de que 54% dos contribuintes o fazem sobre a faixa salarial de até dois salários mínimos, ou seja, metade dos contribuintes da previdência encontram-se dentro das três primeiras menores faixas de contribuição.

Tabela 4
População Economicamente Ativa Ocupada por rendimentos e contribuição para a Previdência em 2011

Tomados em seu conjunto, os dados revelam a reprodução, em novos patamares, do histórico padrão predatório de utilização da força de trabalho no Brasil. Ora, na medida em que a política previdenciária liga-se ao estatuto do trabalho assalariado com vínculos formais, a existência de grandes índices de informalidade e de relações de emprego precárias significa a exclusão de massas consideráveis de trabalhadores da cobertura da política previdenciária: quanto mais pobre e precário o trabalhador, mais distante de aceder ao benefício previdenciário no futuro, precisamente pela falta de contribuição. Isto revela que existem relações de determinação entre o processo de acumulação de capital, o mundo do trabalho e as políticas de proteção social. Com efeito, na medida em que a dinâmica capitalista contemporânea desregula os mercados e impõe sobre os trabalhadores o desemprego puro e simples e/ou a degradação das relações laborais, estas dinâmicas rebatem, necessariamente, nas políticas de proteção social, na previdenciária por excelência.

Ipso facto, os problemas relativos a não universalização da previdência no Brasil deitam profundas raízes na particularidade do capitalismo brasileiro, de cariz dependente, que pressupõe a existência de amplas massas de trabalhadores margeando o emprego formal e altas taxas de exploração da força de trabalho. Não são, pois, questões que possam ser resolvidas no âmbito das políticas de proteção social; seu equacionamento reenvia para um processo de mudança estrutural da sociedade brasileira. Esta afirmação não pretende desestimular a luta pela universalização da proteção social e da previdência em particular, apenas esclarece o terreno resolutivo onde tais batalhas se desdobram.

As imbricações do mundo do trabalho e da política de previdência social podem, ainda, ser ilustradas por meio dos valores dos benefícios pagos no bojo dessa política. Ver-se-á na tabela 5 - elaborada a partir de informações do Boletim Estatístico da Previdência Social de dezembro de 2011 - que, no caso brasileiro, a maioria dos benefícios pagos não ultrapassa o valor do salário mínimo, o que reforça a tese da continuidade do padrão predatório de uso da força de trabalho. Consoante se observa que 66% dos benefícios emitidos pela previdência em 2011 não ultrapassavam o valor de um salário mínimo.

Tabela 5
Benefícios Previdenciários emitidos, por faixa de valor (dezembro de 2011)

A tabela 5, entretanto, apresenta números reveladores de como vem sobrevivendo a população idosa em um país onde apenas 5,6% dos beneficiários do RGPS recebem valores entre três e quatro salários mínimos; 3,2% auferem entre quatro e cinco salários; e acima de cinco salários são não mais do que 1%. Esses números demonstram o resultado do movimento de reestruturação (destitutiva de direitos para os trabalhadores) que a política de previdência social vem sofrendo desde a década de 1990. Expliquemos brevemente esse processo.

A reestruturação da previdência: restrição de direitos sociais e abertura ao mercado de capitais

A reestruturação restritiva de direitos da política previdenciária brasileira vem acontecendo em fases. Para efeito do presente artigo, interessa situar e qualificar as contrarreformas operadas sob orientação da ortodoxia neoliberal (anos 1990) e do social-liberalismo (governo Lula da Silva em diante). No primeiro caso, a contrarreforma se impôs por meio da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998. Essa reestruturação significou a perda de grandes conquistas no campo da proteção social previdenciária. Tais perdas foram apresentadas, em irretorquível resumo, pela pesquisadora Ivanete Boschetti (2003BOSCHETTI, I. S.. A reforma da previdência e a seguridade social brasileira. In: Reforma da Previdência em questão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003., p. 34) da seguinte forma:

A reforma da previdência social realizada em 1998 atingiu, não só, mas com maior impacto, os trabalhadores regidos pela CLT, sobretudo os do setor privado. As consequências da reforma foram todas no sentido de reduzir a amplitude dos direitos conquistados com a Carta Magna, o que ocorreu por meio de diversos mecanismos: a transformação do tempo de serviço em tempo de contribuição, o que torna mais difícil a obtenção da aposentadoria, sobretudo para os trabalhadores que não tiveram carteira de trabalho assinada ao longo de suas vidas; a instituição da idade mínima para aposentadoria proporcional (48 anos para mulheres e 53 para homens); acréscimo de 40% no tempo de contribuição para os atuais segurados; o estabelecimento de teto nominal para os benefícios e a desvinculação desse teto do valor do salário mínimo, o que rompe com o princípio constitucional de irredutibilidade do valor dos benefícios; e o fim das aposentadorias especiais. Em 1999 foram introduzidas novas mudanças no cálculo dos benefícios do RGPS, com a criação do fator previdenciário, que provoca a redução no montante final dos benefícios de aposentadoria. Em relação ao setor público, a Emenda Constitucional nº 20 de 1998 também suprimiu alguns direitos. Entre as principais mudanças, cabe ressaltar a exigência de idade mínima para a aposentadoria integral ou proporcional (60 anos para homens e 55 para mulheres); aumento de 20% do tempo de contribuição para a aposentadoria proporcional e 40% para a integral; comprovação de cinco anos no cargo efetivo de servidor público para requerimento da aposentadoria; fim da aposentadoria especial para professores universitários; introdução da aposentadoria compulsória aos 70 anos; e implantação de regime de previdência complementar para servidores públicos.

A Emenda Constitucional (EC) n. 20, arquitetada, tramitada e aprovada no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, representou ataque frontal ao direito à previdência, gravado na Constituição Federal de 1988 à custa de amplas mobilizações dos trabalhadores e setores populares. Implementou grave retrocesso do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), atingindo também o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Não é preciso expertise no assunto para compreender, a partir da síntese de Boschetti (2003BOSCHETTI, I. S.. A reforma da previdência e a seguridade social brasileira. In: Reforma da Previdência em questão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003.), o retrocesso social representado por essa contrarreforma que, à época, foi duramente combatida pelas centrais sindicais (a CUT, por exemplo) e pelo principal partido de esquerda, o Partido dos Trabalhadores (PT). Não sem uma ponta de ironia da história, cinco anos depois, em 2003, o presidente Lula da Silva, do PT, daria continuidade a tal processo, alterando, fundamentalmente, mas não só, o RPPS, impondo graves medidas restritivas de direitos sobre os servidores públicos por meio da EC n. 41 e, posteriormente, da EC n. 47 de 2005.

O fim da aposentadoria integral para os servidores públicos era objeto de desejo das frações de classe dominante, principalmente as que personificam o capital financeiro e que deram a tona do governo FHC. Esse desígnio fora frustrado pelo combate oferecido pelos trabalhadores do setor, capitaneados por suas organizações sindicais e partidárias (CUT e PT à frente). A tarefa viria a ser cumprida precisamente pelo ex-metalúrgico e liderança maior do PT, o presidente Lula da Silva. A Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003, implementou uma série de modificações na previdência, das quais destacamos: o fim da integralidade, com as aposentadorias calculadas pela média do conjunto das remunerações dos servidores; a ampliação dos requisitos para concessão dos benefícios; o fim da paridade entre o reajuste dos benefícios dos inativos com o reajuste dos servidores ativos; submissão dos benefícios ao teto do RGPS; complementação dos benefícios a partir de um fundo de previdência privada; o fim da aposentadoria proporcional; e a contribuição previdenciária dos inativos.

O fim da integralidade e o limite dos benefícios ao teto do RGPS, que alcança os novos servidores, é fundamental para a implementação do modelo baseado em fundos privados de pensão. Isto porque a subtração deste direito aos trabalhadores do serviço público (regidos pelo Regime Próprio de Previdência Social, RPPS) abriu o flanco para a implementação do fundo de previdência complementar, por meio da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (FUNPRESP)4 4 Foram criadas três entidades fechadas de previdência complementar: Funpresp do Poder Executivo (Funpresp-Exe); Funpresp do Poder Judiciário (Funpresp-Jud) e Funpresp do Poder Legislativo (Funpresp-Leg), vinculadas ao Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), com a finalidade de administrar e executar planos de benefícios de caráter previdenciário. O início de vigência da lei para os servidores do executivo ocorreu a partir de 1 de março de 2013, com a criação do Funpresp-Exe, por meio do Decreto n. 7.808/12 e do Funpresp-Jud, com a Resolução STF nº 496/12. . Além da imposição do teto previdenciário que por si só condiciona a adesão dos servidores ao regime de previdência complementar, a desvinculação dos reajustes dos benefícios do RGPS da política de reajustes do salário mínimo, ocorrida em 2004, implicou em flagrante defasagem dos benefícios em comparação com o salário mínimo. Ambas as estratégias penalizam os trabalhadores, induzindo-os a comprar planos de previdência privada. Não por acaso tem crescido o investimento e os ganhos de capitais nesse setor. Segundo dados da PNAD (2011), as Entidades de Previdência Complementar (EFPC) apresentavam um ativo de R$ 597 bilhões, isto com apenas 3.349 milhões de contribuintes, equivalente a 6,1% do total de contribuintes dos Regimes Geral e Próprio de Previdência Social. Por outro lado, informa Soares (2003SOARES, L. Retomando o Debate da Reforma da Previdência Social. : MORHY, L. (Org.) Reforma da Previdência em Questão., Brasília: Editora Universidade de Brasília 2003., p. 121), a experiência dos países que adotaram um sistema misto5 5 Modelo misto de previdência combina um regime de repartição geral ou próprio, que paga benefício limitado ao teto, com regime de previdência complementar, em capitalização. de previdência foi baseada na constituição de uma "previdência pública para pobres" e o fortalecimento de um sistema privado complementar para os que "podem pagar", com altas taxas de exclusão, inclusive de setores da classe média hoje afetada pela precarização do trabalho. Diz, ainda, que em nenhum desses países há evidências de redução do déficit fiscal ou de aumento da taxa de poupança com investimentos produtivos e geração de empregos, o que derrui argumentos basilares dos protagonistas da contrarreforma.

Em verdade, ao fundarem seus argumentos no suposto déficit contábil, as autoridades políticas - portavozes de frações das classes dominantes locais e forâneas - deslocaram, com sucesso, o debate daquele que é o cerne da questão: a crise de um padrão de acumulação com dominância financeira que tem no endividamento público a altas taxas de juros uma de suas pilastras. Não é, pois, uma contingência que as classes dominantes locais, em sua condição de sócias subordinadas da burguesia mundial, tenham optado por diminuir direitos sociais visando reservar fundos públicos para o pagamento da dívida contraída ou assumida pelo Estado. E aqui se toca com a mão as mediações que conectam a dinâmica de acumulação com dominância financeira, o endividamento do Estado, a política de altos juros, o sacrossantosuperávit primário e a retração de direitos sociais. É a própria nação que é sangrada em sua renda para criar a plataforma necessária à remuneração do capital financeiro local e transnacional. (PAULANI, 2008PAULANI, L. Brasil delivery: servidão financeira e estado de emergência econômico. São Paulo: Boitempo, 2008., p. 93).

A partir da perspectiva de Chesnais (1999CHESNAIS, F. Tobin or not tobin? Trad. Maria T. Van Acker. São Paulo: Editora UNESP, 1999.), é possível argumentar que o processo de acumulação de capital em escala planetária é, hoje, orientado pelo capital financeiro e rentista e que as instituições financeiras não-bancárias, dentre elas os fundos de pensão, são hoje as instituições privadas mais poderosas do mercado financeiro mundializado. O enorme poder político e financeiro adquiridos por essas instituições repousa em dois mecanismos: o primeiro refere-se a sua forte presença nos sistemas de previdência privada por capitalização, que se tornaram pedra de toque das contrarreformas neoliberais no mundo inteiro; o segundo baseia-se na articulação de distribuição desigual da renda com amplas vantagens para as instituições financeiras em geral, com diminuição de impostos sobre rendimentos do capital e sobre as altas rendas e com o aprisionamento de imensos mananciais dos recursos públicos por via do endividamento dos Estados.

Importa notar que a posse dos títulos da dívida pública dos Estados Nacionais, por parte das instituições financeiras, dentre elas os fundos de pensão, facultou imenso poder de intervenção desses agentes do capital mundial sobre a política econômica das nações, mormente daquelas de estrato dependente e periférico como é o caso do Brasil. No seu conjunto, esses elementos garantem mercado e altas taxas de remuneração do capital financeiro e, no seu interior, dos fundos de pensão que abocanham imensas somas dos valores que circulam nessa esfera da vida econômica.

A previdência social é uma das políticas estruturantes do Estado de Bem Estar Social nas suas versões clássicas, mas presente também na arquitetura jurídica e política erguida nos países de estrato dependente e periférico mais desenvolvidos. Seu financiamento repousa sobre importantes frações da mais-valia produzida pelo trabalho em escala social, recolhida na forma de impostos e contribuições. Constitui, pois, um território socialmente delimitado pela luta das classes trabalhadoras que fez gravar nos textos constitucionais e legislações infraconstitucionais o direto à proteção pecuniária na velhice e em caso de invalidez para o trabalho. Lançando mão de importante fração do fundo público e tendo seu território muito bem delimitado por regramentos que não se ligam imediatamente, senão mediada e indiretamente, com a valorização do valor, essa política passou a exercer excepcional poder de sedução sobre o capital em geral, e o capital financeiro em particular, no tempo presente, marcado por uma crise estrutural.

Ora, é sabido que o ajuste espacial é uma exigência da expansão capitalista e, ainda mais, das crises que irremediavelmente eclodem na estrutura do sistema (HARVEY, 2013HARVEY, D. O novo imperialismo. Trad. Adail Sobral e Maria S. Gonçalves. São Paulo: Edições Loyola, 2013.). Com efeito, nas condições da crise atual que explode na própria estrutura do capital mundializado, esse ajuste tem de operar pela expansão das fronteiras - e nesse sentido, a expansão da lógica do capital moderno para a América Latina e para a Ásia nas últimas cinco décadas cumpre papel central -, mas também e fundamentalmente pela conquista e intensificação do uso de territórios ou mercados já existentes - a reestruturação produtiva e os métodos de organização da produção e do trabalho de origem toyotista expressam bem esse ajuste. É no bojo desse processo que sobrevieram as contrarreformas com o fim de atender as necessidades postas pela valorização do capital, para o que seria necessário desmantelar os aparatos jurídicos e políticos que estruturaram o gradiente de políticas sociais que se mostraram funcionais ao crescimento das taxas de acumulação durante os anos gloriosos e que, no contexto da crise estrutural, representavam entraves. É nessa perspectiva que ganha total sentido as investidas contra a previdência pública: além de diminuir o gasto público com direitos sociais, funda espaços de acumulação de capital privado.

Isso parece explicar a sanha das classes dominantes em realizar "contrarreformas" dos sistemas de previdência pública que implicam na diminuição de direitos universais derivados do trabalho e abrem espaços para o investimento privado das instituições financeiras numa quadra histórica marcada pela crise estrutural do capital. Entendemos, assim, que uma das chaves para a compreensão dos processos de privatização da previdência e a consequente reestruturação restritiva de direitos da previdência pública está na mundialização do capital, devido a necessidade de apropriação dos fundos públicos pelo capital e de criação de nichos de mercado para investimento privado. É dessa forma que se abrem espaços para o inaudito mercado de venda de serviços sociais, antes âmbito exclusivo do Estado, tendo a previdência social como a principal vítima desse processo devido a quantidade de dinheiro que movimenta, sofrendo "contrarreformas", diminuindo direitos, para induzir os trabalhadores a complementá-los por meio da compra dos planos de previdência privada.

Segundo Soares (2003SOARES, L. Retomando o Debate da Reforma da Previdência Social. : MORHY, L. (Org.) Reforma da Previdência em Questão., Brasília: Editora Universidade de Brasília 2003., p. 122), a previdência social brasileira ainda é o maior sistema de seguro social da América Latina, possuindo a maior cobertura tanto urbana como rural. Representa uma poderosa política social para amplos e desfavorecidos setores da população brasileira. Em inúmeras cidades de pequeno e médio porte, os benefícios previdenciários, com destaque para as aposentadorias, constituem a principal fonte de renda das famílias, sobretudo na área rural.

A previdência tem um alto poder de proteção social e distribuição de renda, que, no entanto, ainda é uma distribuição intraclasse, porque ela é financiada em grande parte pela classe trabalhadora. Segundo a ANFIP (2012)ANFIP. Análise da Seguridade Social em 2011. Brasília: Anfip, 2012., a maior parte da receita previdenciária tem como origem a contribuição patronal e a contribuição dos segurados, representando 71% e 22%, respectivamente, o que totaliza 93% do valor arrecadado no ano de 2011. Estes números revelam a concentração do financiamento desta política sobre os trabalhadores e o empresariado, o que fere o princípio constitucional da diversidade na base de financiamento, criado justamente para evitar o colapso do sistema, visto que em período de crise financeira eles são os primeiros a serem atingidos, tornando vulnerável o sistema de proteção social.

Segundo Boschetti (2003BOSCHETTI, I. S.. A reforma da previdência e a seguridade social brasileira. In: Reforma da Previdência em questão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003.a, p. 31) a diversidade da base de financiamento implica que as contribuições dos empregadores não devem ser somente baseadas sobre folha de salários, mas devem incidir sobre o faturamento e o lucro, de forma a tornar o financiamento da seguridade social mais redistributivo e progressivo, o que compensaria a diminuição das contribuições patronais ocasionadas pela introdução da tecnologia e consequente redução da mão de obra.

No entanto, para compreender o real pano de fundo da questão do financiamento da previdência social, é necessário analisar as opções macroeconômicas adotadas na economia brasileira, conforme assevera Fagnani (2008FAGNANI, E. Os profetas dos caos e o debate recente sobre a seguridade social no Brasil: Previdência social: como incluir os excluídos? São Paulo: LTr, 2008. p. 31-43., p. 40):

O real pano de fundo para compreender a questão do financiamento da previdência social é o fato de que o Brasil acumula 26 anos de baixo crescimento econômico. De fato, a natureza da questão do financiamento da previdência social é preponderantemente exógena e reflete as opções macroeconômicas adotadas nas últimas décadas, que fragilizaram o mercado de trabalho e estreitaram os mecanismos de financiamento das políticas sociais, em geral, da previdência social, em particular. Portanto, uma agenda alternativa mais justa e eficaz deve, necessariamente, mudar o foco das despesas para as receitas. A opção mais promissora é o crescimento da economia, que ampliaria a inclusão digna via mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, potencializaria as fontes de financiamento da previdência social.

A crise em curso, cuja expressão mais visível e mais comentada pelos economistas são os índices rastejantes de crescimento do PIB mundial e nas principais economias, atinge diretamente o mundo do trabalho e os direitos sociais dele decorrentes, produzindo contradições e dilacerações no tecido social como, por exemplo, a aviltante concentração da riqueza social e o correlato aumento da pobreza absoluta e relativa e das desigualdades sociais. Essas contradições exigem a intervenção do Estado no sentido de administrar a pobreza e evitar as potenciais irrupções que aí se nutrem. Ora, na medida em que o padrão atual de acumulação de capital não permite a integração por meio do emprego, do salário e dos direitos sociais a eles vinculados, resta a alternativa das intervenções compensatórias, pontuais, concernentes aos direitos de cidadania como a assistência social. E aqui se pode tocar com a mão a lógica que subjaz o exponencial crescimento das verbas para programas assistenciais no bojo do social-liberalismo brasileiro, enquanto a previdência é reestruturada no sentido de restringir direitos dos trabalhadores.

Conclusão

O principal argumento utilizado para justificar a reestruturação destitutiva de direitos sofrida pela previdência social brasileira tem sido o supostodéficit orçamentário, que não é real se levado em consideração o conjunto de receitas da seguridade social. A nota dissonante no financiamento da previdência social está na forma como vem sendo gerida a política econômica, e reflete as opções macroeconômicas adotadas nas últimas décadas, que fragilizaram o mercado de trabalho. É o fortalecimento do mercado de trabalho que poderá garantir proteção social em uma sociedade em que 45,4% dos trabalhadores que fazem parte da População Economicamente Ativa (PEA) não contribuem para a previdência social.

No Brasil, é essencial aumentar o número de contribuintes para o sistema via inclusão no mercado de trabalho formal do enorme contingente de trabalhadores informais. A dúvida que fica é se nas particulares condições históricas do capitalismo brasileiro e, ademais, numa quadra histórica marcada pelo desmonte do Estado de Bem Estar onde ele havia se estruturado, será possível promover a ampliação do salariato ao ponto de incorporar as amplas massas que sobrevivem na informalidade e construir um sistema de proteção social calcado na garantia de previdência universal para todos os trabalhadores. Por tudo que se argumentou, permitimonos adotar postura cética quanto a tais possibilidades, haja vista a crise que se instaurou na ossatura do sistema do capital mundializado e as estratégias de crescimento calcadas na racionalização e intensificação do uso dos mercados já existentes.

Referência

  • ANFIP. Análise da Seguridade Social em 2011. Brasília: Anfip, 2012.
  • BOSCHETTI, I. S. Seguridade social e trabalho: paradoxos na construção das políticas de previdência e assistência social no Brasil. Brasília: Editora UNB, 2008.
  • BOSCHETTI, I. S.. A reforma da previdência e a seguridade social brasileira. In: Reforma da Previdência em questão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003.
  • CASTELO, R. A "questão social" e o social-liberalismo brasileiro: contribuição à crítica da noção do desenvolvimento econômico com equidade. Emancipação. Ponta Grossa: (UEPG), v. 8, n.1, p. 21-35, 2008.
  • BRASIL. Ministério da Previdência Social. Boletim Estatístico da Previdência Social. Brasília, 2011.
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  • HARVEY, D. O novo imperialismo. Trad. Adail Sobral e Maria S. Gonçalves. São Paulo: Edições Loyola, 2013.
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  • MOTA, A. E. Crônica de uma morte anunciada: as reformas da previdência social brasileira nos anos de 1990 e 2000. In:Serviço social na previdência: trajetória, projetos profissionais e saberes. São Paulo: Cortez, 2008.
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  • POCHMANN, M. Nova Classe Média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira., São Paulo: Boitempo 2012.
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  • SOARES, L. Retomando o Debate da Reforma da Previdência Social. : MORHY, L. (Org.) Reforma da Previdência em Questão., Brasília: Editora Universidade de Brasília 2003.
  • 1
    A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE (2011)IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), 2011., classificou as ocupações por ramos e classes de atividade. A pesquisa apresenta seis categorias de posição na ocupação: I) empregado; II) trabalhador doméstico; III) conta-própria; IV) empregador; V) trabalhador não remunerado, membro da unidade domiciliar; VI) outro trabalhador não remunerado. Para o DIEESE, o conceito de ocupados, adotado na realização da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), inclui os indivíduos que possuem trabalho remunerado exercido regularmente; ou que possuem trabalho remunerado exercido de forma irregular; ou, ainda, que possuem trabalho não remunerado de ajuda em negócios de parentes, sem procura de trabalho.
  • 2
    Quanto à categoria do emprego, os empregados foram classificados pela PNAD,IBGE (2011)IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), 2011., em: I) com carteira de trabalho assinada; II) militares e funcionários públicos estatutários; ou III) outro.
  • 3
    O social-liberalismo é a denominação dada a segunda fase do neoliberalismo, que emergiu como um projeto hegemônico das classes dominantes, conduzido pela sua fração rentista, através de governos conservadores (Thatcher, na Inglaterra, e Reagan, nos EUA). Tempos depois, governos social democratas europeus e até mesmo partidos comunistas do Leste Europeu encarregaram-se de adotar medidas preconizadas pelos receituários neoliberais. Assim, o neoliberalismo fortaleceu-se quando deixou de ser uma referência ideológica para um grupo restrito de intelectuais e ganhou uma base material nas políticas de governos do mundo ocidental. Neste momento, tornou-se a consciência hegemônica das classes dominantes. Os projetos neoliberais de reforma do Estado após o fracasso do "Estado-mínimo" ganharam uma nova configuração: o Estado, agora, teria uma função reguladora das atividades econômicas e operacionalizaria, em parceria com o setor privado, políticas sociais emergenciais, focalizadas e assistencialistas. Na perspectiva social-liberal iniciada já em meados dos anos 1990, a ideologia dominante passou a admitir uma intervenção mais ativa do Estado na chamada questão social. Têm-se, assim, uma inflexão do pensamento hegemônico em relação ao debate sobre mercado e bem-estar social, na qual uma epistemologia de direita - maximização e otimização dos recursos, escassez relativa, capital humano - é envernizada por uma ética de esquerda, com palavras de ordem como justiça social, solidariedade, filantropia e voluntariado. É neste momento que surgem as teses da chamada terceira via que pretende implantar um sincretismo entre o mercado e o Estado capaz de promover o bem-estar social. Daí a fórmula do desenvolvimento econômico - baseado no dinamismo do mercado - com a promoção da equidade social - propiciado pela ação conjunta do Estado com o terceiro setor (CASTELO, 2008FAGNANI, E. Os profetas dos caos e o debate recente sobre a seguridade social no Brasil: Previdência social: como incluir os excluídos? São Paulo: LTr, 2008. p. 31-43.).
  • 4
    Foram criadas três entidades fechadas de previdência complementar: Funpresp do Poder Executivo (Funpresp-Exe); Funpresp do Poder Judiciário (Funpresp-Jud) e Funpresp do Poder Legislativo (Funpresp-Leg), vinculadas ao Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), com a finalidade de administrar e executar planos de benefícios de caráter previdenciário. O início de vigência da lei para os servidores do executivo ocorreu a partir de 1 de março de 2013, com a criação do Funpresp-Exe, por meio do Decreto n. 7.808/12 e do Funpresp-Jud, com a Resolução STF nº 496/12.
  • 5
    Modelo misto de previdência combina um regime de repartição geral ou próprio, que paga benefício limitado ao teto, com regime de previdência complementar, em capitalização.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2015
  • Aceito
    25 Jun 2015
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