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Entrevista com Ricardo Antunes: as metamorfoses da vida e do trabalho

Resumo:

Nesta entrevista, Ricardo Antunes discorre sobre sua trajetória de vida e estudos e recorda momentos de sua formação intelectual, retoma os contextos históricos de elaboração de suas principais obras e realiza mediações entre conceitos centrais destas obras e temas candentes da atualidade. No diálogo com seus entrevistadores, Antunes aborda questões relacionadas ao sindicalismo e ao movimento operário brasileiro, ao trabalho e as classes sociais no capitalismo global, a divisão sociossexual do trabalho e as formas contemporâneas de vigência da lei do valor. Ricardo Antunes é Professor Titular de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas.

Palavras-chave:
Trajetória de vida; Obra; Classes Sociais; Trabalho; Teoria Social; Brasil

Abstract:

In this interview, Ricardo Antunes discusses his life and studies trajectory and recalls moments of his intellectual buildup, returns to the historical contexts in which he elaborated his main works and links the central concepts of these works and pressing matters of today. In the dialogue with his interviewers, Antunes addresses issues related to trade unionism and the Brazilian labor movement, labor and social classes in global capitalism, the socio-sexual division of labor and contemporary forms of the law of value. Ricardo Antunes is Professor of Sociology at the Institute of Philosophy and Human Sciences of the University of Campinas.

Keywords:
Biography; Work; Social classes; labor; Social Theory; Brazil

Numa fase superior da sociedade comunista, quando tiver sido eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre trabalho intelectual e manual; quando o trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade vital; quando, juntamente com o desenvolvimento multifacetado dos indivíduos, suas forças produtivas também tiverem crescido e todas as fontes da riqueza coletiva jorrarem em abundância, apenas então o estreito horizonte jurídico burguês poderá ser plenamente superado e a sociedade poderá escrever em sua bandeira: “De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades!” (MARX, 2012MARX, Karl. Crítica do programa de Gotha. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2012., p. 31-2).

Claudia Mazzei Nogueira: Professor Ricardo Antunes, é um prazer termos essa oportunidade de entrevistá-lo. Para começarmos, gostaríamos que você falasse um pouco sobre sua trajetória de vida.

Ricardo Antunes: Eu nasci em uma família de classe média, classe média baixa. Meu pai trabalhava em escritórios como corretor, durante o período em que eu já havia nascido, e depois foi estudar Direito. Eu me lembro até hoje que, nos fins de semana, ele ia para a cidade de Taubaté — ele fazia o curso de Direito na Faculdade de Taubaté — e, quando se formou, assumiu a carreira de advogado. Ele era um profissional liberal e, embora uma figura bem simples, era um advogado qualificado. Antes da Faculdade de Direito, ele já tinha uma formação técnica em economia pela Fundação Escola de Comércio Alvares Penteado (FECAP). A minha mãe era funcionária pública, era escriturária.

A primeira casa que moramos era no bairro da Pompéia, um bairro de classe média em São Paulo, mas como foi por pouco tempo, tenho vaga lembrança desta casa. Depois de algum tempo, não me lembro bem, mudamos para uma casa no bairro das Perdizes, um bairro de classe média, mas que na época já era muito valorizado, embora a casa fosse relativamente simples.

Eu aprendi a escrever, entre 1959-60, porque minha mãe — e isso eu devo inteiramente, ou quase inteiramente a ela — pegava o caderno de cultura do jornal O Estado de São Paulo de domingo, sentava comigo e lia o artigo e pedia para eu comentar e ir escrevendo. E para não deixar de esquecer de ninguém, eu tinha uma prima que era professora, a Beth, que me ensinou a caligrafia, porque naquela época você tinha que ter boa caligrafia. Ela foi uma ótima professora, porque não me forçou a escrever com a mão direita. Ela dizia: “você escreve com a mão esquerda? Então vamos lá com a mão esquerda”. E aqui uma pequena metáfora: ela, já na época, me manteve na esquerda e não tentou me empurrar para a direita. Fica essa lembrança.

A minha formação primária foi numa escola chamada Externato Assis Pacheco, que era uma escola privada, a duas ou três quadras de distância da minha casa (nós íamos a pé para as aulas). Essa era uma escola muito tradicional em São Paulo e que também não era barata, mas minha mãe fazia um sacrifício grande para pagar porque ela achava que era importante uma boa formação. Só o primário eu fiz em escola privada, depois foi impossível pagar escola particular. Então, o secundário, ou ginásio e colegial, como se chamava na época, eu fiz em escola pública. Na escola que eu entrei, o Colégio Estadual Zuleika de Barros, não tinha curso diurno (porque o prédio da escola ainda estava em construção), por isso fui obrigado a estudar à noite, no prédio do Colégio Miss Browne, que era um grupo escolar que à noite liberava seu espaço para o ginásio e o colegial.

Quando, no colegial, não lembro se foi no primeiro ou segundo ano, o prédio do Colégio Zuleika de Barros ficou pronto, fomos para o novo endereço, na esquina da Av. Pompéia com a Rua Padre Chico. Eu lembro que tinha um bar na esquina, chamado Dólar Furado, que era frequentado pelo pessoal d’Os Mutantes, a Rita Lee, o Sérgio Dias e o Arnaldo Baptista, quando eram muito jovens. Talvez eu pudesse mencionar que, nesta época, um curso que me impactou bastante, sem que eu percebesse, foi o de história. Eu lembro que o nome da professora era Helena, uma mulher que tinha uma cabeça muito além do razoável e que, numa época em que a visão dominante era a conservadora, era bem “alternativa”.

Eu me formei em 1971 e fui fazer faculdade. A minha vontade, na época, era ser administrador de empresas. Então tinha duas alternativas: a Universidade de São Paulo (USP) e Fundação Getúlio Vargas (FGV). A FGV era caríssima, jamais meu pai e minha mãe teriam qualquer condição de pagar. Meu pai não tinha recurso e minha mãe “fazia das tripas o coração”, como se dizia antigamente, para pagar as contas, porque meu pai, quando tinha dinheiro, garantia, mas quando não tinha, era a lei do “se vire-se”. Aliás, eu devo dizer também que eu só consegui fazer cursinho porque uma tia minha, Helena Antunes, irmã do meu pai, pagou o cursinho para mim. Infelizmente essa tia já morreu.

Devo lembrar também que eu fiz o Cairu Vestibulares que era um cursinho, de esquerda, vinculado ao Centro Acadêmico da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP). Eu me lembro, inclusive, dos professores de história, José Carlos, e Joel Rufino dos Santos, este foi do grupo do Nelson Werneck Sodré, que participou do projeto “História Nova”, uma revisão marxista da história do Brasil. Ele tinha acabado de sair da prisão quando eu tive aula com ele, em 1971. Era uma fase tenebrosa e, mesmo esses professores tendo muito medo de dar aula, o Cairu era um cursinho de esquerda e certamente isso foi vital para a minha cabeça, embora naquele momento eu não tivesse percebido. Se eu tivesse me dado conta, eu teria ido para USP e tentado fazer economia.

Enfim, quando eu fiz o cursinho, pensei: “vou prestar na USP, vou prestar na FGV e, por garantia também a FAP (Fundação Alvares Penteado), uma faculdade de economia que ficava no bairro da Liberdade, e que não é a FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado). Eu entrei na FAP, em trigésimo e alguma coisa, entrei na USP e entrei na FGV, que era muito disputada e, das cinquenta vagas, eu entrei na rabeira.

Ainda bem que eu tive o bom senso de escolher a FGV, mas por maus motivos... Eu escolhi a FGV porque era uma faculdade de administração e eu queria ser administrador de empresas. Eu tive de fazer o curso de administração pública, que não era pago, mas pensava: “eu vou sair daqui e vou trabalhar com empresa. Quero ser gerente!” Eu me lembro, inclusive, que na FGV eu cheguei a fazer um teste — olha que sorte! — para ser estagiário na empresa sueca Ericsson. Mas o gerente da Ericsson não viu nenhum atributo de administrador em mim — ele devia ter razão — e eu fui reprovado. Foi a minha sorte. Mas, o que mudou na minha cabeça neste período foi que, quando eu entrei na FGV, eu tinha que trabalhar. Eu fui então dar aulas, aulas de história. Por que aulas de história? Porque gostava de história. E por que eu gostava de história? Provavelmente porque aquela professora do ginásio, Helena, tinha me dado algumas pistas. E eu sempre fui um péssimo aluno de exatas.

Além disso, para minha sorte, na FGV eu tive professores de sociologia, política, economia e história que foram espetaculares e que me despertaram e levaram para as ciências sociais. Eram todos jovens sociólogos que tinham se formado pela USP; a maioria deles havia feito doutorado em Paris por conta da repressão e, quando voltaram, foram dar aula na FGV. Tive aula com o David José, que era ator de televisão, com a Vanya Sant’Anna, que foi uma professora que me influenciou muito (mulher do também ator GianFrancesco Guarnieri) de quem me tornei amigo. Aliás, eu e o Afrânio Mendes Catani, que era aluno como eu e que se tornou amigo de Vanya e Guarnieri. Vale recordar também do querido professor Maurício Tragtenberg. Embora eu não tenha sido aluno dele (não tive a sorte de ele ter ministrado um curso para mim), o conheci na FGV, assistia suas palestras e nos tornamos grandes amigos até sua morte. E muitos outros que eu não vou lembrar agora. Eu mencionei a Vanya e o David porque eles me ajudaram muito. O David José sempre me dizia: “você tem que ir para a Unicamp, na Unicamp está o Décio Saes”.

Quando terminei a FGV, eu já sabia que queria ir para a Ciência Política da Unicamp. E foi isso que fiz. Me lembro que fui o primeiro classificado na turma de Ciência Política da Unicamp, além de ser o único candidato formado em Administração Pública em um curso em que todos os outros candidatos eram de Ciências Sociais. Aí a história seguiu.

Claudia Mazzei Nogueira: Professor Ricardo, as aulas que você lecionava de história eram em cursinhos?

Ricardo Antunes: Sim, eram aulas de história em cursinho. E história do Brasil, que eu gostava muito. História geral me judiava. Eu tinha que estudar muito, porque eu não tinha formação de história geral, mas em história do Brasil eu tinha, por causa daquela professora que eu falei, me deu um curso de história do Brasil — eu tinha lido Caio Prado Jr. no colegial. E foi assim que eu dei aulas em cursinho até 1976, ou 1977.

Depois que eu me formei, fui contratado para permanecer na FGV ministrando cursos de sociologia e de política. Eu continuava também com as aulas em cursinhos, que aos poucos fui deixando. E em 1979 comecei a lecionar na Universidade Estadual Paulista (UNESP). Em 1986, entrei num concurso público para professor na Unicamp. Foi um concurso muito puxado, eram 18 candidatos e eu tive a sorte de entrar em primeiro lugar. E desde então eu não saí mais da Unicamp.

Caio Antunes: Professor Ricardo, a partir de sua trajetória, e nela, os seus momentos de formação, como e quando você foi entrando em contato com as questões do trabalho e como foi se construindo a sua trajetória de militância?

Ricardo Antunes: Nos anos de 1974 e 1975, eu já estudava a obra de Marx. Na época eu frequentava livrarias que os intelectuais de esquerda marxistas iam. Eu comprava livros em uma Livraria que ficava na Rua Aurora e era de um grupo de portugueses, que vendia livros de esquerda publicados em Portugal. Eu frequentava muito também a livraria Ciências Humanas, também de esquerda, que ficava no centro de São Paulo. Eu ia para essas livrarias todo sábado pela manhã — não marcava outro programa — e nelas eu comprava os meus livros. Na Livraria da rua Aurora, que creio se chamava Avanço, eles vendiam tudo, tinha Lenin, Mao Tsé-Tung, Trotski, Kautsky, Bernstein, Rosa Luxemburgo etc., todos de formato pequeno. Isso me ajudou muito a me aproximar da obra do Lenin (algum tempo depois comprei as Obras Escolhidas do Lenin e algumas edições das Obras Completas em outras línguas). Portanto, eu lia muito Lenin, lia muito Marx e estudava o Lukács.

É importante destacar que, quando eu entrei na sociologia política e fui ler Lukács, eu já conhecia o Marx. Portanto, o autor que fez a minha cabeça não foi o Lukács, o autor que fez a minha cabeça foi o Marx! O Lukács foi muito importante, pois sempre mostrou que para entender o Marx, não basta ler sua obra mais espetacular, que é O Capital, assim você só terá uma ideia do Marx. Se você estudar outras obras, como os Manuscritos Econômico-Filosóficos, A Sagrada Família, A Ideologia Alemã, a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, você vai conhecer um “outro Marx”, assim mesmo entre aspas, conhecerá um Marx da época de sua ruptura com a filosofia hegeliana, da construção da dialética, em que os temas filosóficos são tratados de maneira magistral. Mas tudo isso sempre recusando a disjuntiva Marx ideólogo versus Marx científico, isso para mim é insustentável, teoricamente falando. O Marx diz claramente: a única ruptura na minha vida — diz o Marx — é quando eu rompi com a filosofia idealista de Hegel. Foi em 1843, quando ele termina a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Introdução, na qual ele afirma não ser mais hegeliano. Dali para a frente está fundado um novo materialismo.

Retomando a pergunta sobre a militância política... Quando comecei a dar aulas, ao mesmo tempo em que fazia a faculdade, foi um mundo novo. Como eu já falei, a FGV, que era muito diferente da FGV de hoje, tinha nos seus cursos de Ciências Sociais vários recém-doutores que vinham da França — muitos, aliás, depois foram para a Unicamp, para a USP, para a UNESP e assim por diante.

Por um lado, a FGV tinha um Centro Acadêmico politizado. Era ditadura e nós fazíamos muitos debates políticos, passeatas etc. Por um lado, dando aulas, eu passei a ter atuação na organização dos professores, pois nosso sindicato era pelego e nós fazíamos oposição. Em 1974, ou 1975 eu entrei para um movimento chamado Movimento de Oposição Sindical dos professores. Fazíamos reuniões, que não eram ilegais, mas em plena ditadura, com vários grupos de esquerda, grupos egressos da esquerda armada, grupos do Partido Comunista Brasileiro. Foi aí que eu me aproximei do PCB, que tinha um núcleo presente na direção da organização dos professores.

Antes ainda, entre 1973 e 1974, estávamos conversando, eu e um amigo da FGV, Armando De Sante, sobre aquela experiência na USP, que conhecíamos pouco aliás, de um grupo de estudos d’O Capital’. Ele propôs: “vamos fazer uma leitura nós dois d’O Capital?”. Eu topei na hora! Eu já tinha lido Josué de Castro, Caio Prado Jr., Marx, Weber, Durkheim etc., pois na FGV havia uma formação muito bacana das ciências humanas, com o Maurício Tragtenberg e tantas outras pessoas muito qualificadas. E nós começamos a estudar “O Capital”. Nós nos reuníamos uma vez por semana, em geral na casa dele.

Nesse momento eu terminava a graduação e o meu querido amigo e mestre Maurício Tragtenberg, me lembro bem, sentado numa mureta no saguão de entrada da FGV, me disse assim (ele me chamava de Ricardinho): “Ricardinho, você estuda o Lukács, né?” (Eu tinha feito o curso sobre História e Consciência de Classe na FGV). “Você tem que ir para a Escola de Sociologia e Política e fazer curso com o Zézinho. Procure o Zézinho, diga que fui eu que te indiquei”. Eu fui. O Zézinho era o José Chasin, um intelectual que, na época, liderava o Grupo Ensaio, um grupo pequeno, mas com muitos professores, do qual faziam parte o Marco Aurélio Nogueira, Gildo Marçal Brandão, Antonio Rago Filho, Narciso João Rodrigues Júnior e vários outros... Aos poucos fui me aproximando desse grupo, que era, digamos assim, um grupo dentro do PCB, que na época estava na ilegalidade. Muitas das reuniões eram nas nossas casas. Foi a partir daí que, junto com o movimento de oposições dos professores, eu conheci e comecei a participar da luta metalúrgica, em especial com a explosão das greves do ABC paulista, em 1978.

Ricardo Lara: Professor Ricardo, gostaríamos agora de tratar de seus estudos, principalmente as pesquisas sobre o mundo do trabalho. É evidente que a sua trajetória de vida já o colocava diante da situação da classe trabalhadora no Brasil. Mas o que o levou, como um pesquisador na universidade brasileira, a investigar o trabalho, o movimento operário, a classe trabalhadora?

Ricardo Antunes: Quando eu saí da graduação na FGV, em 1975, eu escutei o David José e Vanya Sant’Anna e fiz a seleção de mestrado para a Unicamp. Foi a melhor coisa que eu fiz. Aliás, quando eu morrer, se for possível, eu quero que meu corpo seja velado na Unicamp, nem que seja apenas por algumas horas, porque a Unicamp faz parte da minha trajetória.

Nesta seleção tinha uns cinco ou seis títulos de projetos para escolha e um deles era “populismo e classes sociais no Brasil”. Eu era bem aplicado e estudioso e li tudo o que Octavio Ianni, Guerreiro Ramos e outros tinham escrito sobre o populismo. Quando cheguei à entrevista, o Carlos Estevam Martins, conhecido professor de Ciência Política do Rio de Janeiro, mas que trabalhou na USP e na Unicamp, analisou meu projeto e me questionou sobre o porquê do populismo no projeto.

No Grupo Ensaio nós recusávamos a teoria do populismo. E eu já tinha claro que queria estudar a classe trabalhadora. Então eu respondi: “os demais tópicos de estudo que vocês propuseram são sobre ‘classe média’, ‘Estado e regime’, ‘partidos’. Então, meu caro, eu estou falando sobre o populismo não porque eu quero, mas porque vocês que me obrigaram a abordar o populismo, porque eu quero estudar classes sociais”. E completei: “agora se você quer saber, eu quero fazer um estudo crítico de populismo aqui na Unicamp”. Fui então aprovado em primeiro lugar.

A Unicamp foi uma escola espetacular para mim. Era nova, aberta e todo o pessoal que me deu aula na Unicamp era de esquerda. Não estou discutindo aqui qual tonalidade de esquerda, pois tinha para todos os gostos. E eu me filiei ao grupo do Décio Saes, do qual eu sou devedor e pelo qual tenho muita admiração. Até porque o Décio, um marxista de alta qualidade, de alta erudição, que estudou na Europa, é althusseriano. E ele tinha tudo para me recusar, porque eu nunca fui althusseriano, mas, ao contrário, me integrou no grupo.

Eu já era militante na oposição sindical, a minha adesão ao marxismo vinha de 1973 e em 1974 eu já era claramente marxista. E a Unicamp tinha acabado de receber o arquivo pessoal de Edgard Leuenroth, um antigo militante anarco-sindicalista que viveu no Brasil e que tinha uma massa imensa de jornais. Eu então mergulhava naqueles jornais e foi assim que eu fiz a minha dissertação de mestrado, que defendi em 1980. Fui o primeiro aluno da minha turma a defender. Eu estudava muito! Mas também trabalhava demais. Eu era professor de cursinho, tinha que ralar para sobreviver, para garantir o nosso sustento, pois nessa época eu já era pai.

Em 1980 aconteceu uma coisa importante na minha vida pessoal que foi decisiva. Quando terminei o mestrado, eu tinha dois projetos de tese na cabeça. Um deles era fazer uma análise crítica da teoria do populismo, que eu tinha ensaiado na minha dissertação de mestrado e que resultou no livro: Classe Operária, Sindicatos e Partidos no Brasil, um estudo dos anos 1930 no Brasil. Essa era uma ideia mais antiga, mas eu estava mergulhado na militância e na luta do ABC paulista, conhecia toda a liderança operária dessa época, algumas das quais atuavam muito próximas a nós, dentro do ABC, mas mais ligados a dissidências do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Nós mesmos já estávamos na dissidência neste momento. Luís Carlos Prestes já tinha rompido com o PCB em 1979, ou 1980 acusando o PCB de alto reformismo. Nós também tínhamos essa leitura e rompemos com o PCB nesse momento.

Mas nessa mesma época, o Márcio Naves, meu grande amigo de décadas, me falou de uma bolsa, para a qual eu deveria me candidatar, para estudar na Alemanha. Essa possibilidade balançou a minha cabeça. Eu era jovem, tinha 26 para 27 anos, mas nessa época tinha terminado o mestrado, já tinha livros e artigos publicados, já publicava na imprensa e era professor da FGV, comecei a dar aulas lá em 1976. Eu tinha trabalho. E eu adorava dar aula. Aliás, em março de 2022 completei 50 anos como professor. Eu comecei em 1972, com 19 anos já era professor.

Estudar Marx na Alemanha seria maravilhoso, era um sonho. Mas eu não poderia ir para Alemanha. Eu não podia ir para lá e voltar sem trabalho. Eu tinha que pensar na minha vida real. Eu tinha um filho de dois anos e uma filha a caminho e, além da FGV, eu tinha uma atuação como professor e pesquisador na Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), atuação que garantia, em termos de recursos, o pagamento da escola do meu filho. Além disso, o meu coração batia mais forte quando a classe operária aparecia. Então eu decidi ficar no Brasil e estudar a classe operária. O que foi decisivo nesse momento foi a militância e as greves. Eu acompanhei, por exemplo, todas as assembleias de 1978, na Vila Euclides.

Ricardo Lara: Professor Ricardo, sua exposição me fez recordar o livro A Rebeldia do Trabalho: o confronto operário no ABC paulista – as greves de 1978/80. Avalio que este livro foi fruto da sua imersão junto à classe trabalhadora, como militância política e teórica, pois, como dizia Marx: “uma base para a vida e outra para ciência é, de antemão, uma mentira”. Em razão disso, estudar a classe trabalhadora era quase uma necessidade diante da teoria e da realidade que você estava vivenciando no Brasil, na época? Em segundo lugar, diante das mobilizações da classe trabalhadora brasileira desse período, qual a importância da greve de massas para a construção da consciência de classe do proletariado?

Ricardo Antunes: Veja, no caldeirão do ABC eu acompanhei as greves de 1978, de 1979, fiz várias entrevistas. Em 1980, eu já tinha recebido um convite da minha querida amiga e professora Vanya Sant’Anna para escrever o livro O que é sindicalismo. Eu me lembro que fui levar um exemplar para o Lula no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, e fiz uma dedicatória para ele. Eu cheguei a ver, várias vezes, operários que tinham esse livro. Lembro de um dia, num debate da Folha de São Paulo, que um operário estava com o livrinho no bolso de seu paletó.

Ricardo Lara: Em seu livro A Rebeldia do Trabalho, Florestan Fernandes1 1 Florestan Fernandes assina a orelha deste livro. chama a atenção que, na sua análise, fica evidente que se inicia um novo ciclo para a classe trabalhadora brasileira. Esse novo ciclo encerrou-se com o governo de conciliação de classes do Partido dos Trabalhadores (PT)? É possível fazer uma crítica sobre a capitulação, que ocorreu principalmente no governo PT, por uma aristocracia operária. Aliás, podemos usar essa categoria para pensar a classe trabalhadora do Brasil?

Ricardo Antunes: O estudo que resultou n’A Rebeldia do Trabalho foi a tese de doutorado que desenvolvi na Universidade de São Paulo (USP). Foi quando conheci Paulo Silveira, Heloisa Fernandes, que se tornaram amigos queridos. E foi uma felicidade receber a nota de orelha do Florestan no meu livro. Na época, ele já estava na militância parlamentar do PT. Então, eu estudei o ABC paulista no ciclo de 1978, 1979 e 1980. Sabe, eu não gosto de reler o que escrevi, porque é muito marcado pelo tempo. Algumas vezes, leio textos que escrevi e penso: “do que eu estou falando aqui?”, noutras penso: “puxa vida, até que acertei”. Enfim, é a nossa trajetória toda de vida e estudos.

É claro que naquela época havia um otimismo muito grande. O Luiz Werneck Vianna, por exemplo, que é um intelectual brilhante, erudito, culto, que foi do PCB, embora sua posição fosse diferente das que nós tínhamos — nós já estávamos fora do PCB desde 1979, 1980 —, dizia que ali estava nascendo a república operária. E ao estudar as greves de 1978, 1979 e 1980 eu entrevistei esses trabalhadores, fui a todas as assembleias. Eu vivi aquilo! É claro que havia um grande otimismo, mas eu percebia, ali nas greves, que havia algumas dificuldades.

Por exemplo, houve uma entrevista que nós fizemos com o Lula — foi um grupo de 4 ou 5 pessoas, ainda no tempo da Revista Ensaio. Lá fomos, se me recordo bem, Antonio Rago Filho, Paulo Barsotti, Dolores Prades e eu entrevistar o Lula para saber qual era a concepção de partido que ele tinha. Passamos dois dias na casa do Lula, 16 horas debatendo com ele, deve ter umas 300 páginas de transcrição. Seria bacana se recuperássemos essa entrevista, que é um documento precioso.

Nós tínhamos muita admiração pelo Lula, como também algumas diferenças. Lula tinha um irmão que era ligado ao PCB, o Frei Chico, eu o conheci bastante, que era do PCB. O PCB tinha uma posição muito reformista e conciliadora, e o Lula dizia: “eu não quero fazer um partido para se alinhar à burguesia como o PCB”. E completava: “eu sou contra o PCB porque eu quero um partido de classe”. Mas o PT tinha que ser socialista? Lula dizia que não. Para ele, a reposta era: “as massas vão discutir”. O Lula nunca fez uma declaração de que o capitalismo tem que ser demolido por uma sociedade socialista e sem classes. E por que ele não fez? Porque ele não acredita nisso. Quando lhe questionei ainda se ele defendia a propriedade coletiva, ele respondeu: “eu defendo que cada um tenha sua propriedade”. Ele crê que é possível que a burguesia ceda um pouquinho e a classe trabalhadora ganhe um pouquinho.

Mas é triste que um conciliador excepcional como o Lula, do ponto de vista burguês, tenha tido como prêmio pela conciliação a prisão. O próprio Lula cansou de dizer — e estava certo! — que a burguesia nunca ganhou tanto dinheiro como nos seus governos. E qual o prêmio que ele ganhou? Foram 580 dias preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba e, devo dizer novamente, injustamente! Então, esta concessão o Lula já tinha, suas origens estão lá no passado, é uma cessão ideológica, uma recusa a uma postura transformadora e anticapitalista.

E no intervalo da entrevista, e isso não está gravado, eu lembro que, com todo o respeito que eu sempre procuro ter, especialmente com figuras que prezamos muito, sem nenhuma petulância, perguntei para ele: “Lula, você já leu O Manifesto Comunista?” Eu sabia que ele não tinha lido. Eu imagino que, nessa época, o Lula, que é muito inteligente, e naquela época era mais ainda porque tinha sensibilidade operária — e quem foi em uma assembleia sabe o que eu estou falando — estudava pouco. Pessoas próximas a ele dizem que, no período que ele esteve na prisão — que não foi fácil, pois foram muitos meses na prisão —, ele leu muito. Imagino o que significa uma pessoa na idade dele, com a vida política que ele tinha, de repente, injustamente, ir parar na prisão por uma decisão política e criminosa de um ex-juiz que é uma simbiose entre o fascismo e o liberalismo.

Sobre a leitura d’O Manifesto Comunista, ele não perdeu a compostura e me respondeu: “a mais-valia eu aprendi na fábrica”, o que é uma resposta extremamente inteligente. Imagino que ele pensou: “o que esse moleque quer me ensinar da teoria da mais-valia? Eu sou operário, eu sei. Sofri acidente de trabalho e esse moleque vem querer me ensinar?”

Voltando à época das greves do ABC, Lula era uma liderança espontânea. O Lenin, por exemplo, diz que líderes espontâneos são importantes, são vitais, mas para a luta de classes, a luta espontânea precisa de algo mais. E no meu estudo A Rebeldia do Trabalho eu tento mostrar algumas limitações, só que isso não passa pela aristocracia operária. Isso é muito importante! Aí, inclusive, eu faço uma crítica à Maria Hermínia Tavares de Almeida, que na época estudava a classe trabalhadora — hoje ela se tornou uma intelectual mais voltada para os temas da Ciência Política. A Maria Hermínia, que foi minha professora na Unicamp e, por um curto período de um ano, foi minha orientadora, quando Décio Saes foi para o exterior, traz, em sua tese de doutorado Estado e Classes Trabalhadoras no Brasil (1930-1945), a ideia de que estava, digamos, germinado um polo de aristocracia operária no Brasil.

Eu não concordo com essa ideia pois, para que você tenha aristocracia operária, é preciso ter um núcleo da classe trabalhadora que se beneficia enormemente da exploração da classe trabalhadora de outros países. Então é possível que haja uma aristocracia operária na Suécia ou na Inglaterra, porque são países imperialistas. A Suécia tem a Ericsson, que tem empresas aqui. O Brasil nunca foi imperialista. O Brasil sempre foi um país da periferia. Veja toda a discussão que Ruy Mauro Marini faz sobre subimperialismo, e que vou deixar para um outro momento, mas subimperialismo não é imperialismo. Não há, portanto, nenhum país da periferia que tenha gerado uma aristocracia operária.

O problema da classe operária brasileira não era de condições favoráveis à exploração da classe trabalhadora, porque a classe trabalhadora brasileira vivia o arrocho salarial. Aliás, nesse ponto o Lula foi radical, no sentido etimológico da palavra: a classe operária metalúrgica sofria o arrocho salarial. Foi isso que jogou o Lula para o cenário nacional. Ele dizia: “não é verdade que o metalúrgico operário ganha bem, ele sofre o arrocho”. O operário metalúrgico ganhava mais do que outros trabalhadores porque ele estava em um núcleo de ponta, mas a aristocracia operária é uma outra coisa. Eu nunca concordei com a hipótese de que há uma aristocracia operária no Brasil.

O que houve, isto sim, foi aquilo que o Lula trouxe, digamos, na sua resposta: “não quero saber de teoria, não quero saber de marxismo”. Não é por acaso que Lula jamais se disse marxista ou conhecedor da obra do Marx — não posso dizer isso sobre o Lula mais recente.

Veja, nós entramos no PT em 1983 e eu saí em 2003, logo depois do governo Lula ter levado adiante a proposta de reforma da previdência. E era o começo do governo, hein!? É a prova cabal, e eu já cansei de escrever sobre isso.

A parte três do livro O Privilégio da Servidão, em que eu trato da tragédia brasileira e tento analisar, com algum cuidado — ainda que criticamente —, o governo de conciliação. O Lula é um homem da conciliação. Mas ele já era no passado. Só que naquele momento do ABC, a burguesia monopolista internacional não queria conciliação de classes. E isto, digamos assim, leva à minha ideia de que o núcleo operário dominante do ABC paulista recusava uma teoria transformadora, revolucionária, socialista e anticapitalista.

E nós sabemos que eu não sou hoje defensor do vanguardismo, de que existe uma vanguarda que eleva a consciência da classe. A consciência operária nasce, na luta, de uma simbiose muito complexa entre a ação cotidiana e a reflexão sobre ela. Não é a teoria que vem de fora, como na leitura simplificada que o Kautsky fez do Lenin, por exemplo. Nesse sentido, a Rosa Luxemburgo foi muito preciosa ao trazer que a vanguarda operária nasce de uma simbiose das ações, da luta concreta e da reflexão sobre ela. E Lenin também.

No livro A Rebeldia do Trabalho, uma das minhas questões era estudar a greve e em que medida ela avança a consciência operária em direção à uma consciência transformadora e, quiçá, socialista, e quando ela acaba obliterando essa consciência. O Lenin dizia que “a greve infunde com enorme força a ideia do socialismo. Uma vitória nos leva para a frente. Uma derrota pode representar anos de retrocesso”. E foi esse tema que me provocou n’A Rebeldia do Trabalho.

Eu vejo duas figuras espetaculares da conciliação no Brasil, dois gigantes da conciliação: Lula e Getúlio. Mas há uma grande diferença: Getúlio era um oligarca. Um oligarca ser conciliador em relação à classe operária é curioso, é meritório. Agora, um operário ser conciliador em relação à burguesia é complicado. E não vamos esquecer que nós estamos às vésperas de um novo ciclo eleitoral. A defesa que Lula faz, por exemplo, hoje do Alckmin é a mesma que ele fazia, dez ou quinze anos atrás, do Temer. Se você perguntasse ao Lula na época se o Temer era ou não golpista, o Lula diria: “jamais!”. O golpista não nasce golpista, é a realidade que o torna golpista.

Mas o movimento operário é cíclico. Se você imaginar aquele ciclo grevista do ABC paulista de 1978 a 1980, ele se encerrou. Mas a luta de classes não. As lutas do ABC paulista tiveram um importante papel, ou, para usar uma palavra que não é um conceito, elas tiveram um “efeito demonstração” espetacular. As greves do ABC mexeram com a luta de classes do país inteiro. E eu sei porque estava lá. As greves explodiram no país, trabalhadores rurais, professores, funcionários públicos, médicos, garis. Foi um momento muito importante da luta de classes no Brasil. Agora, a burguesia não brinca. O Figueiredo mesmo dizia: “não vamos fazer nenhuma concessão às greves do ABC, porque nós temos que aniquilar esse movimento. Porque esse movimento é luta de classes e tem que ser aniquilado”.

Enfim, a minha crítica aponta muito mais para uma certa leitura “social-democrática”, uma certa ideologia da conciliação do que para teoria da aristocracia operária, que, a meu juízo, não tem nenhuma pertinência no Brasil. O Leôncio Martins Rodrigues, por exemplo, dizia que no núcleo operário do ABC paulista não havia espaço para uma postura revolucionária e anticapitalista, mas o Leôncio não fala em aristocracia operária. Quem fala em aristocracia operária é a Maria Hermínia Tavares de Almeida. Se você olhar 1978 e 2022, você vai dizer que, nessa questão, o Leôncio acertou. E acertou porque nunca esteve nos sindicatos dos metalúrgicos no ABC paulista uma liderança que tivesse uma postura claramente anticapitalista, muito menos socialista, nunca!

Havia um núcleo, digamos, um pouco refratário ao ideário marxista. E este caráter refratário fez com que as lideranças fossem bem escolhidas. O Lula sempre soube muito bem quem ele escolhe para por aqui e ali. No tempo que estava no sindicato ele fazia isso, e no PT continua a fazer. Lula é uma figura democrática, não paira dúvidas. Mas nenhuma peça se mexe no PT sem ele orientar, assim como também no ABC, naquele tempo.

Isso nos leva a outra questão, que não tem nada a ver com a aristocracia operária. Quando o PT vai para o poder, o erro grave que cometeu foi tirar as principais lideranças da militância sindical e levar para a militância político-partidária parlamentar e institucional dentro do Estado. Isso tirou a liderança do ABC da luta concreta. Lula sempre teve uma posição de conciliação, mas na luta concreta da greve, com 60 mil operários, ele levava essa luta à frente. Não tinha conciliação — as empresas não queriam! —, era luta e reflexão, resistência e combate. Quando o Lula se torna uma liderança política, aí o cenário muda.

Não é por acaso que uma das críticas mais magistrais do Marx é que o Estado é sempre, em última instância, uma entificação burguesa. E sendo uma entificação política burguesa, sempre vai ser, em última instância, um órgão de representação das burguesias. Na história, não me recordo de uma experiência de Estado alcançado por eleições que tenha se tornado um Estado anticapitalista e socialista. E mais ainda, essa tese é tão complexa e rica que até mesmo Estados operários que nasceram de revoluções socialistas não conseguiram dar, digamos, o “pulo do gato” final. Esses núcleos dominantes do PT imaginavam ser possível trazer lideranças operárias do ABC paulista que estavam acostumadas com a luta da fábrica, para os ministérios. Mas no ministério tem dinheiro, tem recurso. Você vai participar de reunião e ganha um cachê que não ganharia em um ano trabalhando como operário.

Isso é muito complicado, mas isso não é aristocracia operária! É outro fenômeno. Aristocracia operária para Lenin, Trotsky, Rosa, Marx e Engels, era um núcleo que se beneficiava, dentro da classe operária, pela superexploração dos países imperialistas em relação aos países periféricos. É isso que caracteriza a aristocracia operária. Outras questões são as deformações ideológicas.

Claudia Mazzei Nogueira: Professor Ricardo, gostaríamos de destacar nesse momento dois dos seus livros, o Adeus ao Trabalho?, de 1995, e, outra obra marcante, Os Sentidos do Trabalho, de 1999.

No Adeus ao Trabalho?, que já está publicado em diversos países, como Argentina, Venezuela, Colômbia, Espanha, Galícia, Itália, Inglaterra e Holanda, você polemiza com alguns importantes autores, principalmente com André Gorz, no que tange à tese do fim do proletariado, e ainda aponta outros autores que acompanham essa mesma perspectiva. Cabe destacar também que nesta obra você é um dos primeiros teóricos críticos, marxistas e lukacsianos que aborda a importantíssima questão feminina. No capítulo sobre Indivíduo, Classe e Gênero Humano: o momento da mediação partidária, temos o seguinte parágrafo: “Outro objetivo deste texto é reafirmar a pertinência da conexão entre os partidos e as classes sociais como referencial analítico profícuo. Não se defenderá aqui, entretanto, a excludência analítica de pensar a relação partidos/classes sociais/gênero humano [lembrando o gênero humano como um ser genérico como ser consciente] como incompatibilizada com a relação de partidos/classes e a questão do gênero/mulher. É triste constatar que além do enorme empobrecimento analítico presente quando se estuda a relação entre partidos e classes sociais hoje (hoje se referindo aos anos 1990 – grifo de CMN), houve também na brutalização e simplificação teórica deste século, a exclusão pura e simples da questão específica do gênero mulher nas interconexões existente entre os partidos e as classes-que-vivem-do-seu-trabalho. Apesar disso, a questão das classes, dos partidos e da mulher permanece” (ANTUNES, 1995ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas: Unicamp, 1995., p. 136). Essa passagem destacada é muito importante. E penso que você inaugura esse debate de classe, partido, movimentos vinculando também com a questão feminina. Você poderia comentar um pouco sobre essa questão?

Ricardo Antunes: Eu tinha defendido minha tese de doutorado em 1986 e estava escrevendo o livro O Sindicalismo no Brasil. Quando, em 1989, eu fui pela primeira vez para a Europa, no caso para a Itália, foi uma surpresa constatar duas coisas: a primeira é que não dava mais para falar da classe operária apenas no Brasil, na Argentina, nem nos Estados Unidos porque vivemos uma economia mundializada. Não dá para estudar a classe operária brasileira sem olhar o cenário internacional; não dá mais para falar só do Brasil porque as mudanças são globais. Aquilo que Marx apontou magistralmente, junto com Engels, em 1847/1848: “o capital tem uma tendência a constituir um mercado mundial”. E porque há um mercado mundial, é preciso estudar a China, a Índia, a Inglaterra, Estados Unidos, Europa etc., senão você não vai entender o que se passa no Brasil.

A segunda é que, depois de ficar um mês em Bolonha, que era a cidade comunista da Itália, numa espécie de um pequeno pós-doutorado, eu confirmei a hipótese de que lá não se falava mais em classe operária e nem em sindicalismo, falava apenas em cidadania e justiça social. E qual era a literatura dominante lá? Claus Offe e a noção de que trabalho não é mais a categoria central. Habermas não tinha escrito ainda a sua Teoria do Agir Comunicativo, mas Técnica e Ciência como Ideologia e Para a Reconstrução do Materialismo Histórico não passavam mais pela categoria trabalho.

Mas é evidente no próprio título que o Adeus ao Trabalho? é uma crítica ao Gorz e seu Adeus ao Proletariado, de 1980. Ali Gorz usa, por exemplo, a categoria da “não-classe-dos-não-trabalhadores”. Quando eu li isso eu pensei: “não-classe-dos-não-trabalhadores? Então não é nada!” A não-classe-dos-não-trabalhadores é uma conceitualização da absoluta indeterminação. “Não-classe-dos-não-trabalhadores” é tudo que não é classe trabalhadora, mas ele estava dizendo que isso era a classe trabalhadora.

O Claus Offe diz que na sociedade do Welfare State, onde o que domina é o trabalho público e não mais o trabalho privado, não há mais a ética positiva do trabalho. É uma espécie de weberianismo, que para discutir a centralidade do trabalho eu tenho que ver se existe uma ética do trabalho? Se eu for discutir “marxianamente”, eu não tenho nem o que discutir se existe uma ética do trabalho, porque, para o Marx, existe exploração do trabalho e disso decorre o trabalho alienado. Então, a questão da ética não é tomada pela positividade, mas pela destruição. Esses autores tinham errado feio.

Além disso, quando eu estava começando a escrever o Adeus ao Trabalho?, me caiu nas mãos um livro que tinha acabado de ser publicado no Brasil, O Colapso da Modernização, de Robert Kurz. Esse livro foi vital para mim. Nos primeiros dias, a leitura do livro do Kurz não andava, eu não via pé nem cabeça, as coisas não se juntavam. Quando eu cheguei lá pela décima quinta página, eu peguei o nervo do livro e o li inteiro numa noite. É um livro espetacular, pois é profundamente correto e, ao mesmo tempo, profundamente equivocado. Como é possível? O debate aparece num apêndice (A Crise Vista em sua Globalidade) do Adeus ao Trabalho?.

No Adeus ao Trabalho?, que é fundamentalmente a minha tese de livre-docência, defendida em 1994 e publicada em 1995, os autores prioritários são Gorz, Offe e Kurz. Foi então que eu percebi que tinha que enfrentar o Habermas, mas isso não foi possível nesse livro. Acontece que, quando abriu o concurso para livre-docência, em novembro de 1993, e eu fui fazer minha inscrição, a previsão de realização do concurso era de seis meses, ou seja, meados de 1994. Eu teria então seis meses para preparar esse texto. Só que em dezembro (de 1993), a Sueli, que era a secretária do Departamento de Sociologia, me telefonou e me disse que o concurso já tinha sido aberto e que eu teria um mês para entregar a tese, o memorial e toda a documentação. Aquilo que leva, normalmente, seis meses, saiu em um mês e eu não tinha nada pronto. A Sueli então me orientou que, se após o prazo chegar em um mês, não houver nenhum outro candidato, nós poderíamos pedir uma prorrogação que, se aprovada, me daria mais um mês.

Minha família foi viajar e eu fiquei trabalhando. Trabalhava manhã, tarde, noite e madrugada em casa sozinho, começava às 10 horas da manhã e parava às 3 ou 4 horas da manhã. E assim, num supetão, escrevi 120 páginas de um trabalho que era para ter umas 300. Talvez tenha sido até uma sorte, porque o livro eu acho que tem uma capacidade de síntese que normalmente nós não temos. Além disso, o último capítulo [Qual crise da Sociedade do Trabalho?], por falta de tempo, saiu assim: tese um, tese dois, tese três, tese quatro... uma tijolada atrás da outra.

Mas eu estava com muito medo da banca. Pensava: “como é que eu vou apresentar uma tese de livre-docência com 120 páginas? É uma questão de tamanho. Não dá!”. Tanto é que eu optei por juntar tudo que eu tinha escrito do doutorado até ali, mas com um texto inteiramente inédito. Deu, então, dois volumes, quase 350 páginas. Por isso o Adeus ao Trabalho?, se você olhar a primeira edição, tem o texto e mais uns sete/oito apêndices. Foi literalmente o que eu defendi na tese.

E aqui eu tenho que lembrar do Maurício Tragtenberg, que foi espetacular. A minha banca de livre-docência foi Octavio Ianni, Paulo Silveira, Sedi Hirano, Celso Frederico e Maurício Tragtenberg. O Maurício, que tinha idade para ser meu pai, e quem o conhece sabe que ele era um gigante das ciências sociais, me telefonou uns dez dias antes da banca e me disse, assim mesmo: “Ô Ricardinho, eu acabei de ler seu livro. Ele está espetacular!”. Aí eu disse: “Maurício, se você gostou, então eu fico aliviado”. E ele falou: “teu texto é maravilhoso. Eu estou empolgado!” Eu pensei comigo: “bom, reprovado eu não vou ser...” E ainda brinquei com ele: “então posso contar com seu apoio, Maurício, se a coisa ficar feia?” E ele: “que a coisa ficar feia que nada, você desmonta o sistema toyotista. Ninguém fez isso!”. E o Maurício sabia o que estava dizendo. Ele era tão erudito. Eu não posso dizer que ele lia japonês, ele lia francês, inglês, alemão, ele fuçava no russo, ele era um gênio. Eu e o Afrânio, aliás, quando trabalhamos na FGV — de 1976 a 1982 — dividíamos, vejam só, a sala com o Maurício. Cada dia ele tinha na mão um livro de uma língua, que depois ele ainda nos emprestava.

Então, no livro Adeus ao Trabalho? Eu travo uma polêmica pesada com Gorz e com o Offe, mas respeitosa, mas uma polêmica pesada. E o Kurz entrou no final, como apêndice. Até porque o livro do Kurz me deu uma inspiração, porque é um dos mais importantes livros de alma anticapitalista. Mas no livro do Kurz, a teoria do valor tinha desaparecido e o Marx da luta de classes era pura ideologia. Mas o que o Kurz fazia espetacularmente era uma demolição do capital pelo fetichismo do capital. Mas que alternativa para demolir o capital? Não tinha. Ele deixa claramente a classe trabalhadora de lado, porque para ele a classe trabalhadora é força de trabalho; a força de trabalho é mercadoria; o papel da classe trabalhadora tem sido lutar para valorizar o preço da sua força de trabalho; então é uma luta burguesa; então a classe trabalhadora está impossibilitada de demolir o capitalismo. Fazendo uma síntese de um autor complexo, esse é o nó da questão. Só que o Kurz está errado!

E do Gorz e sua “não-classe-dos-não-trabalhadores”, nasceu “a classe-que-vive-do-trabalho”. E qual é a minha originalidade nessa frase? Nenhuma! A classe que vive da venda da sua força de trabalho é, tese decisiva do Marx e do Engels, a classe trabalhadora. Marx nunca disse que precisa ser industrial, rural ou o que for. É a classe que vive da venda da sua força de trabalho. À “não-classe-dos-não-trabalhadores” eu contraponho “a classe-que-vive-do-trabalho”. E por que não a classe que vive da exploração? Porque tem a coisa do autor. Eu lembrava que o Marx usa em alemão — esses dias eu estava conversando com o Jesus Ranieri e lembramos que nós até já traduzimos isso — “a classe das pessoas que apenas trabalha”, lá nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, de 1844. E o Engels fala da “classe daqueles que vivem do trabalho”, ou alguma coisa assim.

Claudia Mazzei Nogueira: E a expressão “uma vida dotada de sentido dentro e fora do trabalho”?

Ricardo Antunes: Essa expressão é uma inspiração muito forte do Lukács. Em todo o Adeus ao Trabalho? é muito forte a inspiração do Lukács. Mas se você me perguntar qual é o autor que marcou o meu trabalho, com todos os limites que o meu trabalho tem, esse autor que me inspirou é o Marx. O segundo que me inspirou é o Lukács. Aí na sequência vem vários outros, o Lenin, a Rosa Luxemburgo... Agora isso de “tempo de vida dentro do trabalho ou fora do trabalho” é uma discussão muito importante que o Lukács faz dentro da Ontologia, na verdade desde antes. Por exemplo, no conceito que o Lukács cria em 1923: “a coisificação do proletariado”. Veja que o Lukács desenvolve a teoria da coisificação do proletariado sem ter lido os Manuscritos Econômico-Filosóficos, de 1844, que só foram publicados no início dos anos 1930. Ou seja, o Lukács antecipa uma tese que já estava nos Manuscritos, mas que não conhecia e nem podia conhecer. É espetacular.

Agora em relação à questão feminina. Primeiro, quando eu fui para a Inglaterra, em 1997, eu só confirmei uma coisa que eu já intuía: o contingente feminino da classe trabalhadora havia suplantado o masculino. Tinha mais mulheres trabalhando do que homens. Não dava mais para falar, então, que a classe trabalhadora é masculina. Vocês não verão uma única palestra minha em que eu fale “o trabalhador”, é sempre “o trabalhador e a trabalhadora”. Por quê? A trabalhadora sabe! Por causa da divisão sociossexual do trabalho, a exploração, a opressão, a dupla jornada, a tripla jornada. No Adeus ao Trabalho? esta discussão entrou como um apêndice, já na primeira edição, quando me chamou atenção. Eu apresentei este texto na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), convidado por duas feministas, com quem eu tinha muito contato na época e que eu gosto delas até hoje, embora o contato seja menor. Uma é a Lena Lavinas, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que sempre me convidava para fazer debates sobre a classe trabalhadora quando a classe trabalhadora estava sendo demolida. E a outra é a Eleonora Menicucci, nossa amiga da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Elas faziam parte de um grupo feminista forte, importante, e que tinha repulsa àquela visão marxista tradicional que a classe trabalhadora é masculina, só de homens. Porque tem gente até hoje que acha que a questão feminina é irrelevante, que questão racial é irrelevante, que a questão indígena é irrelevante, que a questão étnica é irrelevante. Quando a classe trabalhadora é branca, negra, masculina, feminina, LGBT, e etnicamente diferenciada, nacionalmente diferenciada. É raro, por exemplo, ao se tratar a classe trabalhadora, o imigrante estar no topo, ele é a chamada ralé, não tem direito e tudo o mais. Foi então que eu comecei a expor esse tema no Adeus ao Trabalho?, que depois em 1999 — nove anos depois — n’Os Sentidos do Trabalho. Porque há essa leitura no marxismo, que não encontra respaldo no Marx, não encontra respaldo no Engels, um marxismo tradicional e rústico que entende que a questão feminina não conta. Quando o Marx diz n’O Capital, a sua obra mais magistral de todas, “não haverá emancipação do trabalho de pele branca, enquanto não houver emancipação do trabalho de pele negra”. Marx cansou de chamar a atenção para isso. Mas o Marx tratou de todas as questões? Não. Ninguém é deus. Aliás, a única certeza que Marx tinha é de que deus não existia — e preciso dizer que nisso eu sou completamente marxista. Marx entendia que essa figura é criação humana, uma criação magistral, mas uma criação humana.

Mas, retomando os argumentos do livro, o marxismo tradicional destratava dessas questões. Mas o Marx não. Ele diz, já nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, com 25 para 26 anos de idade, que a primeira forma de luta de classes é a dominação do homem sobre a mulher, que se torna presa do homem. Não se pode dizer que o Marx não tratou destas questões. Agora, não tratou como nós gostaríamos de tratar hoje, como a Rosa Luxemburgo também não tratou e era mulher. Aliás, a Rosa Luxemburgo tem uma passagem magistral, que diz assim: “as mulheres têm que lutar por uma sociedade socialmente igual, humanamente justa e individualmente diferente”. Imagine se homens, mulheres, pessoas LGBTs, todo mundo tiver que ser igual. O Mészáros fala disso muito bem quando trata da “igualdade substantiva”. E eu digo, n’Os Sentidos do Trabalho, que é uma igualdade basal, a partir da qual possam florescer as diferenças autênticas das possibilidades da emancipação.

Há, então, uma transversalidade de classe, de gênero, etnia. E quando eu esbocei pela primeira vez a ideia, não era só da divisão sexual do trabalho — eu incorporo esse conceito francês —, mas eu trago, em 1999, a divisão sociossexual do trabalho. A Cláudia, nos seus livros, retoma essas questões e tem sido, na análise marxista do trabalho feminino, quem tem mais chamado atenção para isso. Porque a divisão sexual é também social. Mesmo que a Helena Hirata incorpore isso, a Claudia, ao chamar de divisão sociossexual do trabalho, está acentuando que não é só uma construção sexuada, é uma construção socialmente dada e sexualmente conformada.

Claudia Mazzei Nogueira: No livro Os Sentidos do Trabalho, além de aprofundar a sua polêmica com Habermas, você apresenta algumas dimensões que achamos extremamente importantes. Uma delas é especificamente sobre a questão de gênero no trabalho articulando com as questões de classe. Você afirma: “a mulher trabalhadora, em geral, realiza a sua atividade de trabalho duplamente, dentro e fora de casa. Ou se quisermos, dentro e fora da fábrica. E ao fazê-lo, além da duplicidade do ato do trabalho, ela é duplamente ‘explorada’ pelo capital. Desde logo, por exercer no espaço público o seu trabalho produtivo, e no âmbito fabril, mas no universo da vida privada ela consome horas decisivas no trabalho doméstico com o que possibilita (ao mesmo capital), a sua reprodução, nessa esfera do trabalho não diretamente mercantil, em que se criam as condições indispensáveis para a reprodução da força de trabalho de seus maridos, filhos/as e a de si própria (ANTUNES, 2000ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios de afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000., p. 108). Você poderia abordar essas dimensões da produção e reprodução?

Ricardo Antunes: N’Os Sentidos do Trabalho eu abordei este tema e levei porrada de muito marxista brucutu. Tem uma ala do marxismo que até hoje acha que a questão feminina é irrelevante, que a questão dos negros é irrelevante. Se nós fossemos negros ou negras, nós íamos entender o que é ser negro numa sociedade onde tem o elevador do rico, do branco, e tem o elevador do pobre, do negro. E se o negro que for rico, aí ele pode subir pelo elevador do branco, mas sempre com alguma desconfiança do branco.

Marx diz, em 1844, que, “se pudessem, os trabalhadores [e as trabalhadoras — eu faria essa distinção] fugiriam do trabalho como de uma peste”. A emancipação humana não se resume à emancipação do trabalho. Ela é crucial, mas emancipar o trabalho não significa deixar automaticamente de ter opressão patriarcal, violência doméstica contra a mulher, contra pessoas LGBT. E há um movimento feminista de classe, marxista, anticapitalista, desde os anos 1970, na Inglaterra, na França, muito importante. Mas há um movimento feminista burguês. Como há um movimento negro antirracista e anticapitalista decisivo, e há um movimento antirracista, mas burguês.

A concepção pós-moderna, hoje, deseja ter a mulher atuando em todas as esferas, mas sem questionar o capital. Por isso, a questão decisiva é a articulação entre a luta feminista e a luta anticapitalista, a luta feminista e socialista, portanto, em conexão com a luta de classes. Isso eu tentei sempre mostrar. Portanto, a emancipação do trabalho é um ponto de partida vital que não resolve o problema, ele é um ponto de partida.

A marxista norte-americana Wendy Goldman, que eu conheci pessoalmente, mostra, por exemplo, quantos avanços ocorreram na vida das mulheres, nos primeiros anos da Revolução Russa. Mas o patriarcalismo não acaba com o fim da propriedade privada. Isso aqui é muito importante. O fim da propriedade privada é crucial, mas isso não acaba com o patriarcalismo, até porque existia patriarcalismo antes da propriedade privada. Você tem comunidades primitivas que tinham sociedades patriarcais.

A minha inspiração para as dimensões da produção e da reprodução vem, então, em primeiro, da seminal Ontologia do Ser Social de Lukács. O Lukács mostra, e esta é uma tese marxiana, que não há produção sem reprodução, e nem reprodução sem produção. Não existe uma muralha chinesa entre o trabalho da produção e da reprodução. O trabalho da produção e o trabalho da reprodução tem conexões muito profundas. A produção da vida é o trabalho da reprodução.

Tem um certo movimento feminista que acha que, digamos assim, é muito importante caracterizar o trabalho feminino produtivo no sentido capitalista. Eu recuso completamente isto! E recuso porque o trabalho produtivo no sentido capitalista é aquele que extrai a pele e a alma do trabalhador e da trabalhadora e lhe constrange a ser mera força de trabalho. Então, trabalho produtivo para o capital é destrutivo. Por isso que Marx diz, e eu já citei, que, “se pudessem, os trabalhadores e trabalhadoras fugiriam do trabalho como de uma peste”. E no capítulo 14 d’O Capital, ele diz: “o trabalho produtivo, para o trabalhador, não é sorte, mas é azar”. Porque quando você é a força de trabalho que cria mais-valia, seja homem ou mulher, mas com diferenças, a alma, o cérebro, o corpo, fisicidade e a psiquê, está tudo cooptado e destroçado.

A pandemia nos ensinou o quanto o trabalho da reprodução, prevalentemente — mas não exclusivamente — feminino, é um trabalho que cria valores socialmente úteis. Este é o trabalho que tem que ser valorizado. Por isso eu me filio a autoras como Lise Vogel e Ursula Huws, que dizem que o trabalho que as mulheres almejam não é um trabalho produtivo gerador de mais-valia, mas um trabalho humanamente útil.

Há, portanto, uma distinção marxiana que o marxismo não pode deixar de lado, senão perde as mulheres. O Marx, quando começa O Capital, chama de trabalho produtivo tudo aquilo que é produzido e que é socialmente útil. Então o que é o trabalho produtivo nas comunidades primitivas? É o trabalho do homem que caça e guerreia, é o trabalho da mulher que coleta frutas e que cozinha. Mas por que o homem faz o trabalho fora e a mulher dentro, ou por que o homem vai caçar e a mulher cozinha? Já não está embutida aí uma divisão sociossexual do trabalho? Está! E é essa forma de divisão que tem que ser atacada. Isso tem que ser enfrentado e esse enfrentamento passa por Marx.

Valeria aqui um paralelo: Marx — como nenhum outro autor no mundo! — disse que enquanto não acabar a disjuntiva entre trabalho intelectual e trabalho manual, não tem sociedade emancipada. Mutatis mutandis, enquanto existir trabalho do homem e trabalho da mulher, sendo que o homem faz o que é mais valorizado e a mulher o que é menos valorizado, não haverá sociedade humana! E isto, um certo marxismo tradicional foi e vem sendo incapaz de entender. Mas o Marx e o Engels deixaram pistas seminais.

A primeira Agnes Heller, a que era marxista e lukacsiana, a Kollontai, a Simone de Beauvoir, todas as mulheres que fizeram essas lutas, entenderam isso. Mas penso, e isso eu nunca escrevi, que a maior pista disso venha da Heleieth Saffioti, que, aliás, tem que ser relida. A Heleieth, conhecedora em profundidade do Marx, do Lukács da Ontologia, criou o conceito de “nó ontológico”, que é muito rico.

Ela afirma que há um nó ontológico no ser humano que condensa classe, trabalho e gênero. Nós poderíamos adicionar a questão racial, ou étnico-racial, vamos chamar assim, porque tem todo um debate antropológico complexo e importante que eu não tenho competência para entrar. Mas, sobre esse nó ontológico (agora eu estou falando por mim), temos que entender que o trabalho é uma dimensão ineliminável do gênero humano — e isso Lukács entendeu e o Marx, como ninguém, entendeu. A prova é que o Marx diz que “o trabalho é uma necessidade natural e eterna de manter o intercâmbio entre ser humano e natureza”. Isso aparece duas vezes, no capítulo 1 e no capítulo 5 d’O Capital.

A partir da Ontologia do Ser Social, e aqui eu, para o acerto ou para o erro, me permito a transversalidade, é possível apreender que há a interconexão entre classe, trabalho, gênero, raça, etnia e geração, e sem isso não vai ser possível entender a classe trabalhadora. E qual é mais relevante? É o conjunto! É o “nó ontológico”. Devo isso, a primeira pista, ao Lukács, a segunda à Heleieth Saffioti. Nós somos devedores das mulheres em muitas questões, e está na hora de começar a reconhecer. Assim como somos devedores dos negros e das negras. Este tema é crucial, mas eu não podia esperar que o Marx tivesse resolvido tudo. O Marx foi magistral em criar uma concepção de mundo que o tornou, Sartre tinha razão, o pensador insuperável de nosso tempo.

O último que tentou colocar o Marx para trás, e imaginou ter ido longe, foi o Habermas. Por exemplo, o lançamento d’A Teoria do Agir Comunicativo foi enorme. E, para um autor crítico, ter um lançamento simultâneo em vários países ao mesmo tempo, é algo bem estranho. Quem hoje diz que A Teoria do Agir Comunicativo é um trabalho absolutamente insuperável? Nem o Habermas diz isso! O tempo mostrou que o trabalho do Habermas tinha mais ousadia aparente do que real. O “mundo da vida” não existe fora do “sistema” e o próprio Habermas percebe isso. Ele tem uma passagem que é muito bonitinha, que diz assim: “o mundo do sistema colonizou o mundo da vida”. Mas se o sistema — usando os termos habermasianos! — colonizou o mundo da vida, como é que o trabalho perde a relevância? O Habermas não soube explicar e agora ele está bem idoso para tentar voltar atrás. Aliás, uma pessoa que perguntou para o Habermas, e isso foi publicado num caderno da Folha de S. Paulo2 2 Esta entrevista foi publicada no Caderno Mais do Jornal Folha de S. Paulo em 30 de abril de 1995. mais de vinte anos atrás, o que ele achava da crise econômica. Ele, e lembro-me aqui de memória, diz mais ou menos assim: “olha, para explicar isso eu teria que voltar a estudar Marx. Não tenho mais fôlego para estudar o Marx”.

Claudia Mazzei Nogueira: Professor Ricardo, você vai lançar um próximo livro que terá provavelmente como título Capitalismo Pandêmico. Você poderia nos explicar um pouco o que significa essa expressão?

Ricardo Antunes: Este é mesmo o título dele. Eu tive dúvida entre Capitalismo Pandêmico e Capitalismo Virótico, mas optei pelo primeiro. O que é este livro? A pandemia nos trouxe muita dor. Eu via ontem (19 de março 2022) comentários sobre seis milhões de mortos no mundo. São muitos mortos! E eu realmente penso que sejam muito mais do que isso. Nós estamos passando de 600.000 mortos no Brasil, mas algumas pesquisas cuidadosas falam pelo menos em 800.000 a 850.000 mortos, pelo menos. Na Índia, por exemplo, ninguém sabe exatamente o número de mortes. Eu só estive uma vez na Índia, e foi o suficiente para saber que lá é impossível quantificar. Basta ser um sociólogo com sensibilidade para perceber que é impossível ter o controle real de mortes neste período de pandemia.

Eu fui convidado pela Ivana Jinkings, editora da Boitempo, a escrever um livro sobre o trabalho na coleção Pandemia e Capital. Eu relutei, porque tinha feito inúmeras lives sobre a pandemia, eu não saberia o que de novo poderia escrever, mas a Ivana me pediu que pensasse um ou dois dias. Eu peguei então minhas anotações — sempre anoto o que vou dizer nas palestras — e comecei a escrever, mas sem preocupação, e foi uma coisa que me surpreendeu, porque as ideias começaram a germinar. Eu recuperei um conceito-chave do Mészáros, que é original do Marx, o metabolismo social, que o Mészáros chama de “sistema de metabolismo social do capital”. O Mészáros percebeu, como filósofo — o Mészáros não é um crítico da economia política, ele é um filósofo marxista que faz filosofia política marxista —, algumas tendências do Marx, dentre elas que o capitalismo é destrutivo, destrutivo em relação ao trabalho, à natureza e à humanidade.

A pandemia — com os números de mortos — escancarou que sem o trabalho humano o capital não se reproduz. O empresariado brasileiro, latino-americano e mundial entrava em pane quando havia lockdown, porque com lockdown o D não vira D’, porque D não vira D’ sem ser pela mercadoria. A pandemia mostrou que o capitalismo além de destrutivo, é também letal. E aí veio a ideia do ebook Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado. Como o capitalismo é destrutivo e é letal, eu faço uma adaptação, que me permito porque o Mészáros, além de um mestre, era um amigo fraterno. Eu sinto falta do Mészáros... Muito bem, eu chamei, então, com liberdade, de sistema de “metabolismo antissocial do capital” — se o Mészáros estivesse vivo eu perguntaria se ele gosta disso.

E foi aí que nasceu esse pequeno livro. E eu me surpreendi, porque esse livro foi publicado na Itália, em 2020, e acaba de ser publicado em alemão, na Áustria. Mais de uma vez eu vi documentos da esquerda europeia falando em capitalismo pandêmico e, em alguns casos, se referindo a mim e ao Pietro Basso. A partir daí, pensei em reunir, nesse novo livro, meus “escritos pandêmicos”.

Em um momento tão difícil, vendo amigos e amigas morrerem, ver o mundo entrar nessa crise, ver uma política genocida e delinquente, que faz o presidente da Bielorrússia parecer um iluminista, enfim, este é um livro para marcar a minha posição. São os ensaios de uma pandemia sobre o horror de um pandemônio; pandemia e pandemônio, e o que enfeixa isso é o capitalismo. Não é possível civilizar o capitalismo e isso a pandemia confirmou.

Então, para o livro, eu pego três eixos centrais: o capitalismo é destrutivo em relação ao trabalho; é absolutamente destrutivo, num nível quase irrecuperável, em relação à natureza; e em relação ao gênero — destrói a mulher, destrói as comunidades indígenas, destrói a comunidade negra exacerbando o racismo, e destrói os imigrantes exacerbando a xenofobia, destrói o gênero humano. O capitalismo impede, para lembrar novamente do Mészáros, a igualdade substantiva.

Caio Antunes: Professor Ricardo, com base em algumas pistas que você trouxe em suas respostas anteriores, vamos adentrar um terceiro bloco dos seus trabalhos, no qual eu destaco O Caracol e sua Concha e O Continente do Labor, que são conjuntos de ensaios e textos publicados em revistas, em jornais, provas de concurso etc. Eu gostaria de me centrar neste último. Na Apresentação — que tem por título, aliás, um trocadilho, por assim dizer, bem Antunes: As Vias Abertas da América Latina — você anuncia que, depois de vinte anos de estudos das condições de trabalho no Brasil, sucedidos de vinte anos de estudos das condições de trabalho no resto do mundo, se volta para a América Latina, o continente do labor. A partir disso você traz uma ideia, que nos parece importante, acerca dos enfrentamentos históricos, ou novas/antigas formas de luta que os povos andinos e indígenas latino-americanos têm trazido em relação às questões de gênero, étnicas, raciais, de exploração e espoliação. Além disso, em algumas de suas palestras sobre esse livro, você chegou a mencionar que a revolução terá traços indígenas, terá traços andinos. Eu gostaria que você desenvolvesse um pouco mais essa tese porque ela é muito pouco discutida em relação às pessoas que trabalham com a sua obra.

Ricardo Antunes: Em primeiro lugar, O Continente do Labor, assim como O Caracol e sua Concha, são uma conjunção, uma somatória de artigos. Por isso, naturalmente, não poderiam ter o mesmo segmento que o Adeus ao Trabalho?, ou Os Sentidos do Trabalho, ou O Privilégio da Servidão, cada um ao seu modo. O Privilégio da Servidão” é um meio termo, porque tem várias coisas anteriormente publicadas, mas que foram todas retrabalhadas para dar a estrutura de um livro. Sobre O Continente do Labor, há uma coisa bem interessante. A ideia desse livro nasce com uma atividade que fizemos, Cláudia e eu, em Mendonza, na Argentina, há uns dez anos, mais ou menos. Em um dia livre, depois das nossas atividades, a professora que nos havia convidado para a atividade, Patricia Collado, e o marido, nos perguntaram o que queríamos fazer antes de voltarmos ao Brasil. Então eu perguntei: “qual a distância daqui até a Cordilheira dos Andes?”. Ela respondeu que era cerca de uma hora de viagem. “Então é para lá que eu quero ir!” A Cláudia adorou a ideia, porque nós já tínhamos ido várias vezes para o mundo andino, mas nunca de carro. E nesse passeio, nós paramos em um lugar para tomar café e descansar um pouco, quando a Patrícia falou: “aqui é um ponto histórico primoroso. É una puente inca”. Aquela puente era o centro de parada dos imensos fluxos migratórios que vinham do Peru, da Colômbia e do Chile para a Argentina. Era lugar de entreposto no qual as comunidades indígenas faziam suas trocas, pernoitavam etc. Foi ali que eu me perguntei: “como é que eu, latino-americano, nunca escrevi um livro sobre a América Latina?”

Outra coisa que também impressiona muito quando você chega em Mendonza é que todo o sistema de irrigação da cidade foi construído pelos indígenas. Das montanhas descem canais construídos para que a água chegasse, porque Mendonza é um deserto. A Patrícia nos contou que, quando os espanhóis chegaram aqui pela primeira vez para dominar, eles viram um vale lindo. De um lado do vale, tudo florido e belíssimo. Do outro lado, duas aldeias indígenas, com modos de ser e viver indígenas. Foi a primeira discriminação do espanhol colonizador quando ele disse: “nós vamos morar neste lado florido, porque o outro lado é um horror. Os índios são burros, eles não têm nem a capacidade de entender a beleza deste lado e eles foram para o lado feio”. E os espanhóis se estabeleceram no lado belo e florido. Mas, na primeira enchente eles morreram, foram simplesmente tragados. Ou seja, é uma cultura milenar indígena. Aquele lado que era bonito e florido porque era o lado que com a chuva inundava, enquanto que o outro lado permanecia seco. Ou seja, isso é uma clivagem muito importante para diferenciar a cultura pré-hispânica, incaica, andina, latino-americana etc., da cultura europeia.

Outra das viagens que mais me impactou até hoje foi, no México, visitar aquelas pirâmides de Teotihuacan, como eles falam — é muito difícil de pronunciar porque não estamos acostumados com a língua das comunidades originárias mexicanas. Ali eu também pensei: “como é que eu não consegui escrever um livro sobre isso?” Eu conheço vários países latino-americanos, mas eu nunca tinha escrito um texto sobre trabalho na América Latina. E quando eu recebi o convite da Ivana Jinkings para publicar o verbete Trabalho na Enciclopédia Latinoamericana, eu entendi que não fazia sentido eu escrever o verbete Trabalho com um olhar apenas brasileiro ou europeu.

Mais recentemente, temos todo um debate da questão decolonial, que eu não vou entrar agora. Mas eu quero deixar claro uma coisa: eu recuso essa ideia de que Marx é um autor ocidental, branco etc. Cito Chico Buarque que, certa vez, numa frase que é popular, disse: “me inclua fora dessa”. Marx não é um gênio da emancipação dos brancos, é o gênio da emancipação da humanidade, negros/as, brancos/as, imigrantes, jovens, periféricas/os. É por isso que ele é tão odiado pelas classes burguesas, pelas classes proprietárias. Agora, é claro, o Marx tem uma tese — que qualquer pessoa que o estudou com seriedade sabe que tem uma tese fundamental — de que há uma determinação social do pensamento. O Marx não podia, no século XIX, pensar e resolver todos os problemas da humanidade. O Marx era um gênio, mas ele não era deus. E, sobre este ponto, se formos seguir uma de suas teses vitais, a figura divina foi uma criação terrena. Magistral! A religião — e isso está na Introdução da Crítica da Filosofia do Direito de Hegel — é uma forma de luta contra a miséria real da vida. Marx percebe que a religião não é uma criação de alguém que queria manipular, mas é o suspiro do ser humano, da humanidade, do indivíduo, que perdeu a sua condição de humanidade na terra. É uma análise espetacular. A partir disso, então, eu não posso cobrar do Marx que tenha enfrentado todos os problemas do feminismo, da questão racial etc. Ele enfrentou magistralmente a questão do capitalismo, que é um sistema, para lembrar novamente o meu querido amigo Mészáros, totalizante e totalitário. Quer dizer: ele totaliza e destrói tudo. Nós estamos vendo aí a guerra da Ucrânia.

Mas nós temos uma cultura universitária em que damos as costas para a América Latina e viramos a cabeça para a Europa. Então o nosso sonho é ir para a França, para a Inglaterra, para a Alemanha. E as nossas costas estão para o povo latino-americano, indígena. É preciso fazer uma revisão. Não haverá socialismo se nós não recuperarmos o modo de vida das comunidades indígenas! As comunidades indígenas não tinham mercadoria, não tinham exploração humana. Aliás, eu lembro de ter visto um depoimento de um indígena que ele dizia o seguinte: “eu não estou pensando na minha vida, do meu amigo. Eu estou pensando na vida dos meus filhos, dos meus netos e na vida humana”. Temos que preservar a natureza não só para a nossa geração, mas para as que vêm depois. Então essa é uma questão crucial. O indígena caça, pesca e planta, mas não depreda a natureza em nenhuma dessas três atividades, porque sabe caçar e pescar preservando a espécie, sabe plantar preservando a fertilidade do solo, sem depredar. Tudo, aliás, que o “homem, branco, europeu, civilizado”, que se considera o suprassumo do mundo, veio fazer aqui. O que dizer de uma sociedade que veio para cá ensinar que o modus operandi e o modus vivendi de uma vida “nova e moderna” é acumular riqueza, explorar a força de trabalho, exterminar indígenas e escravizar povos africanos? É um vilipêndio.

Nós temos que recuperar o modo de vida comunal indígena. O indígena não precisava de propriedade privada. E nas revoltas negras, nos quilombos — sendo o mais magistral de todos o de Palmares, no Brasil —– a vida era predominantemente, não exclusivamente, comunal. Há também a Revolução Haitiana, de 1792, que foi a primeira revolução social latino-americana.

Não podemos dar as nossas costas para a América Latina. Temos que reinventar um socialismo com base nessas duas experiências magistrais que nós temos, que são as estruturantes fundamentais: o período pré-colonização com a vida indígena, e o período pós-colonização com a presença não só do branco europeu.

E uma das formas de recuperar as experiências das comunidades indígenas e as comunidades negras é ir buscar as experiências de vida coletiva, da vida que recusava a propriedade privada, que não se baseavam na exploração. Mas essas vidas eram maravilhosas, não tinham limitações? Claro que tinham. Não há nenhum tipo de vida humana sem algum tipo de estranhamentos, fetichizações, de dissidências, dissensões. Mas não é possível imaginar que a propriedade privada é, por “decisão divina”, sacra e intocável. E essa é a experiência que a América Latina pode nos dar.

Por último ponto, uma parte da Europa, e estou falando dos europeus eurocêntricos, sonha em voltar ao Welfare State. O sonho do Europeu é voltar a 50 anos atrás, quando eles “eram felizes e não sabiam”. O sonho da humanidade latino-americana é algo que nós não tivemos no passado, porque ela foi destroçada. O que se pode imaginar que os negros e negras queiram resgatar da sua vida no Brasil? Nada!

Mas e sobre a nossa história? Eu estou dando um curso na Unicamp este semestre sobre o Pensamento da Sociedade Brasileira, em que eu vou tratar do pensamento social radical e de esquerda no Brasil. Como eu disse, sou professor há 50 anos e, pasmem, pela primeira vez vou dar uma aula sobre o modo de vida, sobre como viviam os indígenas. Eu sei pouco sobre isso. E por quê? Porque nós não aprendemos isso na escola. A visão que nós aprendemos do indígena na escola é caricata.

Se é possível falar em sociedade verdadeiramente sustentável, em que momento a sociedade foi verdadeiramente sustentável na América Latina? Foi nas sociedades pré-capitalistas e indígenas. O resto é sociedade insustentável. É o que os indígenas, andinos, enfim latino-americanos nos ensinam. Nós temos que olhar para o passado para poder reinventar um futuro. Penso que seja essa uma contribuição que eu tentei dar n’O Continente do Labor.

Ricardo Lara – Professor Ricardo, no seu livro O Privilégio da Servidão: o novo proletariado de serviços na era digital, você está enfrentando a teoria do valor como poucos enfrentam hoje para estudar o trabalho. É uma sociologia do trabalho por dentro da crítica da economia política, em especial quando você apresenta os questionamentos sobre “se os serviços podem gerar mais-valia”, ou sobre “se o trabalho imaterial poder ser produtivo”. Nesse ponto, destaco uma hipótese de trabalho que você socializa para aqueles que estudam a crítica da economia política: a teoria social não é um receituário categorial/conceitual, mas algo que nos proporciona enfrentar a realidade cotidiana, ou aquilo que o próprio Marx sempre reivindicou dos seus leitores em um dos prefácios d’O Capital: “pressuponho, naturalmente, leitores desejosos de aprender algo novo e, portanto, de pensar por conta própria”. A partir deste pensamento que pensa a realidade, você nos apresenta a seguinte reflexão: “Da nossa parte, acrescentamos que a propalada ficção que defende a predominância da produção imaterial (portanto desprovida de materialidade) no capitalismo de nosso tempo é uma criação eurocêntrica (ou do Norte) que não encontra base ontológica real, quando se toma a totalidade da produção global. Nossa hipótese, então, é que estamos presenciando em escala global o crescimento de novas formas de realização da lei do valor, configurando mecanismos complexos de extração do mais-valor, tanto nas esferas da produção material quanto nas das atividades imateriais, estas também crescentemente constitutivas das cadeias globais de produção de valor. E, mais, mesmo não sendo o elemento dominante, é necessário reconhecer que o trabalho imaterial vem assumindo papel de relevo na conformação do valor, não só por ser parte da articulação relacional entre distintas modalidades de trabalho vivo em interação com trabalho morto como também por ser partícipe do processo de valorização, ao reduzir o tempo de circulação do capital e, por consequência, também seu tempo total de rotação” (ANTUNES, 2018ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018., p. 47). Avalio que essa formulação faz com que consigamos, dialogando com a teoria social marxista, dar passos significativos para entender a realidade social contemporânea. Então, gostaria que você comentasse essa hipótese de trabalho.

Ricardo Antunes: Poderia começar pelo seguinte: tem um diálogo muito interessante do Marx com as filhas, uma brincadeira, mas daquelas em que os pais dizem para os filhos coisas verdadeiras. Elas lhe perguntam sobre o autor preferido, o literato mais lido e por fim sobre o seu lema de vida, e ele responde para as filhas em latim: “de omnibus dubitandum”, duvidar de tudo.

Em outro momento, Marx diz que “o trabalho de nosso tempo é um trabalho complexo, social e combinado”, e diz, no capítulo 14 d’O capital, que “não importa mais se o trabalho realizado é manual ou é um trabalho não-manual, o que importa é o complexo social”. E nesse complexo social, como é que eu caracterizo o trabalho de um professor ou professor de uma grande rede de escolas privada, monopolista, como a Kroton e assemelhadas? Esse trabalho tem uma prevalência imaterial, se eu entender por imaterial que dele não há a resultante imediata de uma produção material. Mas eu já disse que não existe nenhum trabalho imaterial sem materialidade e não existe nenhum trabalho material sem imaterialidade. O Marx diz, inclusive, que, no limite, o trabalho capitalista, quando enfeixa um conjunto, tem a prevalência material. Por exemplo, se o Chico Buarque, nosso gênio da música brasileira, vai fazer um show, além de depender de todo o arsenal tecnológico para fazer o show, este vai também virar um CD, ou DVD. O show, por exemplo, supõe materialidade prévia e materialidade resultante. Isso que não se pode desconsiderar.

Jean-Marie Vincent deu a pista importante, além das ideias que estão nos Grundrisse, de Marx, de que é preciso pensar que a informação se tornou mercadoria e que o trabalho intelectual é parte deste mundo da informação. Marx diz que há um “tempo de rotação geral do capital” — “tempo de rotação do capital”, “tempo de curso do capital”, ou “tempo global do capital”, não vou entrar no debate de tradutores porque eu não sou tradutor. O “tempo global do capital” supõe o tempo de produção e o tempo de circulação. E o Marx diz claramente que quanto mais próximo de zero for este tempo de circulação do capital mais o capital é produtivo. Se se levar um ano para buscar a mercadoria e entregar, a produção estanca e a empresa vai à falência. Mas Marx tem uma segunda ideia n’O Capital — que eu acho que eu explorei mais e pelo menos acho que foi uma explorada original — que diz que é preciso compreender o tempo de produção que existe dentro do tempo de circulação. Ele cita a indústria de transporte e diz: “que produto material a indústria de transporte cria? Nenhum”.

A indústria de transporte não cria produto material nenhum, ela transporta mercadorias, trabalhadores, trabalhadoras, navios, aviões, trens. Sem esse tempo de transporte, de circulação, a produção não avança.

Agora imagine: e se, na pesca mundial de bacalhau, não houver um sistema de armazenamento — que é outro assunto que Marx aborda — para preservar o produto para ele não perecer, ou se não houver um tempo de circulação que permita que o bacalhau congelado chegue, por exemplo, ao Brasil? Essa indústria é global e requer uma corporação global que enriquece muitas corporações. E nós temos que entender isso.

Caio Antunes: Professor Ricardo, a partir de tudo isso que você disse com tamanha contundência, qual você entende que seja a importância da produção do conhecimento crítico na atualidade, e qual a importância das novas gerações, da juventude que entra nas universidades públicas ou privadas de estudar a realidade do trabalho?

Ricardo Antunes: A pandemia foi um flagelo brutal. Foi e ainda é! Há quem diga que nós estamos saindo de uma pandemia para entrarmos em um quadro endêmico, mas até que provem em contrário, ou até não termos mais uma cepa nova, ainda estamos vivendo um horror. Temos no Brasil uma média de mortes que é um vilipêndio, e atingindo crianças. Mas — atenção! — não foi a pandemia que causou esse horror, ela o desnudou. O capitalismo é um sistema incontrolável, destrutivo, bélico e letal. Ou a humanidade acaba com o capitalismo ou o capitalismo vai acabar com a humanidade!

É fato que antes do capitalismo havia guerras, conflitos. Mas nada sequer parecido com a atualidade. Hoje (março de 2022), só para dar um exemplo, se o Putin perde o compasso e aperta o botão vermelho, não tem mais humanidade. Isso coloca um desafio enorme para essa juventude. A universidade não pode aceitar a condição que lhe vem sendo imposta há décadas, de uma universidade pautada pela razão instrumental, calibrada pelo mercado, para fazer aquilo que Gramsci — acho que em 1916 —, em Homens ou Máquinas?, magistralmente chamou “uma incubadora de pequenos monstros”. A universidade pública, a escola pública não pode ser “uma incubadora de pequenos monstros”. Nós temos que redesenhar o sentido humano, social e emancipatório das pesquisas. Que sentido faz, por exemplo, fazer pesquisa avançada para desenvolver e produzir bombas nucleares? Só beneficia a indústria bélica.

Então, primeiro ponto é eliminar a indústria bélica. Isso é impossível? Não sei se é impossível. A extinção da humanidade não é impossível? Qualquer pessoa que disser que a extinção da humanidade não é impossível não sabe o que está falando. Nós nunca estivemos tão perto do risco da humanidade não mais se reproduzir.

O segundo ponto é que temos que discutir e construir um trabalho dotado de sentido útil. A pandemia escancarou de qual o trabalho nós sentimos falta. O trabalho de médicos/as, de enfermeiros/as, de cuidadores/as, das mães, dos pais, o trabalho reprodutivo em casa — feito majoritariamente, todos nós sabemos, pela divisão sociossexual patriarcal do trabalho, pelas mulheres. Ninguém dava valor para o trabalho dos entregadores e das entregadoras, mas quando tivemos que pedir remédios, ou comida, quem veio trazer? O entregador, a entregadora, que corre o risco de se contaminar num carro, numa moto, numa bicicleta ou a pé. Esses são os trabalhos fundamentais da reprodução.

O terceiro ponto é que, retomando uma tese central d’Os Sentidos do Trabalho, “o trabalho que estrutura o capital desestrutura a humanidade, e o trabalho que estrutura a humanidade”, ou seja, o trabalho vital desestrutura o capital.

Como diria a Wanderléa — eu sou um amante da Jovem Guarda: “senhor juiz, por favor, pare agora”. Não dá mais! Precisamos reinventar um novo modo de vida — e eu retomo aqui o termo de Marx e de Engels utilizado n’A Ideologia Alemã: “modo de vida”, não é uma invenção minha. Precisamos reinventar um novo modo de vida para além do capital — Marx, Mészáros — no qual o trabalho seja dotado de sentido e a natureza seja preservada.

Nós também aprendemos com a pandemia que quando houve lockdown em São Paulo o ar ficou mais puro e diminuíram os níveis de infecção pulmonar causadas por bactérias. Por quê? Veja, é ontologicamente elementar: interrompe-se a indústria destrutiva que polui para produzir automóveis e o ar despoluiu.

Mas e quanto à indústria que produz aquilo que é digitalmente importante para a humanidade, como, por exemplo, a realização de cirurgias menos invasivas, utilizando a inteligência artificial, isso é um avanço? Sim, mas isso é muito diferente de ter um celular produzido a cada ano. E vale lembrar, para que um celular seja produzido, seja por qual empresa for, é preciso a extração mineral pela força de trabalho chinesa, asiática, africana e latino-americana que está extraindo minérios e morrendo. Este é um dos trabalhos mais cavernosos, o trabalho da exploração mineral. Eu entrei uma vez numa mina. Quando eu desci e olhei para cima e vi o tamanho da confusão, eu falei: “traz o carrinho que eu quero subir. Eu não vou ficar aqui de jeito nenhum”. E não foi um pavor, ou medo de quem tem claustrofobia. Aquilo é desumano. Pensei: por que o dono da mina e sua família não vêm extrair minério aqui e ganhar dinheiro?

A pandemia nos ensinou quais são as questões vitais, e eu vou fechar com este ponto.

Há uma passagem da Ontologia de Lukács — que eu vou usar como epígrafe, junto a outras duas, para o livro da pandemia — que diz assim: “a vida é uma sucessão interminável de se e mas”. Será que eu faço isso? Mas e se fizer aquilo? Porém, quando algumas das questões cruciais da humanidade afloram, os ses e os mas se unem, e aí tem revolução. Tomemos, por exemplo, o lema da “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”. Essa trilogia da revolução burguesa pode parecer simplória para nós, mas sob o domínio clerical, em que a Inquisição queimava os cientistas, em uma sociedade na qual a nobreza extraia o corpo e a alma dos servos, Igualdade, Liberdade e Fraternidade mexeram com a humanidade. Qual foi a bandeira da Revolução Russa? “Pão, Paz e Terra”!

Quais são as questões cruciais de nosso tempo? Eu vejo três. Um: resgatar o sentido humano e social do trabalho, como atividade vital. O trabalho não deve ser mais exercido com a finalidade de criar mais-valia. Dois: impedir a destruição da natureza, nem que se tenha que acabar com a indústria de petróleo completamente. É vital, senão vamos morrer de novas pandemias, doenças pulmonares, mais infecções, pneumonias, uma atrás da outra. Trabalho, natureza e o terceiro elemento crucial: a igualdade substantiva (Mészáros) não existe sem você emancipar a classe concomitantemente dando a ela corpo e forma concretos, o gênero e a dimensão étnico-racial. O capitalismo está completamente impossibilitado de realizar estes três pontos.

O Marx não foi genial porque ele desvendou a questão feminina. O Marx foi genial porque ele não permite que se separe as questões das emancipações singulares e vitais da emancipação de um mundo plasmado por relações sociais que são destrutivas. Se eu separo o feminismo da luta de classes e da exploração do trabalho, o feminismo vai ser, na melhor das hipóteses, um feminismo burguês. A emancipação negra também. Como eu já disse, no volume 1 d’O Capital, Marx enfatiza que a emancipação do ser de pele branca não pode se dar por cima da escravidão do ser de pele negra.

Por fim, tem uma coisa que eu nunca falei em entrevistas, mas que agora eu lembrei. Se vocês me perguntassem “qual foi o seu primeiro trabalho?”. Eu diria que foi ser professor em 1972, e lá se vão 50 anos... Mas, antes de ser professor — e não é por acaso que eu estou lembrando disso —, durante pelo menos um mês, quando eu tinha 16 anos, eu e o Fernando, meu irmão, fizemos pesquisa para o IBGE para fazer um censo. No meu primeiro trabalho, então, dependendo de quantas entrevistas que fizéssemos — quantas pessoas há na casa, quanto ganha cada uma etc. —, recebíamos um salário, um pagamento. Então, digamos assim, o meu primeiro emprego foi como trabalhador intermitente no IBGE. E o segundo foi como professor precarizado, porque não tínhamos registro e tínhamos que lutar para conseguir tudo isso. E com isso fica a minha menção ao IBGE, que nunca deixou de ser um órgão público sério, e que haverá de ser dirigido por gente que preserva a sua história, e o enxerga também como um instituto público de pesquisa crucial da história brasileira.

Ricardo Lara, Claudia Mazzei Nogueira, Caio Antunes: Muito obrigado, professor Ricardo.

  • 1
    Florestan Fernandes assina a orelha deste livro.
  • 2
    Esta entrevista foi publicada no Caderno Mais do Jornal Folha de S. Paulo em 30 de abril de 1995.
  • Agência financiadoraNão se aplica.
  • Aprovação por Comitê de ÉticaNão se aplica.
    Consentimento para publicaçãoConsentimento dos autores.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2021
  • Revisado
    20 Maio 2022
  • Aceito
    30 Jun 2022
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