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Juventude(s) e políticas públicas

A presente edição da Revista Katálysis está centrada no tema juventude, conceito complexo, problemático, ambíguo e sempre submetido às determinações do contexto sócio-histórico em que se realiza. Logo, parece mais apropriado falar-se de juventude(s), no plural.

Este conceito historicamente marcado por uma visão biologicista-generalista, uniformiza o tratamento de fenômenos que envolvem fases da vida humana em fronteiras etárias fixas. A literatura especializada nacional e internacional tem se inclinado por criticar e buscar a superação desses marcos tradicionais etários, utilizando o conceito de ciclo de vida dos sujeitos no processo movente e contraditório das determinações que implicam a passagem da infância (dependência familiar) à incorporação na vida adulta (autônoma). A mudança nos marcos conceituais foi sendo determinada por processos históricos que produziram importantes transformações em todos os quadrantes das sociedades contemporâneas, registradas desde a profunda crise cíclica capitalista deflagrada pela alta do petróleo no inicio dos anos 1970, com profundo impacto inicialmente nos países industrializados e, posteriormente, se alastrado pelos demais países. As mudanças estruturais no mercado de trabalho, fruto da reestruturação produtiva e consequente elevação da escolarização, produziu o fenômeno do prolongamento da juventude ou o retardamento da saída da casa dos pais. Inclusive, nessa nova conjuntura de forças sociais, políticas e econômicas em âmbito mundial de crise prolongada e agravada, não há mais um ponto fixo para a saída da juventude e chegada à vida adulta.

O histórico dos estudos nas ciências humanas e sociais apresentava a juventude no início do ciclo geracional como portador de uma cultura alternativa ou como uma fase de rebeldia propicia a problemas. Nos anos 1960-1970, a juventude aparecia como revolucionária, encabeçando movimentos pacifistas, feministas, contra culturais e contestadores da ordem. No entanto, a crise capitalista iniciada a partir de 1974, que colocou um fim na Era de ouro do Welfare State, atinge em cheio o segmento jovem com a escalada do desemprego estrutural, forçando o prolongamento do tempo de estudo e da relação de dependência familiar, produzindo, desse modo, alteração no foco dos estudos sobre juventudes. O bloqueio que a crise colocou ao processo de integração à vida adulta fez com que o foco dos estudos sobre juventude, nas sociedades mais desenvolvidas, girasse em direção aos estudos chamados pós-estruturalistas, que buscam integrar a percepção entre estrutura e ator, o que reflete, de certa maneira, a realidade de que o caminho típico de acesso à vida adulta se tornou mais indefinido. E como bem afiança o Relatório final da pesquisa "Juventude Brasileira e Democracia" realizada pelo Instituto IBASE/POLIS em 2005, "O plural de referência à Juventude é o reconhecimento do peso específico de jovens que se distinguem e se identificam em suas muitas dimensões, tais como de gênero, cor da pele, classe, local de moradia, cotidiano e projetos de futuro".

As diferentes juventudes têm sido afetadas em todos os quadrantes da sociedade globalizada. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) revelam que a população mundial entre 15 e 24 anos, em 2004, era de 1,2 bilhão; deste contingente quase metade vivia com menos de dois dólares ao dia. Despois da crise de 2008 esse quadro, que era mais agudo nos países mais pobres e em desenvolvimento, atinge os países chamados mais desenvolvidos, em particular o segmento juvenil. Estima-se em quase 90 milhões o número de jovens desempregados em todo o mundo, segundo a Organização internacional do trabalho (OIT).

No Brasil, recentes estimativas (IBGE/DATASUS) para o ano de 2012 mostram que o país contava com um contingente de 52,2 milhões de jovens na faixa dos 15 aos 29 anos de idade. O quantitativo representa 26,9% do total dos 194,0 milhões de habitantes projetados para o país pela mesma fonte. Estudos do PNAD (2007) apontavam que aproximadamente metade dos desempregados é jovem e recebem metade do salário dos adultos, sendo que, destes, apenas 27% trabalham de carteira assinada (IPEA/2008).

A violência contra os jovens no país é outro dado estarrecedor. Segundo o "Mapa da Violência - Jovens do Brasil", coordenado por Julio Jacobo Waiselfiz (2014), os homicídios são hoje a principal causa de morte de jovens de 15 a 29 anos e atingem especialmente jovens negros do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos. Dados do SIM/Datasus do Ministério da Saúde mostram que mais da metade dos 56.337 mortos por homicídios, em 2012, no Brasil, eram jovens (30.072, equivalente a 53,37%), dos quais 77,0% negros (pretos e pardos) e 93,30% do sexo masculino.

De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça (DEPEN), os presídios brasileiros abrigam 440 mil detentos em 1.134 prisões, sendo que mais de 280 mil (cerca de 70%) são jovens entre 18 e 29 anos, que não completaram o ensino fundamental.

Esses dados demonstram a gravidade da situação da juventude brasileira, provocando o Estado e a sociedade à construção de uma política pública para a juventude. A atual Política Nacional de Juventude (PNJ), agora baseada no Estatuto da Juventude, aprovado em agosto de 2013, considera jovem todo cidadão ou cidadã da faixa etária entre os 15 e os 29 anos, dividida em três grupos: jovens da faixa etária de 15 a 17 anos, denominados jovens-adolescentes; jovens de 18 a 24 anos, como jovens-jovens; e jovens da faixa dos 25 a 29 anos, como jovens-adultos. Considerando essa divisão, pode-se perceber que somente o primeiro grupo está incluído na atual política da criança e do adolescente. A longa tramitação da PEC da Juventude, mediatizada por um importante debate em âmbito nacional, fortaleceu o surgimento da PNJ e culminou com a aprovação do mencionado Estatuto.

Contrastando com estes avanços, ainda em consolidação, percebe-se o recrudescimento de forças conservadoras no tecido social brasileiro criminalizando a juventude pobre e negra, combatendo o Estatuto da Criança e do Adolescente, após 25 anos de sua aprovação, considerando-o permissivo e propondo a redução da maioridade penal e aumento de medidas restritivas de liberdade, que seguem tramitando como projetos de lei na Câmara dos Deputados.

Diante desses cenários, o presente número da Revista Katálysis apresenta artigos abordando o tema da juventude em três blocos: no primeiro estão artigos que analisam realidades das juventudes tangenciando temas como: violência e juventude (Percepções sobre violência no cotidiano de vida de jovens; La prevención del suicidio juvenil, entre la enunciación y la acción; O fenômeno da ideologia e a criminalidade infanto-juvenil); juventude pobreza urbana (O lócus do jovem pobre na sociedade a partir do boom dos rolezinhos (2014); paternidade de adolescentes e jovens (Padres adolescentes y jóvenes debates y tensiones); adestramento do corpo jovem para a produção (Cuidado de sí masculino o instrumentalización de los varones adultos jóvenes).

O segundo bloco trata de políticas públicas para a juventude, com destaque para os seguintes temas: acesso à educação superior (Os jovens das camadas populares na universidade pública: acesso e permanência); trabalho e emprego (Estado, sociedade e políticas de trabalho e emprego voltadas para os jovens no Brasil; Juventude latino- americana e mercado de trabalho: programas de capacitação e inserção); assistência social/lazer (Práticas de lazer e espaços públicos de convivência como potencia protetiva na relação entre juventude e risco); protagonismo cidadão (Jovem como agente estratégico de desenvolvimento: entre discursos e políticas; Debates on youth participation: from citizens in preparation to active social agents). Por fim, o terceiro bloco apresenta temas livres (A disciplina como elemento constitutivo do modo de produção capitalista; Representação Social do cuidado e do cuidador familiar do idoso: debate necessário).

Considerando a dramática realidade de nossa juventude, os desafios das novas politicas públicas e a reação conservadora, os artigos aqui apresentados apresentam excelente oportunidade de atualização e reflexão.

Boa leitura!

Reinaldo Pontes, maio de 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2016
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