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Crise, queda da taxa de lucro e a política social no capitalismo

Crisis, falling rate of profit and the social policy in capitalism

Resumos

Resumo

Este artigo é resultado de uma pesquisa descritiva, teórica e documental sobre crise do capital, queda tendencial da taxa de lucro e a relação com as políticas sociais. Objetiva-se elucidar como as políticas sociais, em determinados períodos da história, são estratégias para alavancar as taxas de lucro, seja na sua ampliação, como ocorreu após a crise de 1929, seja na sua retração, como ocorreu na crise de 1970 em diante. A metodologia utilizada consistiu em revisão bibliográfica e análise documental sobre o tema proposto, recorrendo a algumas categorias marxianas como queda tendencial da taxa de lucro, acumulação e crise. Os resultados obtidos nos permitem considerar que as políticas sociais têm desempenhado papel relevante na recuperação das taxas de lucro do capital, servindo como um mecanismo para responder aos processos de crise, retomar o crescimento econômico e garantir a sobrevivência do modo de produção capitalista.

Palavras-chave:
Crise do Capital; Política Social; Queda Tendencial da Taxa de Lucro


Abstract

This article is the result of a theoretical and documentary research on capital crises, the tendency to fall in the rate of profit and its relationship with social policies. It aims to elucidate how social policies, in certain periods of history, are strategies to leverage profit rates, whether in their expansion, as occurred after 1929, or in their retraction, as occurred in the crisis from 1970 onwards. The methodology used consisted of a bibliographic review, with the appropriation of Marxian categories such as the tendency for the rate of profit to fall, accumulation and crisis. The results obtained allow us to consider that social policies have played a relevant role in the recovery of capital profit rates, serving as an important mechanism to respond to crisis processes, under the justification of serving the working class, resuming economic growth and ensuring the survival of the capitalist mode of production.

Keywords:
Capital Crisis; Social Politics; Profit Rate Decline


Introdução

Este artigo é resultado de uma pesquisa descritiva, teórica e documental sobre crise do capital, queda tendencial da taxa de lucro e a relação com as políticas sociais. Objetiva-se elucidar como as políticas sociais, em determinados períodos da história, são estratégias para alavancar as taxas de lucro, seja na sua ampliação, como ocorreu após a crise de 1929, seja na sua retração, como ocorreu na crise de 1970 em diante. A metodologia utilizada consistiu em revisão bibliográfica e análise documental sobre o tema proposto, recorrendo a algumas categorias marxianas como queda tendencial da taxa de lucro, acumulação e crise.

A reflexão se pautou nos anos de acúmulo como pesquisadora sobre o tema do trabalho e do emprego, com ênfase nas crises do capitalismo e suas formas de resposta às mesmas. A partir da compreensão das crises, destacamos suas reverberações no âmbito do trabalho, ou melhor dizendo, da força de trabalho. Tal reflexão torna-se imperativa em tempos de ofensiva do capital que metamorfoseia suas crises apontando como causa o que é consequência, como bem demonstra a atribuição do desemprego, da fome e dos baixos índices de crescimento ao contexto pandêmico, de guerra ou climático para justificar ações que incidem sobre a renda do trabalhador, nas suas condições de trabalho e no aumento da pobreza e da desigualdade social, em menor ou maior escala, em todos os cantos do planeta, para garantir taxas de acumulação e, consequentemente, recuperar as taxas de lucro. Afinal, a razão de ser do modo de produção capitalista (MPC) é alcançar níveis cada vez maiores de acumulação de capital, sendo necessário para tal destruir parte da força produtiva, ou seja, da força de trabalho, da natureza, da própria humanidade. Não por acaso, as políticas sociais são mecanismos fundamentais para responder ao processo de acumulação em curso, seja ampliando sua abrangência ou diminuindo, de acordo com os períodos de crise do capital, funcionando como medida contrarrestante da queda tendencial da taxa de lucro.

Este artigo está dividido em três seções. A primeira apresenta uma síntese da concepção de crise no capitalismo e sua relação com a queda tendencial da taxa de lucro, destacando a concepção de alguns autores sobre o tema. No segundo tópico, apresentamos a crise de 1929 e 1970 e sua relação com a política social a fim de demonstrar sua funcionalidade com o modo de produção capitalista e, ao final, breves conclusões.

Crises do capital e queda tendencial da taxa de lucro

No campo da teoria marxiana existe uma leitura comum de que as crises são fenômenos inevitáveis e necessários para a consolidação do modo de produção capitalista. Desde o momento em que há uma expansão do capitalismo, do avanço das forças produtivas, as crises se apresentam como algo bastante comum e sistemático. A princípio, crises conjunturais e de curta duração, sem muitos impactos na economia global, sobretudo porque estamos falando ainda de um capitalismo na sua fase concorrencial, em que a concentração/centralização da produção e da riqueza socialmente produzida se mostra bastante tímida se comparada com os avanços posteriores, em particular a partir do início do século XX, nos países do centro do capitalismo.

À medida que as forças produtivas avançam sob o domínio do capital e com ela sua destruição, as crises se tornam mais duradouras e estruturais. Contudo, saindo do campo da crítica da economia política, que tem na tradição marxista seu arcabouço teórico e empírico de análise, adentramos no terreno das reflexões sob a perspectiva da economia política clássica ou neoclássica, ortodoxa ou heterodoxa. Nessas reflexões é comum encontrarmos referências que se assentam numa leitura naturalizada dos processos de crise e seus efeitos ou causas. Melhor dizendo, no campo do pensamento econômico clássico o que é efeito passa a ser causa ou vice-versa.

Não poderia ser diferente porque tais autores estão ancorados pelo pensamento de matriz liberal que tem em Adam Smith (1996)SMITH, A. A riqueza das nações: investigação sobre suas naturezas e suas causas. São Paulo: Nova Cultural, 1996. v. 1. (Os Economistas). seu maior expoente. Conhecido como fundador do liberalismo econômico, Smith anuncia a ação do mercado como sendo aquela que permite o equilíbrio das forças econômicas. Existe uma compreensão de que o mercado em si seria capaz de regular de forma perfeita e harmônica as relações mercantis. Para os autores que se vinculam a esta tradição, as crises, portanto, não são consideradas fenômenos necessários e típicos do modo de produção capitalista. São, pelo contrário, resultado de escolhas erradas ou ainda do desequilíbrio entre oferta e demanda, clássico defendido e expresso na famosa Lei de Say.

Na esteira dessa compreensão, o mercado atuaria de forma livre e sem regulações, equilibrando a oferta e a demanda, promovendo uma recuperação sem a intervenção de qualquer mecanismo extra, como por exemplo, o Estado e suas políticas intervencionistas. Não por acaso tais economistas se colocaram contrários à teoria keynesiana e sua implementação nos EUA e nos países da Europa, no pós segunda grande guerra, por entenderem que a maciça intervenção do Estado geraria um autoritarismo sobre a livre ação do mercado. Hayek (1990)HAYEK, F. A. O caminho da servidão. Tradução de Anna Maria Capovilla, José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal,1990. chegou a mencionar que o planejamento era um caminho para servidão, sendo comparado a um regime autoritário e cerceador das liberdades individuais. Outros o seguiram nessa análise, criticando duramente o papel do Estado e da adoção dos preceitos da política keynesiana.

Keynes (1996)KEYNES, J. M. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Tradução de Mário R. da Cruz. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996., por sua vez, vai entender que a ação do mercado para promover o equilíbrio entre a oferta e a demanda não é suficiente sem a presença de um Estado forte capaz de agir para garantir poupança e liquidez, potencializando a produção e o consumo, eliminado a ociosidade de homens e máquinas para evitar processos de crise. A teoria de Keynes suscitou polêmicas entre economistas por romper com a famosa Lei de Say e apostar na ênfase sobre o consumo através de uma política de salários altos, regulação sobre setor financeiro, controle dos sindicatos, incentivo a políticas de renda àqueles fora do mercado de trabalho etc. Não foi, portanto, acidental que sua teoria passou a ser o pilar da reconstrução da crise do pós segunda grande guerra em alguns países da Europa ocidental.

Voltando nossa análise para o campo da tradição marxista é mister salientar que as crises não podem ser entendidas como algo linear, natural ou resultado de escolhas equivocadas por parte dos agentes econômicos. As crises são mecanismos, que, embora contraditórios, pois incidem na queda tendencial da taxa de lucro, elas também atuam como uma alavanca para possibilitar a recuperação da mesma taxa de lucro. Portanto, elas são mecanismos inevitáveis dentro do MPC e contribuem para garantir a acumulação de capital ao mesmo tempo que podem provocar queda na acumulação.

Carcanholo (2010)CARCANHOLO, M. Crise econômica atual e seus impactos para a organização da classe trabalhadora. Revista Aurora, Marília, ano IV, n. 6, p. 1-10, ago. 2010., considera que o funcionamento do capitalismo compreende fases de crescimento sucedidas por períodos de crise. Ou seja, cada período de crescimento é seguido por um período de crise que logo se transforma em crescimento e recuperação da lucratividade dos donos dos meios de produção. Por esta razão são crises cíclicas e periódicas, mas que não são passíveis de previsibilidade, pois dependem do momento próprio do capital, momentos que certamente ocorrerão. O que se extrai das afirmações do autor supramencionado é que a crise compõe o movimento imanente do capitalismo, sendo a ele totalmente favorável (CARCANHOLO, 2010CARCANHOLO, M. Crise econômica atual e seus impactos para a organização da classe trabalhadora. Revista Aurora, Marília, ano IV, n. 6, p. 1-10, ago. 2010.). Não deve ser, portanto, atribuída a nenhum fator esporádico como uma guerra específica sem grandes abrangências mundiais, a uma pandemia ou fenômenos naturais. Estes são apenas fatos que potencializam as crises, mas não são responsáveis pela sua emergência.

Nozaki (2021)NOZAKI, H. T. A crise do capital em Marx: o debate contemporâneo entre marxistas. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2021., partindo de uma leitura da teoria marxiana, considera que o desenvolvimento capitalista tende a ser incompatível com o desenvolvimento precedente o que ocasiona as crises. Ou seja, a crise seria uma espécie de autopreservação do capital para evitar sua destruição, numa espécie de criação destrutiva, o que não significa que há uma tendência de destruição natural do próprio capitalismo, pois este é perfeitamente capaz de criar mecanismos de autoconservação. As crises, consequentemente, representam um momento da superprodução do capitalismo que pode ser de mercadorias ou de capital, fato explicado pelas crises de 1929 e 1970.

Netto (2012)PAULO NETTO. J. Crise do capital e consequências societárias. Serv. Soc. Soc., v. 111, set. 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/D6MmJKCjKYqSv6kyWDZLXzt/?lang=pt Acesso em: 13 jul. 2022.
https://www.scielo.br/j/sssoc/a/D6MmJKCj...
refere-se a três grandes crises: a de 1897 que durou 23 anos, a de 1929 que só atingiu sua recuperação no pós segunda grande guerra e a crise mais recente iniciada no final de 1980. Percebe-se que o autor não cita 1970 como uma crise do capital, mas um processo de restauração neoliberal das transformações em curso na sociedade e que tiveram como mote a desregulamentação financeira, a flexibilização das leis e contratos de trabalho e privatização de bens estatais. Portanto, esse período representa um projeto neoliberal restaurador do capital.

Duménil e Lévy (2013, pDUMÉNIL, G.; LEVY. D. A crise do neoliberalismo. Tradução de Paulo Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2013.. 27) consideram que os anos de 1970 foram marcados por uma crise, “resultado da tendência decrescente da taxa de lucros somada às taxas crescentes de inflação em que se expressavam as tensões econômicas”. Os autores consideram que as duas crises, a de 18901 1 Os autores estão fazendo menção a uma crise nos EUA que provocou recessão e alterou a composição da renda. Não nos debruçaremos sobre tal crise, por entender que ela se manifestou como uma crise localizada e restrita a um país especificamente, sem grandes implicações, na época, para a economia internacional, ao contrário das outras crises das quais tratamos neste texto. e a de 1970 foram resultados da queda tendencial da taxa de lucro, contrariamente às crises de 1929 e do neoliberalismo. Nestes dois últimos contextos, Dumenil e Levy (2013)DUMÉNIL, G.; LEVY. D. A crise do neoliberalismo. Tradução de Paulo Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2013. afirmam que a queda da taxa de lucro estava em processo de recuperação e que a adoção do neoliberalismo, etapa de redefinição das classes em disputa, com a vitória das classes dominantes que tiveram suas rendas ampliadas as custas do aumento da exploração do trabalho assalariado e também da retirada de algumas das políticas sociais que sustentaram o Welfare State nos países da Europa, gerou uma maior concentração de renda e intensificou a hierarquização entre os países, fatores considerados emblemáticos para recuperar as taxas de lucro ou frear a queda tendencial da taxa de lucro. A abertura comercial, colocada como um dos elementos fundamentais do contexto neoliberal permitiu a compressão dos salários nos países de capitalismo avançado, tendo em vista que as empresas migraram para países onde os salários historicamente eram mais baixos e as políticas e leis trabalhistas residuais.

Para Carcanholo (2010), aCARCANHOLO, M. Crise econômica atual e seus impactos para a organização da classe trabalhadora. Revista Aurora, Marília, ano IV, n. 6, p. 1-10, ago. 2010. crise de 1970 representou a produção excessiva de capital e sua consequente dificuldade de valorização, ocorrendo perda de lucratividade. A produção excessiva ou superprodução, seja de capital ou de mercadorias, incidiu na queda da taxa de lucro, ocasionando queda nos investimentos e gerando baixos índices de crescimento, ou melhor dizendo de uma crise de caráter recessivo. De acordo com Carcanholo (2010), aCARCANHOLO, M. Crise econômica atual e seus impactos para a organização da classe trabalhadora. Revista Aurora, Marília, ano IV, n. 6, p. 1-10, ago. 2010. crise de 1970 conjugou queda na taxa de lucro e superprodução de capital configurando-se como um momento de grande recessão.

Em Mendonça (1987)MENDONÇA, A. A crise económica capitalista e a sua forma contemporânea. 1987. Tese (Doutorado) - Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, Portugal, 1987. encontramos uma análise de duas grandes crises: a de 1929 e a dos anos 1970. Para o autor supracitado, a crise de 1929 e a de 1970, provocaram mudanças significativas na forma do Estado responder às crises capitalistas. Se, em 1929 tivemos uma alteração do Estado para maior intervenção na economia como forma de recuperação da crise, em 1970 voltamos ao discurso anterior a 1929, com a recusa do Estado interventor, na reinvenção do ideário neoliberal e na satanização das políticas sociais, em especial aquelas relacionadas ao trabalho. Ou seja, na primeira, as medidas governamentais de intervenção econômica e social foram fatores fundamentais para recuperar as taxas de lucro e, em 1970, a retirada do Estado como interventor econômico e das políticas de trabalho, até então implementadas, foram o alvo central das críticas dos novos economistas de Washington.

Diante do exposto, compreendemos que as crises possuem uma relação intrínseca com o movimento da queda tendencial da taxa de lucro. Sobre a Lei da queda tendencial da taxa de lucro, Marx (2017)MARX, K. O Capital: Livro Terceiro: O processo global de produção. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017. explica que a queda progressiva da taxa geral de lucro é uma tendência do modo de produção capitalista resultante do desenvolvimento progressivo da força produtiva social do trabalho. Constitui uma essência do capitalismo que ao avançar sua força produtiva gera um decréscimo da taxa geral de lucro. Isto porque a taxa média geral do mais valor se expressa, necessariamente, numa taxa geral decrescente de lucro. Tal explicação tem fundamento no fato de que a massa do trabalho vivo diminui em proporção aos meios de produção e ao trabalho vivo não pago e que se objetiva no mais-valor.

Para Marx (2017)MARX, K. O Capital: Livro Terceiro: O processo global de produção. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017., à medida que se desenvolve o processo propriamente capitalista de produção e acumulação, tem que aumentar na mesma proporção, a massa de mais trabalho. Não porque aumentou o número de trabalhadores, mas porque a força de trabalho produz mais em menos tempo, em parte devido ao aumento do progresso tecnológico, pelo prolongamento da jornada de trabalho e também pelo aumento da superpopulação relativa, gerando uma massa disponível para o trabalho, sempre em números maiores e dispostos a aceitarem condições de exploração cada vez aviltantes.

Marx (2013)MARX, K. O Capital: Livro Primeiro: O processo de produção do capital. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013., ao mencionar sobre a formação da superpopulação relativa, alerta que esta é uma resultante obrigatória da acumulação de capital. É um processo oriundo da maior concentração de capital, que segundo descreveu Marx “cada acumulação se torna meio de uma nova acumulação” (2013, p. 701). É importante destacar que no avanço do capitalismo a tendência é que os capitalistas independentes sejam engolidos por outros capitalistas que passam a ter o domínio não mais e exclusivamente sobre os meios de produção e da força de trabalho, mas passam a dominar o capital em si, passam a serem os detentores do capital como um todo, gerando o movimento da centralização.

Marx (2013)MARX, K. O Capital: Livro Primeiro: O processo de produção do capital. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013. alude ao fato de que centralização complementa a obra da acumulação, possibilitando aos capitalistas expandirem sua escala de dominação sobre todos os ramos da produção, alterando significativamente o agrupamento do capital social. Ou seja, a centralização do capital nas mãos de poucos capitalistas individuais permite que o progresso da acumulação transcorra mais rapidamente e com ela a expulsão de vários capitalistas individuais e também de trabalhadores. Aqui faz-se necessário aludir ao fato de que a centralização ao permitir o agrupamento de novos capitais de aumentar o montante do capital social total nas mãos de poucos capitalistas, obriga estes mesmos capitalistas ao desenvolvimento crescente de inovações e técnicas que objetiva economizar força de trabalho, repelindo grandes contingentes de força de trabalho.

A formação do exército industrial de reserva não se constitui, portanto, como uma ação planejada e calculada pelo capitalista, mas como um mecanismo necessário para garantir a acumulação, sendo a esta totalmente funcional. Assim, o desemprego generalizado ou a formação da superpopulação relativa2 2 A superpopulação relativa se divide em três segmentos. O primeiro denomina-se flutuante e refere-se aos trabalhadores que transitam pelo mercado de trabalho, ora como empregados, ora como desempregados. A fração latente, segunda forma de expressão da superpopulação relativa, está associada ao êxodo rural e a migração campo/cidade com a crescente expulsão do trabalhador do campo. A categoria estagnada diz respeito aos trabalhadores que não “servem” ao mercado de trabalho formal e estável, inserindo-se sempre no chamado setor informal legal e ilegal (MARX, 2013). não é resultado do desenvolvimento das forças produtivas em si, mas sim do desenvolvimento das forças produtivas subordinadas aos moldes da produção capitalista. “Essa superpopulação se converte, em contrapartida, em alavanca da acumulação capitalista, e, até mesmo, numa condição de existência do MPC”. (MARX, 2013, pMARX, K. O Capital: Livro Primeiro: O processo de produção do capital. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.. 707).

A alteração da composição orgânica do capital, resultante dos maiores investimentos em capital constante em detrimento do capital variável, gera um decréscimo da taxa de mais valor, mas não da massa do mais valor, tendo em vista que a produtividade da força de trabalho será sempre mais elevada. A equação parece contraditória, mas é apenas a aparência, pois à medida que temos menos trabalhadores ocupados, teríamos taxas de mais valor menores. Contudo, diz Marx (2017), oMARX, K. O Capital: Livro Terceiro: O processo global de produção. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017. modo de produção capitalista é permeado por contradições, fazendo-nos crer que menos capital variável implica em menos riqueza ou lucro para o capitalista. Portanto, as crises do capitalismo não implicam na queda tendencial da taxa de lucro, mas representam a oportunidade de alavancar tais taxas de lucro. Max vai salientar que para que a taxa de lucro não caia mais rápido e em proporções de magnitude maiores é preciso que as influências que contrariam esta queda atuem de forma a evitá-la ou anulá-la, dando a esta apenas o caráter de tendência. As contratendências apresentam uma conexão entre si, pois estão associadas, em primeiro plano, à relação capital/trabalho. De acordo com Marx (2017)MARX, K. O Capital: Livro Terceiro: O processo global de produção. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017., tais medidas incidem diretamente sobre as condições de vida e trabalho da classe trabalhadora, como exemplo citamos: aumento do grau de exploração da força de trabalho, compressão sobre o valor dos salários, aumento dos investimentos em capital constante, expansão do contingente de desempregados ou da superpopulação relativa, a ampliação do comércio exterior ou globalização comercial, e, por fim, o aumento do capital por ações que, com o desenvolvimento e o consequente progresso do modo de produção capitalista, aparece “uma parte do capital que só pode ser calculada e empregada como capital portador de juros” (MARX, 2017, pMARX, K. O Capital: Livro Terceiro: O processo global de produção. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017.. 279).

Embora Marx (2017)MARX, K. O Capital: Livro Terceiro: O processo global de produção. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017. não tenha sinalizado para outras contratendências, é possível acrescer a implementação ou retirada de políticas sociais como mecanismos que tem funcionado ao longo da história do capitalismo como alternativa para alavancar as taxas de lucro ou melhor dizendo para recuperar o capitalismo das suas crises.

As crises do capital e os nexos causais com as políticas sociais

Conforme exposto no item anterior deste artigo, a relação entre as crises do capital e a queda tendencial da taxa de lucro é de mútua dependência. As crises auxiliam na recuperação da taxa de lucro promovendo maior concentração e centralização da riqueza nas mãos de poucos capitalistas. Estes fatos podem ser percebidos pelo aumento considerável da concentração da renda e da produção nas mãos de poucos capitalistas situados em países, na sua maioria do centro capitalista. Portanto, a cada crise não ocorre a queda da taxa de lucro, mas uma elevação desta tendo em vista que as medidas que atuam como contratendências passam a ser adotadas como necessárias e fundamentais para recuperar a economia e os empregos, apresentando-se como medidas que beneficiam a sociedade como um todo, mascarando o seu real fundamento. É o caso das políticas sociais, que se apresentam, nos momentos de crise, como mecanismos para alavancar as taxas de lucro.

É importante destacar que Marx não coloca as políticas sociais como medida contrarrestante da queda tendencial da taxa de lucro. Tal fato pode ser explicado pela ausência de políticas sociais no período em que está elaborando sua obra. As primeiras iniciativas adotadas pelo Estado para assegurar melhores condições de trabalho à classe trabalhadora data do final do século XIX, quando são implementadas na Alemanha de Bismarck os primeiros seguros. Anteriormente aos seguros bismarckianos, algumas iniciativas foram adotadas na Inglaterra como a Lei dos Pobres de 1601 e o Speenhamland Act, em 1795. De acordo com Polanyi (2000)POLANYI, K. A Grande Transformação. Rio de Janeiro: Tradução de Fanny Wrobel Campus, 2000., este último funcionava como um sistema de abonos, pois concedia a cada família pobre um acréscimo no salário para alimentar seus familiares. Com a reedição da Nova Lei dos Pobres em 1834 a medida foi revogada. Para Marx e Engels (2010)MARX, K.; ENGELS, F. Lutas de classes na Alemanha. São Paulo: Boitempo, 2010., as medidas administrativas de combate ao pauperismo eram vistas como estímulo ao pauperismo, não podendo ser consideradas políticas de Estado, pois sua administração perpassava pela presença da Igreja e tinha um cunho caritativo e não político.

Somente a partir de 1929, com a grande crise do capitalismo, iniciada nos EUA e espraiada por outros países que mantinham relações comerciais com o mesmo é que se pensará em adotar medidas mais amplas para salvaguardar a economia e atender aos trabalhadores desempregados. Para Mendonça (1987), aMENDONÇA, A. A crise económica capitalista e a sua forma contemporânea. 1987. Tese (Doutorado) - Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, Portugal, 1987. crise de 1929 foi emblemática porque deu um direcionamento distinto daqueles atribuídos às crises de forma geral. Nesse período evidenciou a impossibilidade de o mercado responder ao equilíbrio necessário para a recuperação econômica, deixando de lado preceitos liberais tão caros à economia clássica que passa a privilegiar a adoção de um controle maciço sobre o sistema bancário, industrial e agrícola.

Como as crises são movimentos cíclicos que alternam expansão e recessão, a crise de 1929 pode ser explicada como resultado de um período de expansão elevado registrado entre os anos de 1925 e 1929 quando a produção, emprego e comércio internacional cresciam a patamares bastantes elevados (MENDONÇA, 1987MENDONÇA, A. A crise económica capitalista e a sua forma contemporânea. 1987. Tese (Doutorado) - Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, Portugal, 1987.). Os juros e lucros cresceram significativamente e estes fatores foram decisivos para a eclosão da maior crise do capitalismo, pois gerou uma alta concentração de renda entre as empresas mais lucrativas o que diminuiu a continuidade da expansão, com especial destaque para o setor da construção civil e de bens de consumo duráveis (MENDONÇA, 1987MENDONÇA, A. A crise económica capitalista e a sua forma contemporânea. 1987. Tese (Doutorado) - Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, Portugal, 1987.). De acordo com Hobsbawm (1995), esta crise afetou a economia mundial provocando uma queda na produção, aumento do número de desempregados com percentual de 30% na Alemanha e 44% nos EUA, redução dos preços dos produtos, principalmente de alimentos e matérias-primas. O comércio mundial sofreu uma queda de 60%, afetando os países cujo comércio internacional era basicamente vinculado aos EUA e à Europa.

Nos anos seguintes, a permanência do desemprego, da capacidade ociosa da produção, os baixos índices de crescimento levaram a uma mudança brusca no direcionamento do papel do Estado no controle da economia. Ou seja, a necessidade de recuperar a economia e superar a recessão fez com que a ideia de um mercado autorregulador, capaz de alavancar as taxas de crescimento, fosse descartado e, em seu lugar, assistiu-se uma redefinição do papel do Estado para responder à primeira maior crise do capitalismo. Marx (2017)MARX, K. O Capital: Livro Terceiro: O processo global de produção. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017., no capítulo 15 do livro 3 d’O Capital menciona que a produção capitalista tende constantemente a superar os limites que lhe são imanentes, porém consegue isso apenas em virtude de meios que voltam a elevar diante dela esses mesmos limites, em escala ainda mais formidável. A referência aqui ao capítulo é porque a crise de 1929 evidenciou a lei da queda tendencial da taxa de lucro ou melhor dizendo da própria acumulação de capital, obrigando o capitalismo a buscar respostas dentro dos seus próprios limites.

A receita adotada pelo governo norte-americano visava medidas de contenção da crise, incluindo intervenções maciças no sistema bancário, financeiro e industrial. O objetivo fundamental era desenvolver uma política econômica que pudesse contrarrestar a tendência inercial da economia. A geração de emprego e de renda era uma necessidade para fazer com que os norte-americanos pudessem recuperar poder de compra e promover o crescimento econômico. Para tanto, foi investido um grande montante de recursos em obras públicas, a redução da jornada de trabalho e uma política salarial para possibilitar acesso ao consumo. Outras medidas foram adotadas como o controle dos preços e da produção de produtos agrícolas e industriais para evitar a superprodução, assim como a queima de estoques agrícolas para garantir a competitividade dos preços dos produtos americanos. Políticas previdenciárias, de seguro-desemprego e programas de assistência alimentar também serão implementados beneficiando trabalhadores formais e contribuintes (OLIVEIRA, 2018OLIVEIRA, E. A. Política social: políticas para o capital ou para o trabalhador? Argumentum, Vitória, v. 10, n. 3, p. 232-243, set./dez. 2018. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/argumentum/article/download/18397/15688/66722. Acesso em: 17 abr. 2023.
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).

A presença do Estado foi fundamental para definir as leis e políticas de recuperação econômica, passando a exercer um controle maciço sobre o fundo público que passa a exercer função privilegiada no socorro à economia. Ao contrário das medidas apontadas por Marx (2017)MARX, K. O Capital: Livro Terceiro: O processo global de produção. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017. no capítulo 14 de O Capital, em 1929, para recuperar a economia e as taxas de lucro, assistimos à criação de medidas opostas com aumento salarial, redução do desemprego, ampliação de leis trabalhistas e redução da jornada de trabalho3 3 De acordo com Oliveira (2017) não devemos considerar os efeitos da crise e sua recuperação para o conjunto dos países capitalistas. As manifestações dos seus efeitos e resultados será distinto entre países de capitalismo ocidental, países de socialismo e países de terceiro mundo. Tal fato envolve a presença do Estado nestes países, a organização dos trabalhadores e a própria formação histórica capitalista. . De acordo com Brenner (2003)BRENNER, R. O boom e a bolha. Os Estados Unidos na economia mundial. Tradução de Zaída Maldonado. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2003., nos anos de 1950 a 1970, a taxa média de desemprego nos países do G-74 4 O G-7 é composto por EUA, Alemanha, Japão, Inglaterra, Canadá, Itália e França. Hoje temos a Rússia que foi inserida, logo existem referências a um G-8 ou ainda a um G-7 mais a Rússia que estaria no grupo devido ao seu poderio bélico. , no setor privado, foi de 3,1%, enquanto no período de 1973 a 1993 salta para 6,2. A média anual do salário real, nos países economicamente mais ricos, EUA, Alemanha e Japão foi de 2,7%, 5,7% e 6,3% no mesmo período, enquanto nos anos de 1973 a 1993 caíram para 0,2%, 1,9% e 2,7% respectivamente. Portanto, as saídas para essa crise foram diversas das medidas anteriores, em que não se vislumbra a planificação e a regulação da economia por parte do Estado. Muito distintas, por exemplo, do que se verá nas crises de 1970 em diante, quando as alternativas estarão sempre voltadas para as medidas contrarrestantes apontadas por Marx (2017)MARX, K. O Capital: Livro Terceiro: O processo global de produção. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017., conforme demonstram os dados referentes aos anos de 1973 e 1993.

É importante salientar que as políticas de recuperação iniciadas nos EUA em 1930 só começaram a surtir efeitos mais concretos com a eclosão da segunda grande guerra. Sem querermos ser ousados, podemos afirmar que a segunda guerra mundial foi extremamente providencial para garantir os rumos da política de recuperação norte-americana e de retorno do país à condição de maior potência econômica mundial. Portanto, a segunda guerra serviu para gerar milhões de empregos nos EUA e tirar o país da crise, colocando-o como condutor da política econômica do resto do mundo. Dumenil e Levy (2013)DUMÉNIL, G.; LEVY. D. A crise do neoliberalismo. Tradução de Paulo Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2013. definem três facetas do período do pós segunda grande guerra. O primeiro refere-se a uma autonomia gerencial que vai se manifestar numa maior interferência do Estado na adoção de políticas macroeconômicas, baixas taxas de juro, políticas fiscais e monetárias de incentivo e um controle sobre o comércio externo para garantir desenvolvimento nacional e a construção de mercados internos fortes. A segunda seria a adoção de políticas sociais e a criação do Welfare State. A terceira foi a contenção dos interesses financeiros que, embora combinados com as outras duas facetas mencionadas, significou a prioridade de uma lógica que, segundo os autores, visavam à financeirização para desenvolvimento da economia real e não de interesse de capitalistas coletivos.

A necessidade de aumentar os salários, ampliar seguros-desemprego e proporcionar serviços sociais como saúde, educação, moradia, assistência social aos trabalhadores localizados nos países onde as políticas do pós segunda guerra foram implementadas geraram a ideia de um capitalismo menos desigual e mais redistributivo, fazendo crer, como bem destacou Oliveira (2017)OLIVEIRA, E. A. A política de emprego na Itália e no Brasil: a precarização protegida e a precarização desprotegida. Curitiba: Editora CRV, 2017., numa possibilidade reformista ampla e generalizada para outros países do mundo. Não vamos entrar aqui nas diferenças entre eles, por não ser o escopo desse artigo, no entanto, queremos destacar que outros países não vivenciaram tal período de expansão econômica, embora tivessem se beneficiado devido aos empréstimos concedidos para alavancar a economia capitalista objetivando a expansão do comércio internacional, como foi o caso do Brasil que à época viveu seu período desenvolvimentista e que, mais tarde, culminaria no alto endividamento externo (BRENNER, 2003BRENNER, R. O boom e a bolha. Os Estados Unidos na economia mundial. Tradução de Zaída Maldonado. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2003.).

Fato é que já nos anos de 1950, a economia dos países de capitalismo ocidental mostrará índices bastante significativos de recuperação econômica. Dados extraídos de Brenner (2003)BRENNER, R. O boom e a bolha. Os Estados Unidos na economia mundial. Tradução de Zaída Maldonado. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2003., demonstram que as taxas médias de lucro líquida, tanto no setor manufatureiro quanto de empresas privadas, nos países do G-7 foram de 26,5% e 17,6%. Tais números não voltarão a se repetir em momentos posteriores da economia, assim como as taxas médias anuais de produção, no mesmo período e entre os mesmos setores ficaram em 5,5% e 4,5%, respectivamente. Devido aos altos índices de produção e crescimento, os anos supracitados foram considerados como “trinta anos de ouro do capitalismo”. Apesar dos altos índices de crescimento registrados, inclusive em alguns países da periferia, elas não foram acompanhadas de investimento em políticas trabalhistas e direitos sociais. Nesses países prevaleceram um capitalismo sem políticas trabalhistas amplas, assistência aos desempregados, inclusão dos povos originários, serviços sociais como educação, saúde, moradia de qualidade etc. Portanto, os chamados “trinta anos de ouro do capitalismo” vivenciados nos países da Europa ocidental e EUA, ou melhor dizendo em quase todos eles, não se generalizou para outros países do globo terrestre.

Como os “anos dourados” não eram perenes, o final de 1960 e início de 1970 foi marcado por mais uma crise capitalista. A crise dos anos de 1970, atribuída em grande parte à crise do petróleo, vai exigir do Estado medidas para recuperar as taxas de lucro do capital, ou melhor dizendo evitar a queda tendencial da taxa de lucro. Dessa vez o Estado passa a ser o inimigo a ser combatido juntamente com as políticas sociais e as organizações de classe dos trabalhadores. No lugar de mais Estado, os novos apologistas da economia de recuperação dos anos de 1970, vão criar uma lógica de menos Estado. Contudo, o Estado mínimo será apenas para evitar a queda tendencial da taxa de lucro, voltando-se para a adoção das medidas contrarrestantes como compressão dos salários, reforma trabalhista, retirada de direitos sociais, aumento da produtividade do trabalho, ampliação da superpopulação relativa etc. Brenner (2003)BRENNER, R. O boom e a bolha. Os Estados Unidos na economia mundial. Tradução de Zaída Maldonado. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2003. destaca que nos anos de 1980 a 1985 os investimentos em encargos sociais nos países do G-7 caíram para 2,6% em média, valor bem inferior aos anos de 1960 a 1975 cuja média ficou em 7,6%. Como as taxas de crescimento não aumentaram, a tendência foi manter a compressão dos salários e diminuição dos encargos sociais para equilibrar os déficits fiscais e transferir parte dos recursos públicos para setores do grande capital financeiro ou industrial. Nesse sentido, podemos afirmar que o capitalismo atual com suas guerras e pandemias tem potencializado suas crises ao mesmo tempo que não abre mão do Estado como provedor necessário para restabelecer taxas de lucratividade aos detentores dos meios de produção. Seja na forma de criar impostos para os mais pobres, retirar políticas e direitos trabalhistas, criar leis para reduzir salários, elevar o número de desempregados e, portanto, da superpopulação relativa, isentar grandes fortunas de pagamento de impostos, incentivar o capital especulativo com a desoneração de impostos e taxas e ao mesmo permitindo que a lucratividade seja obtida ou recuperada por meios de produtos financeiros, primando pela maior ofensiva sobre a classe trabalhadora, num claro viés de empobrecimento mundial e alta concentração de renda.

Dados do Laboratório da Desigualdade Mundial, publicados no final de 2021, pelo jornal El PaísEL PAÍS. Economia. Os 10% mais ricos com 76% do patrimônio do planeta, o retrato da desigualdade na pandemia. Madri, 7 dez. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/economia/2021-12-07/os-10-mais-ricos-com-76-do-patrimonio-do-planeta-o-retrato-da-desigualdade-na-pandemia.html. Acesso em:15 jul. 2022.
https://brasil.elpais.com/economia/2021-...
, ilustram que, com a pandemia da Covid-19, a desigualdade social aumentou, ao mesmo tempo que a parcela mais rica viu sua renda crescer nos últimos anos. De acordo com os dados, 000,1% da população é composta por multimilionários que tiveram sua renda acrescida em 14% entre 2019 e 2021. No mesmo período, 100 milhões de pessoas entraram na linha de pobreza extrema. Portanto, a lei da queda tendencial da taxa de lucro, considerada por Marx (2017, pMARX, K. O Capital: Livro Terceiro: O processo global de produção. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017.. 271) como tendência, não o impede de afirmar que a superexploração da força de trabalho “é uma das causas mais importantes de contenção da tendência à queda da taxa de lucro”.

Isto implica afirmar que a partir de 1980 o mundo se depara com novas propostas para reverter a crise do capital, dentre elas a redução de custos sociais do trabalho que impulsionados pelo aumento da superpopulação relativa permite o barateamento da força de trabalho bem como o avanço das tecnologias que reduzem o montante de capital variável, embora não signifique a redução da produtividade do trabalhador, tendo em vista que amplia-se a jornada de trabalho tanto em termos absolutos quanto relativos e permite ao capitalista explorar e extrair o mais valor mantendo elevada ou constante a sua taxa de lucro. Conforme bem analisou Marx (2017, pMARX, K. O Capital: Livro Terceiro: O processo global de produção. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017.. 289): “a produção é produção apenas para o capital, em vez de ao contrário, os meios de produção serem simples meios para um desenvolvimento cada vez mais amplo do processo vital, em benefício da sociedade dos produtores”.

Pelo exposto podemos entender que as crises, processos imanentes do capital, reafirma a lei geral da acumulação de capital, pois promove a riqueza de um lado e extrema pobreza de outro, fazendo com que os trabalhadores excedentes necessitem de mais políticas sociais para sobreviver. Como as agências internacionais criaram direcionamentos para as políticas dos países periféricos que são diferentes dos países centrais, a saída oferece alternativas que vão dentro dos limites do próprio capitalismo, como investir na indústria, no controle inflacionário ao mesmo tempo que sinaliza para cortes substanciais nos benefícios trabalhistas ou sociais. Ainda cria incentivos a saídas individuais para reverter o quadro de pobreza gerado pela crise, como a qualificação para o mercado de trabalho, criando a falsa ideia de que há empregos para todos e que o maior problema é a ausência de qualificação, estimulando o empreendedorismo, com políticas de crédito que mais beneficiam o capital financeiro, ou ainda criminalizando a pobreza.

Considerações Finais

Diante do exposto, concluímos que as crises são um processo imanente e necessário ao modo de produção capitalista. Apesar de ser um mecanismo que incide diretamente nas condições de vida e trabalho da classe trabalhadora, as crises servem como um instrumento para alavancar as taxas de lucro do capital evitando sua queda e garantindo a retomada da acumulação de capital. Neste processo, algumas medidas, denominadas de políticas sociais podem servir como uma contratendência à queda da taxa de lucro, tendo em vista que o Estado, atuando como gestor dos negócios da burguesia, amplia ou reduz benefícios e serviços sociais visando recuperar a economia e “evitar as crises”, ou ainda retomar as taxas de crescimento, a lucratividade do capital e, portanto, favorecer a acumulação e concentração da riqueza. Nesse movimento, a expansão e redução de políticas sociais aparecem como um fim próprio do capitalismo, como resultado inevitável deste modo de produzir, como bem demonstramos quando das crises de 1929 e 1970.

Agradecimentos

Não se aplica

  • 1
    Os autores estão fazendo menção a uma crise nos EUA que provocou recessão e alterou a composição da renda. Não nos debruçaremos sobre tal crise, por entender que ela se manifestou como uma crise localizada e restrita a um país especificamente, sem grandes implicações, na época, para a economia internacional, ao contrário das outras crises das quais tratamos neste texto.
  • 2
    A superpopulação relativa se divide em três segmentos. O primeiro denomina-se flutuante e refere-se aos trabalhadores que transitam pelo mercado de trabalho, ora como empregados, ora como desempregados. A fração latente, segunda forma de expressão da superpopulação relativa, está associada ao êxodo rural e a migração campo/cidade com a crescente expulsão do trabalhador do campo. A categoria estagnada diz respeito aos trabalhadores que não “servem” ao mercado de trabalho formal e estável, inserindo-se sempre no chamado setor informal legal e ilegal (MARX, 2013MARX, K. O Capital: Livro Primeiro: O processo de produção do capital. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.).
  • 3
    De acordo com Oliveira (2017)OLIVEIRA, E. A. A política de emprego na Itália e no Brasil: a precarização protegida e a precarização desprotegida. Curitiba: Editora CRV, 2017. não devemos considerar os efeitos da crise e sua recuperação para o conjunto dos países capitalistas. As manifestações dos seus efeitos e resultados será distinto entre países de capitalismo ocidental, países de socialismo e países de terceiro mundo. Tal fato envolve a presença do Estado nestes países, a organização dos trabalhadores e a própria formação histórica capitalista.
  • 4
    O G-7 é composto por EUA, Alemanha, Japão, Inglaterra, Canadá, Itália e França. Hoje temos a Rússia que foi inserida, logo existem referências a um G-8 ou ainda a um G-7 mais a Rússia que estaria no grupo devido ao seu poderio bélico.
  • Agência financiadora Não se aplica
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participação Não se aplica
    Consentimento para publicação Não se aplica

Referências

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  • EL PAÍS. Economia. Os 10% mais ricos com 76% do patrimônio do planeta, o retrato da desigualdade na pandemia. Madri, 7 dez. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/economia/2021-12-07/os-10-mais-ricos-com-76-do-patrimonio-do-planeta-o-retrato-da-desigualdade-na-pandemia.html Acesso em:15 jul. 2022.
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  • MARX, K. O Capital: Livro Terceiro: O processo global de produção. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2022
  • Revisado
    24 Abr 2023
  • Aceito
    28 Mar 2023
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