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Entrevista com Antonino Infranca: a concepção de trabalho no pensamento de Lukács

Interview with Antonino Infranca: the conception of work in the thought of Lukács

György Lukács (1885-1971) desenvolveu vasta obra teórica, em consonância com sua trajetória intelectual e política. As produções teóricas do filósofo húngaro que mais receberam atenção do debate acadêmico foram os textos e as obras sobre crítica literária e estética. No interior da análise marxista e nas ciências sociais, a obra História e consciência de classe (1923) teve ampla repercussão e foi alvo das mais variadas interpretações. Já a Ontologia do ser social, na época de suas primeiras publicações1 1 A obra foi redigida em alemão (Zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins), sua primeira edição integral em húngaro é datada de 1976. A primeira parte foi publicada em italiano (Per l’ontologia dell’essere sociale) também no ano de 1976, a segunda parte foi publicada em 1981. Em alemão, a edição integral, incluindo os Prolegômenos, é de 1984 e 1986. , apareceu em período em que a tradição marxista e as experiências de transição socialista estavam em processo declinante. Isso explica parcialmente porque, tanto no Brasil quanto no mundo, a obra da maturidade de Lukács ainda é pouco conhecida e analisada, salvo os esforços de alguns estudiosos do pensamento do filósofo húngaro, dentre eles Antonino Infranca que nos concedeu esta entrevista.

O objetivo da entrevista é abordar a concepção de trabalho no pensamento de Lukács, em especial apresentar algumas indicações sobre o que o autor analisa em seu livro Trabalho, indivíduo e história: o conceito de trabalho em Lukács, recentemente publicado no Brasil pela Editora Boitempo.

Antonino Infranca nasceu em Trápani (Itália) em 1957. Formou-se em Filosofia pela Universidade de Palermo (1980), especializou-se em Filosofia pela Universidade de Pavia (1985). Em 1989 obteve seu PhD pela Academia Húngara de Ciências e recebeu a medalha Lukács pela pesquisa filosófica que realizou no Arquivo Lukács de Budapeste. É autor de: Giovanni Gentile e la cultura siciliana (Roma, L´Ed, 1990); Tecnecrate. Dialogo (Roma, Arlem, 1998, publicado no Brasil pela Práxis em 2004, com o título de Tecnécrates; em espanhol, 2004); El otro occidente. Siete ensayos sobre la realidad de la Filosofía de la Liberación (Buenos Aires, Antídoto, 2000; trad. francês em 2004; em italiano 2010; em português, Praxis, 2014); Los filósofos y las mujeres (Buenos Aires, Topía, 2006; em italiano, 2010). Coeditor de György Lukács: Testamento Político y otros escritos sobre política y filosofía (2003; em italiano 2015); György Lukács Ontología del ser social: el trabajo (Buenos Aires, Herramienta, 2004) e György Lukács - Ontología del ser social: la alienación (Buenos Aires, Herramienta, 2013); György Lukács: Ética, Estética y Ontología (Buenos Aires, Herramienta, 2007) e Antonio Gramsci, Crónicas de Turín, (Buenos Aires, Gorla, 2014).

Ricardo Lara: Quando você iniciou os estudos sobre a obra de György Lukács?

Antonino Infranca: Comecei a estudar Lukács em 1978, estava no segundo ano da graduação em Filosofia, na Universidade de Palermo (Itália). Graduei em 1980 com a dissertação sobre O conceito de trabalho na Ontologia de Lukács. Nessa época já tinha realizado estudos sobre História e Consciência de Classe e O jovem Hegel. Entedia que estas obras eram boas introduções para estudar o conceito de trabalho na Ontologia do ser social. Em contrapartida, quanto mais me especializava em Lukács, tanto mais me fechava as portas para a carreira acadêmica. A situação piorou quando passei a estudar Giovanni Gentile, um filósofo italiano que se tornou o ideólogo do fascismo, apesar de que todas as suas principais obras foram publicadas antes do fascismo começar, e que no ano de 1899 publicou um livro sobre Marx, que Lenin definiu como o melhor livro de um autor burguês sobre Marx. Para Gentile, Marx era um autor metafísico! Para piorar e completar a minha situação alheia a universidade italiana, passei a estudar Enrique Dussel, a filosofia da libertação latino-americana. Quando caiu o muro de Berlim, Dussel me falou: “era um momento que valia a pena, era o momento de lutar”. Por essa trajetória de estudos, estava com a carreira acadêmica prejudicada, não esperava por espaço na universidade italiana e, portanto, fui trabalhar nas instituições culturais italianas no exterior, primeiramente por oito anos em Buenos Aires (Argentina) e depois por cinco anos em Barcelona (Espanha). Quando estava na Argentina o meu conhecimento de Lukács começou a dar frutos. A cultura latino-americana, em especial a argentina e brasileira, é muito interessada no pensamento de Lukács. Na América Latina o pensamento de Lukács encontrava alguma possibilidade de realização prática e política.

Ricardo Lara: Quando você foi para Budapeste estudar no Arquivo Lukács?

Antonino Infranca: Depois da graduação, no período que comecei o mestrado sobre O conceito de trabalho no jovem Lukács, na Universidade de Pavia (Itália). Fui estudar no Arquivo Lukács em Budapeste nos anos de 1984 e 1986. Em Budapeste, Denés Zoltai, um aluno discípulo de Lukács ofereceu a oportunidade de estudar doutorado na Academia Húngara de Ciências, era uma possibilidade incrível. Em toda a história de relações culturais entre Hungria e Itália só quatro pessoas tiveram essa possibilidade e eu fui o quarto italiano nessa condição. Em 1989 conclui o doutoramento na Academia Húngara de Ciências, isso exclui totalmente qualquer expectativa de entrar na universidade italiana, então, fui para o exterior.

Ricardo Lara: Como foi seu contato com os estudiosos da obra de Lukács na Argentina?

Antonino Infranca: A primeira vez foi em 1993 e depois entre 1998 a 2004. Na Argentina encontrei Miguel Vedda, grande conhecedor e tradutor de Lukács para o espanhol. Começamos boa colaboração de publicação de textos de Lukács pela Editorial Herramienta, que aproveitou esta possibilidade e começou a (re)difundir o pensamento de Lukács na América Latina, em particular em espanhol, pois Lukács já era conhecido através de traduções italianas. Veja, praticamente os meus estudos sobre Lukács fecharam as possibilidades na universidade italiana, mas abriram outras que, particularmente, acho mais interessante. Hoje, posso pesquisar Dussel e Lukács sem nenhum controle acadêmico, sem nenhum limite, encontrando um público interessado. É claro que a maior parte do público que encontro está na América Latina, mas agora nos últimos dias me solicitaram para publicar o Testamento Político de Lukács em italiano, um belíssimo texto. Espero que comece outra vez, na Itália, a difusão do pensamento de Lukács. É importante destacar que a Itália foi, junto com a Alemanha, o país onde mais se difundiu o pensamento de Lukács, praticamente temos toda a obra de Lukács traduzida e disponível em um site2 2 O endereço eletrônico referido é: https://gyorgylukacs.wordpress.com. .

Ricardo Lara: Na Europa, como está a divulgação da obra de Lukács na atualidade?

Antonino Infranca: Na Europa, neste momento, Lukács não é importante. É esquecido totalmente na Itália, poucos se interessam por ele, aqueles poucos estão preocupados com o “jovem Lukács”, aquele “Lukács não marxista”. Pouco também na Alemanha e na Hungria. É muito difícil realizar pesquisas sobre Lukács e pensar em ter uma carreira acadêmica.

Ricardo Lara: A recepção da obra de Lukács, em especial a Ontologia, na Europa (Alemanha e Itália) e depois na América Latina (Brasil e Argentina), apresenta contextos históricos diferentes.

Antonino Infranca: Totalmente.

Ricardo Lara: Na América Latina, como você analisa os estudos sobre a obra de Lukács?

Antonino Infranca: Avalio que temos avanços no Brasil. Na Argentina ainda estamos num nível de difusão e tradução do pensamento de Lukács. Por exemplo, Miguel Vedda está produzindo pela segunda vez sobre o “jovem Lukács”, e lançou na Argentina, faz um mês, György Lukács - derrotismo y dialéctica: una defensa de Historia y conciencia de classe (Herramienta, 2015). No Brasil, Lukács está começando a ser argumento de reflexão e de utilização em pesquisas nas mais diversas áreas. Encontro livros sobre Lukács em debates culturais, na Educação, Serviço Social, Ciências Sociais, Direito. Avalio que isso é a expressão da fecundidade do pensamento, principalmente quando começa a ser utilizado para reflexões nas mais diversas áreas. O interessante é que seja útil, pois se não é útil, não é fértil, não se reproduz. Claro que essa reprodução do pensamento de Lukács está de acordo com a cabeça de cada ser humano, porque somos todos diferentes um do outro. Cada um é responsável pelo que faz com a obra de um grande pensador. Por exemplo, recebi críticas porque deixei de estudar Lukács para começar a estudar Gentile, depois deixei Gentile porque não achei utilizável, e passei a estudar Dussel. Dussel parece a continuação do pensamento de Lukács, naturalmente a sua maneira.

Ricardo Lara: Dussel como continuação de Lukács? Você pode explicar essa relação?

Antonino Infranca: Dussel consegue escrever uma ética, tarefa que Lukács projetou, mas não teve tempo de escrever porque morreu antes. A ética de Dussel se desenvolve a partir de uma posição ética: uma posição do lado da vítima do sistema dominante capitalista. É a mesma posição que assumiu Marx e também Lukács: a abolição do sistema dominante e sua substituição por um sistema socialista e democrático, um sistema libertador das capacidades humanas.

Ricardo Lara: No livro Trabalho, indivíduo e história: o conceito de trabalho em Lukács, você aborda a concepção de trabalho em várias obras de Lukács. Qual foi o percurso de pesquisa?

Antonino Infranca: Começamos com a minha preocupação com o trabalho. Posso dizer que iniciei esse livro 26 anos atrás quando elaborei o trabalho de conclusão de curso de graduação. Depois agreguei o capítulo que desenvolvi sobre o livro O Jovem Hegel, que era a dissertação de mestrado, sendo totalmente reconsiderado. Repensei os estudos quando fiz a tese de doutorado na Academia Húngara de Ciências. Os capítulos sobre a Ontologia, O Jovem Hegel e História e Consciência de Classe foram inteiramente reescritos. A partir de 1990 deixei de lado, porque comecei a trabalhar com Gentile e depois Dussel, como também por não ter encontrado interessados sobre o tema na Itália. Nessa época caiu o regime socialista. Eu tinha boas relações com o regime socialista na Hungria, principalmente com intelectuais comunistas discípulos de Lukács, mas nessa época fecharam-se quase todas as possibilidades de estudar o pensamento de Lukács. Isso foi o grande golpe dado ao conhecimento, ao pensamento de Lukács, na Hungria, na Alemanha e em toda a Europa. Então, em 1998, quando fui morar na Argentina retomei o projeto de escrever um livro sobre o conceito de trabalho em Lukács. Os acontecimentos de 2001 (o chamado Argentinazo) me convenceram de que refletir sobre o trabalho e as perspectivas de um pensamento crítico estavam na ordem do dia, mais do que isso, tornava-se imperiosa uma reflexão sobre os fundamentos do ser social. Observava na ontologia lukacsiana a premissa para a definição de uma ética da libertação. A ética da libertação de Dussel representava a continuação da Ontologia de Lukács. Assim, retomei aquela antiga investigação, e após dois anos de estudos aprofundados cheguei à sua forma conclusiva com o livro.

Ricardo Lara: Qual a importância do conteúdo do livro para nossos dias?

Antonino Infranca: O conteúdo do livro tem, sem dúvida, pouco acordo com o pensamento filosófico corrente, mas é absolutamente atual para aqueles que prestam um mínimo de atenção aos movimentos sociais e as exigências de libertação dos dias de hoje.

Ricardo Lara: O livro apresenta percurso por toda a obra de Lukács. Você considera a concepção de trabalho da Ontologia de Lukács como a síntese da longa produção teórica lukacsiana?

Antonino Infranca: Quando comecei a investigar o conceito de trabalho em Lukács, compreendi que a imagem que a cultura italiana e européia fazia de Lukács, era a de um pensador que não tinha continuidade e de que havia muitos cortes na sua vida intelectual e, pior ainda, imaginavam que era um pensador orgânico do stalinismo. Então, primeiramente, é claro que Lukács teve cortes biográficos como qualquer ser humano que vive o seu tempo e se envolve com os grandes acontecimentos políticos e culturais.

Ricardo Lara: Sabemos que Lukács realizou várias autocríticas ao longo de sua vida. O que você entende por corte biográfico na vida de Lukács?

Antonino Infranca: Bom, temos que pensar o que significa cortes biográficos na vida de um intelectual da envergadura do Lukács. E é claro que, por exemplo, quando o “jovem Lukács” passa a ser marxista temos um corte. Quanto profundo é esse corte? Temos que fazer outra pergunta: por que se tornou marxista? Então, nós sabemos, por exemplo, que Lukács queria renovar, reestruturar, revolucionar, ele fala em democratizar, usa uma palavra húngara demokratizáládos, que significa democratização, ele usa esta palavra em 1909 no ensaio Cultura Estética. Ele já tinha uma intenção revolucionária. O marxismo que ele encontra em 1918, um ano depois da Revolução de Outubro, oferece essa possibilidade. É corte ou continuação? O marxismo oferece respostas aos questionamentos do filosofo húngaro. Lukács continua com a mesma posição, só que agora com a passagem ao marxismo sua posição intensifica-se, ele passa a ser marxista durante o processo revolucionário da Revolução Húngara dos Conselhos de março de 1919. No processo revolucionário húngaro, Lukács torna-se um político prático, começa a realizar suas ideias, por exemplo, uma delas é a abertura do teatro aos trabalhadores, isto significa preocupar-se com o crescimento cultural dos trabalhadores. É claro que a renovação da cultura começa a ser uma perspectiva da revolução mundial. O problema não era somente a defesa da Revolução Soviética. A questão era: como exportar a revolução para fora da Rússia? O Lukács marxista quando vê que as revoluções na Europa são derrotadas, coloca uma questão: quais são os problemas do tempo presente?

Ricardo Lara: Essa problemática está presente na obra História e consciência de classe?

Antonino Infranca: Sim. Primeiro: reificação, fordismo, taylorismo com a total hegemonia do capitalismo. E depois outros problemas: o papel do partido, a violência, o uso revolucionário de tudo isso. Nos anos 1920, Lukács fica na oposição dentro do Partido Comunista da Hungria, com isso começa a trabalhar com a difusão cultural de suas ideias dentro do Partido Comunista da Alemanha. Depois, em Moscou, passa a estudar os Manuscritos Econômico-Filosóficos de Marx, que é uma verdadeira “revelação” para ele. Esse desenvolvimento intelectual não é um corte, é um desenvolvimento intelectual que aprofunda as ideias anteriores. Ele aprofunda suas principais preocupações, mas agora revolucionárias.

Ricardo Lara: Em 1930 Lukács vai para Moscou e trabalha no Instituto Marx-Engels-Lenin.

Antonino Infranca: Lukács vai para União Soviética nos anos 1930. Muitos questionam: “por que não fugiu para a Inglaterra ou mesmo para os Estados Unidos?”. Esquecem-se de uma questão crucial: Lukács tinha uma condenação à morte pelo governo húngaro fascista de Miklós Horthy. Tanto que a Áustria estava entregando Lukács à Hungria no final dos anos 1920, mas com a ajuda de Thomas Mann, ele conseguiu exílio na Alemanha liberal e democrática de Weimar. Quando cai a Alemanha de Weimar, o único país que Lukács podia refugiar-se era a União Soviética, pois lá não se reconhecia o governo de Horthy. Por exemplo, se ele se refugiasse na Inglaterra ou na França, países que reconheciam o governo de Horthy da Hungria, correria o risco de ser extraditado. Naquele momento, o fascismo era simpático aos governos ocidentais. Então, Lukács vai para União Soviética onde participa do debate cultural e posiciona-se contra as posições do marxismo positivista da Segunda Internacional. Lukács começa a escrever ensaios sobre Tolstoi e Dostoievski, além de um livro sobre o jovem Hegel. Neste livro, ele mostra como o jovem Hegel era revolucionário, quando a ideia do stalinismo russo era mostrar que o velho Hegel era reacionário. Escreveu o livro O Romance Histórico, e na União Soviética ninguém conseguiu falar nada, porque o stalinismo não conhecia o debate do romance histórico. Em 1933 e 1934 começou a escrever A Destruição da Razão, obra de crítica à cultura ocidental alemã. Para Lukács, a cultura alemã estava por ser manipulada pelo nazismo. Na minha avaliação ele começa a escrever A Destruição da Razão nos anos de 1930. Penso que ele chega na União Soviética já com alguns escritos do livro. Lukács começa a pensar o livro nos anos de 1930 quando ele estava em Berlim, momento de ascensão do nazismo.

Ricardo Lara: Lukács foi perseguido pelo stalinismo e também rotulado de stalinista. Como você analisa essa situação?

Antonino Infranca: Lukács é perseguido pelo stalinismo, foi preso em 1941. Ele só foi solto pela intervenção pessoal de Dimitrov, que era secretário-geral da Internacional Comunista na época. Pergunto: como pode ser stalinista uma pessoa que foi presa pelo stalinismo? Ainda depois, na Hungria, foi afastado da vida acadêmica quando os stalinistas tomaram o poder. Em 1949, ele é retirado da Universidade, fica em solitária vida privada, e passa a escrever a Estética. Intervém na Revolução Húngara de 1956 contra o stalinismo húngaro e é deportado para a Romênia por participar do governo de Imre Nagy, apesar de votar contra a saída da Hungria do Pacto de Varsóvia. Em seguida é liberado por ser personagem de grande envergadura. Por muito tempo fica fora do Partido Húngaro, esquecido. Nessa época publicava só em alemão, na Alemanha Ocidental, na Itália, pouco em francês, pouquíssimo em inglês. Em 1967, Lukács retorna ao Partido Comunista Húngaro. Quando a Hungria participa da invasão da Tchecoslováquia em 1968, Lukács escreve o ensaio Demoktratisierung heute und Morgen (Democratização hoje e amanhã). Lukács respondeu àquela invasão brutal com a única arma de que dispunha: a caneta. Foi uma maneira de protestar contra aquele episódio. Como pode ser stalinista um personagem que tem todos os princípios intelectuais, as obras, a vida contra o stalinismo?

Ricardo Lara: Quando o ensaio Demoktratisierung foi publicado?

Antonino Infranca: O ensaio, na época, foi enviado por Lukács ao Comitê Central do Partido Húngaro. A intenção de Lukács era que o ensaio se dirigisse ao centro de uma discussão política, porém, o ensaio acabou sepultado nos arquivos do partido, fadado ao esquecimento. Em 1985, Gorbatchov foi eleito secretario do Partido Comunista da União Soviética e iniciou sua política de perestroika (reestruturação) e glasnost (transparência). Os dirigentes húngaros se recordaram da Demoktratisierung e quiseram republicála, embora não de modo unânime. A intensão era de reforçar as tendências reformadoras com a contribuição de uma pensador marxista autêntico. Eu mesmo tive um pequeno papel na história da Demoktratisierung. Dada a oposição interna na diretoria do partido, que chegou a conseguir interromper a venda do livro - que, já impresso teve seus exemplares confinados ao Arquivo Lukács em uma condição de semilegalidade -, os gorbatchevistas tentaram contorná-la fazendo com que o livro chegasse ao Ocidente. Mais especificamente, queriam que a Editori Riuniti, o ramo editorial do Partido Comunista Italiano o publicasse. Para tanto, alguém precisava correr o risco de atravessar a fronteira com a obra. Acabou sendo eu, então aluno de doutorado da Academia Húngara de Ciências, o encarregado de levar o ensaio até a Itália. A polícia de fronteira húngara, naquela época, não era muito rígida e entrei com o ensaio na Itália. O ensaio foi publicado pela primeira vez em italiano sob o título L´omo e La democrazia, em 1987, pela editora Lucarini, por conta da crise momentânea enfrentada pela Editori Riuniti. A essa altura, como sabemos, a política de Gorbatchev já estava concluída, uma vez que tanto entre os dirigentes dos diversos partidos comunistas da Europa Oriental quanto entre as populações notava-se um evidente desgaste do regime. Desse modo, a Demoktratisierung continuou sendo uma obra bem pouco conhecida.

Ricardo Lara: A obra de Lukács reflete a crítica ao stalinismo?

Antonino Infranca: A sua vida reflete a crítica ao stalinismo. São dois elementos fundamentais: a) obra e pensamento; b) vida e posições. O primeiro é subjetivo, mas o segundo fundamento é objetivo, são posições políticas na vida. Portanto, não têm justificativas objetivas e subjetivas para nomeá-lo stalinista.

Ricardo Lara: Como você aborda a categoria trabalho em seu livro?

Antonino Infranca: O meu livro começa toda a discussão do sentido do trabalho como princípio/ fundamento. Analiso o trabalho como princípio, como processo de hominização. Isto significa que um animal se tornou homem porque começou a trabalhar. O trabalho é uma forma de práxis e atividade muito diferente das outras atividades desenvolvidas pelos demais animais. O trabalho na concepção lukacsiana trata-se de um conceito/categoria, mas que serve também para descrever a essência necessária do ser humano e sua capacidade de viver em comunidade. O trabalho representa o fundamento de uma comunidade humana, uma vez que viabiliza o estabelecimento de relações entre seres humanos - relações práticas, sociais, axiológicas e linguísticas. Nesse sentido, o trabalho é a base na qualidade de causa, da socialidade do ser humano, estando na origem do ser social - que de resto, apresentava já uma predisposição natural para a socialização. Assim, o trabalho é uma possibilidade concreta que permitiu a um animal geneticamente prédisposto passar para o estágio da humanidade. A generidade em si do homem pode passar a sua generidade para si através do trabalho. Desse modo, o trabalho representa também um meio de expressão, de realização, da essência necessária do homem - sua humanidade. O trabalho revela-se, portanto, uma estrutura necessário do ser social, que permite o estabelecimento de vínculos permanentes entre os seres sociais. No fundo, o trabalho é princípio/fundamento, substância, meios de exteriorização necessária na medida em que realiza a universalidade do gênero humano. Para Lukács, o trabalho constitui um complexo de complexos, um conjunto de momentos categoriais mantidos e unidos por uma série de relações recíprocas.

Ricardo Lara: E a concepção de política na obra de Lukács?

Antonino Infranca: É claro que quando se fala de um ser social que nasce do trabalho, este ser é social e político. A política não é divisível. A política é ontológica. Cada vez que tomamos uma decisão política, tomamos entre alternativas. Atuamos dentro de alternativas que são fundamentais em nossa vida cotidiana. Participamos emotivamente a favor ou contra os acontecimentos na vida cotidiana. Os nossos sentimentos enquanto seres humanos são políticos. Isso é a politicidade do ser social. Lukács escreve que o marxismo é uma filosofia política. Platão e Aristóteles estão de acordo sobre uma coisa: a filosofia primeira é a política. Então, quando Lukács escreve a Ontologia, quer renovar o marxismo, quer uma nova forma de política. No Testamento Político, Lukács fala de um processo de democratização, de um processo contínuo de democratização. Por exemplo, quando se consegue a realização de um objetivo, um fim almejado pelas lutas, este fim é político. Essa é a base para novas lutas e novas conquistas, ou seja, para conseguir outro fim político. É a contínua democratização. Lukács pensava que era possível reformar o sistema socialista na Hungria e em todos os países socialistas. Para ele, o Estado socialista é um Estado intrinsecamente democrático! Por isso define direitos, claro, define limites da liberdade individual como em qualquer outra comunidade humana. Eu não posso fazer o que quero com os outros, mas também o Estado deve respeitar a liberdade dos indivíduos.

Ricardo Lara: O que é o indivíduo para Lukács?

Antonino Infranca: Lukács, na Ontologia, propõe um princípio de homem e um princípio de história, surge disso a indagação pela qual Lukács considera o trabalho como modelo de todo atividade humana que objetiva à realização de um fim. Deve-se compreender a dialética da estrutura interna do ato laboral e de seu papel histórico. O trabalho, na medida em que constitui o princípio do homem, deflagra duas cadeias causaiscasuais: o indivíduo e o ser histórico-social. O indivíduo é um complexo que é substancialmente in-dividuum, ou seja, um ente indivisível entre singularidade e generidade humana, que, enquanto humana, é também social. A formação do indivíduo enquanto indivíduo representa um espelhamento da formação do ser social.

Ricardo Lara: O seu livro apresenta a concepção de arte relacionada ao trabalho e ao indivíduo social. Como você entende a concepção de arte em Lukács?

Antonino Infranca: Lukács era interessado em literatura, como também em outras formas de arte. A arte é um momento da produção. A produção é uma parte do processo de trabalho, o trabalho termina com uma produção. É claro que a produção artística é diferente da produção do trabalho. Na produção artística é necessário um conhecimento, uma capacidade que somente o artista tem. O homem comum não tem essa possibilidade. O artista é aquele homem que pela sua capacidade, pelo seu talento, consegue fazer coisas que os demais não conseguem, porém os outros se reconhecem na obra do artista. Pode ser que se reconheçam até mesmo para além do que o artista pensava. O fruidor da obra de arte pode encontrar sentidos, significados, mensagens que o artista não tinha pensado. Por quê? Porque o fruidor, na frente da obra de arte, está debatendo consigo mesmo. A arte é a alta consciência da humanidade. A obra de arte é feita pelo homem e para os outros homens que estão desfrutando desta. No caso, o homem aproveita do produto de outro homem. O artista é um homem de grande talento, de grande personalidade. A personalidade não é um caráter pessoal. Por exemplo, Balzac era reacionário, mas suas obras são progressistas. Não importa de que maneira relativa viveu o artista, importa o que ele põe naquela arte. No caso de Balzac, que Lukács faz referência, é ainda mais importante porque Balzac mesmo sendo reacionário inspirou os progressistas. Lukács propõe essa concepção do artista, que pode colocar-se politicamente à direita, enquanto sua produção artística é de esquerda.

Ricardo Lara: O debate da alienação na obra de Lukács perpassa por História e consciência de classe, O jovem Hegel e outros textos. Como você aborda no seu livro?

Antonino Infranca: No meu livro, no capítulo sobre História e consciência de classe, começo com uma reflexão: Lukács podia escrever a Ontologia sem escrever História e Consciência de Classe? A minha resposta é não. Entendo o Posfácio de 1967 de História e Consciência de Classe como uma autocrítica, mas analiso também como uma narrativa do percurso cultural, biográfico que ele fez de História e Consciência de Classe até a Ontologia. No meio do percurso tem aquela “iluminação”, “revelação” sobre a leitura dos Manuscritos Econômico-Filosóficos de Marx. Lukács caminhou na perspectiva marxista. Ele olha para História e Consciência de Classe como uma obra superada, uma obra que não tem mais o mesmo sentido que tinha naquele momento revolucionário dos anos 1920. Por quê? Porque nos anos 1960 ele quer estudar e fundar o indivíduo social, Lukács quer superar todas as diferenças, diferenças de superfície histórica, pois a Ontologia não é somente para o homem que vive no socialismo, no capitalismo, é para compreensão do gênero humano. Por exemplo, História e Consciência de Classe não é utilizável na China de Mao-Tse-Tung, era uma crítica utilizável no sistema produtivo capitalista avançado. Na Ontologia, Lukács observa que desde o primeiro ato de trabalho, o homem se estranha. Cuidado! Se estranha no sentido de que para produzir coisas precisa agora de instrumentos de trabalho, o homem tem que produzir e ter comportamentos que não estava acostumado antes de possuir os instrumentos de trabalho. Quando o homem começou a trabalhar uma pedra, pela primeira vez usou de maneira brutal. Depois entendeu que se a aperfeiçoasse, sua utilização poderia ser mais eficiente. Então, para começar a passar de pedra para ponta de flecha, tem que ter um comportamento de trabalho cuidadoso que não era comum ao homem. Nesse processo, o homem se estranhava naquela dimensão original. Este estranhamento é negativo? Não! É normal. É o processo de humanização pelo trabalho. Lukács fala disso: uma coisa é o estranhamento negativo, como por exemplo, a religião que tira o interesse concreto da vida cotidiana, como vemos na vida do islamismo, por exemplo. Por que no islamismo? Porque no islamismo o processo de laicização da vida cotidiana é menos forte do que no cristianismo. Portanto, depende da situação concreta em que se encontra o homem. Outra coisa é quando o estranhamento impõe comportamentos, pensamentos, maneiras de ser que são completamente contrárias ao desenvolvimento e à liberdade do homem.

Ricardo Lara: No caso, processos de estranhamentos que levam a manipulação?

Antonino Infranca: Sim. Lukács discute a manipulação. Por exemplo, Lukács diz que uma coisa é fumar quando uma pessoa gosta de fumar, outra coisa é fumar porque está no filme Casablanca. Não podemos impedir que isso seja feito, podemos criticá-lo. Lukács critica o estranhamento porque extrai o processo de hominização, de libertação do homem. Lukács, em História e Consciência de Classe, está falando de um processo de trabalho que é uma reificação, que considera o homem como coisa, que sai da fábrica para a sociedade. Esse processo de produção reificada, na época, é o grande capital norte-americano que construiu uma ideia de civilização universal e quer vender este produto, estilo de vida, junto com a maneira de produzir mercadorias. O homem como “gorila amestrado” é o modelo de homem nos países de capitalismo avançado. O “gorila amestrado” é levado para a Alemanha e torna-se uma perfeita máquina de guerra, como foi o soldado alemão na II Grande Guerra Mundial. Em História e Consciência de Classe, Lukács compreende o fetiche da mercadoria como momento predominante da totalidade do ser social e, neste ponto de vista, a reificação lhe parece a categoria universal que informa o modo de ser da sociedade e da postura dos homens para com ela. O ser social aparece esmagado em sua essência pela forma de fetiche da mercadoria, que aliena a estrutura originária. A forma de fetiche da mercadoria não somente tem transformado o sujeito em coisa, mas também tem distorcido o processo de civilização que, surgido como domínio sobre a natureza, assistia, até a chegada do capitalismo, ao predomínio das relações naturais na troca orgânica com a natureza e nas suas formas de ser social. A reificação, engendrada no mesmo processo de trabalho dominado pelo caráter de fetiche da mercadoria, acaba justamente esmagando, por sua vez, a inteira totalidade da sociedade burguesa. Esta governa a aparência fenomênica imediata do mundo e da consciência. Lukács elabora um modelo de análise que deve, ele mesmo, proceder pela assunção do caráter originário dessa forma de fetiche da mercadoria que, através da reificação imposta ao centro do processo de trabalho e ao próprio trabalhador, envolve a totalidade social como forma fenomênica da sociedade capitalista.

Ricardo Lara: Na Ontologia, Lukács ao realizar a exposição minuciosa das categorias retoma a filosofia clássica para explicar alienação e estranhamento. Como você avalia o retorno ao pensamento de Hegel?

Antonino Infranca: Filosofia clássica nesse sentido é Hegel. Hegel é muito claro: o homem que trabalha objetiva sua ideia. Lukács, na Ontologia, usa o capítulo da Lógica de Hegel para discutir a teleologia, ou seja, o homem tem um projeto, este projeto que passa a ser coisa no mundo. Pôr teleológico: uma alienação que chega a uma objetivação da ideia. Isto é um processo normal. A alienação/objetivação é um processo normal, teleológico. Porém, se outro homem domina este processo de objetivação do produtor, reduz o produtor ao processo mecânico produtivo, como é denunciado em História e Consciência de Classe, isso passa a ser um processo de total alienação/estranhamento. É um estranhamento da natureza do homem, pois sua produção fica limitada e controlada por outro homem, isto gera o estranhamento. Na Ontologia, Lukács retoma a distinção hegeliana entre Entäusserung (alienação) e Entfremdung (estranhamento), segundo a qual a alienação seria a exteriorização da essência subjetiva e o estranhamento seria, ao contrário, uma coisificação do trabalho, ou sua redução a atividade mecânica independente da vontade do trabalhador. Para Lukács, o trabalho é uma forma de objetivação da essência subjetiva na realidade, que para realizar-se precisa de elementos não subjetivos, como as ferramentas de trabalho ou matéria-prima. Por isto toda forma desenvolvida de trabalho demanda um nível de alienação, que está nos fundamentos da divisão social do trabalho e, portanto, de algumas formas alienadas de moral, como o direito e a religião que constituem formas de regulamentação da divisão social do trabalho e da estrutura de dominação que daqui surge. A alienação se transforma em estranhamento, que mantém algum rastro dessa alienação/objetivação e por esta razão algumas formas autônomas de direito ou religião podem aparecer aos membros de uma comunidade como formas de libertação da estrutura de dominação. Este é o local da ética para Lukács. O socialismo será a reassunção do estranhamento no sujeito por meio do desenvolvimento da objetivação, no sentido de que um amplo progresso social negará as formas de estranhamento mais desumanas. Lukács fixou uma distinção precisa entre objetivação (Vergegenständlichung) e exteriorização (Entäusserung), o que permite a coexistência entre o gênero (Gattung) humano, que é um resultado da objetivação, e o in-dividuum, que é o resultado da exteriorização. O in-dividuum se constitui exatamente no momento em que sua objetivação se torna um valor de uso para outros indivíduos que enxergam no processo de produção alheio (objetivação da essência genérica humana) um objeto para a satisfação da própria necessidade. A intensificação da produção e seu aprimoramento se encontram na divisão do trabalho, a qual tornará a exteriorização ainda mais genérica. Deve-se ter presente que o termo usado por Lukács para exteriorização, Entäusserung, em Hegel significa “alienação”, e em Marx era empregado também na acepção de “estranhamento”. Portanto, a exteriorização não é um processo neutro, mas implica de algum modo uma saída da essência genérica humana para fora de si, e uma objetivação na matéria, mesmo conservando uma distinção entre os dois momentos, de modo tal que no reconhecimento alheio do valor do objeto se construa a unidade singular com o genérico, isto é, in-dividuum.

Ricardo Lara: Quero retomar uma afirmação que você fez anteriormente. Você disse que História e Consciência de Classe foi necessária para depois escrever a Ontologia.

Antonino Infranca: Sim. Quando falei que História e Consciência de Classe era necessária para escrever a Ontologia, penso que História e Consciência de Classe, quando escrita, era a maneira mais desenvolvida de descrever o fenômeno do trabalho naquele momento. Quando na Ontologia, Lukács fala do trabalho na sua essência ontológica, está fazendo uma análise mais profunda. Porém, era necessário descrever o trabalho em História e Consciência de Classe como se fosse uma fenomenologia e depois passar para uma análise mais profunda do trabalho na Ontologia. Isto é a essência da filosofia clássica de Lukács. Se passarmos de História e Consciência de Classe para a Ontologia, percebemos que as problemáticas da alienação e da reificação foram radicalmente reelaboradas. É necessário fazer aqui uma observação terminológica: na Ontologia, Lukács usa Entaüsserung no significado hegeliano, ou seja, uma exteriorização da essência genérica do homem, ao passo que usa Entfremdung no significado marxiano de estranhamento, ou seja, uma viragem pelo avesso, negativa, do ato da exteriorização sobre o sujeito.

Ricardo Lara: Lukács aborda as categorias como complexo de complexos. Qual sua compreensão dos complexos de complexos?

Antonino Infranca: Cada forma de ser é formada por complexos, ela mesma é um complexo formado por uma conjunção de complexos, por exemplo: cada um de nós é um ser social, mas também um ser orgânico, um ser inorgânico. Como ser inorgânico é a junção de átomos, e cada átomo na sua forma é um complexo, porque é formado por muitas partículas. A mesma célula orgânica forma muitas células, cada uma diferenciada da outra e também com funções muito diversificadas, porque a célula do cérebro não funciona igual a célula de outra parte do corpo. O coração, por exemplo, é um complexo que funciona dentro do complexo do corpo humano. O corpo humano, como ser social, funciona dentro da sociedade e esta é um complexo ainda maior. Esse é o significado de complexo de complexos. É sempre importante olhar para qualquer forma de ser na sua complexidade. Porque quem pensa de forma simples viola a realidade. Quando faz economia de pensamento está transgredindo a realidade.

Ricardo Lara: Lukács discute três grandes complexos processuais dinâmicos que se desenvolvem ininterruptamente no curso da história da humanidade. O primeiro é a diminuição da quantidade de trabalho necessário à reprodução física do homem; o segundo é o recuo das barreiras naturais pelo domínio do trabalho e a crescente socialização da sociedade (e da natureza); o terceiro é a integração crescente entre as sociedades que se encontram em relação recíproca pelo mercado mundial, no capitalismo.

Antonino Infranca: Muito importante esse resgate, o terceiro é o mais impactante.

Ricardo Lara: Entender a sociedade como complexo de complexos, é uma concepção de ciência contrária à orientação atual? A ciência tem uma tendência para definições e não em pensar a realidade enquanto complexo de complexos? Podemos dizer que Lukács está trabalhando com uma concepção de ciência, de filosofia que combate a ciência contemporânea?

Antonino Infranca: Não tenho essa impressão que a ciência trabalha com definições, isso pode ser a divulgação da ciência. Os cientistas de primeiro nível de pesquisa avançada estão respeitando o que Lukács falava, não porque conhecem Lukács, mas porque Lukács conhece o trabalho dos cientistas naturais para falar de complexos. A pesquisa é exatamente no sentido de descobrir como se forma um complexo, porque os cientistas sabem que a realidade é muito complexa.

Ricardo Lara: Por mais que a ciência se desenvolva dentro de suas especialidades, a ciência de rigor traz a compreensão de complexo de complexos?

Antonino Infranca: Exatamente.

Ricardo Lara: Qual o impacto da obra de Lênin no pensamento de Lukács?

Antonino Infranca: Lukács escreve que se tornou comunista sem conhecer Lênin e começou a estudálo depois da morte de Lênin. Escreveu um pequeno livro sobre Lênin e naquele momento começa a conhecer mais profundamente o seu pensamento. Depois utiliza a teoria do espelhamento no ensaio Arte e verdade objetiva de 1934, exatamente quando começa o estalinismo na arte. Lukács pensa que o artista tem que refletir a realidade à sua maneira, não a maneira fotográfica, e depois o fruidor decide se a obra é efetivamente realista ou não, pois é o fruidor que se identifica com o quê o artista faz.

Ricardo Lara: Por fim. Qual o legado de Lukács para nossos dias?

Antonino Infranca: É claro que a realidade brasileira tem as suas particularidades e o pensamento de Lukács tem que ser adaptado a esta particularidade, sem ser traído nos seus fundamentos, senão começa a ser outra forma de pensamento que não tem nada a ver com Lukács. O importante é demonstrar a qualidade do pensamento de Lukács e como ele pode ser utilizado para fazer pesquisas, para fazer trabalho prático, para entender a realidade. É claro que a realidade de hoje é muito diferente da época de Lukács.

Notas

  • 1
    A obra foi redigida em alemão (Zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins), sua primeira edição integral em húngaro é datada de 1976. A primeira parte foi publicada em italiano (Per l’ontologia dell’essere sociale) também no ano de 1976, a segunda parte foi publicada em 1981. Em alemão, a edição integral, incluindo os Prolegômenos, é de 1984 e 1986.
  • 2
    O endereço eletrônico referido é: https://gyorgylukacs.wordpress.com.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2016
  • Aceito
    08 Nov 2016
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