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Conservadorismo como instrumento capitalista em tempos de barbárie

Conservatism as a capitalist instrument in times of barbarism

Resumo

As discussões apresentadas no presente artigo visam oferecer apontamentos críticos para o debate das particularidades da barbárie social em nossa atual conjuntura. O objetivo do estudo tem como pano de fundo as implicações provocadas socialmente com a implantação do capitalismo na busca pela manutenção da ordem vigente hegemônica. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de natureza qualitativa. Estruturamos o artigo a partir de uma breve análise acerca do capitalismo, posteriormente abordamos o conservadorismo como instrumento do capital e, por fim, apresentamos algumas de suas expressões na contemporaneidade. O estudo possibilitou apontar que tal fenômeno constrói uma verdadeira barbárie social, compreendida como uma naturalização das expressões da questão social, desprezo por imigrantes, supressão de direitos, antagonismo aos direitos humanos, discriminação de raça, gênero, religião e sexualidade, entre outros, configurando-se uma verdadeira banalização da vida humana.

Palavras-chave:
Capitalismo; Conservadorismo; Banalização do humano

Abstract

The discussions presented in this article seek to offer critical notes for the debate on the particularities of social barbarism in our current situation. The main objective of the study has a background set on the implications socially caused with the implantation of capitalism in the search for the maintenance of the current hegemonic order. The present work is composed by a qualitative bibliographic research. The structure of the article is based on a brief analysis of capitalism, then we approach conservatism as an instrument of the capital and, finally, we present some of its expressions in contemporary times. The study made it possible to point out that this phenomenon builds true social barbarism, understood as a naturalization of the expressions of the social issue, contempt for immigrants, suppression of rights, antagonism towards human rights, discrimination of race, gender, religion and sexuality, among others, configuring a real trivialization of human life.

Keywords:
Capitalism; Conservatism; Banalization of the human being

Introdução

Uma onda de ódio se alastra pelo Brasil na atualidade. Nesse cenário, as multifacetadas expressões da “questão social” são negadas, naturalizadas e utilizadas com finalidade de manter a ordem dominante vigente, a capitalista. Tal onda revela um fenômeno que ganha força em nossa atual conjuntura: o conservadorismo. Esse, não se encontra tão distante do conceito advindo da modernidade, por sua vez, está atualizado e munido de ferocidade frente às mazelas sociais contemporâneas.

Em todo o desenvolvimento do sistema capitalista, até sua atual fase, ao atingir todos os continentes construindo uma cultura na busca incessante pela propriedade privada gerando contradições inerentes ao sistema, podemos notar que sua essência baseia-se na desigualdade. Desigualdade essa produtora de conflitos, violência, pauperismo, fascismo entre tantas outras expressões que, por sua vez, empregadas sob um viés conservador, tornam-se instrumentos utilizados pelo capital para manutenção de sua hegemonia, em especial, em nossa atual conjuntura, gestando uma verdadeira barbárie social e humana, ou nas palavras de Iamamoto (2011IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011.), uma verdadeira “banalização do humano”.

Nessa perspectiva, o objetivo central é mostrar como o conservadorismo enquanto instrumento ideológico vem resultando em uma barbárie social de diversas características. Para tanto, metodologicamente, este estudo se utilizou de uma revisão bibliográfica, com base em autores renomados na temática como: Demier e Hoeveler (2016DEMIER, F.; HOEVELER, R. (org.). A onda conservadora: ensaios sobre os atuais tempos sombrios no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X, 2016.), Dussel (1993DUSSEL, E. 1492: o encobrimento do outro: a Origem do Mito da Modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993.), Fernandes (1975FERNANDES, F. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. ), Mészáros (2002MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Tradução Paulo Cézar Castanheira, Sergio Lessa. São Paulo: Boitempo, 2002.), Paulo Netto (2011), Souza (2016SOUZA, J. M. A. Tendências ideológicas do conservadorismo. 2016. 304 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/ 18011/1/TESE%20JAMERSON.pdf. Acesso em: 10 set. 2019.
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) entre outros. Além desses, foi feita uma consulta em websites, artigos, teses e outras fontes com intuito de complementar tal análise.

O método de abordagem é de natureza dialética; visa elucidar como o sistema capitalista se desenvolve e perpassa diversos contextos históricos, todavia, mantendo seu caráter destruidor do sujeito humano genérico.

Numa tentativa de aprofundar a discussão, estruturamos o artigo da seguinte forma. Num primeiro momento, discorremos brevemente acerca do desenvolvimento do capitalismo em nível mundial até a sua chegada ao Brasil. Em seguida, pretendemos explicitar, conjuntamente, a utilização do conservadorismo como instrumento de manutenção do status quo, na busca pela garantia da manutenção da ordem. E, por fim, veremos algumas expressões da barbárie contemporânea como: os deslocamentos forçados, o fundamentalismo religioso, a supressão de direitos historicamente conquistados, a matança policial, o antagonismo aos direitos humanos, o discurso de ódio na Internet e na vida real brasileira, o racismo, a discriminação por gênero, religião e sexualidade, a violência, o fascismo escancarado no país e outros.

Capitalismo: breve análise

De acordo com Comparato (2011COMPARATO, F. K. Capitalismo: Civilização e poder. Revista Estudos Avançados, v. 25. n. 72. São Paulo. 2011. Disponível em: http:/ /www.scielo.br/pdf/ea/v25n72/a20v25n72.pdf. Acesso em: 4 set. 2019.
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), até metade do século XX, o sistema capitalista não tinha alcançado todos os continentes do globo terrestre, e povos de algumas regiões, ainda se mantinham isolados, envolvidos apenas em suas antigas tradições. A partir do século XII tem-se início a gênese de um novo modelo global de vida, calcado no acúmulo de bens materiais. Com a decadência do feudalismo1 1 Segundo Marx (1988), o feudalismo era o sistema que possuía sua base econômica na produção dos camponeses e pequenos artesãos, sendo sua produção não destinada ao lucro. , os burgueses então podem comprar terras e, a partir daí o principal esforço dos legistas burgueses passou a ser reestabelecer o conceito da posse da terra, da propriedade, conceito esse vital para o capitalismo, o qual como o próprio Marx advertiu, buscava transformar tudo em mercadoria, sejam bens, ofícios e, até mesmo pessoas. Para Comparato (2011, p. 256), “nos deparamos com uma radical desumanização da vida”.

Já o Eurocentrismo, sem dúvidas, foi um fato marcante para a gênese do sistema capitalista. Entre os séculos XIV e XV, o encontro de novas terras por parte da Europa deu início ao processo colonizador que geraria o grande mito da modernidade. De premissa evitemos o termo “descobrimento”, vez que “implica em uma ideia imperialista, de encontro de algo não conhecido; visto por outro que proclama sua existência, incorporando-o ao seu domínio, passa a ser sua dependente” (IGLÉSIAS, 1992IGLÉSIAS, F. Encontro de duas culturas: América e Europa. Estudos Avançados, v. 6, n. 14, 1992., p. 23). Esse contexto histórico foi decisivo, alargam-se não apenas os horizontes geográficos, mas também políticos e econômicos.

Posteriormente, com a Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX), lançaram-se fundamentos econômicos que exigiram mudanças nas relações de produção, criando uma época europeia que abriu caminho para o liberalismo2 2 Para Burke (2014), o liberalismo fundamenta-se no esforço individual, na competição de agentes econômicos. . O fenômeno burguês típico de pensadores liberais, enquanto projeto de sociedade, com vistas à “acumulação primitiva” justifica a apropriação de riquezas nas mãos de poucos e, ignora, por vez, a expropriação violenta que a massa do povo sofreu com o processo colonizador do eurocentrismo.

Já no Brasil, o processo de eclosão do mercado capitalista, segundo Fernandes (1975FERNANDES, F. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. ), surge na fase de transição neocolonial e perdura até meados do século XIX. Assim, Colombo não trouxe apenas produtos orientais, especiarias, tecidos finos, pedras e metais, trazia consigo o que Dussel (1993DUSSEL, E. 1492: o encobrimento do outro: a Origem do Mito da Modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993.), denomina de “encobrimento” do outro, fenômeno esse que resultaria no Brasil dos “rostos” ocultos à modernidade. Esses “rostos” são os mesmos que passam a fazer parte da organização social pós-colonialista, são os “rostos” dos índios, negros, mestiços, crioulos, camponeses, operários e atualmente, dos marginais.

Nessa fase da gênese capitalista, houve a exclusão de uma significativa parcela de consumidores e, nesse momento, a burguesia ainda não tinha força de capital suficiente para expandir seu comércio. Para além, as marcas da opressão europeia tinha resultado no genocídio indígena, configurando-os “as primeiras vítimas da modernidade” (DUSSEL, 1993DUSSEL, E. 1492: o encobrimento do outro: a Origem do Mito da Modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993., p. 160). Uma busca por riquezas e poder que acarretou no encobrimento de vários rostos e culturas.

Para além desses, o trabalho infantil, a tortura, a discriminação religiosa ou sexual, a ancestral inferioridade da mulher, também são fenômenos históricos e persistem até hoje com algumas particularidades. Cabe então, desvelarmos algumas características que contribuíram para uma sociedade historicamente baseada na desigualdade, como é o caso do Brasil.

Logo, o capitalismo enquanto sistema baseado na superexploração e superacumulação3 3 Para um entendimento mais profundo dos conceitos da teoria marxista e acerca de tais categorias por Marx levantadas ler: MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. O processo de produção do capital - v. 1, t.1. São Paulo: Nova Cultural, 1988. v.1. t.1. (Col. Os Economistas). há a inegável expansão das desigualdades sociais. Conforme Silveira (2007SILVEIRA, R. G. et al. Fundamentos teórico-metodológicos da educação em direitos humanos. João Pessoa: Ed. da UFPB, 2007.):

o ideário liberal do direito à propriedade privada constrói uma concepção de cidadania excludente e uma sociedade de privilégios, gerando uma massa de miseráveis, de negros e índios expropriados de sua cultura e camponeses de sua terra, além da discriminação de mulheres e gays, o que em nossa atual sociedade pode ser chamada de “banalização do humano” (IAMAMOTO, 2007).

A transição da economia urbano-comercial, para a industrial traz consigo uma série de conflitos referentes às condições da classe trabalhadora. Um fato elucidado por Fernandes (1975FERNANDES, F. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. ) foi a “revolução urbana”, decorrente da desigual concentração de riquezas nas regiões brasileiras. No País, ainda durante a Era Vargas, em resposta a essa insatisfação da classe trabalhadora frente à crescente desigualdade social e econômica, há um pacto entre a burguesia industrial, classe média e o movimento sindical.

Tal coalizão tem o Estado como principal mediador, sendo criados os sistemas de proteção social, com intuito de enfrentamento das expressões da Questão Social. Porém, fazendo predominar o assistencialismo e a filantropia. Cabe explicar, que o País buscou seguir o modelo Beveridge4 4 Trata-se de um modelo de bem estar social para “o povo”. de benefícios aos cidadãos com solidariedade mais ampla. Entretanto, seu esforço foi em vão. Ora, o Estado em sua forma mais moderna, sempre se portou frente aos movimentos sociais e luta por direitos de forma minimalista e repressiva.

Podemos identificar essa atuação em meio às intervenções militares que assolavam boa parte dos países da América Latina. Destacamos o golpe de 1964 no Brasil como um regime político militar que realizou uma reprodução ampliada de interesses, isto é, sua principal função nada mais foi do que manter a ordem capitalista como hegemônica e predominante, utilizando-se de medidas repressivas, encarceramento e tortura. Como enfatiza Paulo Netto (2004, p. 30):

Nele se imbricam, engrenam e colidem vetores econômicos, sociais, políticos (e geopolíticos), culturais e ideológicos que confi-guram um sentido predominante derivado da imposição, por mecanismos basicamente coercitivos, de uma estratégia de classe (implicando alianças e dissensões) (PAULO NETTO, 2004PAULO NETTO, J. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós 64. São Paulo: Cortez, 2004., p. 30).

A partir do golpe de 64 há, explicitamente, uma ruptura com a classe trabalhadora, devido suas reivindicações contra o modelo econômico, prevalecendo a repressão e censura durante longos 20 anos. Trata-se de um período extenso de repressão aos direitos políticos, econômicos, sociais e culturais, em que se conteve a liberdade e participação da sociedade. Faz-se refletir então, sobre a importância da democracia para consolidação da luta por direitos, em especial pelos direitos humanos.

Com a queda do regime autocrático burguês (no pós “Revolução de 1964”), temos início à terceira fase do capitalismo: monopolista neoliberal, que busca a “reorganização do mercado e do sistema de produção, através das operações comerciais, financeiras e industriais da grande corporação” (FERNANDES, 1975FERNANDES, F. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. , p. 225). Após o fim do longo ciclo expansivo e a queda do regime militar, ao mesmo tempo em que tínhamos a redemocratização no Brasil, tínhamos também a abertura da implantação do projeto neoliberal e, como cita Silveira (2007SILVEIRA, R. G. et al. Fundamentos teórico-metodológicos da educação em direitos humanos. João Pessoa: Ed. da UFPB, 2007., p. 80), “o neoliberalismo é uma máquina de expropriação de direitos”.

É sabido que esse sistema vive em constante busca por novas formas de acumulação, sendo engendradas transformações em seu ciclo global. O capitalismo hoje de fato, não é o mesmo descrito em “O Capital”, sua análise não é mais suficiente para dar conta do capitalismo contemporâneo, como salienta Paulo Netto (2011), pelo simples motivo da gênese de novos fenômenos, novos processos, entretanto, tal método é totalmente necessário uma vez que mesmo diante suas novas roupagens, seu teor exploratório e desumano continuam suas principais características, resultando num conjunto de expressões que definem as desigualdades sociais.

[...] a ‘velha questão social’ metamorfoseia-se, assumindo novas roupagens. Ela evidencia hoje a imensa fratura entre o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social e as relações sociais que o impulsionam. [...] se traduzindo na banalização da vida humana, na violência escondida no fetiche do dinheiro e da mistificação do capital [...] (IAMAMOTO, 2011IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011., p. 144).

À vista disso, o problema originário do sistema capitalista, evidencia a degeneração das relações sociais, isto é, uma verdadeira indiferença frente aos contingentes de pessoas submetidas a uma pobreza historicamente construída, desprezada e abandonada em prol do individualismo do capital e da manutenção do status quo. Assim, visando à manutenção da ordem, o mesmo utiliza-se de um forte instrumento de dominação: o conservadorismo.

Conservadorismo como um instrumento capitalista de manutenção da ordem

Realizaremos agora, uma breve análise acerca do pensamento conservador num esforço de entender como o mesmo pode ser utilizado visando à dominação das massas.

No século XVIII, conforme Edmund Burke, considerado fundador do conservadorismo liberal - e, digase de passagem, muito criticado por Marx - o Estado e a sociedade constituem uma ordem natural, concepção que advém de sua aproximação com o monoteísmo cristão, incluindo a propriedade privada e a desigualdade social na ordem teológica como ordenamentos naturais.

Nas palavras de Burke,

[...] aqueles que tentam nivelar nunca igualam. Em todas as sociedades, consistindo em várias categorias de cidadãos, é preciso que alguma delas predomine. Os niveladores, portanto, somente alteram e pervertem a ordem natural das coisas, sobrecarregando o edifício social ao suspender o que a solidez da estrutura requer seja posto no chão (BURKE, 2014, p. 70).

Observa-se um pensamento conformista e teológico bastante forte, de aceitação das condições de miserabilidade e pobreza, enquanto “vontade Divina”, porém, tal compreensão apenas visa à manutenção da ordem vigente. Sua concepção acerca da Revolução difere do que ilustra as correntes progressistas que veem na mesma, um instrumento de transformação social na busca por uma nova ordem societária com princípios divergentes do capitalismo.

Após as ideias do teórico Edmund Burke, a tradição conservadora amplia o eixo temático antirrevolução voltando-se contra o proletariado. Como salienta Souza (2016SOUZA, J. M. A. Tendências ideológicas do conservadorismo. 2016. 304 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/ 18011/1/TESE%20JAMERSON.pdf. Acesso em: 10 set. 2019.
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), o governo de Napoleão Bonaparte, imperador francês (1769-1821), utilizou o discurso conservador do Partido da Ordem, sob o lema: “A França pede acima de tudo tranquilidade”, além de defender a ideia de meritocracia e liberdade do mercado, o que cria circunstâncias para sujeitos de extrema-direita baseados no discurso de ordem como Donald Trump nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro no Brasil, Marine Le Pen na França, entre tantos outros.

Tal pensamento perpassa inúmeros outros autores defensores do conservadorismo liberal, a exemplo de Otto Von Bismarck, responsável pela ideia de seguro social. Tal sistema protetivo destinado apenas aos trabalhadores formais das indústrias possui caráter compulsório e contributivo. Cabe salientar que, esses preceitos foram inspiração para a construção de um dos tripés do sistema de proteção social brasileiro da Seguridade Social, a previdência social. O que demonstra que as políticas protetivas brasileiras limitam a lógica social e restringe a universalização da seguridade social.

É conveniente lembrar que o capitalismo, sofre reiteradas críticas à descrição realizada por Marx. De fato, detivemos constantes mudanças sofridas ao longo de décadas até sua “face contemporânea”, todavia, todo esforço na busca por desvendar o capitalismo na sua origem, desenvolvimento, contradições e suas consequências para a sociedade são indispensáveis para comprovar que sua essência permanece a mesma, calcada na exploração e na busca incessante pelo acúmulo e, mais recente, utilizando-se do conservadorismo como mecanismo ideológico.

Ainda de acordo com Souza (2016SOUZA, J. M. A. Tendências ideológicas do conservadorismo. 2016. 304 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/ 18011/1/TESE%20JAMERSON.pdf. Acesso em: 10 set. 2019.
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), o conservadorismo estrutura-se no capitalismo monopolista e logo se consolida como pensamento antirrevolucionário e anticomunista, no entanto, seu auge é no pós-guerra e no período da política de macarthismo e de “caça as bruxas”5 5 O período de “caça as bruxas” ocorreu na Europa entre os séculos XV e XVIII havendo uma série de atos punitivos de cunho religioso cujo objetivo era a regularização das condutas morais e sexuais das mulheres, controle demográfico e regras sociais que contribuíssem com o sistema (NASCIMENTO, 2018). .

Tal sentido convergente consiste na manutenção e preservação da ordem institucional capitalista, mas com a peculiaridade do fortalecimento das tendências de direita e extrema-direita - filofascistas na vertente norte americana - na condução do Estado, das políticas públicas e na relação com a sociedade civil [...] o conservadorismo aparenta representar o recrudescimento das perspectivas de retrocesso civilizatório, de maneira mais acentuada que o neoliberalismo (SOUZA, 2016SOUZA, J. M. A. Tendências ideológicas do conservadorismo. 2016. 304 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/ 18011/1/TESE%20JAMERSON.pdf. Acesso em: 10 set. 2019.
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, pp. 207-208).

Podemos enfatizar a “corrente conservadora” então como um instrumento utilizado para disseminar o ódio e o preconceito pelas classes subalternas, com plena finalidade de manutenção da ordem vigente e da propriedade. Afinal, o mesmo diverge de conceitos antinaturais, assim como da igualdade, da democracia, de direitos inalienáveis entre outros.

O século XX é um período marcado por conflitos e guerras, vivenciamos um verdadeiro colapso do mundo humano. Assim, logo após sairmos da I Guerra Mundial o fascismo e o nazismo foram conceituados como movimentos contrarrevolução, marcando a barbárie do genocídio judeu na exacerbação do sentimento racista. O pensamento conservador dominava os ideais de Hitler. Para ele, as raças “inferiores” teriam que ser dominadas. Esse seria o conservadorismo nacionalista advindo ainda do pensamento de Burke.

De certo, o conservadorismo clássico é fundado em ideias irracionalistas. Todavia, na atualidade esse ganha novas características. Destacamos aqui, a contribuição de Hannah Arendt com seu conceito de totalitarismo6 6 Para um aprofundamento ler: ARENDT, H. As Origens do Totalitarismo: imperialismo, a expansão do poder. interpretado pelos conservadores. Suas ideias foram amplamente utilizadas pelo pensamento conservador sobre ideologias “fascistas” e “socialistas” quando nivelam as experiências do nazismo de Hitler e da experiência pós-capitalista da União Soviética de Stalin. Em tal perspectiva, o conservadorismo imputa ideologias socialistas e comunistas antidemocráticas e desumanizadoras por não “respeitarem” a propriedade - fato muito presente nos discursos da extrema direita brasileira.

No Brasil, o conservadorismo adere a concepções liberais e no tocante a economia e nas ciências sociais apresenta uma decadência ideológica crítica, isto é, um pensamento pragmático, acrítico7 7 Acriticidade relaciona-se a condição de passividade ao que está imposto, sem buscar adentrar nas raízes do que está sendo discutido. (SOUZA, 2016SOUZA, J. M. A. Tendências ideológicas do conservadorismo. 2016. 304 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/ 18011/1/TESE%20JAMERSON.pdf. Acesso em: 10 set. 2019.
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). Nele há uma guerra ideológica pela rejeição ao aborto, uma ênfase na concepção de família como instituição formada exclusivamente por homem e mulher, além da rejeição ao Estado de bem estar social. Ou seja, observa-se que tais propostas contribuem para a intolerância, o imperialismo, a discriminação e o darwinismo social.

Segundo Mészáros (2002MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Tradução Paulo Cézar Castanheira, Sergio Lessa. São Paulo: Boitempo, 2002.), as ideias dos conservadores ganham impulso com a crise estrutural do capital, sendo incorporadas em 2016 pelo programa político de Donald Trump e influenciando diretamente no debate conservador brasileiro. Para Souza (2016SOUZA, J. M. A. Tendências ideológicas do conservadorismo. 2016. 304 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/ 18011/1/TESE%20JAMERSON.pdf. Acesso em: 10 set. 2019.
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, p. 172), “a ascensão do projeto conservador no Brasil, portanto, constitui-se como uma particularidade, um elemento de uma trajetória mais abrangente, liderada pelas tendências políticas e intelectuais decisivas, principalmente, nos Estados Unidos”.

Isto é, o pensamento conservador brasileiro sofre intensas influências com o fortalecimento de uma nova direita. Mais precisamente após o ano de 2010, no Brasil, o jogo político da direita e extrema-direita voltou-se ao discurso antipetista. Claramente, seu discurso acusava o Partido dos Trabalhadores de uma decadência moral, que levara o País a uma falência econômica, moral e política. Constata-se que esse mesmo discurso carrega os mesmos argumentos que “justificariam” o golpe de 1964 contra João Goulart. Por isso, importante citar a influência do pensamento de Olavo de Carvalho8 8 Esse “pseudo filosófico”, exerce forte influência junto ao governo Bolsonaro, sendo inclusive, responsável pela indicação de dois ministros. Ver matéria publicada em https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2019/05/entenda-a-relacao-de-olavo-de-carvalho-com-bolsonaro-e-os-embatescom-os-militares-cjveas60i01s701peog1ywsgf.html. , o “oráculo” ou “professor” da nova direita emergente no Brasil, adepto do terraplanismo e com características de delírio e perseguição ao “comunismo” brasileiro.

Nos anos subsequentes, por volta de 2016 em diante, o discurso de ódio, evidenciado inclusive no parlamento através da bancada evangélica e nas redes sociais, demarca as perseguições políticas, xenofóbicas e ideológicas. E, refletindo sobre as ideias de Burke, o mesmo discurso de preconceito é atualizado e disseminado, atualmente e de maneira vertiginosa, pelos adeptos de Olavo de Carvalho. É assim que desde julho de 2013, uma nova direita se fortalece e se mostra como uma preocupação ao futuro da democracia no País.

De acordo com Avritzer (2016AVRITZER, L. Impasses da Democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.), em “Impasses da democracia no Brasil”9 9 Para uma análise mais profunda ler: Leonardo Avritzer. Impasses da Democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. , tal fenômeno ocorreu devido alguns fatores importantes. Dá-se ênfase que o Brasil é um dos países com democracia mais forte e consolidada, entretanto, o autor ressalta que estamos vivenciando uma situação “incômoda” após o impeachment contra a presidenta Dilma em 2015/2016. Para o autor, alguns dos fatores que impulsionaram tal ocorrido foram o presidencialismo de coalizão, os limites da participação popular, os paradoxos de combate à corrupção, a perda de status das camadas médias e o novo papel do judiciário brasileiro. Este último vale enfatizar, nunca se mostrou tão fascista em toda a história do País. Sendo assim, temos um conjunto de ingredientes que corroboraram para a consolidação de uma direita/extrema-direita emergente das próprias camadas médias da sociedade brasileira. Para Demier e Hoeveler (2016DEMIER, F.; HOEVELER, R. (org.). A onda conservadora: ensaios sobre os atuais tempos sombrios no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X, 2016., p. 273), “esta denominada “nova direita” cujas palavras de ordem são o combate ao ‘comunismo’, ao ‘bolivarianismo’ e claro, à corrupção, representa o que há de mais conservador em pleno século XXI”.

Para além, o que observamos são fortes ataques às conquistas sociais dos últimos anos, a exemplo do desmonte do sistema de proteção social brasileiro através das contrarreformas; do crescimento dos setores privados da educação; o desmonte histórico do Sistema Único de Saúde, das Medidas Provisórias contra direitos previdenciários; da tentativa de redução da maioridade penal; da violência contra mulheres, negros e homossexuais. Até mesmo o retorno da Marcha da Família com Deus, mesmo evento que serviu de apoio ao golpe de 1964.

Tais ataques se configuram estratégias de consolidação dos princípios neoliberais em uma sociedade que desde 2003 abre um espaço reduzido para a agenda social, mesmo sem deixar de salientar que o governo Lula se limitou a avanços no campo das políticas sociais, mesmo com caráter focalizado e incipiente. Nota-se que o pensamento conservador liberal se destaca pela sua forte crítica ao Estado, acusando-o de paternalista, gigantesco; com políticas sociais voltadas para “sustentar vagabundos” e os direitos humanos para “defender bandidos”.

Para tanto, notemos que são ignoradas as expressões da Questão Social como oriundas de um sistema que possui sua essência na desigualdade e, assim como pensadores conservadores laicos, tais expressões são vistas apenas como desdobramentos naturais da “vontade divina” para toda e qualquer sociedade. Com isso, o conservadorismo se configura um forte instrumento que contribui para tais problemáticas se acentuarem em diversas esferas da nossa atual sociedade, configurando-se uma verdadeira barbárie social.

Conservadorismo e algumas expressões da barbárie contemporânea

Juntamente com a crise estrutural do capital e a utilização do conservadorismo como instrumento ideológico de manutenção da ordem vigente, há o agudizamento das expressões da Questão Social, o que leva a uma verdadeira barbárie da vida humana em nossa atual conjuntura. A árdua luta pela propriedade privada e dos meios de produção atingem diretamente as condições de vida da população e consagra a destruição de direitos historicamente conquistados, contribuindo para as expressões da barbárie contemporânea.

Desses, na atualidade, o mais bárbaro processo de expropriação de direitos pode ser considerado o que leva milhares de pessoas à condição de refugiados. Segundo a Acnur - agência da ONU “ estamos vivenciando os maiores índices de deslocamento já registrados. Até junho de 2019 são cerca de 70,8 milhões forçadas a se deslocar em todo o mundo. Essa causa se dá em decorrência de inúmeros fatores, são fugitivos de guerras, de perseguições políticas, são seres humanos expropriados de sua terra entre outros.

Tais indivíduos são alijados de suas vidas, histórias, em decorrência de atos de guerras civis, violência, desastres naturais, por razões econômicas como pobreza absoluta e tantos outros. São famílias, crianças, jovens que perderam tudo e buscam um lugar no mundo apenas para viverem, mas, algumas expressões do conservadorismo como a xenofobia, nacionalismo e intolerância desumanizam e alimentam o ódio e a perda do sentido do humano.

A onda conservadora ataca fortemente a entrada de refugiados nos países. Na Europa assistimos as barreiras impostas por vários países, temerosos por perderem territórios, utilizam-se de elementos culturais como argumento contra a entrada dos imigrantes. No Brasil, conforme a Acnur, apenas no ano de 2018, o País reconheceu um total de 1.086 refugiados de diversas nacionalidades, atingindo a marca dos 11.231 refugiados (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2019).

Outro aspecto da onda conservadora é a barbárie da intolerância e do fundamentalismo religioso. Os ataques e atentados terroristas pelo Estado islâmico em diversos países e suas demonstrações de força como as marchas machistas, leilão de jovens meninas entre outros absurdos revelam um caráter altamente conservador, descrito por Mauro Iasi,

[...] não pode ser entendido em si mesmo, ele é expressão de algo mais profundo que o determina. [...] é uma expressão da luta de classes, isto é, que manifesta em sua aparência a dinâmica de luta entre interesses antagônicos que formam a sociabilidade burguesa [...] (IASI, 2015IASI, M. L. De onde vem o conservadorismo? 2015. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2015/04/15/de-onde-vem-oconservadorismo/. Acesso em: 17 set. 2019.
https://blogdaboitempo.com.br/2015/04/15...
, p. 5).

Os ataques cometidos pelo Estado islâmico justificam sua violência em nome da religião, com uma interpretação equivocada acerca da religião, como a exemplo seu ataque a Paris alegando a mesma ser “capital do vício e da perversão”. Tal conservadorismo vem atraindo um contingente de jovens sem projeto coletivo de futuro.

Podemos apresentar também a supressão e o antagonismo aos direitos humanos. Cotidianamente a barbárie se apresenta de forma “democrática”, através da supressão de direitos historicamente conquistados. A proposta de redução da maioridade penal, do estatuto da família, a criminalização da homofobia, as críticas à Lei Maria da Penha, a criminalização do aborto, além da destruição da natureza e dos direitos dos povos indígenas e quilombolas entre outros, todos fundamentados na intolerância religiosa. Observemos então, que desde o processo colonizador do eurocentrismo o conservadorismo se fez presente na busca pela dominação e apropriação do “Outro” (DUSSEL, 1993DUSSEL, E. 1492: o encobrimento do outro: a Origem do Mito da Modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993.). Dentre as concepções sobre conservadorismo, a predominância da irracionalidade e pragmatismo são bastante forte. Em especial, o conservadorismo contemporâneo possui uma ideologia com finalidade que parte em busca da manutenção da hegemonia das classes dominantes, além da segregação das minorias e está presente na figura do Estado trazendo consequências à sociabilidade, com ramificações em diversas tendências, vertentes e formações sociais.

É importante destacar que a Constituição Cidadã de 1988 trouxe consigo uma série de ações e políticas públicas voltadas à construção do Estado Social. Sem dúvidas é um texto de suma importância, inclusive no tocante à liberdade de expressão após a superação do regime totalitário que durou 20 anos, além da mesma promover liberdades civis, direitos e garantias fundamentais do cidadão. Todavia, atualmente, confunde-se liberdade de expressão com discursos opressores de mero caráter de opinião. Como salienta Nogues (2019), destacase o parlamento brasileiro, que desde a eleição de 2014 configura-se o mais conservador desde 1964, sobretudo a “bancada evangélica”, a “bancada da bala”10 10 “Bancada da bala” é um nome pejorativo usado para referir à frente parlamentar composta por políticos que defendem o armamento civil, flexibilização de leis relacionadas a armas e contra políticas desarmamentistas. , utilizando-se de um discurso de ódio, incitando a discriminação e hostilização, baseado em orientação sexual, religião, gênero, raça, condição física entre outros. Podemos citar como exemplo, o discurso, do então parlamentar de Jair Bolsonaro, ao explicitar que “ter filho gay é falta de porrada”, ou que não estupraria sua colega parlamentar Maria do Rosário (PT/RS) por “ela não merecer”.

O agora presidente Jair Bolsonaro (eleito em 2018) já foi, inclusive, condenado11 11 Notícia publicada no site do jornal O Globo. Acessar através do link https://oglobo.globo.com/brasil/justica-mantem-condenacao-de-bolsonaropagar-150-mil-por-declaracoes-homofobicas-racistas-23654087. a pagar 150 mil reais de indenização ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD) por danos morais em razão das declarações homofóbicas e racistas feitas no programa CQC da TV Bandeirantes no ano de 2011. Ele também já atacou comunidades quilombolas e à população negra ao ilustrar em seu discurso, preconceito e discriminação às comunidades quilombolas, demonstrado na seguinte fala: “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que né”.

Vale salientar, que essa fala totalmente racista, nega o horror dos quatrocentos anos de escravidão dos povos negros que foram torturados, explorados, abusados e assassinados no Brasil. Povos que além de ter negado o direito à alfabetização também lhes foi negado o direito de cultuar suas próprias religiões, gerando uma dívida histórica não apenas monetária12 12 A dívida monetária brasileira com os negros se dá pelos séculos de exploração de seu trabalho e de suas vidas que construíram grande parte da riqueza que possuímos hoje no país. , mas também ética e cultural. Nesse viés, o Estado tem responsabilidade direta em face do racismo estrutural que vivemos no Brasil hoje e, não deveria ter posicionamentos conservadores e preconceituosos acerca de assuntos extremamente complexos.

Hoje, na função de presidente da república, tais falas continuam sendo reproduzidas, ainda que, com teor mais leve. Os principais elementos constitutivos da imagem do atual presidente do Brasil são ódio, medo, espetáculo e armas. Inclusive, a luta pelo armamento da população foi uma de suas primeiras atitudes após assumir a presidência, juntamente com a Bancada da Bala. O mesmo utiliza o discurso do medo colocando o “delinquente” no rol daqueles que não devem usufruir o direito à vida, por “escolha” terem abandonado o direito à cidadania para entrarem no mundo do crime, afinal, “bandido bom é bandido morto”.

Tais falas proferidas pela maior autoridade do País além de revelar uma irresponsabilidade muito grande, trás no seu conteúdo, um teor conservador bastante perigoso, sobretudo, por incitar o discurso de ódio. Dados da ONG austríaca Transgender Europe, o Brasil é o país que mais mata LGBTs e, segundo relatório do Ministério dos Direitos Humanos publicado em 2018 sobre violência contra LGBTs, no País há disparidade em grupos ou setores que foram historicamente discriminados como negros e mulheres. Para o Ministério dos Direitos Humanos, “a sociedade Brasileira está ancorada por princípios de heteronormatividade, cisnormatividade, e os binários de sexo e gênero” (BRASIL, 2018, p. 74). Além disso, fica explícito no relatório que a sociedade brasileira é altamente sexista, machista e misógina. Isso é, trata-se de ideias altamente conservadoras que perpassam todos os contextos sócio-históricos do País e se fortalecem em nossa atual conjuntura.

O discurso propagado pelo presidente da republica, é fortalecido por praticamente todas as pessoas que compõem o seu governo, e por uma grande parcela da população, em especial os que fazem uso das redes sociais. Esse discurso de ódio é embasado (e reproduzido) em pensamentos superficiais de sites da internet, a exemplo da “Opressor 2.0” que possui mais de um milhão de seguidores. Tal púbico, de acordo com a BBC Brasil é composto por jovens entre 16 e 34 anos de idade. Para além, vale apresentar uma pequena amostra dessa ideologia conservadora que é publicada na página virtual do Portal Conservador13 13 Uma das principais referências para o conservadorismo brasileiro se encontra no link: http://portalconservador.com/ .

A violência também se configura uma impetuosa expressão da Questão Social no tocante a desigualdade social, meio familiar, pobreza, desemprego e outros aspectos serem influenciadores da violência ou tornarem os indivíduos mais vulneráveis ao mundo da criminalidade (BAIREL, 2004BAIREL, M. F. Medo Social: da violência visível ao invisível da violência. São Paulo: Cortez, 2004.). Em nossa sociedade conservadora brasileira, além da afirmação de Bairel, acreditamos que tais indivíduos são também criminalizados e ameaçados pela própria violência advinda do Estado através de seu aparelho repressivo, a polícia.

Os crimes cometidos pela polícia se tornam cada vez mais frequentes. Dentre chacinas como os massacres em presídios como Carandiru (1992) que terminou com a morte de 111 presos, a da Igreja da Candelária (1993) com oito jovens assassinados, o massacre em Vigário Geral (1993) com 21 moradores da favela mortos. Para termos uma noção desse “estrago”, apenas no mês de maio do corrente ano, no intervalo de quatro dias, 13 pessoas foram mortas em ações policiais no Rio de Janeiro, configurando o maior número de mortes por ações policiais nos últimos 20 anos14 14 Ver notícia completa sobre as maiores chacinas no Brasil em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/05/07/pelo-menos-13-pessoasmorreram-em-acoes-policiais-em-tres-dias-no-rio.ghtml. . Podemos citar o recente caso de Agatha15 15 Ver notícia sobre o caso de Agatha em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/agatha-8-anos-nem-a-primeira-nem-a-ultima-morte-deuma-guerra-perdida-por-fernando-brito/. , de apenas oito anos de idade, morta por policiais em uma operação no dia 21 de setembro de 2019 no Complexo do Alemão. Uma verdadeira matança policial, ganhando dimensões de um genocídio social.

Além disso, os crimes mais recorrentes explicitados nos jornais televisivos como assaltos, homicídios, tráfico e outros podem simbolizar uma luta por bens produzidos de modo coletivo, em uma sociedade que tem origem na desigualdade social. Tal fenômeno multifacetado, transmitido pela mídia sensacionalista ou pelo próprio governo atual, gera o medo social. Nesse contexto, a fala do Presidente Jair Bolsonaro “violência se combate com violência” afirmada no programa The Noite que foi ao ar em 21 de março de 2017 revigora pensamentos conservadores primitivos e arcaicos como método de combate à violência e a torna uma forte expressão da banalização contemporânea.

Considerações finais

A partir da análise realizada ao longo do trabalho pode-se concluir que o desenvolvimento do sistema capitalista possui em sua raiz, a desigualdade como principal essência e em sua fase vigente há um agudizamento de tais problemas. São evidenciadas de maneira ainda mais tênue na atualidade as multifacetadas expressões da “questão social” em forma do deslocamento forçado de pessoas, da intolerância, da discriminação racial, de gênero e sexualidade entre tantos outros citados ao longo do estudo.

É importante ressaltar que a luta da burguesia pela propriedade privada e pelo poder econômico utiliza instrumentos ideológicos como forma de manutenção da ordem e o mais evidente é o conservadorismo. Tal instrumento naturaliza a pobreza, a desigualdade e busca manter padrões primitivos e arcaicos de sociabilidade, de comportamentos e ordenamentos.

Diante isso, o atual Estado brasileiro ignora e nega dívidas históricas, dissemina ódio e preconceitos, tudo com o propósito deliberado de garantir a hegemonia neoliberal. Como se não bastasse, desmonta o sistema de proteção social; ataca os direitos humanos através de discursos toscos; busca atender o capital ignorando princípios e direitos historicamente conquistados; dissemina a indiferença frente à banalização da vida humana que presenciamos em nossa atual conjuntura.

Assim, nessa breve análise, pode-se destacar que o combate ao conservadorismo é parte de um enfrentamento ainda maior, de combate a toda forma de discriminação, opressão e exploração, ou seja, de combate à barbárie que vivemos, do fascismo, da onda de ódio que assola o País. Faz-se necessário mais do que nunca a luta em defesa dos direitos e interesses da coletividade, no meio acadêmico e social, na busca pela superação do atual sistema por uma nova forma de sociabilidade sem dominação de classe, gênero, pobreza e desigualdades.

Agradecimentos

Agradecemos aos que visam nos calar, muitas vezes, tentando deslegitimar nosso discurso nos denominando de “insensíveis” e/ ou “desequilibradas”. Vocês são a força na busca pela transformação social que almejamos, e são exemplo do que não queremos nos tornar.

Referências

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    » https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/ 18011/1/TESE%20JAMERSON.pdf

Notas

  • 1
    Segundo Marx (1988), o feudalismo era o sistema que possuía sua base econômica na produção dos camponeses e pequenos artesãos, sendo sua produção não destinada ao lucro.
  • 2
    Para Burke (2014), o liberalismo fundamenta-se no esforço individual, na competição de agentes econômicos.
  • 3
    Para um entendimento mais profundo dos conceitos da teoria marxista e acerca de tais categorias por Marx levantadas ler: MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. O processo de produção do capital - v. 1, t.1. São Paulo: Nova Cultural, 1988. v.1. t.1. (Col. Os Economistas).
  • 4
    Trata-se de um modelo de bem estar social para “o povo”.
  • 5
    O período de “caça as bruxas” ocorreu na Europa entre os séculos XV e XVIII havendo uma série de atos punitivos de cunho religioso cujo objetivo era a regularização das condutas morais e sexuais das mulheres, controle demográfico e regras sociais que contribuíssem com o sistema (NASCIMENTO, 2018).
  • 6
    Para um aprofundamento ler: ARENDT, H. As Origens do Totalitarismo: imperialismo, a expansão do poder.
  • 7
    Acriticidade relaciona-se a condição de passividade ao que está imposto, sem buscar adentrar nas raízes do que está sendo discutido.
  • 8
    Esse “pseudo filosófico”, exerce forte influência junto ao governo Bolsonaro, sendo inclusive, responsável pela indicação de dois ministros. Ver matéria publicada em https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2019/05/entenda-a-relacao-de-olavo-de-carvalho-com-bolsonaro-e-os-embatescom-os-militares-cjveas60i01s701peog1ywsgf.html.
  • 9
    Para uma análise mais profunda ler: Leonardo Avritzer. Impasses da Democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
  • 10
    “Bancada da bala” é um nome pejorativo usado para referir à frente parlamentar composta por políticos que defendem o armamento civil, flexibilização de leis relacionadas a armas e contra políticas desarmamentistas.
  • 11
    Notícia publicada no site do jornal O Globo. Acessar através do link https://oglobo.globo.com/brasil/justica-mantem-condenacao-de-bolsonaropagar-150-mil-por-declaracoes-homofobicas-racistas-23654087.
  • 12
    A dívida monetária brasileira com os negros se dá pelos séculos de exploração de seu trabalho e de suas vidas que construíram grande parte da riqueza que possuímos hoje no país.
  • 13
    Uma das principais referências para o conservadorismo brasileiro se encontra no link: http://portalconservador.com/
  • 14
    Ver notícia completa sobre as maiores chacinas no Brasil em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/05/07/pelo-menos-13-pessoasmorreram-em-acoes-policiais-em-tres-dias-no-rio.ghtml.
  • 15
    Ver notícia sobre o caso de Agatha em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/agatha-8-anos-nem-a-primeira-nem-a-ultima-morte-deuma-guerra-perdida-por-fernando-brito/.
  • Agência financiadora

    Não se aplica.
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participação

    Não se aplica.
  • Consentimento para publicação

    Consentimento dos autores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2019
  • Aceito
    11 Fev 2020
  • Revisado
    31 Mar 2020
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