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SERVIÇO SOCIAL: formação, trabalho profissional e tendências teóricas contemporâneas

Este número da Revista Katálysis que tem como eixo temático Serviço Social: formação, trabalho profissional e tendências teóricas contemporâneas nos chega em um contexto particularmente delicado da realidade brasileira, ou seja, a política da morte ou necropolítica do atual governo que determina explicitamente quem pode viver e quem deve morrer incide sobre as nossas existências e requerem resistências que devem ser construídas na luta cotidiana, seja no “chão de fábrica” seja nos espaços acadêmicos, por meio da produção de um conhecimento socialmente referenciado na emancipação e na libertação dos grilhões de todas/os que vivem da venda da força de trabalho. As transformações societárias produzidas nesta fase da acumulação capitalista impõe uma radicalidade pela garantia da vida com sentido, fruto da construção coletiva de outro mundo, no qual não haja mais explorados/as nem exploradores/as.

O presentismo e o obscurantismo como expressões das tendências contemporâneas encontram nesta edição da Revista uma resposta contundente e concreta. Nesta perspectiva, a proposta problematiza a agudização do processo de desumanização e degradação da vida e como tais transformações, na forma e no conteúdo, atravessam a formação e o trabalho profissional de assistentes sociais.

A partir de uma concepção de profissão que não dissocia trabalho e formação profissional, o Serviço Social brasileiro consolidou-se como área de produção de conhecimento. Os artigos aqui publicizados nos convocam ao investimento e fortalecimento da pesquisa na área e reafirmam a direção ético-política e teóricometodológica comprometida com a ruptura com o conservadorismo e a desmistificação das relações sociais que engendram o atual padrão de acumulação capitalista. O recurso à ontologia do ser social calcado na obra marxiana e na tradição marxista é o fio condutor que unifica e dá densidade à produção intelectual com a qual nos brindam as e os autores.

Organizada em três sessões, a presente edição da Revista Katálysis oferece às e aos leitoras/es quinze artigos e uma resenha, produzidos por jovens e experientes pesquisadoras/es, mulheres e homens de diferentes regiões do país, com textos redigidos em português e um em língua espanhola, que individualmente e/ou em grupo assumiram o compromisso com a ciência enfrentando o desprezo pela razão crítica e o imediatismo cotidiano.

O Espaço Temático inicia-se nos alertando Em tempos de desumanização há emergência da crítica ontológica no complexo educacional de Patricia Laura Torrigli, Vidalcir Ortigara, Astrid Baecker Avila, constroem uma crítica à concepção de educação na sociabilidade capitalista e a consequente desvalorização da formação humana e da pesquisa reafirmando que é necessário um tipo de conhecimento que considere a totalidade, sinalizando a atualidade da ontologia do ser social.

Sandra Lourenço de Andrade Fortuna e Olegna de Souza Guedes problematizam A produção do conhecimento e o projeto ético-político do serviço social. Considerando a produção do conhecimento como uma das expressões da atividade humana, as autoras defendem a necessária vinculação das pesquisas na área de serviço social ao significado social da profissão.

Em tempos de irracionalismos, Las paradojas de la razón en las tareas de investigación y enseñanza universitárias, é o objeto de estudo proposto por Carolina González Laurino. Situando sua pesquisa no Curso de Serviço Social da Universidad de la República, em Montevideo - Uruguai, a autora analisa a modificação do perfil dos/as estudantes e os desafios da superação dos paradoxos da razão moderna no ensino e na pesquisa universitária.

Tendo como base referências da literatura profissional no país, Viviane Medeiros dos Santos recoloca a questão das Transformações societárias: repercussões no serviço social. A partir da análise das determinações do capitalismo contemporâneo a autora estuda o processo de precarização tanto na formação como no trabalho profissional. Destaca o impacto das contrarreformas trabalhista e previdenciária para o conjunto da classe trabalhadora e particularmente para as e os assistentes sociais.

A relevância da pesquisa para o serviço social: conquistas e desafios permanentes das diretrizes curriculares é o tema desenvolvido por Rayane Noronha Oliveira e Tássia Monte Santos. Reafirmando a conquista histórica das Diretrizes Curriculares aprovadas na Assembleia da então Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social - ABESS, em 08 de novembro de 1996, as autoras defendem que “a profissão precisa voltar a colocar-se na agenda das suas próprias pesquisas, isto é, ser objeto das investigações realizadas pela comunidade de pesquisadores da área”.

Retomando o avanço construído pela categoria ao aprovar a Política Nacional de Educação Permanente do conjunto CFESS/CRESS (2012), Priscila Fernanda Gonçalves Cardoso, Terezinha de Fátima Rodrigues e Heloise Helena Pereira Nunes, de forma estratégica, propõem o debate sobre Serviço social e formação permanente: possibilidades de superação de cotidianos de alienação. Ao retomarem os princípios, apontam desafios e possibilidades na construção de espaços democráticos de formação após a graduação.

Luciene Araújo, Gilcélia Batista de Góis, Gleidiane Almeida de Freitas, Mariana Gleicy de Oliveira Silva Sousa, dão materialidade à pesquisa na área ao relacionarem Serviço social e pesquisa científica: uma relação vital para a formação profissional. Problematizando o lugar da pesquisa científica na formação profissional, as autoras destacam sua importância como ação transformadora que permite desmistificar e desnaturalizar o cotidiano.

Pautando um dos desafios mais agudos e com consequências deletérias para a sociedade e profissão, Claudia Neves da Silva e Patrícia Palmeira Gonçalves problematizam a Educação à distância e formação profissional do/da assistente social - elementos para o debate. Alertando que o objetivo da análise não se refere aos/as trabalhadores/as nem aos/às estudantes desta modalidade, as autoras analisam a predominância do ensino de massa e sua padronização, não contemplando os parâmetros definidos nas Diretrizes Curriculares ABEPSS e as exigências da articulação entre ensino - pesquisa - extensão que ensejam a qualidade na formação profissional.

Sintonizada com a necessária democratização do acesso à universidade pública, Cassia Engres Mocelin faz Uma análise marxiana da política de cotas no ensino superior público brasileiro. A autora pergunta: “em que medida a política de cotas sociais e étnico-raciais constitui processos de resistências frente à distribuição justa e ao igual direito burguês?”. Tendo como referência as instituições federais de ensino superior (IFES), a autora analisa o processo de formação social do Estado no Brasil a partir da articulação entre classe e raça para posteriormente situar a política de cotas sociais e étnico-raciais tendo como referência as categorias igual direito e distribuição justa.

Finalizando os dez artigos do Espaço Temático, Daniel Péricles Arruda analisa a Cultura hip-hop e serviço social: a arte como superação da invisibilidade social da juventude periférica, o autor considera que “a arte é um modo de vida, uma experiência grupal construtora de identidades; é também uma forma de enfrentamento político das desigualdades sociais e do modo violento e indiferente” vivenciado pela juventude periférica.

O Espaço Tema Livre nos convida à reflexão a partir da pesquisa Gramsci e a crítica da economia política: estudos sobre o mercado determinado. Neste artigo Rodrigo Castelo considera que “a crítica da economia política tem um peso considerável, o que nem sempre é reconhecido por comentadores da obra de Gramsci.” Convida as e os leitoras/es a reavaliarem o peso dos estudos sobre economia na teoria gramsciana.

Após um ano de vigência da Lei 13.467/2017, Saionara da Silva Passos e Márcio Lupatin analisam A contrarreforma trabalhista e a precarização das relações de trabalho no Brasil. Os autores demonstram que ao invés de atingirem os objetivos apresentados, as medidas da contrarreforma trabalhista ao fazerem crescer o número de desempregados, a informalidade e de limitar o acesso à justiça trabalhista, evidenciam a efetivação das exigências da Lei Geral da Acumulação Capitalista.

Maria Augusta Tavares analisa o processo de Envelhecimento e trabalho na sociedade capitalista, fazendo um chamamento à unificação da classe trabalhadora. Considera a necessidade de desvelar a trama capitalista e analisar “a condição do trabalhador que está a envelhecer, sob as determinações de um padrão de desenvolvimento no qual as contradições internas põem em xeque o seu próprio modo de ser”, o neoliberalismo.

A partir do relato de experiência sobre a EBSERH no HU da UFSC: da resistência à gestão pela empresa, Tânia Regina Kruger, Bruna Veiga de Moraes e Cristiane Borghezan Sobieranski socializam o processo de resistência construído na UFSC frente ao gerencialismo do Estado, porém, depois de três anos de implantação, os serviços se agravaram “a qualidade de hospital-escola é ameaçada, os serviços estão sendo restritos com justificativas meramente gerenciais e os trabalhadores encontram-se em condições mais precárias de trabalho”. As medidas de contrarreformas da saúde, como a trabalhista evidenciada na pesquisa anterior, expressam a voracidade do capital no “assalto” ao fundo público.

Finalmente nesta sessão, o artigo de Daniel Figueiredo de Almeida Alves, Oziris Simões, Leonardo Carnut e Áquilas Mendes, Reforma psiquiátrica e a dependência brasileira: entre o arcaico e o moderno, explicita no âmbito da saúde mental a “permanência de características asilares (o arcaico) em conjunto com serviços de caráter substitutivo (o moderno)”. A partir de dados de saúde mental na cidade de São Paulo entre 2008-2017, os pesquisadores concluem que “a Reforma Psiquiátrica brasileira dificilmente romperá estes entraves impostos caso não retome uma perspectiva radical de saúde que enfrente a alienação e o fetiche do ‘Estado protetor‘ apresentando uma alternativa anticapitalista e emancipatória.”

A Resenha apresentada nesta edição, construída por Sabrina Areco, apresenta a obra O jovem Gramsci:cinco anos que parecem séculos 1914-1919 (2014), de Leonardo Rapone, editado pela Editora Contraponto e pela Fundação Astrogildo Pereira. A obra tem como tema Antônio Gramsci (1891-1937) e seus escritos publicados na imprensa socialista italiana entre os anos de 1914 e 1919. A instigante resenha convida ao conhecimento da formação social da Itália no período e da particularidade da biografia do autor sardo.

Este número da Revista é o primeiro de um novo ano que se inicia, que o compromisso com o rigor teórico-metodológico e a direção ético-política revolucionária expressa nos artigos aqui publicizados fertilize corações e mentes adensando a formação e o trabalho profissionais como a tendência que representa o Serviço Social brasileiro.

Esther Luíza de Souza Lemos Toledo (PR), 10 de dezembro de 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020
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