Acessibilidade / Reportar erro

Água, população rural e políticas de gestão: o caso do vale do Jequitinhonha, Minas Gerais

Water, rural population and administration techniques: the case of Jequitinhonha Valley, Minas Gerais

Resumos

No espaço rural brasileiro coexistem a pequena gestão comunitária e grandes consumidores de água. Nos últimos anos a regulação comunitária do recursos e o grande empreendimento consumidor começaram a se confrontar pela água, forçando uma reflexão sobre a lógica dos usos e dos diálogos entre a aparente irracionalidade das populações rurais e as propostas de desenvolvimento. Este artigo analisa o descompasso entre essas lógicas e perspectivas analisando o caso do alto Jequitinhonha, no Nordeste de Minas Gerais. O artigo inicialmente comenta a recente e crescente emergência da escassez de água; como a escassez tende a resultar em conflito e este em norma, comenta-se a seguir a normatização da escassez - consolidada na legislação brasileira de águas. Em seguida analisa a percepção costumeira de água que vigora nas comunidades rurais do vale do Jequitinhonha mineiro, e, por fim, coloca a norma costumeira face à lei das águas, analisando a ausência dos pequenos consumidores na construção das agências e no exercício da legislação.

água; populações tradicionais; vale do Jequitinhonha


Small community administrations and large consumers of water coexist in the Brazilian rural area. In recent years, community regulation of resources and the large consumer enterprises have entered into confrontation because of water, forcing a reflection upon the logic of the uses and dialogues between the apparent irrationality of rural populations and the development proposals. This article analyzes the lack of synchronization between those logics and perspectives, analyzing the case of high Jequitinhonha, in the Northeast of Minas Gerais. The article initially comments on the recent and growing emergence of water scarcity and how this shortage tends to result in conflict and legislation. Then, the regulation of such shortage is discussed _ which consolidated in the Brazilian water legislation. Following that, the article analyzes the usual water tariffs currently collected in the rural communities of the Jequitinhonha Valley in Minas Gerais, and, finally, it contrasts the usual regulations with the water legislation, analyzing the small consumers' absence in the construction of the agencies and in the exercise of legislation.

water; traditional populations; Jequitinhonha Valley


ARTIGO/ARTICLES

Água, população rural e políticas de gestão: o caso do vale do Jequitinhonha, Minas Gerais

Water, rural population and administration techniques: the case of Jequitinhonha Valley, Minas Gerais

Eduardo Magalhães RibeiroI; Flávia Maria GalizoniII

IEconomista, professor do DAE/Universidade Federal de Lavras, Minas Gerais, Caixa Postal 37, 37.200-000, Lavras, MG. E-mail:eduardo@ribeiros.net

IIAntropóloga, pesquisadora da APPJ, doutoranda no IFCH/Universidade Estadual de Campinas. E-mail: fgalizoni@bol.com.br

RESUMO

No espaço rural brasileiro coexistem a pequena gestão comunitária e grandes consumidores de água. Nos últimos anos a regulação comunitária do recursos e o grande empreendimento consumidor começaram a se confrontar pela água, forçando uma reflexão sobre a lógica dos usos e dos diálogos entre a aparente irracionalidade das populações rurais e as propostas de desenvolvimento. Este artigo analisa o descompasso entre essas lógicas e perspectivas analisando o caso do alto Jequitinhonha, no Nordeste de Minas Gerais. O artigo inicialmente comenta a recente e crescente emergência da escassez de água; como a escassez tende a resultar em conflito e este em norma, comenta-se a seguir a normatização da escassez - consolidada na legislação brasileira de águas. Em seguida analisa a percepção costumeira de água que vigora nas comunidades rurais do vale do Jequitinhonha mineiro, e, por fim, coloca a norma costumeira face à lei das águas, analisando a ausência dos pequenos consumidores na construção das agências e no exercício da legislação.

Palavras-chaves: água, populações tradicionais, vale do Jequitinhonha

ABSTRACT

Small community administrations and large consumers of water coexist in the Brazilian rural area. In recent years, community regulation of resources and the large consumer enterprises have entered into confrontation because of water, forcing a reflection upon the logic of the uses and dialogues between the apparent irrationality of rural populations and the development proposals. This article analyzes the lack of synchronization between those logics and perspectives, analyzing the case of high Jequitinhonha, in the Northeast of Minas Gerais. The article initially comments on the recent and growing emergence of water scarcity and how this shortage tends to result in conflict and legislation. Then, the regulation of such shortage is discussed _ which consolidated in the Brazilian water legislation. Following that, the article analyzes the usual water tariffs currently collected in the rural communities of the Jequitinhonha Valley in Minas Gerais, and, finally, it contrasts the usual regulations with the water legislation, analyzing the small consumers' absence in the construction of the agencies and in the exercise of legislation.

Key Words: water, traditional populations, Jequitinhonha Valley

INTRODUÇÃO

As pesquisas brasileiras recentes que avaliam o desenvolvimento agrário têm revelado que, mesmo tendo ocorrido aplicação de esforços e recursos públicos, grande parte da população rural permaneceu relativamente à margem da produção intensiva e dos mercados. A constatação de que esses resultados têm sido modestos produziu reflexões que propõem desde a incorporação da participação popular na concepção e condução das políticas de desenvolvimento rural, até à sugestão de melhorar a capacidade produtiva dessas populações e incorporá-las aos mercados.

Embora tangenciadas pelas reflexões de pesquisadores, mediadores e agentes de desenvolvimento, as populações rurais permanecem quase que absolutamente desconhecidas para os formuladores de políticas. Nas propostas de desenvolvimento e gestão local elas costumam ser tratadas como objeto passivo, o que as tem levado à desobediência pacífica ou a enfrentamentos e disputas em torno do seus direitos relativos a costumes, terras e recursos.

Dentre os recursos, a água tem sido um campo frequente de pendências. Como é um recurso vital para consecução de projetos de desenvolvimento —para uso urbano, projetos turísticos, irrigação, geração de energia— a priorização do seu uso para fins que limitem os usos múltiplos e costumeiros feitos pelas populações locais quase sempre desemboca em disputas. Na verdade, são conflitos gerados por estes recursos quando já transformados em bens econômicos e mediados por relações mercantis que elidem as concepções tradicionais de domínio e uso.

O espaço rural brasileiro congrega tanto a pequena gestão comunitária quanto os grandes consumidores; nele, a regulação comunitária e o grande empreendimento consumidor começam a se confrontar num embate pela água. Ocorre que boa parte das nascentes d'água localizam-se em terras acidentadas e pouco férteis, onde também se concentram agricultores familiares. Por isso são estes segmentos da população os principais gestores de nascentes e alvos de programas educativos e repressivos de conservação das águas.

Conflitos culturais, políticos e econômicos em torno de água remetem a uma reflexão sobre a lógica dos usos e dos diálogos, as opções que surgem da aparente irracionalidade das populações que se opõem ao desenvolvimento. É o descompasso entre lógicas e perspectivas que este artigo discute.

OBJETIVO E MÉTODO

O objetivo deste artigo é analisar alguns aspectos da relação entre população e recursos hídricos. Investiga a percepção cultural e usos locais da água para compreender de que formas tais costumes dialogam ou conflitam com as normas legais e técnicas propostas pelas agências reguladoras do recurso.

O artigo resulta de pesquisas feitas no período 1999/2002, na região nordeste do estado de Minas Gerais, no alto, médio e baixo Jequitinhonha. Nos diversos municípios foram selecionadas comunidades rurais situadas em distintas microbacias. A partir de reuniões comunitárias nestas microbacias, foram selecionadas famílias que apresentassem diferentes situações em relação à quantidade consumida, distância da fonte e disponibilidade de terra e água.

Em campo foram formadas duplas de pesquisadores, sendo um da universidade e outro do município, originário de organizações parceiras —ong, associação, sindicato de trabalhadores rurais.1 1 Os autores agradecem às lições recebidas dos técnicos da ong CAV de Turmalina - João Antônio Gonçalves, José Murilo Alves e Stefan Kramer - e dos lavradores que participaram da pesquisa: José Maria de Azevedo, José Mateus de Andrade, Domingos J. da Cruz, Maria Augusta de Azevedo, Luís Pereira, Geraldo Magela, José Geraldo Silva, Eva Aniceto, Ana Maria de Azevedo, Geraldino Francisco, Andréia Moreira e Valdemar Gonçalves; agradecem a Decanor Nunes, Adão Pereira, Dete Maria e Ana L. Santos, de Jequitinhonha, dirigentes da Cáritas Diocesana; e agradecem ainda a Evina Teixeira, da ong Itavale, Antônio Sirqueira e diretores do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Medina. As duplas de pesquisadores entrosavam-se a partir de suas distintas áreas de conhecimento e entrevistavam de três a quatro famílias em cada comunidade, usando um roteiro de questões sobre usos, regulações, conflitos e preceitos relacionados à água. Em cada localidade, acabadas as entrevistas, realizava-se uma reunião com os moradores, onde eram debatidos os mesmos temas abordados de forma privativa com a família. Ao fim do dia de entrevistas individuais e dinâmicas de reuniões com as comunidades, os pesquisadores debatiam observações e dados coletados.

A técnica de entrevista familiar/debate comunitário/reflexão coletiva contribuiu para aproximar gradativamente os pesquisadores da percepção de água existente nas comunidades. Mas serviu também para proporcionar aos pesquisados retorno quase imediato dos resultados da pesquisa e uma oportunidade para refletir coletivamente sobre seus problemas relacionados à água, às fontes, à conservação dos recursos. Esses momentos também foram parte da investigação: no comunitário as percepções das famílias ganhavam nova dimensão e observações privadas recebiam ratificação e detalhamento; percebia-se que, antes de tratar-se de um bem poluído ou escasso, encontrava-se diante de uma cultura alicerçada em história e trajetórias comuns.

Estas rodadas de pesquisa foram realizadas em Turmalina e Veredinha, municípios do alto Jequitinhonha; Medina, município do médio Jequitinhonha; Joaíma, Monte Formoso e Jequitinhonha, no baixo rio. Foram pesquisadas, além da bacia e leito do rio Jequitinhonha, as subacias dos rios Araçuaí, Fanado, Itamarandiba, São Pedro, Preto e São Miguel. Ao todo, no período 1999/2002 foram pesquisadas 22 comunidades e entrevistadas 188 famílias rurais.

O rio Jequitinhonha, no percurso da serra do Espinhaço até o litoral sul baiano, atravessa área extensa no nordeste mineiro e recebe várias denominações regionais —dadas pelo IBGE, governo do estado ou população local. Neste artigo, optou-se por dividir o Jequitinhonha mineiro segundo uma classificação corriqueira. Primeiro o Alto Jequitinhonha, onde predomina o cerrado, baseado em unidades familiares na agricultura, posse da terra pulverizada, baixo dinamismo econômico, migrações sazonais e definitivas (GALIZONI, 2000). O Médio e Baixo Jequitinhonha são áreas de matas secas e atlântica, respectivamente; do ponto de vista social e cultural são marcados pelas fazendas de gado, que circunscrevem as comunidades rurais e às vezes conservam internamente redutos camponeses, os agregados —trabalhadores que possuem produção autônoma dentro da fazenda (RIBEIRO, 1997). Periodicamente o vale do Jequitinhonha mineiro é assolado por secas.

Como o objetivo do estudo não era quantificar escassez ou abundância do recurso, não houve preocupação com análise estatística. Buscava-se compreender percepções e atitudes, informações fundamentalmente qualitativas.

Quanto ao método, duas observações ainda precisam ser feitas.

Em primeiro lugar, o conceito de microbacia hidrográfica foi importante, mas não central, neste estudo. A microbacia é unidade relevante, mas seu uso nesta pesquisa trouxe poucas recompensas, porque envolvia outras interveniências que muitas vezes eram maiores que ela (culturais, econômicas), e isso converteria este conceito em limitante ao estudo. Paralelamente à microbacia buscava-se compreender a interseção das relações sociais e naturais daquelas comunidades, e isso, em muitos lugares, exigia ainda considerar as mediações políticas que permeiam situações de escassez ou conflito.2 2 PAULA (1997: 258), observa que as bacias hidrográficas não podem ser sobrepostas às sociedades envolventes; elas devem ser consideradas ''sistemas multiníveis'', interativos.

A segunda observação diz respeito à apreensão das idéias e sentimentos associados aos recursos hídricos. Como água é um bem de uso cotidiano —como o ar, a comida, a roupa— a reflexão sobre ela é muito difusa, e as pessoas a percebem apenas tangencialmente: carregam-na incorporada à cultura e à vida. Neste sentido, a uma primeira vista, são imperceptíveis os aspectos culturais e econômicos associados a ela; eles tendem a fazer parte de uma ''segunda natureza'' das pessoas, que se manifesta tão corriqueiramente que escapa nas entrelinhas da conversa entre pesquisados e pesquisadores. Mesmo nas situações de escassez, a água dificilmente ganha destaque, pois quando a ausência é frequente ela se incorpora às rotinas e às práticas. Por isto na pesquisa buscou-se, mais que analisar a escassez, perceber os costumes dos usuários; na descrição dos costumes, o lugar da água sobressaía quase ''naturalmente'', embutindo, limitando ou recriando atitudes em relação ao recurso.

Nas páginas seguintes, o artigo analisa inicialmente a recente e crescente emergência da escassez de água; como a escassez tende a resultar em conflito e este em norma, comenta-se a seguir a normatização da escassez, consolidada na legislação brasileira de águas. Em seguida analisa a percepção costumeira de água que vigora nas comunidades rurais do vale do Jequitinhonha mineiro, e, por fim, coloca a norma costumeira face à lei, analisando a ausência dos pequenos consumidores na construção das agências e no exercício da legislação.

POPULAÇÃO E RECURSOS

Durante muito tempo na história brasileira os recursos naturais —entre eles a água— foram considerados ilimitados. Fazia parte da concepção do colono acreditar que os trópicos eram inesgotáveis, e portanto podiam ser explorados sem restrições. Esta concepção marcou a relação de consumo dos ambientes dos povoadores: extensas áreas de fronteira agrícola, formadas por florestas, campos e bosques, foram usadas durante 500 anos numa combinação de extrativismo e mobilidade espacial (BUARQUE DE HOLANDA, 1957; FREYRE, 1985; DEAN, 1995).

No entanto, nem sempre o uso dos recursos naturais era destituído de critérios e normas. As populações indígenas regulavam o consumo da natureza; algumas nações acreditavam que espíritos zelavam pelo uso regrado dos recursos, perseguindo caçadores por desperdício de carnes de caças e lavradores que não utilizassem com parcimônia os produtos da terra. Este era um, entre muitos, dos preceitos e normas de regulação de recursos usados por estas populações; e, indígenas ou não, quando fixavam-se num local construíam com o tempo normas costumeiras de uso dos bosques coletivos, águas, áreas de caça, extração e plantio. À medida que as populações se ambientavam em determinada região, consolidavam também um conhecimento do meio, seus limites e potencialidades, que implicava em técnicas adaptadas, mudanças em dietas e sistemas produtivos, buscando explorar e poupar o ambiente. Este tem sido um tema caro às pesquisas de ciências agrárias e sociais brasileiras nas últimas décadas (SOARES, 1981; ALMEIDA, 1988; DIEGUES, 1996; HOGAN, 1997; PAULA, 1997; CASTRO, 2000; GALIZONI, 2000; FREIRE, 2001).

Na maioria das vezes as normas de regulação do consumo dos recursos eram de validade apenas local, não formalizadas e, no limite, externalizadas: para manter parte da população fixa numa localidade era necessária a migração periódica de ''excedentes'' populacionais, que iam reproduzir-se na (acreditava-se) ilimitada fronteira agrícola. A partir de meados do século XX o crescimento extensivo de atividades agrícolas, pastoris e extrativas sobre o espaço territorial brasileiro encontrou limites. Crescimento populacional rural, esgotamento de fronteiras agrícolas e expansão urbana começaram a apresentar sinais críticos desde os anos 1950. Foi, então, que operou-se uma intensificação na utilização dos recursos naturais, graças à combinação da urbanização e tecnificação agrícola, marcada nos anos 1970 pelo trinômio trator-defensivo-adubo químico; a urbanização ampliou as demandas por matérias-primas, alimentos, água e energia em grande escala (HOGAN, 1991; MARTINE, 1996; HÉBETE e MOREIRA, 1997; RIBEIRO e GALIZONI, 2000).

Transformações técnicas e demográficas não mudaram atitudes em relação ao consumo dos recursos; houve, até, a generalização de um sentimento privatizador da natureza, que confrontou-se com as normas costumeiras e locais para a apropriação individual dos recursos naturais: há uma vasta crônica relatando a privatização de áreas comuns do cerrado, cercamentos de chapadas (no Sudeste e Centro-Oeste), fundos de pastos (no Nordeste), faxinais (ao Sul) e terras comuns (ao Norte). Em relação à água, a atitude não foi diferente da tradição do colonizador dos sertões brasileiros: aplicou-se o mesmo trato guerreiro —comentado por Gilberto Freyre— dado às feras do mato e aos bichos da noite (FREYRE, 1985; MOURA, 1988; ALMEIDA, 1988; SIGAUD, 1992).

No que respeita à água, o crescimento agrícola e populacional da segunda metade do século XX trouxe duas consequências importantes. Primeira: a expansão agrícola orientou-se fortemente para o Planalto Central, onde localizam-se as nascentes dos principais rios brasileiros. Nesta região os agricultores desflorestaram extensas áreas para implantar cultivos intensivos de grãos e pastagens; estas atividades prejudicaram aquilo que geógrafos denominam ''caixa d'água'' do Brasil. Segunda consequência: a expansão urbano-industrial do país foi baseada na energia hidrelétrica, gerada por barragens, com efeitos prejudiciais à população e ao meio (SIGAUD, 1992; VAINER, 1996; SHIKI, GRAZIANO DA SILVA e ORTEGA, 1997).

A percepção de que os recursos naturais eram finitos começou a manifestar-se no Brasil sob a forma de crises que atingiram atividades agrícolas: falta de chuvas, perdas de safras, quedas de produtividade, migrações do meio rural para povoados, decadência de áreas produtivas. Estas circunstâncias, que mostravam os limites das técnicas agrícolas para produzir com independência do ambiente, estimularam reflexões que cresceram no correr dos anos 1980 e 1990, e a água, mais que outros recursos, tornou-se objeto de atenção.

Sinais de escassez foram percebidos pelas populações rurais. Sendo consumidores que vivem próximos à água que usam, pela redução em número e volume de nascentes e rios, eles notavam que o recurso escasseava. Surgiram desentendimentos sobre águas para irrigação, consumo urbano e empresas hidrelétricas. Em algumas cidades começaram a ocorrer desabastecimentos periódicos e, então, nos fins dos anos 1990, água tornou-se, enfim, um problema (AGROANALYSIS, 1998; RIBEIRO e outros, 2000).

Neste cenário, o Congresso brasileiro, em 1997, normatizou a gestão e conservação de recursos hídricos com uma lei que considera água um recurso vulnerável e finito. A Lei nº 9.433, denominada Lei das Águas —reelaboração do Código das Águas Brasileiro de 1934— possui aspectos positivos, como tornar a água um bem de domínio público, controlar poluição dos mananciais e instituir uma gestão que pressupõe a participação da sociedade civil. Mas ela é repleta de contradições e ambiguidades. Primeira: apesar de instituir uma gestão participativa —por meio dos comitês de bacia hidrográfica formado por representantes dos usuários, sociedade civil e poderes públicos— a Lei esvazia o poder dos comitês ao centralizar, na Agência Nacional das Águas (ANA), a decisão final sobre projetos nas bacias hidrográficas (ORTEGA e TROMBIM, 2000). Segunda: na prática a composição dos Comitês é desigual; um exemplo, entre outros, é a bacia do Paraíba do Sul, onde 40% dos representantes são das empresas usuárias, 35% do poder público e 25% da sociedade civil (DNAEE, 2001). Comitês têm mobilizado mais interesses empresariais, que organizaram-se mais rapidamente em função da necessidade, às vezes imediata, de disciplinar o consumo (AGROANALYSIS, 1998); já na sociedade civil existe fragmentação de relações, interesses e acessos à água. Terceira: famílias e comunidades de lavradores percebem a água como uma dádiva divina e gratuita, que existe sem intervenção do trabalho humano: a água brota, mina, mareja e escorre por vontade de Deus.3 3 A definição desta característica encontrada nas comunidades rurais pesquisadas é muito semelhante à encontrada em KURZ (2002:11): ''Presumivelmente a natureza já existia antes da economia moderna. Por isso a natureza é em si gratuita, não tem preço''. Isto porque a existência da natureza prescinde da, e antecede, a elaboração humana, o trabalho humano. Por isso a água nunca pode ser negada; negá-la ou privatiza-la é apossar-se individualmente de uma dádiva comum a todas as pessoas e viventes, é apropriar-se de um recurso coletivo que indivíduos, famílias e comunidades têm direito de usar. Quarta: a Lei ignora e afronta a gestão comunitária local ao definir água como bem econômico, cuja disponibilidade deve ser autorizada por meio de outorga e pagamento. Isto regula os grandes consumidores. Mas, e quanto aos pequenos consumidores, que vêm a água que têm zelado, gerido e conservado minguar, por ter sido outorgada para outros usos, como ocorre nas disputas entre irrigantes e lavradores, ou entre empresas de energia e atingidos por barragens (CAA, 2001)?

A escassez, propõe a Lei, transforma a água em bem econômico, com preço pelo uso, gerido em última instância pelo Estado; mas ao privilegiar seu valor econômico abre espaço para a privatização e comercialização das fontes de águas (PETRELLA, 2000). Isto vem ocorrendo nos processos de privatização das hidrelétricas, onde grandes reservatórios passam a ser geridos e controlados por empresas (BERMANN, 2001). A lei brasileira é parte de uma tendência mundial de regulação dos recursos hídricos pelo mercado (AGROANALYSIS, 1998; FREIRE, 2001; GESUALDI, 2001; PETRELLA, 2002).

Embora no seu período de vigência a lei pouco tenha influenciado consumo e costumes —raras bacias têm comitê instituído ou negociado— a redefinição das normas legais sobre recursos hídricos estimulou a organização de interesses que envolvem empresas e Estado. O acesso à água tem sido considerado pelas empresas como oportunidade de investimentos e, tendencialmente, a regulamentação pública abriu uma nova perspectiva para pensar negócios associados à água (energia, turismo, pesca) que até então, dada a suposta oferta ilimitada, eram compreendidos apenas como empreendimentos relacionados a determinado ramo de atividade (eletricidade, esporte, lazer) e não vinculados a uma matriz natural e à sua disponibilidade. Mas essa concepção —''águabusiness'', como tem sido denominada— não é única e, talvez, sequer hegemônica. Para populações rurais, como lavradores, comunidades tradicionais, pequenos consumidores, a água é compreendida numa perspectiva diferente.

Muitos autores têm apontado que grupos ou comunidades localizadas de agricultores, adaptados ao meio em que vivem, aos recursos que exploram e à cultura que construíram, são eficientes gestores dos recursos naturais, capazes de criar técnicas sustentáveis de produção e normas eficazes de gerência do meio. Têm sido denominados frequentemente como ''populações tradicionais'', definidas como populações assentadas em territórios delimitados, que exploram recursos comuns, são politicamente subordinadas e possuem forte identidade cultural nacional. Como vivem próximos ao meio que exploram, elaboraram um complexo conhecimento sobre os recursos e sua conservação (ALMEIDA, 1988; DIEGUES, 1996; GALIZONI, 2000; COLCHESTER, 2000).

Embora a denominação seja, muitas vezes, polêmica —pois tradicionalidade ou modernidade são conceitos polissêmicos, passíveis de serem construídos ou descontruídos em diferentes circunstâncias (WOLF, 1976; HOBSBAWN e RANGER, 1984)— tem sido aceita principalmente pela força da própria auto-identificação das populações com o termo. Populações, grupos ou povos tradicionais estão presentes em meios muito diferentes, incorporando-se a eles de acordo com costumes elaborados no correr de anos; são marcados por conhecimentos de técnicas e sistemas de transmissão de saberes próprios, por formas particulares de organização, pela gestão peculiar de terras e recursos. Lutando pela validação de direitos costumeiros, quilombolas, pescadores, coletores de frutos e camponeses da mata e do cerrado têm usado com certa frequência a autodenominação de povos tradicionais (DIEGUES, 1995; PINTON e AUBERTIN, 1997; CASTRO, 2000).

Elaborar e transmitir conhecimentos é uma atividade permanente para estas populações: a produção de alimentos e bens baseia-se fundamentalmente em prática, experimentação e exemplo. Por isso, então, o território e suas formas sociais de apropriação têm para elas enorme importância. Sujeitando a natureza a uma investigação constante, elaboram um conhecimento localizado que, geralmente, as ciências agrárias desprezam. Seus sistemas produtivos costumam ser considerados ineficientes por cientistas e técnicos; no entanto, a insistência em transformá-los em modernos agricultores esbarra em sólidas barreiras culturais, que persistem ao lado dos regimes específicos de apropriação de recursos e terras (ROMEIRO, 1998; GALIZONI, 2000; RIBEIRO, 2001).4 4 Ver sobre este aspecto também BUARQUE DE HOLANDA (1957), CASTALDI (1957), CÂNDIDO (1975), BRANDÃO (1981) e POSEY (1987).

Este é o caso dos lavradores do vale do Jequitinhonha e, no que aqui interessa particularmente, da sua relação com a água.

PERCEPÇÕES DE ÁGUA5 5 Estas pesquisas foram realizadas pela equipe do Programa de Educação Ambiental/PPJ/UF de Lavras, com participação de pesquisadores e estudantes; contatos: ppj@ufla.br.

Nas comunidades rurais do vale do Jequitinhonha, nascentes e pequenos cursos d'água são balizas importantes para a organização social e produtiva. Nascentes servem como referência na sociabilidade e identidade, na delimitação do território e localização da população. Camponeses se orientam espacialmente e às vezes se autonomeiam por morarem em localidades que retiram sua denominação de cursos d'água: Joaquim (da vereda) do Sítio Novo; Zé Mateus (do córrego) do Degredo; Jesus do (ribeirão) Capivari. Eles assentam as moradias perto dos cursos dágua, buscando neles referência para a construção; maior distância da água pode ser o fator para exclusão de herdeiros que a família não quer dotar com terra. Os sítios são demarcados levando em consideração as ''águas vertentes'', isto é, a posição em relação ao destino da água.

De outro lado, nascentes são importantes referências para o sistema de produção, na medida que asseguram o regadio para a horta doméstica, o resfriamento do alambique, o giro da mó, a bebida dos animais. A água é básica para a renda, pois animais e produtos da indústria doméstica, da horta e do regadio são bens de comércio: levados às feiras ou trocados permitem às famílias adquirir bens e garantir parte do dinheiro que auxilia a sobrevivência numa economia de geralmente pouca circulação monetária.

As nascentes são referências para organização do trabalho, pois perto delas ou do curso dágua, quando é possível, são colocados sistemas de captação que facilitam o abastecimento doméstico e a água para horta, regadio e animais. Assim, as famílias sempre procuram dedicar o mínimo de tempo possível à captação do recurso, para não comprometer o cumprimento das tarefas cotidianas.

Nas reuniões comunitárias, nota-se que a população tem crescente sensibilidade para o que pode ser denominado a ''questão da água''. A manifestação mais aguda ocorre com o esgotamento absoluto: em alguns lugares as nascentes, córregos e ribeirões secos obrigaram a população a usar a água dos caminhões-pipas das prefeituras, principalmente no Médio Jequitinhonha. Noutros casos, manifesta-se a escassez quando as nascentes perderam muito em volume, obrigando famílias a fazer rodízio para coletar água dos minadouros; em algumas situações só a coletam a cada 3 dias e apenas para parte do consumo doméstico; nesses casos, não há possibilidade de banho e lavagem de roupas todos os dias. Nesta situação, em algumas comunidades, várias das práticas e sistemas produtivos foram abandonados, o consumo humano passou a ser controlado, em muitos lugares reduziram o número de animais de cria, e famílias foram obrigadas a abandonar o plantio de hortaliças.

É preciso, porém, ressalvar que a escassez nem sempre é generalizada e, tampouco, individualizada. Não é generalizada porque, dadas as diferenças de uso da terra —conservação de recursos, coberturas vegetais e disponibilidade de nascentes— algumas comunidades rurais são privilegiadas em relação a outras e, embora seus moradores manifestem preocupação com a crescente redução da água, sentem-se praticamente à margem de uma crise que percebem crescer. Mas, estando garantidos no curto prazo, nem por isso acreditam estar distantes do assunto: eles desenvolvem uma consciência aguda da finitude dos recursos hídricos, da necessidade da conservação e especulam sobre as origens do problema. De outro lado, a escassez raramente é individualizada porque boa parte dos recursos naturais de muitas comunidades —terra, plantas, frutos, madeira, lenha, minérios e água— são domínios coletivos originados de uma herança comum (GRAZIANO, 1986; GALIZONI, 2000), e esta condição costuma implicar numa abundância ou escassez partilhada ou comunitarizada.

A população rural do Jequitinhonha possui uma série de princípios costumeiros associados à água. Segundo os lavradores ''água é comum, ninguém pode tirar o direito dela; água não tem dono, é do povo, é dos bichos, água é para todo mundo.'' A terra, de acordo com eles, até pode ser divisível e dividida, mas água é um recurso ''público'', é um dom da natureza criado por Deus, sem donos. O destino dela é ''circular por igual'', uma vez que água barrada, impedida de circular, torna-se suja e sem serventia. Repetem assim a lógica do ciclo hidrológico, que renova e purifica a água pela circulação.

A água não é percebida por eles como um bem mercantil, ao contrário dos produtos do trabalho e animais. Água é dom, e embora umas pessoas possam ter mais direitos a ela —aquelas em cujo terreno ela brota— são direitos relativos apenas à dosagem, pontos de captação e prioridade de abastecimento; nunca dão sustentação para negação de água a quem estiver necessitado na comunidade. A acumulação de águas por barramento ou açude privativo pode reverter em dano para quem o constrói: dano qualitativo, pois a serventia da água entancada é reduzida, e a qualidade comprometida deixa no prejuízo quem estocou o dom; dano moral, pela avaliação subjetiva da comunidade, que em algum momento se torna dano material, pelas possibilidades concretas de retaliação futura, que certamente não serão desperdiçadas pelos prejudicados.

Vem dessa necessidade imperativa de circulação do recurso uma noção clara: a escassez não é apenas quantitativa, ela é sobretudo qualitativa, pois depende fundamentalmente do tipo de água —boa ou má água— que as pessoas dispõem e da possibilidade dela circular ou não. Nesse ponto é importante destacar que, mesmo naquelas áreas mais áridas, a avaliação qualitativa é uma referência fundamental para a população rural; mesmo na mais absoluta escassez, as pessoas vão conservar critérios de qualidade e, enquanto for possível, vão hierarquizar as diferentes águas que podem conseguir.

A água, porém, quanto mais cresce em volume mais perde em qualidade, pois vai reunindo impurezas, avolumando-as, de tal forma que água grande —rio, grande barragem, lago— é sempre água suja. As águas dos rios, na medida que crescem em volume, perdem em qualidade: da nascente ao córrego, do córrego para o ribeirão, deste ao rio, enfim ao rio grande, assiste-se a um crescente de sujeira e impropriedade ao consumo, de onde se pode concluir, por fim, que a água dos rios maiores é a mais suja. A água grande reúne muitos resíduos e os transporta, e quanto mais lugares percorre mais impurezas carrega. É uma água sobre a qual nenhum consumidor quer ter primazia e ninguém consegue consumi-la pura; lavradores só vão consumi-la em último caso, na ausência de nascentes e minadouros. São frequentes as reclamações por água exatamente às margens dos rios, e mediadores e agentes de desenvolvimento custam a perceber que é uma reclamação por qualidade da água.6 6 Pesquisando em 2000 num assentamento às margens do rio Jequitinhonha, que corria caudaloso e perene, observou-se que as famílias de lavradores investiram seus recursos coletivos para montar um sistema de captação e distribuição de água com 10 quilômetros de extensão, sujeitando-se à distância e à intermitência mas desprezando a água grande do rio.

Segundo os lavradores, são muitos os usos, e sobretudo os humanos, que prejudicam a água. É o gado que pisa, urina e defeca dentro dela; criações podem morrer perto dágua e as pessoas as empurram rio a dentro; rio acima tem chiqueiro e curral. Mas, também tem pessoas tomando banho e, principalmente, gente lavando roupa: lavagem de roupa muitas vezes aparece como o principal fator de poluição da água, porque reúne a sujeira da roupa àquela do próprio corpo que a vestiu; portanto, usar a água que teve esta serventia é considerado mais abjeto que usar água servida por animais. Por isto as lavagens de roupas são feitas nas águas maiores ou, quando nas águas pequenas, em horas bem determinadas. Voltando à acumulação de água, então, percebe-se que, se as famílias ou a comunidade prenderem água do ribeirão para uso doméstico, estarão cometendo duplo equívoco, porque além de ''cercar'' as impurezas produzidas águas acima, retém a própria sujeira que seus usuários produzem.

Isto não significa que famílias e comunidades recusem-se sempre a usar águas barradas ou grandes. Quer dizer, apenas, que o farão somente quando existem severas restrições de água, tendo consciência da precariedade que é ''prender água'' como solução para consegui-la, porque assim somente disponibilizam um recurso poluído, parado, que é, sempre, um último recurso. Às vezes, bebem e cozinham com águas do rio grande porque não têm alternativa, são as únicas disponíveis: ''- Qualquer roupa veste o nu'', resumem.

Nessas situações de escassez qualitativa e quantitativa, a hierarquia do consumo é fundamental. Assim, se uma água de determinada qualidade que, noutras condições, serviria apenas para consumo animal ou regadio é a única que existe para o consumo doméstico, as utilizações que seriam hierarquizadas ou complementares —uso doméstico / regadio / consumo animal— tornam-se competitivas. O sentimento da escassez é relativo à gama das necessidades de consumo, e a redução da disponibilidade e qualidade da água força comunidade e família a redefinirem hierarquias de consumos, reverem prioridades e a repensarem, a contragosto, a qualificação feita em torno e a partir da água; incluem-se aí as noções de limpeza, salubridade, escassez, conforto e abundância. A falta da água atinge comunidades e famílias de formas diferentes em pontos vitais.

Dado que escassez é, parcialmente, uma noção cultural, o quê seria uma boa água? A qualidade é uma apreciação associada à região, à sensibilidade e à captação. As apreciações de qualidade variam em Minas Gerais: nas bacias dos rios Mucuri e Doce, com córregos e nascentes de águas salobras, as águas maiores e doces são valorizadas; ao Norte e Oeste, a liberdade das águas de vereda leva à valorização de cacimbas e poços exclusivos; no Sul, com muitas nascentes e boas terras há preferência também pelos poços familiares. Mas, no Jequitinhonha, com grotas e boqueirões entremeando chapadas, é do broto da barra do campo —terra ruim que produz água boa—, do olho d'água da grota, puro, privativo e familiar, que nasce a água reconhecidamente boa.

No Jequitinhonha a água boa é reconhecida por todos os lavradores: é a água fina, que colocada na boca tem o sentido leve. Qualidade e sensibilidade são associadas também à captação, pois água fina é conseguida em cacimbas bem localizadas, em brotos, olhos d'água, nascentes preservadas, com bastante mato em volta, ou surge de debaixo de pedras, sempre com o sentido daquilo que é puro e intocado, revelado pela natureza, nascido da terra, renovado. Às vezes, lavradores que dispõem de boas nascentes perto de casa, consomem água limpa colocando canos diretamente nas nascentes, e adquirem minúsculas caixas d'água —suficientes apenas para breve rodeio da água, não para prendê-la— que recebem, reúnem e libertam pelo ladrão a água que vai às hortas, aos animais da casa, ao córrego e, finalmente, ao rio, cumprindo seu destino circular. Nas áreas com abundância de nascentes, a água sequer é estocada para o consumo na moradia, pois as famílias não a querem presa: água é dom; como dom, circula.

As várias hierarquias de usos das águas estão muito relacionadas à disponibilidade de fontes e de suas qualidades. Existe água para beber, água para consumo animal, lavar roupa e regar. Nem todas as águas servem para beber e usar em casa; mesmo se for muito difícil conseguir uma água fina para beber, vão procurá-la; outras águas podem não servir para beber, mas servem para tomar banho. Uma família pode captar água para o consumo mais grosseiro no córrego, regar com água do rio, mas viajar quilômetros para buscar a água de beber e cozinhar. Pode até correr um rio dentro da comunidade e as pessoas reclamarem de escassez, porque sua água não tem as qualidades que apreciam.

ESCASSEZ, COSTUME E MOBILIDADE ESPACIAL

A escassez de água, em princípio, está associada à noção de qualidade e esta à presença ou não de nascentes. Quando nascentes desaparecem, como tem sido frequente nos últimos anos, a falta de água afeta a vida nas comunidades em muitos aspectos. Geralmente as primeiras atividades prejudicadas são regadio e horta, abandonados porque tem que sobrar água para consumo humano. Sem regadio, oferta e consumo de alimentos se modificam. Às vezes não é só a dieta que é prejudicada: também a renda familiar é afetada, porque desaparecem excedentes de alimentos para comércio; no limite, os efeitos de redução de área de hortas vão comprometer até o abastecimento do centro urbano próximo, que não contará mais com aqueles produtos locais e deverá adquiri-los de fora, geralmente da Ceasa de Belo Horizonte. Dessa maneira, agricultores perdem uma fonte importante de renda e ocupação na estação sem chuvas.

Além disso, modificam-se as rotinas de trabalho da família: transformam-se instrumentos, jornadas e forma de trabalhar, uma vez que a mulher vai dedicar maior parte do seu tempo à busca de água em nascentes distantes. Como ocorre muita migração sazonal masculina nestes municípios, principalmente do alto Jequitinhonha, durante a seca, homens migram para cortar cana em São Paulo ou colher café no Sul de Minas e as mulheres são quem mais percebem, oneram-se e têm sua rotina modificada pela escassez de água. Em algumas situações as mulheres fazem os serviços domésticos e, em certos dias da semana, caminham em grupos longas distâncias para lavar roupas, comprometendo as demais atividades do dia. O trabalho feminino torna-se mais árduo, e mais penosa fica a escolha de prioridades de uso que a mulher precisa fazer, porque, como dizem: ''-Água buscada não tem tanto que chegue''. Isso afeta a distribuição do tempo de trabalho e a massa de trabalho total dispendida pela família, que costuma ser planejado e alocado a partir de rotinas estáveis.7 7 Sobre trabalho feminino e seca: FISHER (2000); sobre rotina familiar de trabalho: HEREDIA (1979), GARCIA Jr (1989) e WOORTMANN e WOORTMANN (1997)

É preciso observar que, mesmo nas situações de escassez, as famílias resistem à idéia de armazenar água em caixas para consumo humano. Enquanto têm água corrente não planejam armazenar; quando este recurso vem a faltar, o desejo é tê-la de novo corrente. Em diversas ocasiões em campo, observou-se o precário entusiasmo das comunidades pelo Programa Um Milhão de Cisternas. Nas vezes em que os executores do Programa deixavam a palavra com lavradores, eles ponderavam: o Programa não poderia financiar mangueiras de borracha para captar água corrente? Será que a água da chuva conservará qualidade?8 8 O Programa Um Milhão de Cisternas é uma parceria entre ongs, STRs e governo federal para a região do semi-árido; como são diferentes as condições de oferta de água em diversas regiões do Jequitinhonha, as comunidades também avaliam de forma diferente os benefícios do Programa, que costuma ser muito bem aceito noutras localidades.

O acesso à água corrente e nascente está associado à própria idéia de direito, um direito natural e comum a todos as pessoas. Mas, no limite da escassez não há outro remédio, e a água vem das cisternas de placa, do caminhão-pipa, no lombo do burro. É, porém, um consumo contrariado. Nessas situações as pessoas falam com saudade da nascente que secou, fazem uma autocrítica dos desastres que os homens provocaram na natureza.

Quando a água diminui, é bom ressalvar, uns podem ter mais direito que outros. Isso vem da antiguidade de morada, da localização do ponto de captação, do domínio da terra da nascente ou até mesmo do apadrinhamento ou filiação política. Quando os conflitos eclodem, tendem a envolver mais os parentes que os estranhos, certamente por ser a regulação comunitária também uma regulação familiar, por ser a partilha prioritariamente associada a uma parentela, ou por ser outra forma de expressar um desentendimento familiar associado a outros aspectos da vida em comum.

Também ocorre de, às vezes, a família ter a terra da nascente e regular o uso da água para si e para todos. Nessa situação, não se costuma prender a água, e então quem tem a nascente em seu terreno é levado a usar uma quantidade de água que permita sobrar para aqueles que estão a jusante e a conservar a área de vegetação ciliar para garantir o abastecimento e evitar o conflito na comunidade. Sendo pouca, geralmente a água da nascente é dividida para todos os moradores da comunidade que têm direito. Consumo e distribuição de água, portanto, são normatizados, havendo critérios para usar. Estes resultam de demoradas e espinhosas combinações que as famílias realizaram entre si no correr de suas histórias, até configurar costume e norma.

Mas, se acordos e regulação comunitários são insuficientes para enfrentar a escassez, se seca a nascente que abastece a família, se as pessoas carregam água de distâncias cada vez maiores, elas tenderão a mudar as casas para mais perto dos córregos. Se, por fim, o córrego seca, vão tender a migrar para a vila, e esta é uma das razões para que em algumas regiões os pequenos arruados rurais cresçam. Esta, porém, raramente é uma solução boa para lavradores: as lavouras ficam mais longe, o trabalho cresce, a família é penalizada com um aumento de tarefas para alcançar o mesmo resultado —ir às lavouras, alimentar aos animais, levar almoço à roça. Mas, às vezes não tem jeito e, mudando para o povoado, a água deixa de ser problema de família ou comunidade e torna-se uma questão pública, de governo. Este é um movimento lento de concentração de população, que não ocorre movido apenas e nem sempre pela falta de água: associa-se também ao acesso a uma gama de serviços, como saúde, educação, comércio, aposentadoria. São povoados de população ocupada na agricultura; nestes, encontra-se sempre o poder municipal assumindo tarefas que eram familiares, coletivas ou individuais, superpondo o público ao privado. O povoado vai resolver problemas de educação, transporte, saúde e, geralmente, de água; neste caso, aumenta a variedade de solicitações ao poder público, principalmente aquelas conjuntas, que constituem as mais elementares aspirações de cidadania com possibilidades de se tornarem concretas.

Esta re-espacialização da população constrói uma nova sociabilidade, bastante mediada pelo poder público, com novas cadeias de relações pessoais, formais, mercantis, de produção; mas também com outras atitudes em relação ao que seriam os problemas de água. Ao entregar a decisão sobre qualidade e oferta de água aos poderes públicos que a gerenciam no povoado ou no carro-pipa, os lavradores redefinem alguns dos seus costumes de gestão solidária. Têm dois caminhos nessa encruzilhada. Por um lado podem buscar soluções individuais, pelo apadrinhamento do poder público; certamente estas são soluções mais custosas, mais morosas e menos funcionais que aquelas negociadas nas comunidades. Por outro lado, podem passar a exigir coletivamente qualidade e quantidade, desenvolvendo ações afirmativas para garantir o abastecimento. Nos dois casos a água deixa de ser assunto familiar e torna-se público.

A dimensão e as motivações dessas migrações são imprecisas, porque ocorrem às vezes confundidas num rol de outros assuntos, conforme foi explicado; mas sempre têm como conseqüência tornarem-se problemas do governo local, mediados pela regulação de instâncias ou agências.9 9 A saída do campopor falta dágua é último recurso; lavradores preferem mudar o lugar das casas para perto da água no próprio sítio, antes de ir para a vila. A proliferação de povoados ocorre no Jequitinhonha, mas também no Norte de Minas: pesquisa do CAA (2000) observa o fenômeno, que VEIGA (2001) afirma estar ocorrendo em todo o país, por razões diversas.

CONSUMIDORES, ACORDOS E DESACORDOS

Neste ponto, por fim, é necessário fazer uma reflexão sobre o problema da água e a ação das agências reguladoras. Água no Brasil começa a tornar-se problema; mas, de fato, não é um problema para todos, sequer um problema da mesma importância para todos.

Primeiro: é preciso distinguir situações espaciais diferenciadas. Água já é um problema percebido e manifesto por populações rurais, mas geralmente é um assunto distante para populações urbanas. Em sua grande maioria, aquelas são formadas por consumidores diretos, enquanto a população urbana consome água por meio da empresa que a trata e distribui. Os habitantes do campo têm, também, uma percepção muito objetiva do que está ocorrendo com as fontes de água e os recursos naturais. Enquanto os consumidores urbanos preocupam-se mais com a quantidade de água, os consumidores rurais acrescentam a esta preocupação aquelas relativas à qualidade e aos direitos de uso dos recursos hídricos. Costumam partir de agricultores as manifestações mais claras e exaltadas sobre a catástrofe hídrica que, acreditam, avizinha-se.

Segundo: problemas de água são percebidos de forma diferente de acordo com a renda. Pessoas mais ricas têm mais condições de diversificar e ampliar o próprio acesso à água, pois deslocam-se para áreas menos críticas, criam soluções privadas, seja no campo ou na cidade: no campo, adquirindo e privatizando áreas de nascentes; nas cidades, expandindo reservatórios pessoais. Na maior parte das vezes, resta aos pobres a escassez e a política pública, esta muitas vezes associada ao favor pessoal do governante, que transforma o direito de acesso ao recurso num favor a ser retribuído em votos e lealdade política.

Terceiro: do ponto de vista de qualidade e quantidade, a escassez de água manifesta-se de maneira diferenciada entre regiões. Em alguns locais jamais existiram problemas de abastecimento; noutros, há problemas agudos; enquanto noutros, ainda, há abundância do recurso, mas a qualidade deixa muito a desejar.

Quarto: a escassez de água é percebida diferenciadamente de acordo com a escala do consumo. Os grandes consumidores —hidrelétricas, programas de irrigação, companhias de abastecimento— a compreendem como matéria-prima e negócio, enquanto os pequenos consumidores rurais a percebem como dádiva, bem comum, direito natural. Por isso as negociações entre consumidores de escalas diferentes são geralmente complexas e tortuosas, principalmente porque a perspectiva de mercado dos maiores consumidores tende a ser excludente, contrastando com as noções culturais e locais de uso de água.

Quinto: os comitês de bacia são aparentemente uma oportunidade de gestão democrática. Mas, além de terem tido seus poderes esvaziados na regulamentação da ANA, a representação tende a privilegiar a lógica mercantil, que nunca é a mesma da cultura local. Nos comitês, a retórica da conservação e escassez torna-se uma arma contra o ''agricultor predador''.

Comunidades rurais tendem a perceber a falta de água de forma muito específica, diferente mesmo daquela percepção das agências de regulação. As agências, por pensarem em escalas, concebem sua ação a partir de grandes corpos de águas para elevados consumos (energia, abastecimento urbano, irrigação) e negócios. Já comunidades rurais elaboraram um conceito de qualidade e, a partir dele, uma percepção cultural de escassez, que pode ser ao mesmo tempo qualitativa e quantitativa, porém jamais mercantil. Qualidade tem a ver com classificações culturais, captação e partilha; por isso a prioridade de zelo são pequenas águas, não as grandes. Água grande está, para essa população, fora das dimensões que costumam conceber para a ação humana.

É difícil, então, dada a diversidade das soluções, das características regionais, dos agentes e interesses, encontrar uma perspectiva comum para debater os recursos hídricos. As percepções, manifestações e mobilizações ocorrem em campos diversificados e desconectados, como alteridades. Por isto, também, os diálogos entre concepções, necessidades e ações, e a produção de políticas e normas podem ocorrer em espaços desencontrados.

Na região analisada neste estudo, percebe-se, até o presente, que os principais focos de conflito associados à água vêm das diferenças de escala de uso: grandes consumidores, para geração de energia elétrica e irrigação, têm se mostrado mais agressivos no debate e na regulação da água. Assim, desenha-se uma situação onde a água-negócio tende a ser hegemônica frente à água-dom, pois a primeira não só fundamenta-se na lei das águas como a institui, na medida em que provê e anima os comitês. A segunda concepção, aparentemente, fundamenta-se em dispersos costumes locais. Os comitês de bacias hidrográficas não costituíram-se ainda em espaço de debates e produção de acordos, e pode-se sinceramente duvidar se virão a constituir-se, em vista de diferenças tão radicais de perspectivas. Assiste-se ao desalojamento de populações ribeirinhas na construção de barramentos, ao uso privativo da água para geração de energia, irrigação e abastecimento urbano em detrimento de outros usos, principalmente dos pequenos, costumeiros e localizados usos.

Mas essa exclusão é também uma armadilha, porque, geralmente, as cabeceiras e nascentes localizam-se nas terras de topografia acidentada, altas, menos férteis: não por acaso elas estão em maioria sob o domínio privado de famílias camponesas ou são terras comuns geridas por comunidades. Estas costumam ter um cuidado muito grande com as nascentes, mas nem sempre conseguem defendê-las da necessidade de produzir alimentos; as áreas de plantio, terras mais frescas, localizam-se sempre perto das águas e confundem-se com matas ciliares. Dessa maneira, as fontes de água —tão necessárias aos negócios das empresas e objeto de atuação dos comitês— são reguladas por pobres lavradores, que não dialogam com empresas, nem têm representação ou interesses em comitês que formulam políticas para a conservação das grandes águas e se esquecem dos sujeitos que estão na raiz desse assunto.

As comunidades rurais até procuram conservar nascentes; mas não têm tanto interesse em conservar rios e mata ciliar. Em geral, do seu ponto de vista, pouco adianta se preocupar com rios, barragens e lagos: a água já é suja por si e a sujeira escapa ao seu controle. As propostas de debater e normatizar o uso das águas via comitês de bacias têm encontrado pouca ou nenhuma acolhida nessas comunidades. Diante da diferença de enfoques e perspectivas e do escasseamento crescente do recurso, a melhor opção seria buscar um caminho comum, que incorporasse à dimensão do público, do estatal, do mercado e da cidadania, categorias e práticas usadas nas comunidades. Mas, em geral, para fomentar o conservacionismo nas comunidades, as agências e órgãos públicos têm preferido repressão policial, multas e propaganda conservacionista focada em rios e lagos: todos, valores urbanos.

A ausência do Estado e a presença de empresas negociando recursos hídricos também tornam o acesso, a gestão e a disponibilidade de água uma questão espacialmente diferenciada, pois a regulamentação de conflitos e consumos tende a acontecer com marcadas diferenças territoriais. Depende sempre do empenho de empresas, da capacidade de mobilização das populações, de maior ou menor sensibilidade do poder público local. Assim, delineam-se situações regional ou localmente diferentes, onde direitos ou garantias mínimas de acesso ao recurso nunca estarão assegurados com antecedência. Por isso, em alguns locais, o acesso à água pode até tornar-se tão desigual quanto aquele existente em relação à renda, educação e saúde.

Gestão social das águas centrada em organizações mais aparelhadas (empresas de energia, irrigação ou abastecimento), normatizada por uma legislação, digamos, participativa, e pelo Estado, cria uma armadilha para as prefeituras, pois a escassez para o pequeno consumo acaba por tornar-se um problema exclusivo da municipalidade. É a ela que compete abastecer, urbanizar, transportar, enfim custear a despesa desses lavradores que aglutinam-se em povoados, pois é ao vereador, ao prefeito, ao funcionário que o consumidor-eleitor solicita água. No Jequitinhonha este problema já se configurou.

Por isto, os desprezados espaços de ação comunitária —escolas, sindicatos, comitês de saúde, ongs, grupos de mulheres, associações— poderiam se transformar em vetores de diálogos, onde estas diversas perspectivas poderiam encontrar-se para equacionar de uma forma negociada o problema da água. Ações desenvolvidas por estas organizações, na medida que privilegiam atuações locais e demandas territorializadas, têm servido para fortalecer identidades, valorizar o sentido de se pertencer a um território, que inclui sempre um rio. Podem, assim, apoiar negociações onde diversas perspectivas se encontrem As comissões de atingidos por barragens, com forte atuação local, têm sido espaços exemplares de reflexão sobre estas possibilidades; nelas, o coitado vira sujeito, e às vezes o sujeito se descobre cidadão. Por mais amargo que isto pareça às companhias que se fortaleceram na tradição elitista, monopolista e autoritária, aos excluídos é uma situação que proporciona um gosto fino: tão fino quanto o gosto das águas mais preservadas.

BIBLIOGRAFIA

Recebido em 02/10/2002

Aceito em 05/01/2003

NOTAS

  • AGROANALYSIS, Rio de Janeiro. 18(3), mar. 1998
  • ALMEIDA, A. W. B. de. ''Terra de preto, terra de santo, terra de índio: uso comum e conflito.'' Humanidades Rio de Janeiro, 15, 1988
  • BERMANN, C. ''Hidrelétricas: águas para a vida, não para a morte.'' Tempo e Presença, nş 317, maio e junho de 2001.
  • BRANDÃO, C.R. Plantar, colher, comer. R.J., Graal, 1981.
  • BUARQUE DE HOLANDA, S. Caminhos e fronteiras. RJ, J. Olímpio, 1957
  • CAA/Norte de Minas. Relatório do Programa Recuperação e Manejo de Recursos Hídricos: a participação da sociedade civil em programas de gestão ambiental. Relatório final da sub-bacia do Riachão. Montes Claros, 2000.
  • CÂNDIDO, A. Os parceiros do Rio Bonito S.Paulo, Duas Cidades, 1975.
  • CASTALDI, C. ''A aparição do Demônio no Catulé.'' In QUEIRÓZ, M.I.P. (org.). Estudos de Sociologia e História. S.P., Editora Anhembi, 1957.
  • CASTRO, E. ''Território, biodiversidade e saberes de populações tradicionais.'' In DIEGUES, A.C. (org.) Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. S.P., Hucitec, 2000.
  • CHONCHOL, J. Sistemas agrarios en América Latina: de la etapa prehispánica a la modernización conservadora. Santiago, Fondo de Cultura Económica, 1994.
  • COLCHESTER, M. ''Resgatando a natureza: comunidades tradicionais e áreas protegidas''. In DIEGUES, A.C. (org.) Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. S.P., Hucitec, 2000.
  • DEAN, W. A ferro e fogo. S.P., Cia das Letras, 1995.
  • DIEGUES, A.C. Povos e mares: leituras em sócio-antropologia marítima. S.P., NUPAUB/USP, 1995.
  • DIEGUES, A.C. O mito moderno da natureza intocada S.P., Hucitec, 1996.
  • DNAEE. Diagnóstico e prognóstico do plano de recurso hídrico da bacia do rio Paraíba do Sul, 2001.
  • FISCHER, I.R. ''Redefinição nas relações de gênero na família rural durante a sêca''. R.J. IRSA, Anais, agosto 2000.
  • FREIRE, A. G. Águas do Jequitinhonha Dissertação (mestrado). Lavras. PPGA/UFLA, 2001.
  • FREYRE, G. Nordeste 5a. edição. RJ, José Olympio, 1985.
  • GALIZONI, F.M. A terra construída. Dissertação (mestrado), FFLCH-USP, 2000.
  • GARCIA JR., A. R. O Sul: caminho do roçado. RJ, Paz e Terra, 1989.
  • GESUALDI, F. ''Giù le mani dai servizi pubblici. Il caso dell'acqua privatizzata'' In: CIPSI (org) Acqua bene comune dell'umanità: problemi e prospettive Udine, CeVI, 2001.
  • GRAZIANO, E. A arte de viver na terra: as condições de reprodução camponesa no vale do Jequitinhonha. Dissertação (mestrado), CPGDA/ UFRRJ, Itaguaí, 1986.
  • HÉBETTE, J. & MOREIRA, E.S. ''A marcha do trabalhador rumo à cidadania: domínio da terra e estrutura social no Pará.'' S.P. São Paulo em Perspectiva, 11 (2), abr/jun 1997.
  • HEREDIA, B. M. A morada da vida. R.J., Paz e Terra, 1979.
  • HOBSBAWM, E.J. & RANGER, T. A invenção das tradições. R.J., Paz e Terra, 1984.
  • HOGAN, D. ''Crescimento demográfico e meio ambiente.'' Campinas. Revista Brasileira de Estudos de População. v.8, n. 1/2, jan./dez. 1991.
  • HOGAN, D. Mobilidade populacional e meio ambiente. Campinas. Textos Nepo 33, dezembro de 1997.
  • HOGAN, D.J. & VIEIRA, P.F. Dilemas socioambientais e desenvolvimento sustentável. 2a. edição. Campinas, Edunicamp, 1995.
  • KURZ, R. Modernidade autodevoradora Caderno Mais! FSP, 14/07/2002.
  • LIMA, D.M. ''Equidade, desenvolvimento sustentável e preservação da biodiversidade: algumas questões sobre a parceria ecológica na Amazônia.'' In CASTRO, E. & PINTON, F. (orgs.) Faces do trópico úmido Belém, CEJUP; UFPA/NAEA, 1997.
  • MARTINE, G. (org.) População, meio ambiente e desenvolvimento. Campinas, Editora da Unicamp, 1996.
  • MOURA, M. M. Os deserdados da terra R.J. Bertrand do Brasil, 1988.
  • ORTEGA, A.C. & TROMBIM, M.C. ''Novos mecanismos de regulação dos recursos hídricos brasileiros: um passo à frente e dois atrás na participação da sociedade.'' SOBER Anais do XXXIX Congresso, 2001.
  • PAULA, J.A. (coord.) Biodiversidade, população e economia. B.H.. UFMG/ECMXC/PADCT/CIAMB, 1997.
  • PETRELLA, R. Il pozzo de Antonio: l'acqua in Itália Ferrara, Comitato Italiano per Il Contrato Mondiale dell'Acqua, 2002.
  • PINTON, F. & AUBERTIN, C. ''O extrativismo entre conservação e desenvolvimento.'' IN CASTRO, E. & PINTON, F. (orgs.) Faces do trópico úmido. Belém, CEJUP; UFPA/NAEA, 1997.
  • POSEY, D.A. ''Manejo de florestas secundárias'' In: RIBEIRO, B. Suma Etnológica Brasileira. Volume 1. Etnobiologia. 2ª edição. Petrópolis, Vozes/Finep, 1987.
  • RIBEIRO, E.M. ''Lavouras, ambientes e migrações no Nordeste mineiro.'' S.P. Travessia - Revista do migrante Ano X, número 2, maio/agosto 1997.
  • RIBEIRO, E.M. ''Lavouras, sistemas produtivos e agricultura familiar: uma teoria da roça de coivara.'' Belém. Anais do V Encontro da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção, 2001.
  • RIBEIRO, E.M. & GALIZONI, F.M. ''Sistemas agrários, recursos naturais e migrações no alto Jequitinhonha, Minas Gerais.'' In: TORRES, H. & COSTA, H. (orgs) População e meio ambiente: debates e desafios S.P., Senac, 2000.
  • RIBEIRO, E.M.; GALIZONI, F.M.; DANIEL, L.O.; AYRES, E.C.B.; ROCHA, L.C.D.; GOMES, G.A. ''Práticas, preceitos e problemas associados à escassez da água no vale do Jequitinhonha, Minas Gerais.'' Anais / XII Encontro Nacional de Estudos Populacionais da ABEP. Caxambu, 2000.
  • ROMEIRO, A.R. Meio ambiente e dinâmica de inovações na agricultura São Paulo, Fapesp/AnnaBlume, 1998.
  • SIGAUD, L. ''O caso das grandes barragens.'' Revista Brasileira de Ciências Sociais S.P. 18 (7), fevereiro 1992.
  • SHIKI, S.; GRAZIANO DA SILVA, J.F. & ORTEGA, A.C. Agricultura, meio ambiente e sustentabilidade do cerrado brasileiro. Uberlândia, UFU, 1997.
  • SOARES, L.E. Campesinato: ideologia e política RJ, Zahar, 1981.
  • VAINER, C.B. ''População, maio ambiente e conflito social na construção de hidrelétricas.'' In: MARTINE, G. (org) População, meio ambiente e desenvolvimento: verdades e contradições. 2a. edição. Campinas, Editora da Unicamp, 1996.
  • VEIGA, J.E. O Brasil rural precisa de uma estratégia de desenvolvimento. Brasília, NEAD, 2001.
  • WOLF, E. Sociedades camponesas. Segunda Edição. RJ, Zahar Editores, 1976.
  • WOORTMANN, E. F. & WOORTMANN, K. O trabalho da terra: a lógica e a simbólica da lavoura camponesa. Brasília, Editora UnB, 1997.
  • 1
    Os autores agradecem às lições recebidas dos técnicos da ong CAV de Turmalina - João Antônio Gonçalves, José Murilo Alves e Stefan Kramer - e dos lavradores que participaram da pesquisa: José Maria de Azevedo, José Mateus de Andrade, Domingos J. da Cruz, Maria Augusta de Azevedo, Luís Pereira, Geraldo Magela, José Geraldo Silva, Eva Aniceto, Ana Maria de Azevedo, Geraldino Francisco, Andréia Moreira e Valdemar Gonçalves; agradecem a Decanor Nunes, Adão Pereira, Dete Maria e Ana L. Santos, de Jequitinhonha, dirigentes da Cáritas Diocesana; e agradecem ainda a Evina Teixeira, da ong Itavale, Antônio Sirqueira e diretores do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Medina.
  • 2
    PAULA (1997: 258), observa que as bacias hidrográficas não podem ser sobrepostas às sociedades envolventes; elas devem ser consideradas ''sistemas multiníveis'', interativos.
  • 3
    A definição desta característica encontrada nas comunidades rurais pesquisadas é muito semelhante à encontrada em KURZ (2002:11):
    ''Presumivelmente a natureza já existia antes da economia moderna. Por isso a natureza é em si gratuita, não tem preço''. Isto porque a existência da natureza prescinde da, e antecede, a elaboração humana, o trabalho humano.
  • 4
    Ver sobre este aspecto também BUARQUE DE HOLANDA (1957), CASTALDI (1957), CÂNDIDO (1975), BRANDÃO (1981) e POSEY (1987).
  • 5
    Estas pesquisas foram realizadas pela equipe do Programa de Educação Ambiental/PPJ/UF de Lavras, com participação de pesquisadores e estudantes; contatos:
  • 6
    Pesquisando em 2000 num assentamento às margens do rio Jequitinhonha, que corria caudaloso e perene, observou-se que as famílias de lavradores investiram seus recursos coletivos para montar um sistema de captação e distribuição de água com 10 quilômetros de extensão, sujeitando-se à distância e à intermitência mas desprezando a
    água grande do rio.
  • 7
    Sobre trabalho feminino e seca: FISHER (2000); sobre rotina familiar de trabalho: HEREDIA (1979), GARCIA Jr (1989) e WOORTMANN e WOORTMANN (1997)
  • 8
    O Programa
    Um Milhão de Cisternas é uma parceria entre ongs, STRs e governo federal para a região do semi-árido; como são diferentes as condições de oferta de água em diversas regiões do Jequitinhonha, as comunidades também avaliam de forma diferente os benefícios do Programa, que costuma ser muito bem aceito noutras localidades.
  • 9
    A saída do campopor falta dágua é último recurso; lavradores preferem mudar o lugar das casas para perto da água no próprio sítio, antes de ir para a vila. A proliferação de povoados ocorre no Jequitinhonha, mas também no Norte de Minas: pesquisa do CAA (2000) observa o fenômeno, que VEIGA (2001) afirma estar ocorrendo em todo o país, por razões diversas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Dez 2003
    • Data do Fascículo
      2003

    Histórico

    • Recebido
      02 Out 2002
    • Aceito
      05 Jan 2003
    ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revistaambienteesociedade@gmail.com