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COVID-19, necropolítica e prisões femininas no estado do Amazonas

COVID-19, necropolitics and female prisons in the State of Amazonas

Resumos

Resumo

O Estado em seu discurso de proteção aos seus cidadãos e da necessidade do encarceramento em massa, utiliza-se dos poderes inerentes a ele, para abreviar direitos e conduzi-los de modo que a desigualdade estrutural acabe por ampliar os efeitos do vírus dentro das prisões. Diante disto, este estudo tem como objetivo trazer uma reflexão sobre biopolítica, biopoder e necropolítica nas prisões femininas do estado do Amazonas e como este conceito foi aguçado na crise de saúde pública causada pela pandemia de Covid-19. Trata-se de uma revisão de literatura, de cunho exploratório-descritivo, através de uma abordagem qualitativa. O período estudado compreende os anos de 2020 a 2022, auge da crise da Covid-19 em todo o planeta. Os resultados apontam para um regime necropolítico de atenção à saúde criando historicamente nos estabelecimentos penais um ambiente não propício a condições dignas de vida, tampouco apto para retardar a morte.

Palavras-chave:
Necropolítica; Biopolítica; Biopoder; Covid-19; Prisão


Abstract

The State, in its discourse of protecting its citizens and the need for mass incarceration, uses its inherent powers to abridge rights and conduct them in such a way that structural inequality ends up amplifying the effects of the virus inside prisons. Given this, this study aims to bring a reflection on biopolitics, biopower and necropolitics in women's prisons in the state of Amazonas and how this concept was sharpened in the public health crisis caused by the pandemic of Covid-19. This is an exploratory-descriptive literature review, using a qualitative approach. The period studied is the years 2020 to 2022, the peak of the Covid-19 crisis worldwide. The results point to a necropolitical regime of health care historically created in prisons, an environment not conducive to dignified living conditions, nor able to delay death.

Keywords:
Necropolitics; Biopolitics; Biopower; Covid-19; Prison


Introdução

A linha cronológica do descobrimento, declaração e notificações da Covid-19, mostra ao mundo que o SARS-CoV-2, é um vírus de rápida propagação e letalidade. No dia 31 de dezembro 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) notificou a ocorrência de um surto de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, República Popular da China. Em fevereiro de 2020, a doença causada pelo novo coronavírus recebeu a denominação “Covid-19”, dando referência ao tipo de vírus e ao ano de início da pandemia. E no dia 11 de março de 2020, a OMS declarou estado pandêmico e faz recomendações de isolamento social para contenção do vírus (OMS, 2020). No Brasil, o primeiro caso de Covid-19 foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020. Quatro meses após, no mês de maio de 2020, o número de pessoas infectadas era de 514.992 casos de Covid-19 com um total de 29.341 óbitos decorrentes da doença (BRASIL, 2020BRASIL. Coronavírus Brasil. Painel Coronavírus, 2020. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em: 13 set. 2022.
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).

O estado do Amazonas viveu momentos de terror, em meio a um caos na saúde pública, houve escândalos de corrupção e superfaturamento, atraso de salários dos profissionais da saúde, escassez de equipamentos de proteção individuais, maquinários hospitalares, respiradores, e o uso indiscriminado de medicamento sem eficácia contra a Covid-19 (SENADO, 2021) e o básico: oxigênio, nos dias 14 e 15 de janeiro de 2021, o tão aclamado “pulmão do mundo” parou de respirar por falta de oxigênio nos hospitais amazonenses, levando a população a suplicar por ajuda nacional e internacional para suprir o mínimo da subsistência humana (ENSP, 2021).

Nas unidades prisionais, o pânico psicológico estava instalado, visto que, se o atendimento à saúde estava sendo negligenciado à população em geral, dita, livre (tanto no nível de assistência à saúde privada, quanto no nível público), isso significava que na hierarquia de salvação, existia a certeza de que a pessoa presa, estava em um nível ínfimo, subumano, na prioridade de ser socorrida. Pois, em um cenário de privação de liberdade, naturalmente as vidas que ali se encontram são consideradas descartáveis.

Em seu discurso de proteção aos seus cidadãos, e da necessidade do encarceramento em massa, o Estado utiliza-se dos poderes inerentes a ele, para abreviar direitos e conduzi-los de modo que a desigualdade estrutural acaba por ampliar os efeitos do vírus dentro das prisões (WERMUTH, 2017WERMUTH, M. A. D. O conceito de biopolítica em Michel Foucault: notas sobre um canteiro arqueológico inacabado. Empório do Direito, 2017. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-conceito-de-biopolitica-em-michel-foucault-notas-sobre-um-canteiro-arqueologico-inacabado. Acesso em: 29 nov. 2022.
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), “ao ponto que a biopolítica do viver não contempla os mais vulneráveis, estes são deixados para morrer” (SILVA; SILVA, 2020, pSILVA, E. A.; SILVA, M. M. O Brasil frente à pandemia de COVID-19: da bio à necropolítica. Confluências: Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 22, n. 2, p. 361-383, 2020.. 37). Em suma, o biopoder legitima o Estado a exercer seu poder de morte sob o manto da proteção à população.

Sendo assim, o principal objetivo deste estudo é refletir sobre a biopolítica, biopoder e necropolítica nas prisões femininas do estado do Amazonas e como este conceito foi aguçado na crise de saúde pública causada pela pandemia de Covid-19.

Tratando-se de uma pesquisa de cunho exploratório, através de uma abordagem qualitativa, tomamos o uso de uma revisão de literatura que segundo Kitchenham e Chartes (2007), é um estudo balizado em um processo de pesquisa metodologicamente bem definido, cujo objetivo é encontrar o maior número possível de estudos primários que apresentem pertinência a questão da pesquisa. As fontes secundárias tais como obras completas e/ou capítulos, artigos, documentos, jornais e sites oficiais contendo informações relevantes para o alcance dos objetivos do estudo também tiveram lugar neste estudo (GIL, 2010GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.).

Os resultados foram apresentados em dois tópicos: inicialmente especificamos o que é biopolítica, biopoder e necropolítica; logo após explanamos sobre a Covid-19, uma arma da necropolítica nas prisões femininas do Amazonas. Assim, o olhar investigativo dessa pesquisa se dá em mostrar de que forma determinadas vidas podem ser relativizadas na crise pandêmica do novo coronavírus.

O compromisso ético-político é promover uma reflexão de como determinadas vidas são enquadradas em um contexto de ações e/ou omissões que as marcam para morrer as margens da sociedade. Iamamoto (2001)IAMAMOTO, M. V. A questão social no capitalismo. Temporalis, Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social, Ano 2, n. 3, jan./jul. 2001. Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001. p. 9-32. reforça que o capitalismo contemporâneo explica as consequências destrutivas de um projeto necropolítico no tratamento conferido às expressões da “questão social” através do processo de criminalização da pobreza o qual se caracteriza por meio da penalização estatal, da violência cotidiana, da repressão e do encarceramento que em grande parte ocorre com a população de baixa renda, negra e sem instrução. Ou seja, a produção racializada do “criminoso” fornece uma cobertura legitimadora poderosa para a formação e diferenciação social de populações excedentes, que torna o criminoso uma categoria paradigmática de descartabilidade nas democracias capitalistas liberais.

Biopoder, biopolítica e necropolítica a serviço do necropoder

A Covid-19 está testando o limite da capacidade dos Estados de proteger o direito à saúde da população. O baixo investimento praticado a décadas nos sistemas de saúde, trouxe como resultado o enfraquecimento da capacidade de responder a essa pandemia, tendo como saldo milhares de óbitos que poderiam ser evitados — quatro de cinco mortes por Covid-19 poderiam ter sido evitadas no Brasil (FIOCRUZ, 2021FIOCRUZ. Escola Nacional de Saúde Pública. Informe ENSP. Fiocruz. ‘Radis’ aborda estudos diferentes com idêntica conclusão: a maior parte das mortes por Covid-19 no país poderia ter sido evitada. Jul. 2021. Disponível em: https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/51870. Acesso em: 21 nov. 2022.
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), um momento que demanda uma resposta coordenada das instituições de saúde pública e privada antes nunca vista nessas proporções em escala mundial (TORELLY, 2020TORELLY, F. Os impactos da Covid-19 na transformação do sistema de saúde. Revista VEJA Saúde, abr. 2020. Disponível em: https://saude.abril.com.br/blog/coma-palavra/os-impactos-dacovid-19-na-transformacao-do-sistema-de-saude/. Acesso em: 24 maio 2022.
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).

A Covid-19 ilustrou para muitos países que seus sistemas de saúde são incapazes de resistir a uma prolongada crise de saúde. Assim como, aguçou a percepção do Biopoder, Biopolítica e da Necropolítica no contexto da saúde pública. Mbembe (2016)MBEMBE, A. Necropolítica. Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Tradução de Renata Santini. Rio de Janeiro: n-1 edições, 2016. em sua obra “Necropolítica” aponta que a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade para ditar quem pode viver e quem deve morrer. A pandemia de Covid-19 veio para reafirmar isto.

Para o nosso estudo sobre a Covid-19 e a necropolítica em prisões femininas no estado do Amazonas, a compreensão dos conceitos de biopoder, biopolítica e necropolítica a serviço do necropoder se torna relevante para diagnosticar como as políticas contemporâneas se apresentam para gerir a vida ou permitir a morte.

A definição de biopoder, elaborado por Foucault (2008)FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008., tem duas concepções, a primeira se refere ao anátomo-política do corpo: que consistem em disciplinares encarregados de extrair do corpo humano, mediante ao controle do tempo e do espaço, sua força produtiva no interior das instituições, como, por exemplo: fábricas, asilos, hospitais, escolas, universidades, entre outros locais usados como meio de moldar a conduta do homem. Em outros termos, essas instituições têm o objetivo de gerir o corpo até obter a disciplina dele, consequentemente, o controle do corpo pelo Estado (RABINOW; ROSE 2006RABINOW, P.; ROSE, N. O conceito de biopoder hoje. Revista de Ciências Sociais: Política e Trabalho, n. 24, p. 27-57, 2006.). Em consonância com o concento de Foucault sobre biopoder, Costa (2020)COSTA, R. M. C. B. Implicaciones penales en el control de epidemias. Revista Jurídica del Gredunibe, IX Ed., p. 11-13, ago. 2020. complementa que:

O biopoder se manifesta nos estados modernos com o objetivo de domar corpos e controlar populações e, mais do que isso, permeia a necessidade de manter a segurança. [...] O biopoder permite o controle de populações e nações inteiras. Em uma época em que o poder deve ser justificado racionalmente, o biopoder é usado por sua ênfase na proteção da vida, na regulação do corpo e na proteção de outras tecnologias. Os biopoderes tratarão da gestão da saúde, higiene, alimentação, sexualidade, nascimento, costumes etc., na medida em que se tornem preocupações políticas. (COSTA, 2020, pCOSTA, R. M. C. B. Implicaciones penales en el control de epidemias. Revista Jurídica del Gredunibe, IX Ed., p. 11-13, ago. 2020.. 13).

A segunda definição está relacionada à biopolítica da população: que nada mais é do que a normatizar as massas por meio de saberes técnicos e científicos que permitem gerir taxas de natalidade e mortalidade, epidemias, endemias, pandemias, entre outros, portanto, trata-se de leis e medidas políticas a fim de controlar a massa (FURTADO; CAMILO, 2016FURTADO, R.N.; CAMILO, J.A.O. O conceito de biopoder no pensamento de Michel Foucault. Revista Subjetividades, Fortaleza, v. 16, n. 3, p. 34-44, dez. 2016.).

Na contemporaneidade, o modo de governar se torna fundamentalmente biopolítico, centrado em gerir a vida dos corpos de uma população/sociedade, tanto no seu sentido biológico quanto no capital vital de produção. Portanto, a vida do corpo, espécie humana no coletivo, torna-se alvo de ação política e econômica, determinados por conhecimentos e saberes que os governam, fiscalizam e legitimam, agindo sempre no exercício de regulação da biopolítica.

O conceito de biopolítica é tido, então, como as tecnologias de gestão dos corpos e da vida das populações, que se configuram através de uma integração de técnicas disciplinares, saberes médicos e práticas políticas, que se dispõem de forma sutil. Tais técnicas atuam como mecanismos de assistência social, segurança e saúde de uma população, visando um controle do Estado para com a mesma. (FOUCAULT, 2008, pFOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008.. 32).

Agamben (2007, pAGAMBEN, G. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. 15. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.. 14), realiza uma releitura do conceito de Biopolítica e para o autor “A biopolítica é, nesse sentido, pelo menos tão antiga quanto a exceção soberana. Colocando a vida biológica no centro de seus cálculos, o Estado moderno não faz mais do que reconduzir à luz o vínculo secreto que une o poder à vida nua”. A “vida nua”, reflete uma condição de desamparo, de abandono, destituído de seus direitos de cidadão que leva o indivíduo a viver em “Estado de Exceção”.

A partir desse entendimento, todo biopoder e a biopolítica se convertem em uma necropolítica, na medida em que os regimes de desigualdade determinam essa seleção. O conceito de necropolítica surge com Mbembe (2016)MBEMBE, A. Necropolítica. Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Tradução de Renata Santini. Rio de Janeiro: n-1 edições, 2016., em um ensaio que se propunha discutir de que forma o Estado constrói uma política de exclusão a partir de uma separação e classificação dos seres humanos em segmentos sociais. Santos et al. (2020)SANTOS, H. L. P. C. et al. Necropolítica e reflexões acerca da população negra no contexto da pandemia da COVID-19 no Brasil: uma revisão bibliográfica. Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, p. 4211-4224, 2020. afirma que, para Mbembe, compreender a concepção de necropolítica confirma o entendimento do porquê o Estado age de maneira distinta conforme o grupo social.

Pensar a necropolítica é refletir a forma como o Estado exerce o poder político social e administra a vida e a morte de grupos marginalizados e dessa forma promovem mais opressões efetivando o projeto de genocídio de grupos brasileiros já vulnerabilizados (DINIZ; CARINO, 2020DINIZ, D.; CARINO, G. A necropolítica das epidemias. Opinião. El País Brasil. 9 mar 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-03-09/a-necropolitica-das-epidemias.html. Acesso em: 16 jan. 2022.
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). É importante compreender, que o conceito de necropolítica vem complementar o de biopolítica trabalhado por Foucault, conforme diz Grisoski e Pereira (2020)GRISOSKI, D. C.; PEREIRA, B. C. Da biopolítica à necropolítica: notas sobre as formas de controles sociais contemporâneas. Revista Espaço Acadêmico, v. 20 n. 224, p.199-208. Out, 2020., as duas concepções se relacionam, tanto o biopoder, quanto a necropolítica destacam as formas de controle social.

A biopolítica trata do gerenciamento da vida a partir da tecnologia e vai moldando o comportamento do sujeito. A necropolítica por sua vez, traz a concepção de morte, de forma concreta ou simbólica, em massa, pautada em uma lógica capitalista em que o sujeito, historicamente marginalizado, é visto como insignificante socialmente, apenas uma peça que compõe o sistema capitalista e, portanto, plenamente substituível (GRISOSKI; PEREIRA, 2020GRISOSKI, D. C.; PEREIRA, B. C. Da biopolítica à necropolítica: notas sobre as formas de controles sociais contemporâneas. Revista Espaço Acadêmico, v. 20 n. 224, p.199-208. Out, 2020.).

“O necropoder detém a capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é descartável e quem não é” (MBEMBE, 2016, pMBEMBE, A. Necropolítica. Biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Tradução de Renata Santini. Rio de Janeiro: n-1 edições, 2016.. 135), o Estado detém a legitimidade, bem como a autoridade, para exercer essa definição, pautado no valor atribuído a cada indivíduo. A necropolítica exerce tanto as políticas de administração da vida como também políticas de administração da morte, tratando-se de ações que definem, ao mesmo tempo, o tipo de vida que é administrativamente rentável e por consequência, que deve ser preservada e o tipo de vida que pode e deve ser sacrificável, deixando que seja exposta a morte (FOUCAULT, 1979FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.).

As prisões estão localizadas dentro da ótica do necropoder, para Agamben (2007)AGAMBEN, G. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. 15. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007., dentro das estruturas sociais e históricas fundadas a partir de uma visão necropolítica, as pessoas privadas de liberdade, são consideradas vidas indignas, que não merecem viver e nem o esforço de se ressignificar, precisam ser deixados para morte, morte essa estabelecida através da biopolítica, essa é a configuração moderna do poder do estatal, que é exercido por meio do direito à vida ou a relegação à morte, que são facilmente justificadas pelo crescimento e bem-estar de uma da nação.

Em prisões femininas, às estratégias necropolíticas se intensificam por meio do duplo julgamento (social e jurídico) sofrido pela figura feminina, por romperem com o paradigma de esposa, recatada, mãe de família, e servidora do lar, são abandonadas por suas famílias e relegadas à solidão de uma cela escura, úmida e insalubre, às doenças, violências e condições precárias de higiene, “às quais essas mulheres estão submetidas, são parte do sistema carcerário brasileiro, cujo objetivo é moer esses corpos e vidas” (PASTORAL CARCERÁRIA, 2020, pPASTORAL CARCERÁRIA. Relatório: a pandemia da tortura no cárcere. Pastoral Carcerária Nacional (CNBB), v. 1, n. 2, p. 1-30, 2020. Disponível em: https://carceraria.org.br/combate-e-prevencao-a-tortura/pastoral-carceraria-lanca-relatorio-a-pandemia-da-tortura-no-carcere. Acesso em: 20 fev. 2022.
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. 23).

A pandemia do novo coronavírus, somadas à extrema desassistência e a violência, é mais uma ferramenta de tortura, sobre essas mulheres e seus filhos sem que uma solução de fato seja tomada (PASTORAL CARCERÁRIA, 2020PASTORAL CARCERÁRIA. Relatório: a pandemia da tortura no cárcere. Pastoral Carcerária Nacional (CNBB), v. 1, n. 2, p. 1-30, 2020. Disponível em: https://carceraria.org.br/combate-e-prevencao-a-tortura/pastoral-carceraria-lanca-relatorio-a-pandemia-da-tortura-no-carcere. Acesso em: 20 fev. 2022.
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), e ao tomarmos a necropolítica enquanto um operador analítico dos efeitos mortais materializados pelas atuais políticas de segurança pública no país, entendemos que o total descaso do Estado brasileiro na implementação de medidas efetivas de saúde para com a sua população prisional compõe um fio poderoso de eliminação desses corpos matáveis (PEREIRA; SANTOS, 2020PEREIRA, E. F. M.; SANTOS, L. P. B. População penitenciária necropolítica e a pandemia do novo coronavírus (COVID-19). Revista de Estudos AntiUtilitaristas e Pós-Coloniais: REALIS, v. 10, n. 02, jul./dez. 2020.).

Covid-19: Uma arma da necropolítica nas prisões femininas do Amazonas

Localizar as prisões femininas como esse espaço intrinsecamente adoecedor é fundamental para iniciar uma análise sobre a saúde em tempos de pandemia, visto que, a perda de liberdade, supressão da autonomia e o isolamento, conjuntamente com a reiterada violência e controle estatal, são anteriores ao estado quarentenário e permanecerão após o seu fim. É preciso distinguir a particularidade da realidade das prisões para compreender a vulnerabilidade física e psicológica a que as mulheres em situação de privação de liberdade estão expostas antes mesmo da proliferação da Covid-19 e como esta situação somente se agrava com a pandemia.

Antecedendo a pandemia pelo coronavírus, as prisões femininas já eram extremamente letais. No Relatório com dados de 2017, o Levantamento Nacional de Informação Penitenciária - INFOPEN (2019)INFOPEN. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. INFOPEN Mulheres. Relatório temático sobre mulheres privadas de liberdade - junho de 2017. 2. ed. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública; Departamento Penitenciário Nacional, 2019. identificou que a cada 10 mil mulheres privadas de liberdade, 6,2 entraram em óbito dentro das penitenciárias por motivos estranhos à morte natural (MOREIRA; SILVA; DOTTA, 2020). Ainda segundo o IFOPEN (2019), a taxa de suicídios entre mulheres presas é 48,2 mortes autoprovocada, enquanto entre as mulheres em situação de liberdade este quantitativo é de 2,3 suicídios para cada 100 mil mulheres, isto é, aproximadamente 20 vezes superior.

O Amazonas não se difere do cenário encontrado nacionalmente, as prisões femininas do estado se configuram em um espaço conhecido por amplificar, acelerar e atuar como reservatório de surtos de doenças respiratórias, dermatites, Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) dentre outras enfermidades, e que nas últimas décadas têm apresentado altos registros de mortalidade por doenças infecciosas potencialmente curáveis, como a tuberculose (SÁNCHEZ et al., 2020SÁNCHEZ, A. et al. COVID-19 nas prisões: um desafio impossível para a saúde pública? Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 5, 2020.).

Com a chegada da pandemia pela Covid-19 nos cárceres, o extenso trabalho histórico de necropolítica nas prisões femininas amazonenses entra em evidência. No decorrer das leituras e da pesquisa bibliográfica, observou-se que o projeto de criação e estruturação das prisões femininas do estado do Amazonas, seguiu um parâmetro de abandono e invisibilidade. Os atravessamentos do encarceramento feminino sempre estiveram segmentados pelo necropoder, fazendo-os uma administração das mortes e transformando-as em uma indústria do espetáculo, uma gestão de governo das mortes em vida.

Desde sua criação em 1904, até o ano de 2014, a cadeia pública de Manaus, foi o único estabelecimento penal, destinado a acolher mulheres em situação de cárcere no estado do Amazonas, e em nenhum momento de sua projeção ou construção, foi pensado em abrigar este público-alvo, por esse motivo, toda a estrutura e instalações eram improvisadas e, portanto, inadequadas para as detentas, dadas as especificidades biológicas feminina.

Garantias fundamentais asseguradas pela Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), Constituição Federal (BRASIL. 1988) e instrumentos internacionais dos Direitos Humanos eram inexistentes, tais quais: Serviços e ações de saúde, assistência social, educação, trabalho, além da ausência de produtos de higiene e limpeza, água própria para banho, ou potável para consumo, berçário, espaço adequado para visita intima, lazer, e atividades religiosas entre outras.

O terceiro Mutirão Carcerário realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2013, revela a falta de estrutura da Cadeia Pública que dificultava o tratamento para com os presos em geral, em especificidades com o gênero feminino: “Devido à superlotação as mulheres ficavam fora de suas celas durante todo o dia e só retornavam à noite para dormir, tendo que dividir uma cela projetada para 2 (duas) pessoas, na qual aglomeravam 15 (quinze)” (CNJ, 2013, p. 12), cooperando assim para a proliferação de doenças como tuberculose, dermatoides, herpes, entre outras.

Sem dúvida, a quase secular Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa (CPDRVP) localizada bem no centro da cidade de Manaus, é a unidade que apresenta cenário mais grave e preocupante, tanto na ala masculina como na ala feminina, pois, em ambas, há elevada concentração de internos e alto risco de proliferação de doenças, por conta das deterioradas instalações do prédio (CNJ, 2013, p. 13).

Após 109 anos e diversas recomendações do Conselho Nacional de Justiça, a cadeia pública foi desativada. As mulheres que ali se encontravam, foram transferidas para a ala feminina do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ), que segundo Saraiva & Lima (2018, pSARAIVA, E. H.; LIMA. N. A. de. Mulheres no crime: uma análise socioeconômica das detentas do complexo penitenciário Anísio Jobim e do centro de detenção provisória feminino no estado do Amazonas. Revista: GÊNERO, v. 19, n. 1, p. 45-67, 2018. Disponível em: https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/download/31291/18380/106566. Acesso em: 05 dez. 2022.
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. 63), “o COMPAJ é um presídio de regime fechado para homens, possui construção antiga, da qual foram cedidas e adaptadas duas alas para as mulheres [...] tais estruturas e instalações improvisadas são inadequadas para as detentas, e violam direitos fundamentais.

Por fim, o primeiro estabelecimento penal exclusivo para o público feminino foi entregue em agosto de 2014. O Centro de Detenção Feminino (CDF), que em 2021 foi renomeado para Penitenciária Feminina, com capacidade para 182 presas, foi inaugurado com superlotação com 334 presas (PASTORAL CARCERARIA, 2014PASTORAL CARCERÁRIA. Manaus: presídio feminino será aberto já com superlotação. Pastoral Carcerária Nacional (CNBB). 2014. Disponível em: https://carceraria.org.br/noticias/manaus-presidio-feminino-sera-aberto-ja-com-superlotacao. Acesso em: 02 nov. 2022.
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), pois embora a população prisional feminina tenha aumentado dramaticamente nos últimos anos, o número de vagas nas prisões não tem acompanhado esse crescimento.

É diante desse cenário, de tentativa de consolidação da unidade prisional exclusivamente femininas na cidade de Manaus, que em 2020 o novo coronavírus é impetrado nos estabelecimentos penais do estado do Amazonas, causando preocupação e pânico não somente nas Mulheres Privadas de Liberdade, mas em seus familiares e nos agentes prisionais que vivem essa realidade diariamente.

As recomendações dadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a mitigação do vírus, preconizam vacinação em massa, distanciamento social, reforço nos procedimentos de higiene e soltura de Pessoas Privadas de Liberdade que possuem comorbidades (OMS, 2020). Entretanto, as medidas imediatas tomadas pelo governo do estado do Amazonas, foram: as suspensões de visitas familiares, regressão de regime para pessoas privadas de liberdade (PPL) que cumpriam sua pena em regime semiaberto e a sugestão do uso de contêineres para isolar PPL que testaram positivo para a Covid-19 (AGÊNCIA BRASIL, 2020AGÊNCIA BRASIL. Notícias Agência Brasil. Covid-19: Depen sugere contêineres para separar presos com sintomas. Brasília, DF. 2020. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-04/covid-19-depen-sugere-conteineres-para-separar-presos-com-sintomas Acesso em: 05 ago. 2021.
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) de forma que todas as medidas tomadas sinalizam para um enrijecimento do cumprimento da pena.

Ao passo que medidas mais severas são adotadas em um contexto de restrições já impostas, as novas limitações causadas pela pandemia podem ser consideradas extremamente punitivas, que vão desde a suspensão da visitação — de familiares, advogados, representantes religiosos — à suspensão das atividades coletivas — e cursos profissionalizantes.

Tais ações imediatas contribuíram para um isolamento ainda mais rigoroso das reclusas, estabelecendo um ambiente favorável ao agravamento de vários problemas psicológicos, irritabilidade, oscilações de humor, angústia, ansiedade, agressividade entre outros. “E essa disseminação de problemas mentais pode causar consequências desastrosas para o ambiente carcerário, desde um surto psicológico até irritabilidade e hostilidade que podem levar a motins e rebeliões” (NEVES, 2021, pNEVES, M. C. P. Os desafios da COVID-19 aos Direitos Humanos. Cad. Ibero Am. Direito Sanit., v. 10, n. 3, p. 66-82, set. 2021.. 68).

Após recomendações iniciais que tenderam para o enrijecimento da pena, foram adotadas medidas de mitigação do vírus nos cárceres. Em âmbito federal, destaca-se a recomendação 062/2020 do CNJ (2020), que propôs aos tribunais a concessão de saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto; a concessão de prisão domiciliar para pessoas com diagnóstico confirmado de Covid-19, e a suspensão temporária do dever de apresentação em juízo para as pessoas em prisão domiciliar.

Outras duas medidas se destacam em âmbito estadual, a primeira se refere à Portaria Interna n. 023/2021, que estabeleceu o procedimento de visitação virtual nas unidades prisionais da Capital através de videochamada ou chamada (caso haja dificuldade na conexão de Internet), com duração de cinco minutos; e a segunda que se refere à Portaria Conjunta n. 24, de 25 de março de 2020, que estabeleceu os procedimentos para a realização de entrevista do preso com o advogado através de vídeo parlatório, sendo limitados a 16 atendimentos por dia, por unidade prisional, com duração de 25 minutos para cada interno (SILVA; MEDEIROS, 2021SILVA, C. C. B.; MEDEIROS, M. S. O Enfrentamento da Pandemia por Covid-19 no Sistema Prisional de Manaus: uma análise das normas jurídicas. Revista Brasileira de Execução Penal, Brasília, v. 2, n. 1, p. 18-201, jan./jun. 2021. Disponível em: https://rbepdepen.depen.gov.br/index.php/RBEP/article/view/319/163. Acesso em: 04 dez. 2022.
https://rbepdepen.depen.gov.br/index.php...
).

Embora tais medidas tenham sido inovadoras da Administração Penitenciária Estadual e reconhecida pelo Alto Comissariado da ONU como exemplo a ser replicada, a vivência nas celas mostra que sua aplicabilidade não alcançou a efetividade desejada. De acordo com o relatório de inspeções dos estabelecimentos penais do estado do Amazonas realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (2022), destaca-se que somente mulheres que não são de Manaus “podem se comunicar com seus familiares através de videoconferência, telefonemas e cartas. Para as mulheres de Manaus, a prática é proibida (Já que foi reestabelecido o retorno das visitas presenciais) e houve muitos relatos, inclusive, de dificuldade de fazer ligações ou enviar cartas para a família” (CNJ, 2022, p. 172). Este tipo de restrição corrobora o abandono familiar e a quebra de vínculos que, de forma geral, já é substancialmente menor que a em unidades masculinas.

Também houve pedidos de maior contato com advogados e Defensoria Pública, “bem como foram encontrados casos que demonstram necessidade premente de atenção, como o de uma pessoa presa provisoriamente há 04 anos” (CNJ, 2022, p. 168).

O rigor em relação às vestimentas permitidas dentro da unidade prisional, também é um fator que contribui para o afastamento familiar, além da obrigatoriedade do termo de guarda para a entrada dos filhos menores, “o que faz com que as mães tenham que passar a guarda dos filhos e, assim, também passam a ter os pedidos de prisão domiciliar negados” (CNJ, 2022, p. 172). Ressalta-se que 61 mulheres presas no CDF possuem filhos de até 12 anos e que potencialmente poderiam ser abarcadas pelo HC 143.641 e Resolução CNJ nº 369/2021 (CNJ, 2021).

Em relação à saúde das mulheres em situação de prisão em Manaus/AM, o CNJ (2022), informa que das 121 mulheres presas, mais da metade da população carcerário do CDF, (66 reclusas) usa remédios controlados para tratamento de sua saúde mental, suas maiores demandas são em relação à depressão, ansiedade, esquizofrenia; ainda há queixas de doenças do colón uterino, HIV e hipertensão arterial, enxaqueca, diabetes, asma e tuberculose, além de “acidente de trabalho devido à ausência de EPI” (CNJ, 2022, p. 167).

Ainda há questões relacionadas às punições físicas e mentais, que vão desde a contenção física, com utilização de algemas nos pés e nas mãos, inclusive nos atendimentos sociais e médicos, a vigilância constante e ostensiva na unidade, realizada por um servidor do sexo masculino que passa pelos pavilhões com cachorros muito próximos às gradas da cela.

Os critérios para liberação de mais ou menos ventiladores para as celas das trabalhadoras ocorrem de acordo com maior ou menor obediência ou colaboração com a administração e os ventiladores das mulheres que cometem falta grave são recolhidos e ficam em sala da administração. Frequentes humilhações no tratamento entre servidores e mulheres presas. As presas são transferidas de cela mais ou menos confortáveis de acordo com critérios subjetivos, como comportamento. Neste sentido, o pavilhão conhecido como “chapão”, que tem sua grade de acesso toda chapeada, proporciona mais sofrimento, uma vez que é menos ventilado, mais escuro e isolado das demais dependências da unidade (CNJ, 2022, p. 173).

Assim como na maioria das prisões brasileiras, no CDF as celas são precárias, quentes, úmidas, possuem mofo nas paredes, acarretando problemas respiratórios, e não possuem acessibilidade nas camas superiores, dificultando o uso por mulheres com problemas nas pernas e idosas. Destaca-se a insalubridade dos banheiros com presença de sanguessugas. É evidente a diferença entre as celas das mulheres que não trabalham e as que não exercem atividade laboral (seja por punição ou por falta de vagas), sendo que para o primeiro grupo é liberada a utilização de aparelhos de televisão e ventiladores trazidos pelos familiares (CNJ, 2022), deixando o segundo grupo relegado ao ócio e ao calor escaldante de Manaus.

Entende-se que a instituição prisional se apresenta enquanto um ambiente adoecedor, onde a política de morte, de deixar morrer, é utilizada legalmente pelo Estado, ao passo que as instâncias públicas estão cientes das lastimáveis condições de aglomeração, insalubridade e precariedade nas condições de saúde físicas e psicológicas que afetam as mulheres sob pena privativa de liberdade, que geram adoecimento e tentativas de suicídio, além do abandono familiar e social as quais são submetidas, sobretudo neste período pandêmico, durante o qual, forçosamente, elas foram duplamente isoladas, silenciadas e expostas ao medo de morrer — seja pela prisão, seja pela Covid-19.

Considerações Finais

Neste artigo apontamos para a intensificação de práticas e estratégias da necropolítica nas prisões femininas do estado do Amazonas durante a crise de saúde pública desencadeada pela Covid-19, período esse que evidenciou o controle do Estado sobre a mortalidade da população e, sobretudo, trouxe à luz as condições degradantes, insalubres e de risco à saúde que estão expostas as mulheres em situação de pena privativa de liberdade no estado.

Mesmo com os avanços nas políticas de saúde e nas políticas de segurança, durante muitos anos, as mulheres presas no estado do Amazonas, foram amontoadas em celas, ignorando suas várias especificidades como, a maternidade, higiene básica, o acesso à saúde e aos direitos humanos, deixando esquecida a questão de gênero, tornando o sistema prisional feminino inadequado para o recebimento delas e consequentemente para a sua recuperação.

Há uma negligência da parte do Estado em considerar a mulher como sujeito de direitos, inerentes à sua condição de pessoa humana. Doenças como HIV, e algumas ISTs se proliferam rapidamente dentro das penitenciárias, é possível perceber que a superpopulação carcerária, a falta de assistência médica e as condições estruturais do sistema penitenciário colocam-se como elementos relevantes na consolidação da necropolítica e no biopoder dentro das prisões.

A desigualdade com que a doença acomete as populações revela diferentes vulnerabilidades no que tange à exposição ao vírus, ao acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, ao atendimento nos serviços de alta complexidade de saúde. Resoluções, normativas e diretrizes foram formuladas no âmbito do Judiciário para mitigar as consequências da pandemia nos cárceres, porém, os infortúnios impregnados nas prisões nos levam a reflexões que ultrapassam a formalidade de qualquer plano de controle: Como cumprir medidas de distanciamento social em celas superpopulosas com alta rotatividade? Como garantir o uso de máscaras de proteção em pessoas abrigadas em celas com altas temperaturas, sem ventilação ou circulação de ar? Como ter cuidados de higiene quando não se é oferecido o básico para tal? Como cuidar da imunidade em um local onde há epidemias de doenças já erradicadas aqui fora?

Questões essas que ao serem refletidas nos colocam frente a frente com a existência e prática da necropolítica efetuada pelo braço forte do Estado para controlar e deixar morrer corpos matáveis, corpos de mulheres negras, pobres e periféricas que são expostas a condições subumanas e degradantes, com o discurso de manutenção da segurança pública e da criminalidade.

Destaca-se aqui a relevância de mais estudos sobre as condições de saúde das mulheres em situação de pena privativa de liberdade nos ambientes prisionais dos estados do norte do país e das demais regiões, sobretudo qualitativos que agreguem entrevistas com este público em questão, trazendo a perspectiva de raça, gênero e necropolítica para ampliar as discussões acerca do tema, pois trata-se de uma minoria nos ambientes prisionais que é negligenciada, ousamos dizer, propositadamente esquecidas para fazer cumprir o conceito da necropolítica.

Agradecimentos

Ao Deus Pai, Filho e Espírito Santo!

As Mulheres Privadas de Liberdade do Amazonas.

Aos nossos familiares e amigos que nos apoiam nesta jornada insana que é a Pós-Graduação!

  • Agência financiadora Não houve agência financiadora.
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participação CAAE: 58821222.5.0000.5240 Número do Parecer: 5.518.339
    Consentimento para publicação Consentido pelos autores.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2022
  • Aceito
    29 Maio 2023
  • Revisado
    04 Jul 2023
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