Acessibilidade / Reportar erro

Mapas, fome e planejamento territorial

Maps, hunger and territorial planning

Resumo:

Este artigo objetiva analisar os mapeamentos na interface da segurança alimentar e nutricional e do planejamento territorial. Para isso, consideramos a fome como manifestação da questão social, o retorno do Brasil ao mapa da fome durante a Pandemia de Covid-19, a importância do Estado no planejamento de políticas públicas e a literatura. O exame da literatura demonstrou uma frágil relação entre os campos da cartografia temática, do planejamento e da alimentação. Como procedimento metodológico, realizamos a análise crítica de estudos selecionados, mobilizando definições de desertos alimentares, pântanos e ilhas de abundância. Concluímos que, para a efetivação do direito humano à alimentação adequada, é fundamental um planejamento que contemple a pluralidade da alimentação e relacione aos territórios e suas populações por meio de mapeamentos temáticos intersetoriais.

Palavras-chave:
Cartografia; Segurança Alimentar e Nutricional; Covid-19; Políticas Públicas

Abstract:

The purpose of this paper is to analyze the interface in mapping territorial planning and food and nutrition security. To achieve this, we consider hunger as a manifestation of the social issue, the return of Brazil to the hunger map during the COVID-19 pandemic period, the importance of the State in planning public policies, and also the literature. The literature examination demonstrates a fragile relationship between the fields of thematic cartography, territorial planning, and food. The method used was the critical analysis of selected studies, mobilizing the following definitions: food deserts, swamps, and islands of abundance. We conclude that, for the realization of the human right to adequate food, it is essential that planning relates the plurality of food to territories and their populations through intersectoral thematic mapping.

Keywords:
Cartography; Food and nutrition security; Covid-19; Public policy

Introdução

Os mapas temáticos1 1 Será considerado, no contexto deste trabalho, sinônimo o conjunto de termos: mapeamento, cartografia, mapa — os quais se referirão direta ou indiretamente à representação gráfica temática relacionada à alimentação/fome. , no campo da alimentação e nutrição, podem ser entendidos como elementos gráficos que auxiliam no processo de localização, distribuição, concentração e análises espaciais dos territórios alimentares. No panorama brasileiro da segurança alimentar e nutricional (SAN), temos como marco teórico fundamental o livro “Geografia da Fome de Castro (1946)CASTRO, J. Geografia da fome (o dilema brasileiro: pão ou aço). 1. ed. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1946., que aborda um estudo de identificação da situação da alimentação nos territórios, estratificando a fome e desnutrição no Brasil na década de 1940. A partir desse marco, especialmente na área das ciências da alimentação, tem-se buscado desenvolver metodologias para criação, uso e interpretação de mapas temáticos que retratem espacialmente de modo quali-quantitativo os parâmetros relacionados à SAN (CAISAN, 2019CAISAN - Secretaria-Executiva da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. Ministério da Cidadania/MC. Estudo Técnico: Mapeamento dos Desertos Alimentares no Brasil. Brasília, DF, 2019.).

Neste artigo, destacamos a importância de mapeamentos temáticos correlacionados com a alimentação para a garantia do direito humano à alimentação adequada (DHAA). O enfoque no DHAA se estende para além de mapas e territórios da pobreza e da fome, mas possui neles sua centralidade e a perspectiva de sua superação, uma vez que são reconhecidos como manifestações da questão social, portanto, indissociáveis da “sociabilidade erguida” no desenvolvimento do capitalismo (PAULO NETTO, 2001PAULO NETTO, J. Cinco notas a propósito da questão social. Revista Temporalis, ano 2, n. 3, p. 41-50, 2001.). Outro ponto de interesse deste enfoque é a identificação e o mapeamento temáticos de ambientes obesogênicos2 2 O ambiente obesogênico é definido como o ambiente que oferece oportunidades e condições de vida que promovem a obesidade em indivíduos ou populações, ou seja, é o ambiente que dificulta as escolhas saudáveis e favorece o sedentarismo e hábitos alimentares inadequados (EGGER; SWINBURN, 1997). . Os mapas são fundamentais para identificar principalmente os locais de plantio, comercialização e consumo de alimentos e suas relações com outros equipamentos públicos promotores de saúde (academias ao ar livre, praças, parques e locais de práticas esportivas).

Norteia este artigo a concepção de que a transdisciplinaridade é necessária para que possamos construir, em conjunto, instrumentos cartográficos (que representem espacialmente a concentração ou distribuição espacial) que contribuam para o entendimento desse ato multifatorial e polissêmico que é se alimentar. Cartógrafos, geógrafos, assistentes sociais, nutricionistas, médicos, planejadores, entre outros profissionais, necessitam juntar forças para que a construção destes mapas temáticos possa alimentar e serem alimentados pela realidade da população brasileira e pelos dispositivos jurídicos de SAN e direitos fundamentais.

Esta ideia pode ser extraída da própria da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN)

Art. 2 A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população. § 1º A adoção dessas políticas e ações deverá levar em conta as dimensões ambientais, culturais, econômicas, regionais e sociais. (BRASIL, 2006BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN, com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providencias. Diário Oficial da União, 2006., grifo nosso).

Alguns dos documentos já produzidos nesse campo, como os estudos técnicos “Mapeamento dos Desertos Alimentares no Brasil” (CAISAN, 2019CAISAN - Secretaria-Executiva da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. Ministério da Cidadania/MC. Estudo Técnico: Mapeamento dos Desertos Alimentares no Brasil. Brasília, DF, 2019.) e o “Ambiente obesogênico: uma cartografia do ambiente alimentar comunitário de uma capital do Nordeste” (OLIVEIRA et al., 2021OLIVEIRA, L. et al. Obesogenic environment: cartography of a Brazilian Northeast capital. Research, Society and Development, v. 10, n. 11, p. e327101119578, 2021.), também demonstram a necessidade de intersetorialidade e transdisciplinaridade, quer seja no levantamento de dados ou nos processamentos/representações. Em estudos tais como os mencionados, nota-se a falta de dados e informações de desenvolvimento ou de aplicação de metodologias, equipamentos e tecnologias, para que se possa utilizar termos definidos como desertos, pântanos e ilhas3 3 Trataremos destas definições na segunda seção do artigo. . Esses termos “territoriais” expressam concepções teóricas que podem ser usadas para o mapeamento da fome, de ambientes obesogênicos e da insegurança alimentar (inSAN), a fim de favorecer o planejamento e a execução das políticas públicas de combate à fome. A capacitação dos atores sociais envolvidos, a troca de saberes (KAUCHAKJE, 2017KAUCHAKJE, S. Políticas Públicas. In: KAUCHAKJE, S.; SCHEFFER, S. M. Políticas públicas sociais: a cidade e a habitação em questão. Curitiba: Editora Intersaberes, 2017.) e as publicações na área são fortes promotoras para avanços nesta seara.

A Pandemia de Covid-19 foi um evento de crise sanitária — articulada a fatores político-econômicos — que aprofundou expressões relacionadas à questão social, tais como o alargamento das desigualdades sociais e a inSAN. Sendo o acesso aos alimentos um ponto crítico, as políticas públicas foram apontadas (JAIME, 2020JAIME, P. C. Pandemia de COVID-19: implicações para (in)segurança alimentar e nutricional. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 7, p. 2504, 2020.) como fomento para a garantia do DHAA dentre as famílias que tiveram acesso às cestas de alimentos, equipamentos públicos de SAN e auxílios financeiros.

Para este artigo, realizamos uma busca — na SciElo e Google Acadêmico — de textos em periódicos científicos brasileiros que de alguma forma concatenasse as terminologias relacionadas à nutrição, à geografia/cartografia e ao planejamento territorial durante o período de agosto a outubro de 2021, com os descritores “segurança alimentar e nutricional”, “mapeamentos”, “desertos alimentares”, “planejamento” e “fome”, com operador booleano AND. Na leitura de inclusão e exclusão dos artigos foi realizada a leitura de título e resumo, buscando a correlação entre o mapeamento, SAN e o planejamento, sendo encontradas duas teses, uma dissertação e dois artigos dentro dos parâmetros citados. Logo, nota-se que foi encontrada uma escassa literatura com essas correlações teóricas e metodológicas.

Por isso, neste artigo optamos por fazer um exercício reflexivo para identificar suas correlações com foco na promoção da SAN na perspectiva dos DHAA. Iniciaremos contextualizando brevemente os mapas da fome e apresentando os conceitos de desertos alimentares, pântanos alimentares e ilhas de abundância, passando para resultados da literatura e finalizando com uma discussão na interface entre a cartografia, a alimentação e os mapeamentos da fome para fins de planejamento.

Mapa da fome e a cartografia

Segundo Oliveira et al. (2021)OLIVEIRA, L. et al. Obesogenic environment: cartography of a Brazilian Northeast capital. Research, Society and Development, v. 10, n. 11, p. e327101119578, 2021., quantificar e mapear estabelecimentos de venda de alimentos, relacionando-os aos locais de práticas de atividades físicas, esclarece e define o novo perfil nutricional da população brasileira. Já a criação de um ambiente obesogênico, se mensura de acordo com a presença ou ausência de locais para práticas esportivas e sua relação com locais de vendas de alimentos hipercalóricos. Nesse contexto, a SAN necessita que possam ser observadas as características e tipologias de alimentos circulam nas cadeias de produção, comercialização e consumo. Lembrando que o artigo 3º da LOSAN explicita que

A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambientais, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. (BRASIL, 2006, pBRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN, com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providencias. Diário Oficial da União, 2006.. 4).

Medidas e mapeamento são elementos facilitadores no processo de planejamento territorial, pois ligam os pontos entre o circuito de produção e consumo de alimentos, com enfoque nos itens alimentares promotores de saúde (BRASIL, 2014). Entretanto, há uma carência de produtos cartográficos (distintos mapas temáticos) nacionais e regionais para que possamos observar como as pessoas acessam os alimentos e que tipos de alimentos elas tem acesso (CAISAN, 2019CAISAN - Secretaria-Executiva da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. Ministério da Cidadania/MC. Estudo Técnico: Mapeamento dos Desertos Alimentares no Brasil. Brasília, DF, 2019.). Os mapas temáticos multiescalares determinam a geolocalização das atividades/ações e contribuem para o desenvolvimento ou aprimoramento de políticas públicas de diversas áreas (educação, saúde, infraestrutura, abastecimento, agricultura, entre outras), bem como para a definição de localização e implementação de equipamentos públicos de SAN.

Os equipamentos de SAN são importantes instrumentos para a efetivação e tomada de decisão do DHAA. Trata-se de dispositivos na forma de feiras livres, restaurantes populares, hortas urbanas e periurbanas, centrais de abastecimento, cozinhas comunitárias e bancos de alimentos que fazem a intermediação entre a população e uma alimentação saudável e adequada. Segundo a RedeSAN (2011, pREDESAN. Equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional /RedeSAN - FAURGS - UFRGS - MDS. Porto Alegre: Evangraf, 2011.. 9), podemos observar esses dispositivos “[...] como parte de uma estratégia que visa criar e manter uma rede de equipamentos públicos de alimentação e nutrição que assegurem o direito à alimentação às populações pobres que possuem dificuldades de acesso à alimentação adequada”.

Os mapas da fome têm fornecido dados importantes para o planejamento e avaliação das políticas públicas de alimentação e nutrição em todo o planeta. Esses documentos cartográficos são publicados (Figura 1) após estudos e coleta de dados, por organismos nacionais e internacionais, buscando alertar para as situações de inSAN (RIBEIRO JÚNIOR, 2008).

Figura 1
- Mapa da fome

Um dos mapas da fome mais importantes e, portanto, o que tem maior representatividade mundial, é o publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e Food and Agricultura Organization (FAO). O mapa da fome supracitado é publicado há mais de 50 anos, considerando o mesmo procedimento metodológico de levantamento e avaliação dos dados secundários na busca por classificar os países ao redor do mundo em relação ao grau de fome de suas populações (PELIANO, 1993PELIANO, A. M. M. O Mapa da Fome - Volume I: Subsídios à Formulação de uma Política de Segurança Alimentar. Brasília: Ipea, 1993.).

A escala usada no mapa até o ano de 2017 foi de 5% (fome leve) até 35% (fome extrema). Usando ainda legendas de cores que variavam de neutras (cinza), para países sem informação, com dados insuficientes ou com índices menores que 5% (branco), até quentes (bege, salmão, laranja e vermelho) para países acima de 5% até 35% (ONU, 2014). Nota-se, na Figura 1, que o Brasil aparece na escala em cor representativa de menos de 5% da população em situação de fome no ano de 2014.

A partir de 2018, o mapa passa a utilizar uma nova metodologia — baseada nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS/ONU), conforme podemos observar na Figura 2. Esse mapa é publicado em parceria com World Food Programme (WFP), trazendo uma mudança na escala de cores para a subnutrição. Nesse ano em específico, ainda que dados internos já comecem a mostrar o retorno do Brasil ao mapa da fome (IBGE, 2018), a publicação coloca o país em área de baixo risco para a subnutrição.

Figura 2
- Hunger map

No ano de 2021, temos a publicação do mapa da fome em um novo formato, mudando a identificação de fome para hotspots de insegurança alimentar e nutricional (FAO, 2021FAO, IFAD, UNICEF, WFP and WHO. The State of Food Security4 and Nutrition in the World 2021. Transforming food systems for food security, improved nutrition and affordable healthy diets for all. Rome: FAO, 2021.). A pandemia de Covid-19 alterou as demandas alimentares em todo o planeta, e a metodologia sugere um acompanhamento mais apurado e com menos nexo temporal para verificação antecipada dos locais em situação de ameaça à fome (Figura 3). Nesse panorama, podemos refletir que o acesso fica restrito ao local de moradia ou trabalho, principalmente em momentos de isolamento social. Se o local fornece possibilidade de aquisição (financeira e geográfica), somente de alimentos ultraprocessados e fastfood, teremos instaurada uma situação de insegurança alimentar.

Figura 3
- Mapa de Hotspots de Insegurança Alimentar e Nutricional

Observa-se que o Brasil lida com uma pauta de SAN flutuante (RODRIGUES, 2020), saindo do mapa da fome em 2014 e retornado à situação concreta de insegurança alimentar nos anos de 2020/2021. A descontinuidade das políticas de alimentação e nutrição, somada à ocorrência da pandemia e da instabilidade política, são apontadas como fatores que colaboraram para este retorno (JAIME, 2020JAIME, P. C. Pandemia de COVID-19: implicações para (in)segurança alimentar e nutricional. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 7, p. 2504, 2020.). A identificação do ambiente alimentar4 4 Trataremos desta definição no final desta seção. das populações brasileiras está entre os caminhos para o enfrentamento da fome.

Os mapas são considerados instrumentos fundamentais e irrefutáveis para que possamos (re)conhecer de modo georreferenciado as populações, os territórios e a sua alimentação, já que a localização (seus aspectos geográficos, socioeconômicos e políticos) responde em parte sobre o problema. Os próprios equipamentos públicos, se localizados junto às populações de maior vulnerabilidade, promovem a SAN. Os entendimentos sobre as relações entre a saúde coletiva, o meio ambiente e determinantes sociais são particularmente importantes para o planejamento de ações que sejam assertivas no combate à insegurança alimentar. Quando tais ações “[...] visam a atingir o desenvolvimento global, regional e local, em suas dimensões ambientais, culturais, econômicas, políticas e sociais” há o fomento dos denominados Territórios Saudáveis e Sustentáveis (TSS), ou seja, “[...] espaços relacionais e de pertencimento onde a vida saudável é viabilizada, por meio de ações comunitárias e de políticas públicas, que interagem entre si e se materializam em resultados [...]” (MACHADO et al., 2017, pMACHADO, J. et al. Territórios saudáveis e sustentáveis: contribuição para saúde coletiva, desenvolvimento sustentável e governança territorial. Comunicação em Ciências da Saúde, Brasília, v. 2, n. 28, p. 243-249, 2017.. 246).

A correlação entre alimentação e saúde faz com que toda e qualquer busca por uma alimentação adequada seja, também, uma busca por uma vida saudável. Por este motivo, ainda, salientamos a correlação entre o ambiente (alimentar, territorial e geográfico) com a busca por interdisciplinaridade e intersetorialidade (FAQUETI, 2019FAQUETI, A. Segurança alimentar e nutricional com enfoque na intersetorialidade. Universidade Federal de Santa Catarina, Núcleo Telessaúde Santa Catarina. [Dados eletrônicos]. Florianópolis: CCS/UFSC, 2019.), ao analisarmos publicações e documentos que trafegam em campos distintos e separados, mas que deveriam compor um mesmo território de saberes e conhecimentos científicos, o da alimentação.

Considerar o ambiente, em seus aspectos sociais, políticos e físicos (KAUCHAKJE, 2017KAUCHAKJE, S. Políticas Públicas. In: KAUCHAKJE, S.; SCHEFFER, S. M. Políticas públicas sociais: a cidade e a habitação em questão. Curitiba: Editora Intersaberes, 2017.) é basilar na escolha de que ações podem trafegar no campo do possível, em termos de políticas públicas assertivas para redução dos quadros de desnutrição, sobrepeso e obesidade (RIBEIRO JÚNIOR, 2008). Ambiente alimentar é, segundo Honório, “[...] definido como o conjunto de aspectos físicos (disponibilidade, qualidade e promoção), econômicos (custo), políticos (legislações) e socioculturais, que são influências nas educações e escolhas alimentares, bem como no estado nutricional dos indivíduos” (2020, p. 12). A partir deste conceito foram criados outros, como: desertos alimentares, pântanos alimentares e ilhas de abundância. A mobilização destas noções teóricas nos permite ir além da concepção de mapas como figuras/representações geográficas para inseri-los numa abordagem mais ativa, que nos permita compreender a vivacidade desses instrumentos cartográficos e seu papel na realização do DHAA e da SAN.

Mapeando SAN: desertos, pântanos e ilhas

O conceito de desertos alimentares foi um dos primeiros a surgir mundialmente no contexto do enfrentamento da fome e insegurança alimentar. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) — Centers for Disease Control and Prevention —, dos Estados Unidos, os desertos alimentares se relacionam com localidades em que as populações não têm acesso físico a alimentos in natura e minimamente processados (CDC, 2011CDC - Centers for Disease Control and Prevention. Census Tract Level State Maps of the Modified Retail Food Environment Index (mRFEI), 2011.). No conceito de desertos alimentares, cabe avaliarmos que o acesso à alimentação tem relação direta com a qualidade dos alimentos que são acessados pela população, não se limitando somente às quantidades ou ao espaço físico, mas também às questões econômicas.

Podemos complementar essa definição entendendo desertos alimentares como o resultado, entre outros fatores, da “[...] ausência de alimentos in natura e minimamente processados que contribui para a precariedade na saúde dos indivíduos e consequentemente, com o seu bem-estar na alimentação, aliado ainda à falta de informação, renda, tempo e distância” (CARNAÚBA, 2018, pCARNAÚBA, V. Deserto alimentar faz soar alarme no Brasil. Entreteses Revista Unifesp, n. 10, p. 22-32, 2018.. 23).

Para a Organização não Governamental Aliança pela Alimentação Saudável e Adequada (2020), os desertos alimentares são caracterizados por lugares onde o acesso a alimentos saudáveis é escasso ou impossível, o que obriga as pessoas a se locomoverem para regiões distantes e pode facilitar o consumo de alimentos ultraprocessados. Por fim, Ramirez (2016) especifica que os desertos alimentares representam fisicamente uma distância, mínimo de 16 quilômetros, no acesso de cidadãos de uma comunidade aos locais de comercialização de alimentos variados, em especial alimentos frescos. Esses locais que apresentam tal distância coincidem com territórios de populações com baixa renda familiar e minorias étnicas marginalizadas.

Em perspectiva complementar aos desertos alimentares, têm-se os pântanos alimentares definidos como locais de comercialização de alimentos que vendem, de maneira expressiva, alimentos altamente calóricos, restritos ou pobres em nutrientes, caracterizados por redes de fastfood ou lojas de conveniências (ALIANÇA, 2020). Os alimentos ultraprocessados são uma das fortes características dos pântanos, sendo os alimentos prontos para o consumo a sua máxima expressão.

Mui et al. (2017)MUI, Y. et al. Relationships between Vacant Homes and Food Swamps: a longitudinal study of an urban food environment. Int J Environ Res Public Health, v. 14, n. 11, p. 1426, 2017. referem-se aos pântanos alimentares como área com geolocalização deficitária de comercialização de alimentos in natura e minimamente processos, e/ou acesso a alimentos promotores de saúde. Já para Sushil et al. (2017)SUSHIL, Z. et al. Food Swamps by area socioeconomic deprivation in New Zealand: a national study. Int J Public Health, n. 62, v. 8, p. 869-877, 2017., trata-se de ambientes com consumo apelativo de alimentos com alta densidade calórica e poucos nutrientes, como fastfood e ultraprocessados.

Por sua vez, o último conceito aqui examinado, as ilhas de abundância ou os oásis alimentares “são áreas em que as partes interessadas (stakeholders) conseguiram limitar o acesso a opções menos saudáveis para apoiar estilos de vida mais saudáveis” (CASTRO JÚNIOR, 2018. p. 42). Dessa forma, delimitam-se três “modelos” de acesso aos alimentos que estão diretamente relacionados com os territórios, não somente os territórios alimentares, mas os territórios dados e construídos (MACHADO et al., 2018). Os “modelos” ainda se correlacionam com a construção de produtos cartográficos que possam congregar dados tais como: a) desertos, pântanos e índices de sobrepeso e obesidade; b) desertos, pântanos e prevalência de doenças crônicas não transmissíveis; c) locais de comercialização de alimentos, tipos de alimentos comercializados e locais de práticas esportivas ou atividades físicas (parques, praças, áreas verdes); d) equipamentos de SAN e populações de baixa renda; entre outras correlações que podem ser objeto da representação cartográfica que colabora para o planejamento, implementação e avaliação de ações de SAN.

A perspectiva deste artigo é a de que o mapeamento desses ambientes alimentares específicos, como parte do planejamento territorial, tem potencial para favorecer a segurança alimentar e nutricional (OLIVEIRA et al., 2021OLIVEIRA, L. et al. Obesogenic environment: cartography of a Brazilian Northeast capital. Research, Society and Development, v. 10, n. 11, p. e327101119578, 2021.). Em outras palavras, as representações cartográficas são compreendidas como instrumentos aliados ao combate nas situações de não disponibilidade e acesso aos alimentos saudáveis e adequados. Um exemplo conhecido é o Mapa da Fome que, conforme Peliano (1993, pPELIANO, A. M. M. O Mapa da Fome - Volume I: Subsídios à Formulação de uma Política de Segurança Alimentar. Brasília: Ipea, 1993.. 6), “[...] permite concluir que o problema não está na disponibilidade global de alimentos, mas sim no desencontro geográfico entre a existência dos produtos e a localização” das pessoas em situação de vulnerabilidade social e politicamente determinada.

Nesse sentido, a fome é um conceito intrínseco ao de território (CASTRO, 1946CASTRO, J. Geografia da fome (o dilema brasileiro: pão ou aço). 1. ed. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1946.). O território está dividido em quatro diferentes instâncias: território natural, território político, território cultural e território econômico (HAESBAERT, 2004HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2004.). Por sua vez, nas características da SAN se encontram o quesito natural dos alimentos, os quesitos políticos, a cultura alimentar e as fortes aspersões econômicas envolvidas na escolha, aquisição e consumo de produtos alimentícios. Esses aspectos territoriais se correlacionam quando sopesamos as ações de combate à fome.

A busca dos meios de amainar a fome e promover uma alimentação saudável, adequada e sustentável precisa levantar questões e propor respostas sobre a produção de alimentos, o que se planta, o que se comercializa em território nacional e o que se exporta; quem controla o que se planta e quais os interesses políticos, culturais e econômicos envolvidos; as pressões do mercado de alimentos (sistema agroalimentar) e as ações de contrafluxo (agroecologia e agricultura familiar) (AZEVEDO, 2013AZEVEDO, E. de. A ciência e os riscos ambientais vinculados ao sistema agroalimentar moderno. Caderno eletrônico de Ciências Sociais, v. 1, n. 1, p. 18-40, 2013.).

Parte dos teóricos, que busca compreender e dialogar sobre o campo da segurança alimentar e nutricional, considera que o grande equívoco se encontra na distribuição dos alimentos; ou seja, no quesito acesso aos alimentos (PELIANO, 2001PELIANO, A. M. M. A Assistência Alimentar nas Políticas Governamentais. Brasília: Revista de Política Agrícola, ano X, n. 1, p. 20-26, 2001.; MALUF, 2007MALUF, R. S. J. Segurança Alimentar. Petrópolis: Vozes, 2007.; AZEVEDO, 2009AZEVEDO, E. de. Riscos e controvérsias no processo de construção do conceito de alimentação saudável: o caso da soja. 2009. 202 f. Tese (Doutorado em Sociologia Política) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.; 2013AZEVEDO, E. de. A ciência e os riscos ambientais vinculados ao sistema agroalimentar moderno. Caderno eletrônico de Ciências Sociais, v. 1, n. 1, p. 18-40, 2013.). A colaboração dos mapeamentos é fundamental para que seja possível compreender as forças propulsoras e contrárias a um movimento socialmente justo e sustentável de produção-distribuição-escolha-consumo. Por este motivo, o movimento duplo que busca compor e analisar mapas temáticos referentes à fome e, ainda, criar, ampliar e mobilizar conceitos que façam compreender os caminhos que os alimentos fazem da terra até a mesa, favorece o planejamento e políticas na área da SAN.

Esse movimento de unir conceitos à representação cartográfica temática colabora para soluções que visam à conexão entre a produção, o escoamento, os tipos de alimentos produzidos (industrializados ou não), as formas de acesso (físico e financeiro) aos alimentos, adentrando na seara da Soberania Alimentar.

Para Machado et al. (2018, p. 247), “[...] é primordial promover a articulação da teoria e da prática para se elaborarem soluções adequadas aos territórios específicos”. A busca por segurança alimentar e nutricional e diminuição das pessoas em situação de fome requer a articulação e a mescla de conhecimentos e saberes. Conhecimento e práticas que podem “[...] subsidiar o modo de produção sustentável, contrapondo-se ao modelo de consumo e produção capitalista não sustentável [...]” e, dessa forma, sustentar um modelo contra hegemônico “[...] cooperativo de produção e reprodução social” (MACHADO et al., 2018, p. 247).

Entendemos essa via contra hegemônica no âmbito transdisciplinar, no qual destacamos os mapas e outros instrumentos cartográficos que carregam consigo a conexão entre a geolocalização de locais de comercialização, de produção, de consumo, além de ainda identificarem territórios e populações. Por isso, tais elementos são importantes, pois colaboram para que os alimentos e a alimentação diária possam ser promotores de saúde, cumprindo assim não somente sua função biológica, mas ainda a cultural, social, econômica e política.

A fome está no prato e no mapa

Desde os primeiros estudos da fome no Brasil, houve a desagregação em áreas urbanas, áreas metropolitanas e áreas rurais. Historicamente, observa-se no Brasil diferentes tipos de fome (CASTRO, 1946CASTRO, J. Geografia da fome (o dilema brasileiro: pão ou aço). 1. ed. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1946.), diferentemente distribuídos por diferentes territórios. Se na área urbana e periurbana a mercantilização e capitalização dos alimentos se torna fundamental para a análise, no campo, as questões fundiárias se mostram relevantes neste panorama da fome. Os dados regionalizados no Brasil devem ser considerados como primordiais no início das discussões que relacionam planejamento territorial e segurança alimentar e nutricional (PELIANO, 1993PELIANO, A. M. M. O Mapa da Fome - Volume I: Subsídios à Formulação de uma Política de Segurança Alimentar. Brasília: Ipea, 1993.). Portanto, somente a partir da representação gráfica é possível que possamos avançar para [...] o desenvolvimento de territórios saudáveis e sustentáveis, considerando o desenvolvimento de ações territorializadas e contextualizadas como princípio organizador (MACHADO et al., 2018, p. 244).

Nesse contexto, reiteramos que uma das chaves para encontrar respostas sobre a SAN está no uso de métodos e técnicas cartográficas, a partir do uso de sistemas de informação geográfica (SIG), análise espacial e sensoriamento remoto — direcionados à geração de cartografia temática e modelagem de banco de dados. O levantamento e a manutenção atualizada das bases de dados geográficos permitem quali-quantificar características populacionais e territoriais que possibilitam a representação e a análise de dados secundários sobre a saúde e alimentação das populações. Trata-se de direcionar e aprimorar metodologias científicas, com vistas à transdisciplinaridade para fins de planejamento territorial e socioambiental. O uso de dados abertos, que apresentam interoperabilidade em SIGs, sugere o indício de que o processamento e geração dos mapeamentos temáticos podem ser eficazes e extremamente participativos com a ação da população, tornando-se documento fundamental para o gestor basear tecnicamente a tomada de decisão (CAISAN, 2019CAISAN - Secretaria-Executiva da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. Ministério da Cidadania/MC. Estudo Técnico: Mapeamento dos Desertos Alimentares no Brasil. Brasília, DF, 2019.).

Os produtos cartográficos participam seja do diagnóstico, do (re)planejamento, da implementação ou da avaliação das políticas públicas de SAN, pois, quando se trata de ações que trafegam na intersetorialidade e na transdisciplinaridade, todos os pontos contribuintes devem ser considerados e favorecidos (FAQUETI, 2019FAQUETI, A. Segurança alimentar e nutricional com enfoque na intersetorialidade. Universidade Federal de Santa Catarina, Núcleo Telessaúde Santa Catarina. [Dados eletrônicos]. Florianópolis: CCS/UFSC, 2019.). Essa consideração abarca os conhecimentos das diversas áreas do conhecimento, congregando-os para um mesmo fim: o direito humano à alimentação adequada e à segurança alimentar e nutricional.

A fome brasileira está no prato, mas também está nos mapas, desde Josué de Castro, e até antes dele, já existia no contexto das vivências dos territórios e populações que neles habitam. A existência de desertos alimentares, pântanos alimentares e ilhas de abundância evidenciam que a discrepância e desigualdade em relação à efetivação dos direitos fundamentais, em especial o DHAA. A localização geográfica de pessoas, ou de grupos populacionais, é considerada um dos fatores determinantes para que se caracterize ou não a situação de insegurança alimentar, muito mais do que suas escolhas pessoais.

A modernidade (ainda que tardia, em nosso caso) trouxe consigo uma série de acessos, porém o acesso à alimentação, e que seja uma alimentação saudável e adequada, não é uma realidade para grande parte da população de baixa renda hoje e no passado (RODRIGUES, 2020; JAIME, 2020JAIME, P. C. Pandemia de COVID-19: implicações para (in)segurança alimentar e nutricional. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 7, p. 2504, 2020.). Políticas públicas tais como o Bolsa Família, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o Programa de Aquisição de Alimentos e política salarial, contribuíram para tirar o Brasil do mapa da fome no período 2003 a 2013, mas a situação de miséria e fome que leva a um viver não digno de milhares de pessoas5 5 Segundo a Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílios de 2013-2014 e a Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2017-2018, ambas do IBGE, e Inquérito da VIGISAN (2020), houve um aumento de 8% ao ano entre 2013 e 2018, sendo que o total de brasileiro em situação de fome passou de 10,3 milhões para 19,1 milhões. , esta realidade se torna parte da história do País. Portanto, este cenário equivale a dizer que não tiramos a fome do papel, tampouco conseguimos colocar no papel, em especial nos mapas, as linhas gerais do nosso sistema agroalimentar, isto é, desconhecemos boa parte dos locais onde abundam alimentos de todos os tipos, para alguns cidadãos, e outros onde o deserto se configura na geografia da fome.

A coleta de dados, seu cruzamento e a elaboração de produtos cartográficos no campo da segurança alimentar e nutricional, podem fomentar o conhecimento de ângulos territoriais da fome brasileira, a abrangência e os pontos críticos do cenário nacional e com isso, alinhar ações e propostas de ação efetiva que reverta ou mitigue o efeito na área mapeada com deficiência alimentar. Pois, “[...] os territórios geram transformações e são transformados por processos de desenvolvimento local, regional e global, conforme Machado et al. (2018, p. 244).

Segundo a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável (2019), os desertos e pântanos alimentares estão diretamente relacionados com o planejamento, não sendo possível (re)planejar de maneira eficiente sem conhecer a realidade espacial (concentração, distribuição e tendência geográfica). Assim, a representação cartográfica por meio do mapa parece ser o meio mais eficiente de reverter o processo na tomada de decisão assertiva — uma vez que conhece a espacialidade do problema. Desse modo, os estudos e representações gráficas que ligam os territórios, as populações que neles habitam e o ambiente alimentar são uma necessidade dos planejadores e executores de políticas públicas (policy makers).

Considerações finais

A elaboração deste artigo se iniciou com a busca por textos científicos da literatura nacional que pudessem colaborar com a caracterização do estado da arte no uso da cartografia no campo do planejamento territorial em segurança alimentar e nutricional e o DHAA. Verificamos que estudos sobre o assunto existem, porém são escassos os que constroem uma discussão inter ou transdisciplinar sobre o uso de mapas para o campo da alimentação e nutrição como uma das ferramentas de seu planejamento — associado a uma pobre discussão técnica que relacione potencial ação e reação. Os poucos estudos existentes tratam mais dos aspectos da criação de ambientes obesogênicos do que da fome propriamente dita. Portanto, verifica-se no Brasil um “gap” na produção científica associado a uma real defasagem na produção cartográfica que retrate de forma multiescalar, atualizada e confiável sob o ponto de vista metodológico a relação fome e localização geográfica.

A alimentação, vista sob a perspectiva do ambiente local, regional e global, busca correlacionar macro e micro, países, estados e municípios, e sistema mundo, na busca por melhorias na qualidade de vida da população. Conjecturar saberes e conhecimentos múltiplos se torna fundamental, dada a polissemia da alimentação e seu efeito sobre a saúde do indivíduo.

Ao levar em consideração as especificidades territoriais, podemos ser mais assertivos nas ações promotoras do DHAA. Contemplando e adaptando as demandas das políticas públicas e permitindo maiores relações intersetoriais, transdisciplinares e participativas, encarrilhando atores e instituições sociais e políticas.

No Brasil, certamente a correlação entre o espaço geográfico onde a alimentação ocorre e o desenho territorial e institucional, que coordenam (ou deixam de coordenar) as ações de SAN, necessitam nitidamente de avanços técnicos, políticos e científicos. O entendimento de tão amplo território (material e imaterial) carece de junção de forças entre áreas como a saúde coletiva, a alimentação e a nutrição, bem como a geografia, a administração pública, o serviço social, e a cartografia, entre outras que incluem saberes de grupos sociais distintos. Nesta junção, o mapeamento não é tão somente uma ferramenta secundária ou auxiliar, mas também deve ser considerado parte da produção do conhecimento conjunto direcionado à proposição de políticas de alimentação e nutrição nacional.

A descontinuidade das políticas de alimentação e nutrição, o panorama pós-pandêmico e o avanço do neoliberalismo latino-americano, tornam urgente e necessária uma visão política e gerencial direcionada a favor da alimentação saudável para a população brasileira. Para isso, vale lembrar com Josué de Castro (1946)CASTRO, J. Geografia da fome (o dilema brasileiro: pão ou aço). 1. ed. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1946. que a fome é um fenômeno produzido por pessoas contra as pessoas e, completamos, engendrados em processos culturais, naturais, políticos e econômicos determinados. Dado essa complexidade, que se destaca na ligação entre a teoria e a prática no campo do mapeamento temático a partir dos sistemas agroalimentares, congregando áreas da ciência e saberes sobre e produzidos em territórios.

Assim, apontar o déficit na produção de artigos e documentos que mapeiem (no sentido cartográfico temático e transdisciplinar) a situação da alimentação (e fome) brasileira, é apontar caminhos que ainda podem ser percorridos e que certamente trarão benefícios à sociedade e orientação aos tomadores de decisão e definidores de políticas públicas.

Agradecimentos

Não se aplica.

  • 1
    Será considerado, no contexto deste trabalho, sinônimo o conjunto de termos: mapeamento, cartografia, mapa — os quais se referirão direta ou indiretamente à representação gráfica temática relacionada à alimentação/fome.
  • 2
    O ambiente obesogênico é definido como o ambiente que oferece oportunidades e condições de vida que promovem a obesidade em indivíduos ou populações, ou seja, é o ambiente que dificulta as escolhas saudáveis e favorece o sedentarismo e hábitos alimentares inadequados (EGGER; SWINBURN, 1997EGGER, G.; SWINBURN, B. An “ecological” approach to the obesity pandemic. BMJ Journals, v. 315, p. 477-483, 1997.).
  • 3
    Trataremos destas definições na segunda seção do artigo.
  • 4
    Trataremos desta definição no final desta seção.
  • 5
    Segundo a Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílios de 2013-2014 e a Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2017-2018, ambas do IBGE, e Inquérito da VIGISAN (2020), houve um aumento de 8% ao ano entre 2013 e 2018, sendo que o total de brasileiro em situação de fome passou de 10,3 milhões para 19,1 milhões.
  • Agência financiadoraNão se aplica.
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participaçãoNão se aplica.
    Consentimento para publicaçãoAs autoras e o autor do artigo concordam que são responsáveis pela exatidão e integridade de todo o trabalho.

Referências

  • ALIANÇA PELA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E ADEQUADA. O que são desertos alimentares. Porto Alegre, 2020. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CCbWb7Ol3Vy/ Acesso em: 25 out. 2021.
    » https://www.instagram.com/p/CCbWb7Ol3Vy/
  • ALIANÇA PELA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL E ADEQUADA. Quando a geografia urbana é um obstáculo para a alimentação saudável. Porto Alegre, 2019. Disponível em: https://www.instagram.com/p/B5tJD9JlqLH/ Acesso em: 25 out. 2021.
    » https://www.instagram.com/p/B5tJD9JlqLH/
  • AZEVEDO, E. de. A ciência e os riscos ambientais vinculados ao sistema agroalimentar moderno. Caderno eletrônico de Ciências Sociais, v. 1, n. 1, p. 18-40, 2013.
  • AZEVEDO, E. de. Riscos e controvérsias no processo de construção do conceito de alimentação saudável: o caso da soja. 2009. 202 f. Tese (Doutorado em Sociologia Política) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.
  • BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN, com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providencias. Diário Oficial da União, 2006.
  • CAISAN - Secretaria-Executiva da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. Ministério da Cidadania/MC. Estudo Técnico: Mapeamento dos Desertos Alimentares no Brasil. Brasília, DF, 2019.
  • CARNAÚBA, V. Deserto alimentar faz soar alarme no Brasil. Entreteses Revista Unifesp, n. 10, p. 22-32, 2018.
  • CASTRO, J. Geografia da fome (o dilema brasileiro: pão ou aço). 1. ed. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1946.
  • CASTRO JUNIOR, P. C. P. de. Ambiente alimentar comunitário medido e percebido: descrição e associação com Índice de Massa Corporal de adultos brasileiros. 2018. Tese (doutorado) - Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca: Rio de Janeiro, 2018.
  • CDC - Centers for Disease Control and Prevention. Census Tract Level State Maps of the Modified Retail Food Environment Index (mRFEI), 2011.
  • EGGER, G.; SWINBURN, B. An “ecological” approach to the obesity pandemic. BMJ Journals, v. 315, p. 477-483, 1997.
  • FAO. FAO-WFP early warning analysis of acute food insecurity hotspots. Rome, 2020. Disponível em: https://www.wfp.org/publications/wfp-fao-early-warning-analysis-acute-food-insecurity-hotspots-october-2020 Acesso em: 10 set. 2021.
    » https://www.wfp.org/publications/wfp-fao-early-warning-analysis-acute-food-insecurity-hotspots-october-2020
  • FAO, IFAD, UNICEF, WFP and WHO. The State of Food Security4 and Nutrition in the World 2021. Transforming food systems for food security, improved nutrition and affordable healthy diets for all. Rome: FAO, 2021.
  • FAQUETI, A. Segurança alimentar e nutricional com enfoque na intersetorialidade. Universidade Federal de Santa Catarina, Núcleo Telessaúde Santa Catarina. [Dados eletrônicos]. Florianópolis: CCS/UFSC, 2019.
  • HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2004.
  • JAIME, P. C. Pandemia de COVID-19: implicações para (in)segurança alimentar e nutricional. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, n. 7, p. 2504, 2020.
  • KAUCHAKJE, S. Políticas Públicas. In: KAUCHAKJE, S.; SCHEFFER, S. M. Políticas públicas sociais: a cidade e a habitação em questão. Curitiba: Editora Intersaberes, 2017.
  • MACHADO, J. et al. Territórios saudáveis e sustentáveis: contribuição para saúde coletiva, desenvolvimento sustentável e governança territorial. Comunicação em Ciências da Saúde, Brasília, v. 2, n. 28, p. 243-249, 2017.
  • MALUF, R. S. J. Segurança Alimentar. Petrópolis: Vozes, 2007.
  • MUI, Y. et al. Relationships between Vacant Homes and Food Swamps: a longitudinal study of an urban food environment. Int J Environ Res Public Health, v. 14, n. 11, p. 1426, 2017.
  • OLIVEIRA, L. et al. Obesogenic environment: cartography of a Brazilian Northeast capital. Research, Society and Development, v. 10, n. 11, p. e327101119578, 2021.
  • PAULO NETTO, J. Cinco notas a propósito da questão social. Revista Temporalis, ano 2, n. 3, p. 41-50, 2001.
  • PELIANO, A. M. M. O Mapa da Fome - Volume I: Subsídios à Formulação de uma Política de Segurança Alimentar. Brasília: Ipea, 1993.
  • PELIANO, A. M. M. A Assistência Alimentar nas Políticas Governamentais. Brasília: Revista de Política Agrícola, ano X, n. 1, p. 20-26, 2001.
  • REDESAN. Equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional /RedeSAN - FAURGS - UFRGS - MDS. Porto Alegre: Evangraf, 2011.
  • RIBEIRA JUNIOR, R. S. A fome e a miséria na alimentação: apontamentos para uma crítica da vida cotidiana a partir da Geografia Urbana. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 396.
  • SUSHIL, Z. et al. Food Swamps by area socioeconomic deprivation in New Zealand: a national study. Int J Public Health, n. 62, v. 8, p. 869-877, 2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2022
  • Aceito
    07 Out 2022
  • Revisado
    23 Nov 2022
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina , Centro Socioeconômico , Curso de Graduação em Serviço Social , Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima, 88040-900 - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel. +55 48 3721 6524 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: revistakatalysis@gmail.com