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Antonio Gramsci

2017 é o ano em que se comemoram algumas datas importantes: 80 anos da morte de Antonio Gramsci, 100 anos da Revolução russa, 50 anos do assassinato de Che Guevara, 20 anos do falecimento de Paulo Freire. Conectado com esse legado histórico, o número da prestigiosa Revista Katálysis apresenta conteúdos que se erguem contra o estado de exceção imposto no Brasil com o intuito de sepultar, mais uma vez, as lutas pelos avanços da democracia e a socialização do poder econômico, político e cultural. E, de fato, ao mesmo tempo em que se inspiram no extraordinário pensamento derivado dos embates populares travados no século 20, os autores dos artigos contidos nas páginas a seguir não tiram os olhos das candentes problemáticas contemporâneas, particularmente, da crise que assola o Brasil nesses últimos anos.

Resultado de pesquisas de um considerável grupo de estudiosas(os), as reflexões aqui propostas não poderiam ser mais atuais e oportunas em um dos períodos mais cruciais da história do Brasil, talvez, a maior prova de fogo para a nossa jovem e mutilada democracia. Por isso, as análises que versam sobre a democracia e as preocupações a respeito do seu futuro aparecem claramente visíveis em diversos artigos e figuram como pano de fundo nos demais. Fernando Gaudereto Lamas e Ednéia Alves de Oliveira situam devidamente a questão da democracia na atual ordem sócio metabólica do capital e no quadro do acirramento da luta de classe. Mostram que a sua configuração está relegada ao mero discurso retórico e à fraseologia burguesa e que se tornou refém de um capitalismo cada vez mais devastador e concentrado em manipular as instituições políticas e o imaginário coletivo para assegurar sua hegemonia e esvaziar qualquer tentativa de construção da soberania popular. À luz do referencial teórico de Gramsci e dos debates em torno da democracia, também Emilie Faedo Della Giustina e Danuta Estrufika Cantóia Luiz traçam um quadro complexo e crítico do contexto nacional, percorrendo o período que vai da redemocratização do Brasil até as jornadas de 2013.

Em tempos sombrios como o nosso, Douglas Ribeiro Barboza e Jacqueline Aline Botelho Lima Barboza não poderiam ter sido mais certeiros com o texto Sociedade regulada e do radicalismo democrático, reconstruindo o campo teórico do marxismo efetuado por Gramsci e mostrando que, para solucionar a grave crise que afeta o Brasil e o mundo, o caminho a percorrer é a criação de uma sociedade (auto)regulada onde a divisão entre governantes e governados é superada pelo protagonismo e a organização política das classes subalternas. Nesta mesma direção, a radicalidade política do conceito de 'libertação, a concepção interdisciplinar e a práxis político-pedagógica dos oprimidos que carrega, inclusive, uma educação ambiental crítica, são resgatadas por César Augusto Costa e Carlos Frederico Loureiro no artigo sobre Paulo Freire, o indispensável educador do inédito viável e dos caminhos para uma pedagogia revolucionária.

Conectadas ao tema da democracia surgem questões relativas à função dos intelectuais, à cultura, ao racismo, à homofobia e às inúmeras batalhas moleculares que as classes desapropriadas travam na história cotidiana na conquista de seus direitos e no reconhecimento das múltiplas subjetividades sociais e políticas. Neste sentido, ao reconstruir a análise política de Gramsci sobre a função dos intelectuais, da cultura e das classes subalternas na Itália, Daniela Xavier Haj Mussi coloca a questão crucial e atual do desempenho dos intelectuais orgânicos nas lutas de resistência frente ao projeto de contrarreforma em curso no Brasil. Sensibilidade similar encontra-se também no texto Trabalho socioeducativo no Serviço Social à luz de Gramsci: o intelectual orgânico, de Adriana Giaqueto Jacinto, que evidencia a contribuição do pensamento de Gramsci na análise das relações entre política e cultura e na práxis educativa do assistente social na realidade popular brasileira. Em sintonia com essas questões, no inusitado artigo Contribuições gramscianas sobre raça, identidade cultural e velhice na perspectiva de Stuart Hall, de Elaine Lima da Silva e Juceli Aparecida da Silva, abrem um campo de reflexão sobre fenômenos cada vez mais difundidos no Brasil. Abordando, também, um tema pouco estudado no âmbito do marxismo, Serviço Social e homofobia: a construção de um debate desafiador, de Moisés Santos Menezes e Joilson Pereira Silva, apresenta a visão de diversos autores sobre os preconceitos que permeiam a cultura brasileira e retrata como o Serviço Social se depara com as questões da diversidade sexual e de gênero e as demandas apresentadas cotidianamente pela população LGBT e as diversas contradições que esse assunto tem provocado para essa categoria.

Sendo uma revista vinculada ao Serviço Social, não faltam experiências e questões vivenciadas pelos profissionais dessa especialidade que enfrentam situações difíceis na complexa e contraditória realidade social brasileira. É no âmbito desse contexto vivo e combativo que tem havido considerável produção de escritos referenciados no pensamento de Gramsci. Um retrato disso nos é oferecido pela pesquisa de Ivete Simionatto e Fabiana Negri, Gramsci e a produção do conhecimento no Serviço Social brasileiro. Concentrada no período que vai dos anos 2000 a 2015, a autora analisa a produção do conhecimento do Serviço Social pautado no pensamento de Gramsci, evidenciando os temas mais recorrentes e a formação de uma cultura profissional crítica e militante. Da mesma forma no texto Serviço Social e tendências teóricas atuais, de José Fernando Siqueira da Silva, encontramos contribuições para o debate sobre as atuais tendências teórico-metodológicas no Serviço Social brasileiro, referenciado na teoria social marxista e destacando duas importantes categorias gramscianas: intelectuais e direção cultural. Também Angela Vieira Neves, em Apontamentos sobre Gramsci e sua influência ao Serviço Social no século 21, destaca a importância de Gramsci para o Serviço Social no Brasil ao trazer à luz a disputa entre uma cultura política conservadora e uma concepção construída sob a influência da tradição marxista. Por fim, Josimeire de Omena Leite e Ana Cristina Brito Arcoverde, em Hegemonia e filosofia da práxis: os desafios ao Serviço Social, valendo-se dos conceitos de filosofia da práxis, hegemonia e intelectual orgânico em Gramsci, analisam os novos desafios postos aos profissionais do Serviço Social frente à restauração conservadora e aos malabarismos do pensamento pós-moderno.

Em tempos de profunda crise - não só econômica, mas também politica, social e cultural -, em que se exige uma reflexão mais intensa, crítica e coletiva sobre os rumos do mundo atual, em que se faz necessário um acúmulo de energias e uma extraordinária capacidade organizativa para superar a podre e destrutiva sociedade burguesa, a Revista Katálysis se qualifica como uma das trincheiras e fortalezas para enfrentar a situação caótica e explosiva que está se agravando no Brasil, e também não esmorecer nas lutas por uma sociedade fundada sobre o autogoverno dos produtores associados. A nova e mais avassaladora onda de neoliberalismo que se abate sobre o mundo e desestabiliza nosso país, além de aprofundar desigualdades e níveis de pobreza, resolveu destroçar a democracia, mesmo em suas formas liberais e social-democráticas. Contudo, paradoxalmente, o antagonismo de classe que está se explicitando e se acirrando, se vir a ser bem organizado, poderá descortinar novas perspectivas revolucionárias e resgatar o significado mais autêntico e radical de democracia conferido por Gramsci. O intelectual sardenho retrata a democracia como o processo político coletivo que leva as classes subalternas a passarem da posição de dirigidas à condição de dirigentes de uma inédita e superior concepção de sociedade.

Giovanni Semeraro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017
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