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Políticas familiares: uma introdução ao debate contemporâneo

Family Policies: an introduction to contemporary debate

Resumo

Este trabalho apresenata uma breve sistematização acerca do debate sobre as políticas familiares, considerando suas origens e concepções, bem como a trajetória europeia e a latino-americana. Tal sistematização é fruto de um estudo de natureza bibliográfica e através dela busca-se dar visibilidade a questão das políticas familiares no campo da política social, especialmente nas últimas décadas. Trata-se de uma discussão bastante consolidada na Europa e em vias de consolidação na América Latina, e se considera que as políticas familiares se inscrevem no conjunto das políticas sociais e têm impactos importantes na vida das famílias. Estas abrangem não apenas as medidas legislativas, como também subsídios e serviços, além da ampla gama de ações voltadas para melhorar o bem-estar das famílias e aliviar as pressões que estas sofrem no exercício de suas responsabilidades.

Palavras-chave:
Políticas Familiares; Concepções; Trajetórias

Abstract

This study presents a brief systematization of the debate over family policies, considering their origins and conceptions, as well as their trajectory in Europe and Latin America. This systematization is the fruit of a bibliographic study and aims to give visibility to the issue of family policies in the field of social policy, especially in recent decades. This discussion has been quite consolidated in Europe and is being consolidated in Latin America. Family policies are inscribed in the set of social policies and have important impacts on the life of families. They encompass not only legislative measures, but also assistance and services, as well as the wide range of actions aimed at improving the well-being of families and alleviating the pressure that they suffer in the exercise of their responsibilities.

Keywords:
Family policies; Conceptions; Trajectories

1. Introdução

A separação entre as esferas da produção e da reprodução, com o advento do capitalismo e a subsequente delegação da reprodução à esfera privada, colocou no ostracismo a questão do trabalho de reprodução e naturalizou, através da família, o trabalho não pago realizado especialmente pelas mulheres. Ao longo do tempo, diante das necessidades de acumulação geradas pelo próprio capitalismo e das reivindicações da classe trabalhadora, o tratamento das questões vinculadas à reprodução foi ganhando novos contornos, embora nunca tenha deixado de prescindir de uma cota extensiva de trabalho familiar. Nesse contexto, as transformações que vêm ocorrendo nas sociedades contemporâneas, relacionadas aos padrões de organização do trabalho, às transições demográficas e aos pactos referentes à proteção social têm fomentado, especialmente a partir dos anos de 1970, o debate em torno das denominadas políticas familiares. Um debate que no Brasil, apesar das importantes contribuições do movimento feminista, só começa a ter visibilidade nos anos 2000, quando a família é retomada como matricial no campo da política social, momento em que começa a ter visibilidade o caráter familista que impregna a concepção de proteção social do ideário neoliberal e quando se assiste, no país, à maior ofensiva para o desmantelamento das políticas sociais que visam garantir os direitos sociais.

Portanto, conhecer as linhas gerais do debate, realizando algumas considerações acerca das políticas familiares no contexto latino-americano e na União Europeia (UE), justifica a sua pertinência para os trabalhadores sociais que atuam no campo da política social e têm a família como um sujeito de intervenção privilegiado.

A aproximação com o debate sobre as políticas familiares, para conhecê-lo e verificar as suas proposições, foi realizada mediante uma investigação com base na revisão de bibliografia referente ao tema no âmbito da produção europeia e latino-americana1 1 Esta pesquisa é parte do estudo sobre Políticas Familiares e Políticas de Conciliação Trabalho e Família, cujos resultados estão descritos em Abrão (2016), e está vinculada ao projeto Política Social, Família e Trabalho Familiar: Proposições e Percursos Analíticos (CNPq-Processo 304540/ 2013-7). . O critério de seleção do material bibliográfico implicou pesquisa na literatura científica acerca das principais significações que circundam o termo política familiar. O material analisado incluiu artigos, livros, anais de eventos, dissertações, periódicos publicados no Brasil e exterior, documentos oficiais (nacionais e internacionais) localizados em pesquisas realizadas com escopo político e acadêmico, e ainda entrevistas com especialistas e matérias publicadas em veículos científicos e de massa (abalizadas) disponibilizadas na internet. Foram consultados também acervos secundários, tais como: Relatórios, Cartas, Pareceres e Resoluções da Comissão Europeia, do Comitê Econômico e Social Europeu, do Conselho Europeu, do Parlamento Europeu, do Gabinete de Estatísticas da União Europeia (EUROSTAT), das Nações Unidas, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, além de publicações, documentos técnicos e legislações específicas de política familiar de vários países. De posse do material bibliográfico, realizou-se uma leitura seletiva e, em seguida, uma leitura analítica. A leitura seletiva serviu para identificar e selecionar, entre toda a produção, o material que poderia contribuir para a elaboração de sínteses capazes de apontar a construção teórica sobre as políticas familiares. A partir dessa identificação, iniciou-se uma leitura analítica que permitiu a sistematização do debate. Portanto, neste trabalho, busca-se dar visibilidade a tal debate. Para tanto, no primeiro momento, contextualiza-se a origem dessa terminologia no campo da política social e suas concepções. Posteriormente, apresentam-se sucintamente aspectos da trajetória destas políticas na União Europeia e evidencia-se o seu debate na realidade latino-americana. Por fim, tecem-se algumas considerações, pautando algumas questões que circundam o debate sobre as políticas familiares.

2. Políticas familiares: origens e concepções

O termo política familiar é recente na literatura e sua emergência se deu no início do século XX, quando a secretária da Comissão Governamental Sueca, Alva Murdal, referiu-se ao programa para a segurança familiar em 1939 e, anos depois, o consolidou em um artigo publicado em língua alemã (FLAQUER, 2000______. Las políticas familiares en una perspectiva comparada. Barcelona: Fundación “la Caixa”, 2000. (Colección Estudios Sociales, n. 3).).

Segundo Ohlander (1996OHLANDER, A. ¿El niño invisible? La lucha por una política familiar socialdemócrata entre 1900 y la década de 1960. In: BOCK, G.; THANE, P. (Coord.). Maternidad y políticas de género: la mujer en los estados de bienestar europeos, 1880-1950. Madrid: Cátedra, 1996. p. 115-136.), apesar de sua existência, o termo não foi referenciado durante toda a década de 1950, no campo público e político, e isso aconteceu apenas nas décadas seguintes, quando na Europa se desenvolveu uma ampla discussão sobre as políticas familiares, sob a égide dos regimes de bem-estar social. No entanto, sua conceituação é eivada de imprecisões e contradições que se vinculam a diferentes concepções de proteção social e das responsabilidades pertinentes às diferentes esferas de provisão social: Estado, Mercado e Família.

Ao tentarem conceituar políticas familiares, vários estudiosos (FLAQUER, 2000______. Las políticas familiares en una perspectiva comparada. Barcelona: Fundación “la Caixa”, 2000. (Colección Estudios Sociales, n. 3).; FLAQUER; BRULLET, 2006; MEIL LANDWERLIN, 1992______. Política familiar: contenido y significado. Revista Internacional de Sociología, Córdoba, p. 173-191, 1992., 1995) acordam que elas podem ser apreendidas como um conjunto de intervenções da administração pública que visam favorecer as pessoas com responsabilidades familiares para que estas desempenhem, de maneira satisfatória, o trabalho no âmbito privado e no âmbito público, sobretudo no que se refere aos cuidados com as crianças. Meil Landwerlin (1992) considera que o conteúdo e o significado da política familiar podem parecer banais à primeira vista, mas uma análise mais detalhada evidencia que não se trata de algo simples, tampouco as proposições, as medidas políticas eleitas e também a combinação entre estas e seus efeitos na vida familiar. Portanto, segundo o autor, é fundamental buscar critérios para determinar o conteúdo e o significado da política familiar desde o ponto de vista das famílias.

Flaquer (2000______. Las políticas familiares en una perspectiva comparada. Barcelona: Fundación “la Caixa”, 2000. (Colección Estudios Sociales, n. 3).) esclarece que escolheu o termo política familiar para designar programas, medidas de intervenção, princípios e diretrizes que os inspiram, e avalia que ele é suficientemente amplo para abarcar as várias modalidades de intervenção, o que não ocorre, por exemplo, com as expressões: “política de proteção à família, política de apoio à família ou às famílias, política de infância [...] ou de medidas amigáveis para a família” (FLAQUER, 2000______. Las políticas familiares en una perspectiva comparada. Barcelona: Fundación “la Caixa”, 2000. (Colección Estudios Sociales, n. 3)., p. 11, tradução nossa). Na sua análise, essas expressões trazem consigo uma variedade determinada de intervenção e, portanto, tornam-se fragmentadas e insuficientes para abarcar todo o conjunto de modalidades de intervenções contemplado pela política familiar. Neste sentido, Flaquer (2000) justifica a escolha pela expressão no plural, para ressaltar a pluralidade de opções e a diversidade de modelos existentes nesse campo, seja num enfoque político e/ou ideológico, seja por uma ótica das tradições culturais das diferentes nações. Fechando sua análise, apresenta uma definição clara e abrangente sobre o que entende por política familiar. Para ele, significa:

[…] um conjunto de medidas públicas para fornecer recursos para as pessoas com responsabilidades familiares para que elas possam desempenhar nas melhores condições possíveis as tarefas e atividades derivadas delas, particularmente os cuidados com filhos pequenos dependentes. A este respeito, os instrumentos específicos de política familiar dependem da natureza e do caráter dos recursos disponibilizados para as famílias, seja a partir dos mesmos órgãos públicos ou por outros agentes sob a disposição, o controle e a responsabilidade da administração. (FLAQUER, 2000______. Las políticas familiares en una perspectiva comparada. Barcelona: Fundación “la Caixa”, 2000. (Colección Estudios Sociales, n. 3)., p. 12, tradução nossa).

A partir dessa perspectiva, também compartilhada por Meil Landwerlin (1992), Flaquer (2000______. Las políticas familiares en una perspectiva comparada. Barcelona: Fundación “la Caixa”, 2000. (Colección Estudios Sociales, n. 3).) argumenta que a política familiar assemelha-se a qualquer outra intervenção social, no sentido em que consiste de medidas políticas e não de exortações morais sobre os valores ou princípios que deveriam configurar a organização familiar.

Saraceno e Naldini (2003SARACENO, C.; NALDINI, M. Sociologia da família. 2. ed. Lisboa: Estampa, 2003.) trazem uma importante contribuição ao esclarecerem que o termo política familiar é habitualmente inclusivo, pois abrange várias medidas legislativas, assim como subsídios e serviços, além de cobrir uma ampla gama de ações voltadas para melhorar o bem-estar das famílias e aliviar as pressões que estas sofrem no exercício de suas responsabilidades. Em razão disso, seus objetivos são abrangentes e referidos a um leque extremamente heterogêneo de medidas. Aliado a essa ideia, Flaquer (2014FLAQUER, L. Family-Related Factors Influencing Child Well-Being. In: BEN-ARIEH, A. et al. (Ed.). Handbook of Child Well-Being. Dordrecht: Springer Netherlands, 2014. p. 2229-2255.) evidencia que as medidas de apoio familiar são aquelas que fornecem às pessoas com responsabilidades familiares as possibilidades de um melhor desempenho de suas responsabilidades sem que haja qualquer tipo de prejuízo econômico, social e profissional. Nesta perspectiva, a política familiar deveria atender às necessidades dos membros familiares.

Para Barros (1995BARROS, N. A. de. El análisis de las políticas sociales desde una perspectiva familiar. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 49, p. 117-132, 1995., p. 122, tradução nossa), política familiar envolve “um conjunto coerente de princípios, objetivos, programas e recursos orientados para fortalecer e desenvolver a vida familiar e facilitar o desempenho da função social da família”. Entendida dessa forma, difere de uma “política que afeta a família”, pois ultrapassa a dimensão setorial porque é desenhada e implementada em função do indivíduo em um contexto familiar e social. Em sua análise, a autora demonstra que formular uma política familiar é tarefa complexa e requer muita cautela, pois, além de identificar a diversidade de arranjos familiares e as relações existentes entre eles, é necessário criar estratégias para avaliar os efeitos das medidas na vida das famílias. Para tanto, levanta algumas questões que podem servir para mensurar tais políticas: que tipo de família estamos favorecendo com determinado programa? De que forma estes programas afetam as funções das famílias? Em que medida o programa oferece à família a possibilidade de participação? Como o programa influencia no desempenho das famílias? As respostas a essas perguntas poderiam gerar um conhecimento necessário para tomar melhores decisões, enriquecer o debate e evitar tantas soluções inócuas.

Nesse cenário, os movimentos feministas são protagonistas na formulação de políticas de igualdade e na promoção e no desenvolvimento de um quadro institucional que visa introduzir a perspectiva de gênero em todas as políticas.

Com base nestes elementos, Montaño (2007______. El sueño de las mujeres: democracia en la familia. In: ARRIAGADA, I. (Coord.). Familias y políticas públicas en América Latina: Una historia de desencuentros. Santiago de Chile: CEPAL, 2007. p. 77-91., p. 86) propõe o debate sobre “políticas para as famílias desde uma perspectiva de gênero”. Para ela, tais políticas significam

[…] um conjunto de normas, procedimentos, programas e mecanismos públicos que operam sinergicamente e produzem como resultado a igualdade de mulheres e homens, tanto na esfera pública como na privada, ou seja, no interior das famílias em todas suas expressões […] (MONTAÑO, 2007______. El sueño de las mujeres: democracia en la familia. In: ARRIAGADA, I. (Coord.). Familias y políticas públicas en América Latina: Una historia de desencuentros. Santiago de Chile: CEPAL, 2007. p. 77-91., p. 86).

Desse modo, essas medidas abrangem tanto as políticas sociais tradicionais - educação, saúde, assistência social - quanto aquelas conquistadas recentemente, como as antiviolência ou a dos direitos reprodutivos. Na avaliação da autora, elas não deveriam ser definidas como políticas de família, mas como políticas públicas que repercutem nas famílias. Assim, seria mais cabível considerar como políticas de família as normas, os procedimentos, os programas e os mecanismos específicos particularmente orientados para conciliar o trabalho remunerado com o trabalho não remunerado de homens e mulheres. Todavia, ela ressalta que essa reflexão deve ser acompanhada de algumas considerações sobre determinados aspectos fundamentais, como o dinamismo do debate conceitual, sobretudo no que se refere às críticas ao caráter subalterno das políticas sociais com seus limitados recursos.

No campo institucional, destaca-se a concepção da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que entende as políticas familiares diretamente associadas à proteção à família, ou seja, como sendo

[…] aquelas políticas que aumentam os recursos disponíveis para as famílias em que há filhos dependentes, que promovem o desenvolvimento das crianças, reduzem as barreiras para ter filhos e promovem a conciliação do trabalho e da família, bem como fomentam a igualdade oportunidades de emprego […] (MEIL LANDWERLIN, 2011MEIL LANDWERLIN, G. La protección social a las familias en España. In: ALMEDA SAMARANCH, E.; DI NELLA, D. (Ed.). Bienestar, protección social y monoparentalidad. Barcelona: Copalqui, 2011. p. 67-92. (Las familias monoparentales a debate, v. 2). , p. 68).

Em outras palavras, referem-se a um conjunto de medidas ou instrumentos de política pública mais ou menos articulados para reconhecer e apoiar as funções sociais que cumprem as famílias, tendo sempre como fundamentos os objetivos e valores explicitados em relação a elas (MEIL LANDWERLIN, 2005______. La protección social de la familia: situación actual y tendencias en la Unión Europea. In: ARRIAGADA, I. (Ed.). Políticas hacia las familias, protección e inclusión sociales. Santiago de Chile: CEPAL, 2005. p. 19-28. (Serie Seminarios y Conferencias, 46).).

Particularmente após a Segunda Guerra Mundial, o termo políticas familiares passou a ser a expressão que manifestava o interesse em reconhecer que a responsabilidade pelo cuidado dos filhos e da família não era uma atividade exclusiva das mulheres/mães e que, portanto, deveria ser dividida com os homens/pais. A partir de então, sua discussão foi amplamente desenvolvida pelo movimento feminista, especialmente de tradição marxista, um movimento com o compromisso social e político em favor da igualdade de gênero, que deve ser incorporado nas políticas públicas. Sobretudo com a progressiva participação feminina no mercado de trabalho (como profissionais remuneradas), a qual impacta as novas formas de vida e de organização familiar.

Analisando o debate sobre as políticas familiares, Hantrais (2004HANTRAIS, L. Family policy matters: Responding to family change in Europe. Bristol: Policy Press, 2004.) ressalta que esta é ainda uma questão em aberto, mas que vem se afirmando a tendência de considerar como política familiar qualquer política que apresente algum impacto sobre a família. Assim, o termo política familiar tende a ser substituído por políticas para as famílias.

2.1 As políticas familiares na União Europeia

O termo política familiar consolidou-se na Europa, no ano de 1989, quando a Comissão Europeia criou o Observatório Europeu sobre Políticas Familiares Nacionais, cuja função consiste em estudar as tendências demográficas na Europa e investigar a situação das famílias e as políticas familiares nos Estados-membros (CAMPILLO POZA, 2013CAMPILLO POZA, I. ¿Adiós al familiarismo?: las políticas de conciliación de la vida laboral y familiar en España, 1997-2010. 2013. 339 f. Tese (Doutorado em Sociologia) - Facultad de Ciencias Políticas y Sociología, Departamento de Sociología I, Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 2013.).

Desde então, a UE tem desempenhado papel importante na condução e no debate realizado na Europa sobre as políticas familiares. Mesmo não tendo competências para normatizá-las, considerando que proposições acerca de tais políticas competem aos Estados-membros, ela tem emitido uma série de documentos que refletem posições acerca de concepções hegemônicas do debate e que tendem a respaldar as decisões dos diferentes países. Para tanto, junto com OCDE, tem encaminhado suas diretrizes com vistas a uma mobilização em escala europeia relativa à eliminação de barreiras que inviabilizam o trabalho remunerado dos genitores, com especial atenção ao das mulheres, e também ao cuidado com os filhos. Isso tem se realizado mediante uma série de relatórios, diretivas e recomendações que estimulam a adoção de políticas familiares que venham atender aos desafios continentais, especialmente face ao desafio demográfico que vive o continente europeu e à desigualdade de gênero. As medidas recomendadas não se resumem em ajuda financeira para o apoio e a manutenção das famílias, mas se colocam como instrumentos capazes de fomentar a conciliação da vida familiar e profissional, contribuindo, desse modo, para alcançar a igualdade entre homens e mulheres (MARTÍNEZ HERRERO, 2008MARTÍNEZ HERRERO, M. J. La política familiar como instrumento de igualdad: distintas concepciones europeas. Lan Harremanak. Revista de Relaciones Laborales, Leioa, n. 18, p. 43-79, 2008.).

Nesse contexto de debate, a Comissão Europeia colocou em pauta, no ano de 2005, a discussão sobre a necessidade de reforçar a solidariedade entre as gerações. Tal necessidade decorreu da publicação dos Livros Verdes2 2 “Os Livros Verdes são documentos publicados pela Comissão Europeia destinados a promover uma reflexão a nível europeu sobre um assunto específico. Convidam, assim, as partes interessadas (organismos e particulares) a participar num processo de consulta e debate, com base nas propostas que apresentam. Os Livros Verdes podem, por vezes, constituir o ponto de partida para desenvolvimentos legislativos que são, então, expostos nos Livros Brancos”. (UNIÃO EUROPEIA, 2015). sobre os desafios gerados pelas mutações demográficas. Os referidos Livros reconheceram que as famílias contemporâneas não vivem em um contexto que as incitem a ter mais filhos3 3 Nas sociedades contemporâneas, as mudanças demográficas têm mostrado que o aumento da expectativa de vida, nas últimas décadas, não tem sido acompanhado pelo acréscimo da fecundidade; ao contrário, o cenário tem apontado uma inversão do crescimento demográfico natural. Atualmente, os europeus registram níveis de fecundidade que já não asseguram a renovação das gerações. No Brasil, o efeito combinado da diminuição das taxas de fecundidade e mortalidade tem produzido mudanças no padrão etário da população, principalmente a partir dos anos 1980. e que, para reverter esse quadro e dirimir a tendência de declínio demográfico, é necessário promover incentivos por meio de políticas públicas que permitam a homens e mulheres conciliar o trabalho e a vida familiar. Desse modo, a família continuará desempenhando um importante papel na solidariedade. O Livro reconhece que os novos projetos familiares estão, sem dúvida, diretamente associados às transformações no mundo feminino. Diante dessas preocupações, Meil Landwerlin (2011) considera que esta abordagem vem ao encontro das atuais demandas familiares, em que se destacam a preocupação com a igualdade de gênero e a percepção de que ter filhos ainda continua a ser um risco de pobreza, principalmente nos casos de desemprego em muitas famílias, com destaque para as monoparentais.

O contexto mostrado no Livro Verde revelou que o equilíbrio das sociedades europeias contemporâneas é sustentado num conjunto de solidariedades intergeracionais mais complexo do que nas décadas passadas, inclusive porque na atualidade os jovens adultos prolongam a permanência na casa dos pais e, por essa razão, cada vez com mais frequência, eles devem ser estimulados a ajudar as pessoas idosas dependentes (COMISSÃO EUROPEIA, 2005). Os argumentos da UE evidenciam que a solidariedade entre as gerações representa uma carga para os jovens e às mulheres e salientam que buscar a igualdade de gênero nas oportunidades seria uma estratégia para estabelecer uma nova solidariedade, uma resposta aos desafios lançados pelas mudanças demográficas.

Nos anos que se sucederam, a UE continuou direcionando seus esforços para a questão da igualdade de gênero. Em outubro de 2006, o debate sobre o futuro demográfico europeu foi reforçado na comunicação de 12 de outubro, em que se ressaltou a importância e a necessidade dos Estados-membros de favorecerem a renovação demográfica. Conseguiu-se inserir essa questão na pauta da denominada Estratégia de Lisboa, que visava o aumento do emprego e o acompanhamento da política de igualdade entre homens e mulheres. A Estratégia de Lisboa constitui um marco a partir do qual foi impulsionado o debate sobre a conciliação entre trabalho e vida familiar no âmbito europeu. Desde então, “na União Europeia são levadas a cabo políticas de família e políticas destinadas a assegurar a igualdade entre homens e mulheres e a conciliar a vida profissional com a vida social e familiar” (COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU, 2007, p. 7).

No que se refere à problemática do conflito entre trabalho e vida familiar, o Conselho da União Europeia (UNIÃO EUROPEIA, 2012), no início dos anos 2000, já trabalhava com a ideia de estimular Estados-membros e as autarquias locais a definir as políticas familiares e assegurar sua execução. Finalmente, assinala-se que um dos objetivos da Estratégia Europeia 2020 é o de assegurar uma relação equivalente de taxa de emprego para homens e mulheres. Para que essa aspiração se concretize é necessário conjugar uma política familiar que possibilite a entrada e permanência de ambos os cônjuges no mercado de trabalho, aliada à possibilidade de terem o número de filhos que eles almejarem, fato que na conjuntura atual não acontece na maioria dos países da UE.

O Parecer do Comitê Econômico e Social Europeu (2011) sobre o papel das políticas da família no processo das alterações demográficas mostrou iniciativas e financiamentos liderados pela UE: grupo de peritos voltado para as questões demográficas; Fórum Demográfico Europeu; workshops sobre melhores práticas nos Estadosmembros; rede sobre as políticas familiares; portal na internet da Aliança Europeia para as Famílias; e seminários regionais. O financiamento dessas ações totaliza aproximadamente €500.000 (quinhentos mil euros).

2.2 As políticas familiares na América Latina

Historicamente, Montaño (2007______. El sueño de las mujeres: democracia en la familia. In: ARRIAGADA, I. (Coord.). Familias y políticas públicas en América Latina: Una historia de desencuentros. Santiago de Chile: CEPAL, 2007. p. 77-91.) avalia que, desde a década de 1930, a maioria dos países latino-americanos incorporou legislações que mostram claramente a preocupação estatal em controlar e legislar as relações familiares e que também poderiam ser tratadas como políticas familiares. Essa preocupação esteve presente, segundo a autora, nas políticas de bem-estar social na Argentina, no seu modelo Evita Perón, na revolução mexicana, na revolução boliviana e no Peru, no período de Velasco Alvarado. Portanto, tradicionalmente, as políticas voltadas para as famílias eram, sob a tutela do Estado, desenvolvidas em instituições que se ocupavam da proteção paternalista de alguns membros das famílias. Os Ministérios de Bem-Estar Social ou da Família, por exemplo, tinham como escopo facilitar o papel das mulheres nos cuidados de crianças e idosos. Tais instituições se converteram em um importante apoio ao populismo, que transformou a atenção das demandas familiares em fonte de clientelismo político. Em países como Bolívia, Peru e outros da América Central o período ditatorial protagonizou a larga distribuição de alimentos pelos clubes das mães. A autora destaca que tais políticas foram formuladas e executadas sob a ideia da subordinação feminina (individual e social) em seu papel de mãe e responsável pelo cuidado.

Sunkel (2007SUNKEL, G. Regímenes de bienestar y políticas de familia en América Latina. In: ARRIAGADA, I. (Coord.). Familias y políticas públicas en América Latina: Una historia de desencuentros. Santiago de Chile: CEPAL, 2007. p. 171-185.) aponta que o desenvolvimento dos sistemas de seguridade social na América Latina, fomentados pelo Estado desenvolvimentista a partir dos anos 1960, com forte função compensatória das desigualdades sociais, também podem ser alocados no âmbito das políticas familiares, mediante os tipos de programas que condensam: a) seguros sociais; b) assistência social, que é complementar aos seguros e destinada à população que não se beneficia destes por não estar inserida no mercado formal; c) subsídios sociais - subsídios familiares de habitação, educação e outros - que funcionam como direitos consagrados de maneira individual. Nesse contexto, a condição de trabalhador garantiria o acesso aos direitos e benefícios sociais, além de ser a base da política redistributiva ou de garantias sociais que seriam executadas mediante prestações familiares ou seguros sociais (SUNKEL, 2007SUNKEL, G. Regímenes de bienestar y políticas de familia en América Latina. In: ARRIAGADA, I. (Coord.). Familias y políticas públicas en América Latina: Una historia de desencuentros. Santiago de Chile: CEPAL, 2007. p. 171-185.). A esse respeito Pautassi, Faur e Gherardi (2005PAUTASSI, L.; FAUR, E.; GHERARDI, N. Legislación laboral y género en América Latina. Avances y omisiones. In: ARRIAGADA, I. (Ed.). Políticas hacia las familias, protección e inclusión sociales. Santiago de Chile: CEPAL, 2005. p. 111-129. (Serie Seminarios y Conferencias, 46). ) observam que a ideia do pleno emprego foi bastante criticada por estudiosas feministas, haja vista que o modelo de seguridade social a ele vinculado favorece um tipo de família específico: o modelo nuclear, em que o homem é o provedor e as mulheres são suas dependentes. Portanto, elas têm acesso à seguridade apenas de maneira indireta

Porém, a discussão sobre as políticas familiares na América Latina na perspectiva de que as responsabilidades familiares são uma questão de natureza pública e não apenas privada veio também na esteira do movimento feminista latino-americano a exemplo do europeu. Emergiu com força em meados dos anos 1990 e foi incorporada na região a partir de debates realizados pela Comissão Econômica para a América Latina, (CEPAL) nos anos 2000, paradoxalmente, em contexto neoliberal. Na evolução desse debate e na implantação de políticas dessa natureza, tem se destacado a militância, especialmente das feministas, as intervenções do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e também as normativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que advogam pela implementação de políticas de conciliação entre trabalho e responsabilidades familiares (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2011).

De maneira geral, o que pode ser observado a respeito das políticas familiares na América Latina é que as formas de conceber e executá-las são muito diversificadas e estão vinculadas, nos diferentes países, tanto a ministérios de família, secretarias e subsecretarias, como também a diferentes instâncias de poder. Além disso, há uma divergência em relação à concepção de família entre as agências governamentais e uma ausência de consenso sobre os enfoques de políticas que devem ser trabalhados dentro e fora da esfera pública, o que acaba limitando a aprovação de leis e a regulamentação de direitos e serviços (ARRIAGADA, 2005ARRIAGADA, I. ¿Existen políticas innovadoras hacia las familias latinoamericanas? Papeles de población, Toluca, v. 11, n. 43, p. 9-27, enero/marzo 2005., 2007).

Aguirre (2005AGUIRRE, R. Los cuidados familiares como problema público y objeto de políticas. In: ARRIAGADA, I. (Ed.). Políticas hacia las familias, protección e inclusión sociales. Santiago de Chile: CEPAL, 2005. p. 291-300. (Serie Seminarios y Conferencias, 46). ), ao referir-se às políticas para as famílias na América Latina, afirma que estas são compostas por um conjunto heterogêneo e fragmentado e podem ser agregadas em cinco grupos: 1) políticas que regulam o casamento e a convivência; 2) políticas que criam condições favoráveis para a formação de casais - em um sentido amplo - como, por exemplo, as políticas habitacionais e de emprego, principalmente para os jovens; 3) políticas que asseguram as funções reprodutivas, particularmente as condições de fecundidade pretendida; essas políticas estão relacionadas com as questões associadas à saúde sexual e reprodutiva, à educação sexual e às normas de proteção à maternidade; abrangem benefícios vinculados a filhos, licença-maternidade e abonos familiares; 4) políticas alusivas às relações familiares e que garantem os direitos humanos de seus integrantes; referem-se à legislação e às medidas de apoio à população em situação de maior vulnerabilidade - crianças, mulheres e idosos - expostas a situações como: violência doméstica e intrafamiliar, abuso sexual e maus-tratos; 5) políticas conhecidas como conciliação entre vida familiar e trabalho extradoméstico; referem-se a medidas já tradicionais relacionadas com as licenças-maternidade e com a amamentação; atualmente incluem as licenças parentais; são relativas também à prestação de serviços para o cuidado de crianças e idosos dependentes e enfermos, tanto em nível micro como nas instituições; buscam repensar os contratos de gênero e gerações, implícitos nas relações de cuidado; porém, não se desenvolvem de forma homogênea na região e são mais ou menos incrementadas de acordo com as particularidades históricas e conjunturais de cada país.

Arriagada (2007______. Transformaciones familiares y políticas de bienestar en América Latina. In: ______. (Coord.). Familias y políticas públicas en América Latina: Una historia de desencuentros. Santiago de Chile: CEPAL, 2007. p. 125-152.) afirma que na América Latina existem intervenções dispersas e não coordenadas que se subdividem em programas e projetos relacionados à saúde, educação, seguridade social, combate à pobreza e prevenção e erradicação da violência, entre muitos outros objetivos. Conforme explica a autora, na região, têm notoriedade aqueles programas que abrangem a violência doméstica e intrafamiliar e permitiram avanços na legislação, porém, ela salienta que poucos avanços existem em áreas/questões que afetam e desafiam as famílias cotidianamente, como é o caso da conciliação entre trabalho e família, da situação das famílias imigrantes, do cuidado infantil, de idosos e de pessoas com deficiência em situação de dependência e da paternidade responsável. Para a autora, uma questão importante que marca a heterogeneidade de proposições entre os países e dificulta o estabelecimento de orientações gerais para a região está relacionada à diversidade de famílias e de situações familiares encontrada na América Latina. Ela alerta para o fato de que as profundas mudanças que as famílias latino-americanas sofreram e ainda sofrem, nas últimas décadas, são parâmetros essenciais para se elaborar propostas de políticas que atendam às novas realidades. Sunkel (2007SUNKEL, G. Regímenes de bienestar y políticas de familia en América Latina. In: ARRIAGADA, I. (Coord.). Familias y políticas públicas en América Latina: Una historia de desencuentros. Santiago de Chile: CEPAL, 2007. p. 171-185.) avalia que o contexto atual da política familiar na América Latina encontra-se em um momento de transição. Nele coexistem políticas inovadoras com ausências e defasagens significativas. Mesmo com os avanços observados no período recente, a questão das mulheres e dos homens ao mesmo tempo em atividades profissionais e com vida familiar não tem sido devidamente tratada pelo conjunto dos países. As responsabilidades familiares tendem a constituir restrição quanto ao acesso dos membros das famílias ao mercado de trabalho, especialmente no que se refere às mulheres, e muitas vezes colocam os trabalhadores em situação de discriminação. Isto sem falar no quadro de desigualdade estrutural, tanto de classe como de gênero, que marca a América Latina.

3. Algumas considerações em torno das políticas familiares

A breve apresentação realizada sobre as políticas familiares, suas concepções e trajetórias em universos diferentes induz, a título conclusivo, a realizar algumas considerações acerca dessas políticas.

Em primeiro lugar, é preciso salientar que, embora o termo política familiar tenha sido cunhado no âmbito europeu e amplamente desenvolvido no âmbito do Estado de Bem-Estar Social, com vistas a favorecer as pessoas com responsabilidades familiares, ele não pode ser desvinculado de processos que objetivam o controle e a regulação das famílias. Como apontou Montaño (2007______. El sueño de las mujeres: democracia en la familia. In: ARRIAGADA, I. (Coord.). Familias y políticas públicas en América Latina: Una historia de desencuentros. Santiago de Chile: CEPAL, 2007. p. 77-91.), desde a década de 1930, a grande maioria dos países latino-americanos incorporou legislações que mostram claramente a preocupação estatal em controlar e legislar as relações familiares, legislações essas que ainda não deixaram o cenário na região. Por isso, destaca-se a posição de Goldani (2005GOLDANI, A. M. Reinventar políticas para familias reinventadas: entre la “realidad” brasileña y la utopía. In: ARRIAGADA, I. (Ed.). Políticas hacia las familias, protección e inclusión sociales. Santiago de Chile: CEPAL, 2005. p. 319-345. (Serie Seminarios y Conferencias, 46).) que, ao analisar a temática, afirma ser necessário examinar a natureza e os conteúdos das políticas que tomam a família como objeto ou objetivo. Nessa perspectiva, faz distinção entre política de família, política referida à família e política orientada para a família. A política de família refere-se ao conjunto de medidas ou instrumentos que tentam intervir no modelo de família existente, tratando de conformar estruturas familiares para alcançar certo modelo ideal de família. A política referida à família trata do conjunto de medidas ou instrumentos de políticas públicas cujo objetivo é fortalecer as funções sociais que cumprem a família (de filiação e herança, de garantir as condições materiais de vida, de construção da subjetividade de seus integrantes (sistemas de valores, atitudes)). Finalmente, a política orientada para a família parte da concepção mais ampla de família, considerando as alterações em sua composição e respeitando sua diversidade. Representa uma nova articulação entre trabalho para o mercado, o trabalho doméstico e a provisão de Bem-Estar por parte do Estado.

Na mesma lógica, os estudos sobre políticas familiares na América Latina e Europa vêm identificando uma diversidade de intervenções não somente no plano das políticas familiares como também nos seus níveis de cobertura. De acordo com Zola (2015ZOLA, M. B. Políticas Sociais, família e proteção social: um estudo acerca das políticas familiares em diferentes cidades/países. In: MIOTO, R. C. T.; CAMPOS, M. S.; CARLOTO, C. M. (Org.). Familismo, direitos e cidadania: contradições da política social. São Paulo: Cortez, 2015. p. 45-93.), elas poderiam ser analisadas a partir de três eixos: apoio à família para os cuidados de seus membros; combate à pobreza; e conciliação trabalho e família. Esses eixos tendem a se movimentar entre lógicas de maior ou menor delegação de responsabilidades às famílias e, portanto, variando enormemente o grau de responsabilidade pública em relação à provisão de bem-estar. Na América Latina e na Europa do Sul, há tendência de prevalecer uma orientação familista (maior delegação de responsabilidades para as famílias) no âmbito das políticas sociais.

O segundo ponto a ser considerado é o de que, enquanto na Europa as políticas familiares têm um foco importante na questão demográfica, no cuidado das crianças e na conciliação entre trabalho e responsabilidades familiares, na América Latina a questão demográfica ainda não tem sido pautada de forma expressiva e, dada a tradição histórica da centralidade da família na provisão de bem-estar, também ainda é incipiente o debate sobre as políticas de conciliação. Pode-se verificar, em quase toda a região, o descuido frente à problemática da conciliação trabalho e família, o que fortalece ainda mais a subalternidade das mulheres (MONTAÑO, 2004MONTAÑO, S. El sueño de las mujeres: democracia en la familia. In: ARRIAGADA, I.; ARANDA, V. (Comp.). Cambio de las familias en el marco de las transformaciones globales: necesidad de políticas públicas eficaces. Santiago de Chile: CEPAL, 2004. p. 139-143. (Serie Seminarios y Conferencias, 42); ARRIAGADA, 2005ARRIAGADA, I. ¿Existen políticas innovadoras hacia las familias latinoamericanas? Papeles de población, Toluca, v. 11, n. 43, p. 9-27, enero/marzo 2005., 2007). Na maioria dos países, destacam-se as políticas de combate à pobreza e, como foi assinalado, os programas vinculados à violência doméstica ganharam repercussão no âmbito das políticas familiares. Além disso, a diversidade de trajetórias político-institucionais entre os países latino-americanos aponta avanços diferenciados no campo do trabalho em relação às licenças maternidade e aos serviços de cuidado infantil, por exemplo. Apesar das mudanças relacionadas às transformações sociais e econômicas que atravessam a maioria dos países latino-americanos, e que condicionam o padrão de organização familiar, em muitos deles ainda tem prevalecido o paradigma da família ideal, formada pelos pais e filhos biológicos, que tem servido de referência para o planejamento de políticas sociais.

Em terceiro lugar, deve ser considerada a contribuição expressiva da militância e da produção acadêmica das feministas no campo das políticas familiares, tanto na Europa como na América Latina. O desvendamento da posição de subalternidade das mulheres e a visibilidade dada à questão do trabalho doméstico foram cruciais para uma mudança de rumos em relação às políticas familiares e ao tratamento naturalizado da família no campo da reprodução social.

Finalmente, é necessário considerar, como afirmou Hantrais (2004HANTRAIS, L. Family policy matters: Responding to family change in Europe. Bristol: Policy Press, 2004.), que o debate sobre as políticas familiares ainda é uma questão em aberto, mas entende-se que elas se inscrevem no conjunto das políticas sociais que se projetam e que têm impactos importantes na vida das famílias. Além das medidas legislativas, abrangem também subsídios e serviços, além da ampla gama de ações voltadas para melhorar o bem-estar das famílias e aliviar as pressões que estas sofrem no exercício de suas responsabilidades. As medidas de apoio familiar são aquelas que fornecem às pessoas com responsabilidades familiares possibilidades de um melhor desempenho de suas responsabilidades sem que haja qualquer tipo de prejuízo econômico, social e profissional. Nesta perspectiva, a política familiar deveria atender às necessidades dos membros familiares (SARACENO; NALDINI, 2003SARACENO, C.; NALDINI, M. Sociologia da família. 2. ed. Lisboa: Estampa, 2003.; FLAQUER, 2015______. Política Social, Família i Migraciones. Barcelona: Universidad Autónoma de Barcelona, 2015. 65 eslaides, p&b. Apresentação em sala de aula.). Ou ainda, de acordo com Montaño (2007______. El sueño de las mujeres: democracia en la familia. In: ARRIAGADA, I. (Coord.). Familias y políticas públicas en América Latina: Una historia de desencuentros. Santiago de Chile: CEPAL, 2007. p. 77-91.), como a operação sinérgica do conjunto de normas, procedimentos, programas e mecanismos públicos com vistas a produzir a igualdade de mulheres e homens, tanto na esfera pública como na privada. Além de propiciar, obviamente, impactos nas condições de vida e trabalho das famílias.

À guisa de conclusão, não se pode deixar de assinalar que as políticas familiares, uma vez inscritas no campo da política social das sociedades ocidentais capitalistas, têm os seus limites no contexto dessa ordem. No entanto, aprofundar tal discussão e apropriar-se das questões envolvidas no campo das relações entre a família e a política social parece basilar para os profissionais, especialmente para os assistentes sociais, que atuam no âmbito dos serviços sociais e se defrontam cotidianamente com as necessidades da população. Nesse sentido, pautar esse debate no contexto da realidade brasileira não pode mais ser adiado, considerando os retrocessos em curso no campo da seguridade social e as propostas de programas sociais que reavivam práticas higienistas em relação às famílias.

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Notas

  • 1
    Esta pesquisa é parte do estudo sobre Políticas Familiares e Políticas de Conciliação Trabalho e Família, cujos resultados estão descritos em Abrão (2016), e está vinculada ao projeto Política Social, Família e Trabalho Familiar: Proposições e Percursos Analíticos (CNPq-Processo 304540/ 2013-7).
  • 2
    “Os Livros Verdes são documentos publicados pela Comissão Europeia destinados a promover uma reflexão a nível europeu sobre um assunto específico. Convidam, assim, as partes interessadas (organismos e particulares) a participar num processo de consulta e debate, com base nas propostas que apresentam. Os Livros Verdes podem, por vezes, constituir o ponto de partida para desenvolvimentos legislativos que são, então, expostos nos Livros Brancos”. (UNIÃO EUROPEIA, 2015).
  • 3
    Nas sociedades contemporâneas, as mudanças demográficas têm mostrado que o aumento da expectativa de vida, nas últimas décadas, não tem sido acompanhado pelo acréscimo da fecundidade; ao contrário, o cenário tem apontado uma inversão do crescimento demográfico natural. Atualmente, os europeus registram níveis de fecundidade que já não asseguram a renovação das gerações. No Brasil, o efeito combinado da diminuição das taxas de fecundidade e mortalidade tem produzido mudanças no padrão etário da população, principalmente a partir dos anos 1980.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2017
  • Aceito
    26 Maio 2017
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