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Resident peoples and National Parks: social dilemmas and strategies in international conservation

RESENHAS BOOK REVIEWS

Eliana S. J. Creado

Cientista social, mestre em Ciências Sociais pela UFSCar e doutoranda em Ciências Sociais pela Unicamp

Resident Peoples and National Parks: Social Dilemmas and Strategies in International Conservation

Patrick C. West e Steven R. Brechin (eds.).

The University of Arizona Press, Tucson, 1991. 443p.

Apesar do livro organizado por Patrick C. West e Steven Brechin ter mais de uma década desde sua primeira edição, é relativamente pouco conhecido no Brasil. Sua atualidade, entretanto, faz com que valha a pena resenhá-lo, pois nos encontramos em um momento de recrudescimento de posições a cerca do tema de populações residentes em parques, tendo havido um nítido reforço da posição preservacionista estrita, durante a última década.

Premonitoriamente, Patrick C. West na introdução de Resident Peoples and National Parks afirmou - segundo ele, parodiando um grande filósofo - que os conflitos mais pungentes não são aqueles entre o bom e o mau, mas aqueles entre os bons, pois "no conflito entre bom e bom o equilíbrio entre imperativos morais é doloroso e aberto, e sem implicações claras para um curso correto de ação". A questão dos moradores está claramente nessa categoria. A preservação de ecossistemas globais representativos, espécies, diversidade genética, e maravilhas naturais é certamente um objetivo nobre e importante; mas a proteção das culturas humanas locais e as oportunidades para melhorias econômicas através de desenvolvimento econômico rural, em face da pobreza rural, também é um objetivo e um imperativo moral criticamente importantes" (West e Brechin, 1991: xix) (tradução minha).

Todavia, um dos grandes pontos positivos do livro é que West e Brechin não se posicionam simplesmente a favor de que esforços reais sejam feitos para compatibilizar a presença humana com a conservação e com a melhoria de vida das populações rurais mais pobres, nas várias categorias de áreas protegidas. Eles não tomam tal tarefa hercúlea como algo sem ambigüidades e tensões. Mais do que isso, propõem-se a buscar diretrizes para tal, sem deixarem de pontuar os vários dilemas morais e conservacionistas envolvidos. Na introdução, inclusive, West descreve que a idéia da obra surgiu de suas preocupações e vivências como ator da área da conservação, enquanto membro do International Seminar on National Parks and Equivalent Reserves, fruto de uma parceria entre a University of Michigan, e sua School of Natural Resources (da qual faz parte), e o United States National Park Service, e o Parks Canada (:xvi). O que explica, parcialmente, o linguajar acessível dos capítulos em que West é autor ou co-autor e o caráter pragmático da obra como um todo.

O livro possui vinte e nove capítulos, agregados em sete partes temáticas, a saber: (1) Conceptual Overview, contendo a introdução e o capítulo em que Brechin e West, juntamente com David Harmon e Kurt Kutay, esmiúçam os conceitos utilizados no livro; (2) Historical and Institutional Context, com dois capítulos, entre eles, o artigo de David Harmon, sobre o modelo de conservação da Grã Bretanha, que não exclui a presença humana, e possui uma porção mínima das terras das áreas protegidas sob o controle estatal; (3) Displacement of People from Parks, com três capítulos, o primeiro deles, The Plight of the Ik, de autoria de John B. Calhoun, que comenta o livro de Colin M. TurnBull, The Mountain People, de 1972, que relata os impactos sócio-culturais negativos sofridos pelos Ik, decorrentes em grande parte da criação do Parque Nacional do Vale Kidepo, em Uganda; (4) Ecodevelopment Based on Sustained Yield Local Resource Utilization, com nove capítulos, trazendo, na sua maioria, estudos de caso com experiências negativas e positivas relativas à exploração de recursos naturais por populações locais em áreas protegidas - um dos estudos de caso mais estimulantes está relatado no capítulo 14, de Bruce W. Bunting, Mingma Norbu Sherpa e Michael Right, sobre a Annapurna Conservation Area Project, no Nepal, que tenta coadunar a presença humana, a conservação e os mais variados usos de recursos naturais (entre eles, o turismo), sendo ainda uma experiência de co-gestão entre setor privado e estatal; (5) Nature Preservation and Ecodevelopment: Tourism, na qual há quatro capítulos que discutem a alternativa do turismo, nos seus aspectos positivos e negativos, tanto para a conservação quanto para as populações locais; (6) Planning and Decision Processes in Social Change, com nove capítulos dedicados, mais especificamente, a técnicas de planejamento e gestão de áreas protegidas, com forte enfoque na questão da participação e da co-gestão (sem perder de vista as dificuldades de implementação de ambos); (7) An Integrated Conclusion, na qual consta o capítulo conclusivo da obra, escrito por West e Brechin, em que os autores traçam mais detalhadamente a abordagem por eles proposta.

De modo geral, os estudos de caso comentados no livro enfocam, principalmente, áreas protegidas situadas em países em desenvolvimento, embora também apareçam estudos de caso enfocando outros países e capítulos com considerações mais gerais. A acuidade da organização da obra (o que facilita em muito a sua consulta) aparece na agregação temática dos seus capítulos; e nas introduções redigidas pelos dois editores para cada uma delas, evitando que o livro ganhasse um caráter fragmentário, em função da diversidade de enfoques e de realidades nele abarcadas.

Convém tecer alguns comentários sobre alguns preceitos do modelo de abordagem proposto no livro, contido primordialmente na sua introdução, no primeiro capítulo e na sua conclusão. Um aspecto de extrema relevância, na nossa opinião, é o fato da obra não se ocupar somente de populações tradicionais, o que limita muitas abordagens em torno do tema "populações em áreas protegidas", apesar da obra conter estudos com enfoques mais voltados a tais grupos. Portanto, o conceito de resident peoples utilizado inclui "indivíduos, famílias, e comunidades – "tradicionais" ou "modernos" – que ocupam, residem dentro, ou, então, usam, de modo regular ou repetitivo, um território específico dentro ou em adjacências de uma área protegida estabelecida ou proposta" (:6) (tradução minha). Segundo os quatro autores do primeiro capítulo (Steven R. Brechin, Patrick C. West, David Harmon e Kurt Kutay) o termo define-se, por conseguinte, pelo espaço e não por um rótulo cultural. Nesse capítulo encontramos ainda uma argumentação sobre preservação cultural e desenvolvimento rural, e a defesa em prol de iniciativas bottom-up, para harmonizá-las entre si e com as estratégias conservacionistas. Não encontramos aqui uma postura bipolar: os autores reconhecem haver casos em que as populações moradoras do interior ou das adjacências de áreas protegidas deverão ser removidas e/ou ter o acesso regulado ou proibido a determinados recursos naturais. Entretanto, defendem que medidas desse tipo baseiem-se em estudos prévios e contem com a participação da população no seu planejamento e execução. Evitam assim posturas absolutistas tão correntes, seja nos estudos científicos, seja nas práticas conservacionistas, em que, freqüentemente, encontramos posturas simplistas e incontestáveis sobre o tema.

Já no capítulo conclusivo West e Brechin apresentam alguns dos seus pontos mais polêmicos, mesmo entre setores do conservacionismo mais flexíveis à presença humana em áreas protegidas. Nele rebatem posturas que permitem a presença humana somente no caso em que os grupos permaneçam em um modo de vida primitivista, ou seja, sem lançar mão de tecnologias modernas no uso de recursos naturais e extraindo-os somente para subsistência. A ênfase é no comprometimento dos grupos humanos com os objetivos de conservação, o que exigiria um manejo cuidadoso e acompanhado por pesquisas, de modo a estabelecer limites à exploração e permitir sua sustentabilidade no longo prazo. Para eles, é essencial que as populações recebam apoio de setores da comunidade conservacionista internacional, contra interesses econômicos mais poderosos e até mesmo contra interesses dentro dessa mesma comunidade, em função dos que se posicionam a favor da preservação estrita.

É também na conclusão que os editores assumem claramente o grau em que são favoráveis à presença humana em áreas protegidas, nas suas várias categorias. Deixam claro que muitos dos demais autores do livro não concordam com eles, ao sugerirem que, talvez em muitos casos, dever-se-ia considerar a opção de sacrificar determinados objetivos protecionistas em prol de grupos humanos (:399). Apesar dessa postura ser muito pouco consensual, ela tem a validade de vir acompanhada por um livro muito propositivo e cuidadoso que, sem cair em dogmatismos, fornece-nos, entre outras coisas, parâmetros avaliativos do atual modelo de conservação predominante e das práticas levadas a cabo no trato com as populações moradoras, tanto pelo setor privado como pelo estatal. Possibilita, além disso, o contato com experiências positivas e negativas de outros países do mundo em desenvolvimento. E, sobretudo, se tivermos em mente que os habitats fragmentados são inviáveis em longo prazo, e que o turismo, considerado na legislação brasileira como uso indireto, possui sim impactos diretos sobre os ecossistemas e os grupos humanos, isso significa que, mesmo em unidades de conservação integral, sem moradores, a variável humana é inevitável. O que faz de Resident Peoples and National Parks um livro extremamente útil.

BIBLIOGRAFIA

PRIMACK, RICHARD B.; RODRIGUES, EFRAIM. Biologia da Conservação. Londrina: Efraim Rodrigues, 2001, 328p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 2003
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