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Dilemas e desafios postos à Pós-Graduação brasileira

Nada mais oportuno do que abrir o debate sobre a Pós-Graduação no âmbito do Serviço Social, num contexto especialmente crítico da educação brasileira, decorrente de uma crise econômica - que é parte constitutiva do movimento do capital (BEHRING, 2010BEHRING, E. Crise do capital, fundo público e valor. In: BOSCHETTI, I. et al. Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010. p. 13-34.) - ampliada por uma profunda e prolongada crise política e ética em nosso país.

Os vários artigos que compõem este número da Revista Katálysis nos brindam com importantes e fecundas análises acerca dos dilemas postos para a educação superior brasileira, com a finalidade de desvelar os desafios inerentes à formação pós-graduada e, mais especificamente, para a área do Serviço Social.

Como política pública, a educação vive uma profunda contradição que se coloca entre os interesses do capital e aqueles dos trabalhadores quanto ao acesso, criação e socialização do conhecimento (IAMAMOTO, 2014IAMAMOTO, M. A formação acadêmico-profissional no Serviço Social brasileiro. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 120, p. 609-639, out./dez. 2014.). A formalização da Pós-Graduação brasileira tem pouco mais de 50 anos. Deu-se pelo Parecer MEC/ CFE n. 977/1965 (conhecido como Parecer Sucupira), podendo ser considerada jovem se comparada a outros países da América do Norte e da Europa que, aliás, inspiraram o modelo brasileiro de ensino superior.

A educação pós-graduada brasileira tem sido considerada, internacionalmente, como um caso de sucesso, com grande destaque para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), sobretudo no que tange à avaliação, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no apoio à pesquisa, como sujeitos fundamentais desse sucesso.

O Plano Nacional de Educação 2014-2024 - que se auto define como instrumento de planejamento do nosso Estado democrático de direito - orientador da execução e do aprimoramento de políticas públicas do setor, apresenta em sua meta 14 a elevação gradual do número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, indicando dentre as suas estratégias, a ampliação de financiamento aos programas e aos estudantes. No entanto, para que essa e outras metas sejam alcançadas, são muitos os desafios que se colocam para a pósgraduação brasileira, dentre os quais destacamos dois deles: as desigualdades sociais, marca nefasta presente desde as origens remotas de nosso país e que dificultam a inclusão no ensino superior de nossos jovens, especialmente aqueles oriundos da classe trabalhadora e de segmentos étnico-raciais, como negros e indígenas; políticas que expressam projetos societários diversos que disputam a concepção, a expansão, o acesso à educação de qualidade para todos.

A pesquisa, alicerce da educação pós-graduada, necessita de investimentos. O financiamento da pesquisa é outro fator que influencia diretamente a qualidade da formação e os resultados dela decorrentes. Pesquisas que resultem em conhecimentos que possam ter significado para a sociedade, exigem autonomia das universidades e dos seus pesquisadores. A quem a ciência deve servir num país como o nosso, em que tantas mazelas sociais, econômicas e éticas decorrem da disputa por projetos sociais distintos, expressos por projetos de classes para a sociedade?

A mercantilização da educação superior privada é uma realidade que vem se ampliando a largos passos. A perversa discussão da privatização da educação superior pública, ganha espaço e se inicia pela discussão da pós-graduação lato sensu e se alastrará envolvendo a graduação e pós-graduação stricto sensu. Estas são as tendências da reconfiguração da educação superior, que já se iniciou nos outros níveis da educação brasileira e que parece se distanciar cada vez mais das demandas sociais e ético-políticas para o setor.

São tantos os limites socioeconômicos da expansão da educação superior pública e privada. Amaral (2016AMARAL, N. C. A educação superior brasileira: dilemas, desafios e comparações com os países da OCDE e do BRICS. Rev. Bras. Educ. 2016, v. 21, n. 66, p. 717-736. Available at: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782016000300717&script=sci_ abstract&tlng=pt >. Accessed on: Apr. 2, 2017.
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), em artigo sobre a educação superior brasileira, com base em estatísticas oficiais, demonstra haver indícios de que a população está atingindo um limite que impossibilita às famílias o financiamento da educação superior de seus membros, tanto em instituições públicas como privadas, pois a questão não se reduz ao acesso uma vez que a permanência dos estudantes nos cursos superiores representa um custo elevado de transporte, alimentação, material educacional etc. As políticas públicas caminham na contramão dessa realidade.

Como se alcançar, então, a tão propalada qualidade na formação de profissionais, professores, pesquisadores e cientistas em nosso país? Como garantir a expansão do acesso, a oferta de vagas e a exigência de qualidade? Como financiar a pesquisa, especialmente nas áreas das humanidades, sem o que não existirá educação superior que possa qualificar a formação de nossos mestres e doutores? A consolidação da pósgraduação depende da sistemática atividade de pesquisa de seus docentes, da publicização qualificada de seus resultados e da qualidade da formação que oferece a seus estudantes. São, ainda, dimensões incontornáveis a internacionalização, a multidisciplinaridade e o impacto social dos programas. Os dilemas são inúmeros e refletem cenários bem mais amplos, nacionais e internacionais.

Os leitores que desejam conhecer e aprofundar seus conhecimentos sobre a Pós-Graduação em Serviço Social, área do conhecimento que vem crescendo e se consolidando alicerçada em seu projeto ético-político, construído coletivamente por nossa categoria profissional, encontrarão um panorama bastante completo nos documentos da área publicizados no site da CAPES e em várias publicações de professores e pesquisadores, inclusive nos artigos que compõem este número desta prestigiosa revista.

Uma última reflexão, enquanto professora e pesquisadora que há várias décadas milita na universidade brasileira, encerra este editorial. O que se espera deste nível de formação pós-graduada? O que se espera de nossas universidades e dos compromissos sociais que as novas gerações de pesquisadores e cientistas buscam em nossa labuta acadêmico-científica?

Se o ato de pesquisar é um ato soberano de liberdade e a luta pela liberdade uma marca da história da humanidade, em busca permanente pela emancipação, como afirmam os autores de um dos artigos que compõem este número, a autonomia criativa e comprometida com a ética da curiosidade intelectual dos pesquisadores se torna imprescindível. A complexidade do real e as nuvens sombrias do contemporâneo exigem cada vez mais conhecimentos novos que se constroem nas relações que se estabelecem entre professores, pesquisadores e estudantes que chegam a nossas universidades, jovens com curiosidade intelectual, inquietações e angústias, movidos pelo ato de aprender, vêm beber da fonte do conhecimento.

No âmbito do Serviço Social é explícita a direção social assumida coletivamente. Como afirma Iamamoto (2017, p. 18), o Serviço Social brasileiro assumiu um ideário emancipatório, herdeiro da história da luta mundial dos trabalhadores, calcada na grande política e em valores que dignificam o gênero humano. O nosso projeto está fundado nos valores maiores da liberdade, da igualdade, da radicalidade democrática, da cidadania, da ausência de preconceitos, do respeito aos direitos humanos, da qualidade dos serviços prestados.

Tensões e disputas teóricas existem e existirão, está no debate e interlocução com o movimento da sociedade a riqueza da construção do conhecimento nesta área que cresce e consolida sua inserção no campo das ciências sociais, e a universidade é um sujeito fundamental nesse cenário! Boa leitura!

Mariangela Belfiore Wanderley, abril de 2017.

References

  • BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação 2014-2024 [recurso eletrônico]: Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE). Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014.
  • BEHRING, E. Crise do capital, fundo público e valor. In: BOSCHETTI, I. et al. Capitalismo em crise: política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010. p. 13-34.
  • IAMAMOTO, M. A formação acadêmico-profissional no Serviço Social brasileiro. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 120, p. 609-639, out./dez. 2014.
  • AMARAL, N. C. A educação superior brasileira: dilemas, desafios e comparações com os países da OCDE e do BRICS. Rev. Bras. Educ. 2016, v. 21, n. 66, p. 717-736. Available at: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782016000300717&script=sci_ abstract&tlng=pt >. Accessed on: Apr. 2, 2017.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782016000300717&script=sci_ abstract&tlng=pt

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017
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