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Ecologizando edifícios transnacionais: entre fluxos globais e espaços locais

Greening transnational buildings: in-between global flows and local spaces

Resumos

Este artigo desenvolve uma perspectiva teórico-metodológica para analisar e melhor compreender a atual dinâmica de reestruturação ambiental das cidades metropolitanas, argumentando que com a globalização espaços urbanos transnacionais estão surgindo - incluindo sedes corporativas de empresas e bancos multinacionais, cadeias de hotéis, restaurantes e lojas internacionais, aeroportos, etc. - e estabelecendo uma conexão entre o 'local' e o 'global' dentro de ambientes urbanos. Seguindo a tradição dos estudos sobre modernização ecológica, este artigo explora como a gestão ambiental urbana deixa de ser definida apenas por atores e políticas locais nesses espaços transnacionais, uma vez que atores e políticas emergentes no espaço de fluxos globais também a influenciam. Após conceituar o atual contexto de gestão ambiental urbana à luz dessa interface local-global, exploramos 12 estudos de casos empíricos sobre a interseção entre estratégias ambientais corporativas das empresas ABN-AMRO, ING, Andersen e IBM e políticas ambientais urbanas de três cidades globais: Amsterdã, São Paulo e Beijing. Na conclusão, o artigo aprimora o modelo conceitual proposto sobre a dinâmica das reformas ambientais urbanas e sobre a inadequação de conceituá-las como resultado apenas de processos políticos locais.

globalização; localização; reforma ambiental urbana; políticas ambientais urbanas; estratégias ambientais corporativas


This article develops a theoretic-methodological perspective to analyse and better understand the current dynamics of environmental restructuring in metropolitan cities, arguing that with globalization transnational urban spaces are emerging - such as corporate headquarters of multinational firms and banks, international hotel, restaurant, and shop chains, airports, etc. - and establishing a connection between the 'local' and the 'global' within urban settings. Following the tradition of ecological modernization studies, this article explores how urban environmental management is no longer only defined by local actors and policies in such transnational spaces, to the extent that actors and policies emerging in the global space of flows are also influencing it. After conceptualizing the current context of urban environmental management in view of this local-global interface, we shall explore 12 empirical case studies of the interception between the corporate environmental strategies of the companies ABN AMRO, ING, Andersen and IBM, and the urban environmental policies of three global cities: Amsterdam, São Paulo, and Beijing. The article concludes refining the conceptual model proposed on the dynamics of urban environmental reforms and on the inadequacy of conceptualizing them as the result of local political processes only.

globalization; localization; urban environmental reform; urban environmental policies; corporate environmental strategies


ARTIGOS

Ecologizando edifícios transnacionais: entre fluxos globais e espaços locais

Greening transnational Buildings: In-between global flows and local spaces

Luciana Melchert Saguas PresasI; Arthur P.J. MolII

IDoutora pela Universidade de Wageningen, Holanda. luciana.melchert@terra.com.br

IIProfessor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Wageningen, Holanda. arthur.mol@wur.nl

RESUMO

Este artigo desenvolve uma perspectiva teórico-metodológica para analisar e melhor compreender a atual dinâmica de reestruturação ambiental das cidades metropolitanas, argumentando que com a globalização espaços urbanos transnacionais estão surgindo — incluindo sedes corporativas de empresas e bancos multinacionais, cadeias de hotéis, restaurantes e lojas internacionais, aeroportos, etc. — e estabelecendo uma conexão entre o 'local' e o 'global' dentro de ambientes urbanos. Seguindo a tradição dos estudos sobre modernização ecológica, este artigo explora como a gestão ambiental urbana deixa de ser definida apenas por atores e políticas locais nesses espaços transnacionais, uma vez que atores e políticas emergentes no espaço de fluxos globais também a influenciam.

Após conceituar o atual contexto de gestão ambiental urbana à luz dessa interface local-global, exploramos 12 estudos de casos empíricos sobre a interseção entre estratégias ambientais corporativas das empresas ABN-AMRO, ING, Andersen e IBM e políticas ambientais urbanas de três cidades globais: Amsterdã, São Paulo e Beijing. Na conclusão, o artigo aprimora o modelo conceitual proposto sobre a dinâmica das reformas ambientais urbanas e sobre a inadequação de conceituá-las como resultado apenas de processos políticos locais.

Palavras-chave: globalização, localização, reforma ambiental urbana, políticas ambientais urbanas, estratégias ambientais corporativas.

ABSTRACT

This article develops a theoretic-methodological perspective to analyse and better understand the current dynamics of environmental restructuring in metropolitan cities, arguing that with globalization transnational urban spaces are emerging — such as corporate headquarters of multinational firms and banks, international hotel, restaurant, and shop chains, airports, etc. — and establishing a connection between the 'local' and the 'global' within urban settings. Following the tradition of ecological modernization studies, this article explores how urban environmental management is no longer only defined by local actors and policies in such transnational spaces, to the extent that actors and policies emerging in the global space of flows are also influencing it.

After conceptualizing the current context of urban environmental management in view of this local-global interface, we shall explore 12 empirical case studies of the interception between the corporate environmental strategies of the companies ABN AMRO, ING, Andersen and IBM, and the urban environmental policies of three global cities: Amsterdam, São Paulo, and Beijing. The article concludes refining the conceptual model proposed on the dynamics of urban environmental reforms and on the inadequacy of conceptualizing them as the result of local political processes only.

Keywords: globalization, localization, urban environmental reform, urban environmental policies, corporate environmental strategies.

INTRODUÇÃO

Na era da globalização, espaços transnacionais estão sendo criados em ambientes urbanos, estabelecendo uma relação entre o 'local' e o 'global'. Os edifícios de escritórios de corporações transnacionais são exemplo típico desses espaços, onde fluxos e redes globais encontram atores e instituições locais. Em muitas cidades, enfatiza-se cada vez mais a necessidade de aprimoramento da performance desse tipo de edificação em suas diferentes fases: construção, operação e demolição. O uso de energia, o consumo de água, os materiais de construção, o controle do desperdício, a questão do transporte, as condições relacionadas à qualidade do ar dentro dos prédios e as áreas verdes são alguns dos tópicos relacionados ao meio ambiente que habitualmente aparecem nos debates sobre as iniciativas públicas e privadas na ecologização de edifícios urbanos. A perspectiva dominante sobre a reforma ambiental em espaços urbanos transnacionais e, conseqüentemente, a melhoria ambiental dos edifícios de escritórios das empresas multinacionais, focaliza as políticas locais na articulação dos interesses ambientais e sua incorporação na prática empresarial. Isto é, tradicionalmente considera-se que políticas ambientais locais necessitam 'domar' a dinâmica global de atores e instituições econômicas para fazer com que o meio ambiente seja melhorado no local. Seguindo a tradição dos estudos de modernização ecológica, este artigo diverge desse pressuposto, esclarecendo que a reforma de práticas ambientais é muito mais complexa e inovadora.

Para compreender o processo e a dinâmica social de projetos e tentativas para melhorar a performance ambiental dos escritórios de corporações internacionais, torna-se inadequado focalizar apenas as políticas e programas lançados por agências de planejamento e serviços básicos locais. Da mesma forma, não se deve mais entender a ineficiência quanto ao uso de água e energia, bem como dos materiais de construção, apenas à luz da política econômica e cultural das empresas transnacionais. É na interseção do global e do local, do 'espaço de fluxos' e do 'espaço de lugar' (CASTELLS,1996) — das empresas multinacionais e das instituições globais de um lado, e da infra-estrutura, autoridades e articulações de interesses locais de outro — que se deve entender e analisar a performance e melhoria desses espaços transnacionais.

Este artigo visa desenvolver e aplicar esse modelo interpretativo na reforma ambiental de espaços urbanos transnacionais, pesquisando como os escritórios das empresas multinacionais em diferentes metrópoles estão sendo gerenciados e melhorados ambientalmente. Com efeito, estamos menos preocupados com a quantificação da melhoria das condições ambientais dos prédios do que com o desenvolvimento, a compreensão e a conceituação dos mecanismos e dinâmicas que propiciam essa reestruturação ambiental. Após detalharmos o modelo conceitual acima mencionado, transcendendo a dicotomia 'estado versus mercado' ou 'global versus local', investigaremos 12 estudos de caso de interseção entre estratégias ambientais corporativas (das empresas ABN-AMRO, ING, Andersen e IBM) e políticas ambientais urbanas (de Amsterdã, São Paulo e Pequim) para compreender, de uma forma qualitativa, a dinâmica atual da mudança ambiental metropolitana. Subseqüentemente, refinaremos nosso modelo original à luz das conclusões alcançadas sobre a complexa dinâmica das reformas ambientais urbanas e sobre a inadequação de conceituá-las simplesmente como processos políticos locais.

CONCEITUAÇÃO DE REFORMA AMBIENTAL EM ESPAÇOS URBANOS TRANSNACIONAIS

As cidades são tradicionalmente analisadas como espaços urbanos contíguos submetidos às suas próprias atividades e problemas. No entanto, durante as duas últimas décadas, vários teóricos urbanos começaram a incluir no estudo das cidades a dinâmica da globalização, afirmando que para entender a complexidade urbana é necessário incluir um espaço social mais abrangente. Ao reconhecerem o papel crucial da globalização na transformação do espaço urbano, tais teóricos trouxeram à tona pelo menos três correntes de pensamento: a cidade pós-moderna (HARVEY, 1989), a cidade global (FRIEDMANN, 1986; SASSEN, 2001; 1994) e a cidade informal (CASTELLS, 1996). Embora essas correntes analisem a relação entre globalização e transformação urbana, a interpretação do fator global-local na interação dos atores difere-se: Por um lado, Friedmann e Sassen enfatizam a funcionalidade do capitalismo global visto 'de cima', isto é, representando o 'global' como veículo de fluxos dinâmicos e forças econômicas, enquanto o 'local' é entendido como o lugar de assimilação de tais forças. Harvey e Castells dão mais ênfase às respostas locais que emergem em cidades globais, definindo o 'local' como 'espaço político' onde são desencadeados movimentos sociais de reação e resistência1 1 . HARVEY e CASTELLS, apesar de terem muitos pontos em comum, divergem quanto ao poder que esses movimentos exercem. Para HARVEY, a globalização econômica está desencadeando ações sociais desordenadas incapazes de desenvolver força política transnacional coordenada que possa fazer frente às desvantagens da modernidade globalizada, um impasse. CASTELLS por sua vez, considera que localismos são de fato uma forma viável de resistência à hegemonia capitalista. .

Ao analisar esse argumento mais profundamente, Castells desenvolveu uma teoria sobre dois 'espaços' de ação social transformando a cidade de modo geral. De acordo com sua teoria, o espaço urbano na era da informatização não é mais delimitado à contigüidade física do lugar como era no passado. Com efeito, os centros urbanos constituem-se de dois espaços: o 'espaço de fluxos' e o 'espaço de lugar(es)'. O primeiro diz respeito à troca intensa de capital, informação, tecnologia, imagem, etc. e origina-se no global, tornando-se a 'expressão dos processos que dominam nossa vida econômica, política e simbolicamente'. O 'espaço de lugar' considera a experiência urbana como uma experiência local, na medida em que pessoas vivem dentro da contigüidade física de um lugar com sua identidade ou diversidade histórica ou outras formas de interação social. (CASTELLS, 1996).

A teoria do espaço de fluxos e espaço de lugares de Castells tem sido discutida em termos de 'glocalização', geralmente sob ponto de vista mais cultural (cf. ROBERTSON, 1991; 1992). Recentemente, a obra do sociólogo urbano Michael Peter Smith (2001), nessa mesma perspectiva, ressaltou o 'transnacionalismo de baixo para cima' que se desenvolve paralelamente àquele 'de cima para baixo'. Em sua observação das construções locais que aparecem em resposta à globalização, Smith examina como essas construções podem conectar-se através das localidades, criando também espaços sociais transnacionais. Desta forma, sugere que a cidade seja entendida como um cruzamento de relações sociais locais, nacionais e transnacionais — nós de inúmeras conexões, de cima para baixo e de baixo para cima, mantidos tanto por oportunidades sócio-econômicas como por meios avançados de comunicação. Smith classifica essas inúmeras conexões de 'urbanismo transnacional'.

Essas perspectivas ajudam-nos a desenvolver uma compreensão conceitual sobre a reestruturação ambiental de edifícios de escritórios das empresas multinacionais localizados nas grandes metrópoles entre dois 'espaços'. O primeiro é o espaço global da ação social, 'espaço de fluxos', ou seja: as práticas das empresas multinacionais e instituições transnacionais, promovendo inovações ambientais em edifícios de escritórios em diferentes cidades. Chamaremos esse espaço da ação social de 'gestão global de fluxos ambientais', uma vez que diz respeito às instituições globais, às redes e aos atores que constituem a infra-estrutura social para a gestão de fluxos ambientais. A dinâmica ambiental nos espaços de fluxos envolve as seguintes questões: como são tomadas decisões corporativas referentes às premissas de empresas multinacionais em diferentes cidades; quais são as técnicas ambientais inovadoras geradas e aplicadas pelas multinacionais; como são transferidas as abordagens (ambientais) gerenciais ou tecnológicas entre as filiais das multinacionais; em que nível administrativo são tomadas iniciativas (local ou global) e como são financiadas as tecnologias ambientais? Chamaremos o outro local da ação social, o 'espaço de lugar' (CASTELLS, 1996), de 'gestão local de fluxos ambientais'. É aí que práticas, instituições e redes locais envolvem as administrações municipais, os provedores de serviços públicos, as autoridades em planejamento e outros atores voltados para o aspecto local, viabilizando e pressionando o uso mais racional dos fluxos ambientais. Quais são os critérios ambientais e em que nível administrativo se articulam; quais são os atores institucionais que os executam e com que rigor; qual é a estratégia local adotada frente às multinacionais; qual é o estilo político dominante e quais são as condições locais (físicas e sociais) que co-determinam as ações no espaço de lugar?

A essência dessa dinâmica — que se manifesta nos edifícios de escritórios das cidades metropolitanas — é visualizada no modelo conceitual (Figura 1). O modelo demonstra que a ecologização de edifícios de escritórios depende desses dois espaços de gestão ambiental. À medida que práticas gerenciais locais e globais 'fundem-se' no espaço urbano, surge a questão de como esses grupos de atores e instituições interagem e interferem nas reformas ambientais dos diferentes nódulos urbanos. Como o espaço de fluxos encontra-se com o espaço de lugar; como políticas específicas ambientais de empresas multinacionais adéquam-se às circunstâncias e dinâmicas locais e como o espaço de lugar facilita ou impede a implementação dos sistemas de gestão ambiental do espaço de fluxos? E quais são as conseqüências: há homogeneidade ambiental nos escritórios das multinacionais em diversas cidades globais ou hibridização entre espaços de fluxos locais e globais na reestruturação ambiental urbana; nesse processo, até que ponto as características individuais das empresas fazem alguma diferença? Como iremos demonstrar, é nessa co-relação entre global e local que atualmente desenvolve-se a reforma ambiental dos espaços urbanos transnacionais.


REESTRUTURAÇÃO AMBIENTAL DOS EDIFÍCIOS DE ESCRITÓRIOS DE MULTINACIONAIS

A fim de esclarecer essas questões e ilustrar a utilidade do modelo conceitual acima, esta seção analisa 12 estudos de casos de interseção entre local-global na reforma ambiental dos edifícios de escritórios das multinacionais. Organizamos o material empírico com base em quatro empresas mundialmente importantes — ING, ABM-AMRO, Andersen e IBM. As atividades gerenciais ambientais e conseqüentes reformas nos escritórios dessas empresas foram avaliadas em três locais: Amsterdã, São Paulo e Pequim. Selecionamos intencionalmente as empresas de setores diversos (bancário, consultoria e informática) e em cidades diferentes (quanto à região, à relação estado-mercado e ao nível de desenvolvimento). A pesquisa empírica sobre os aspectos ambientais das instalações dessas multinacionais concentra-se na questão da energia, da água e do desperdício na fase operacional dos edifícios. Os aspectos ambientais e a gestão do projeto, do material de construção e das estratégias de demolição estão além do âmbito de nosso estudo.

Grupo ING em Amsterdã, São Paulo e Pequim

O grupo ING é uma instituição financeira multinacional de origem holandesa que opera em 65 países no setor de bancos, seguros e gerenciamento de ativos. O compromisso do ING com edifícios ambientais remonta ao final dos anos 70 quando se construiu a sede do NMB (hoje ING) em Amsterdã. A iniciativa do banco de construir um edifício ambiental foi praticamente rejeitada pela prefeitura da cidade, pois a companhia de energia daquela época (companhia estatal) não consentiu que o banco empregasse estrutura auto-suficiente em energia, temendo concorrência caso a sistemática fosse adotada em larga escala. Assim sendo, o edifício utiliza 20 por cento de seu consumo total de energia da rede principal.

Apesar de esse edifício ser um marco arquitetônico ambiental (VALE & VALE, 1991), apenas em 1995 definiu-se a política (local) da empresa que abrangia todos seus escritórios, tratando de assuntos como, por exemplo, processos de uso e de desperdício de energia (ING, 2000a / 2000b). Essa pretensão política originou-se inicialmente no incentivo do Ministério da Economia (principal autoridade da Holanda para assuntos de energia) de reduzir o consumo de energia de instalações comerciais em 25 por cento num período de 10 anos, começando em 1996. Essa medida desencadeou, dentro da própria ING, campanha comportamental (Campanha de Conscientização do Uso de Energia) e a instalação de sistemas de monitoramento de energia (Programa de Monitoramento de Energia) que, desenvolvido em conjunto com a Novem2 2 . Novem é a agência holandesa para energia e meio ambiente. , facilitou a leitura dos medidores de energia e conseqüentemente a cobrança das contas pelas empresas privatizadas.

Tendo em vista essas diretrizes, a maioria das conquistas atuais do banco em termos de edificações ambientais relaciona-se ao consumo de energia. Porém, além da preocupação com consumo de energia e despesas decorrentes, o relatório ambiental da empresa também demonstra ligeira redução no consumo de água em suas instalações (ING, 2000b). A construção da sede do NMB nos anos 70, em total conformidade com critérios ambientais e salubres, foi uma exceção para as ambições ambientais do banco, cuja prática não se repetiu. A construção recente da sede do grupo ING na zona sul de Amsterdã, por exemplo, seguiu caminho diferente na conquista da eficiência ambiental, priorizando, na maior parte das vezes, questões relacionadas à energia. Na Holanda, programas governamentais e corporativos visam mais a questão do consumo de energia dos edifícios do que do consumo da água.

O ING também endossou, em 1995, os Princípios Empresariais do ICC (Carta para o Desenvolvimento Sustentável), o mais abrangente código internacional voluntário de conduta, conhecido por seu código geral de conduta ambiental. Segundo o chefe do departamento que trata das questões públicas, essa medida foi tomada principalmente para aumentar a credibilidade internacional do banco e, desta forma, facilitar seu acesso aos mercados internacionais. Por fim, em 1999, o banco introduziu a estrutura de gestão ambiental global (cf. ING, 2000b), objetivando padronizar mundialmente os aspectos ambientais das propriedades do grupo como, por exemplo, os relativos a correntes de energia e água, entre outros.

Porém, observando-se os escritórios do ING em São Paulo e em Pequim, constata-se que esses objetivos não foram (ainda) alcançados. Segundo administradores locais, não houve explicitamente preocupação com critérios ambientais durante a fase de tomada de decisões referentes à seleção das instalações nas duas cidades. Além do mais, atualmente não se aplicam critérios ambientais na gestão desses escritórios, desenvolvendo-se apenas algumas atividades gerenciais ambientais, de elementar bom senso, por iniciativa local, isto é, espontânea e voluntariamente. Nem a Campanha de Conscientização de Uso de Energia e nem o Programa de Monitoramento de Energia estão sendo implementados nessas cidades. A única inovação ambiental significante é a implementação do sistema de reciclagem de água no escritório de Pequim, padrão lançado pelo Bureau de Gestão em Recursos Hídricos de Pequim. Em São Paulo, o escritório do ING não apresenta inovação ambiental alguma. Atribui-se essa realidade ao fato de que a rede política ambiental local dispõe apenas de programas incipientes voltados aos edifícios de escritórios, cujo efeito é bastante limitado. No momento presente, tanto em São Paulo como em Pequim, é a administração local da empresa que toma as decisões referentes às questões ambientais do ING e as financia, levando a discrepâncias entre a política corporativa global de um lado e a performance ambiental local de outro.

Nesse sentido, a reestruturação ambiental dos edifícios de escritórios do ING nas três cidades ilustra mais uma diversidade local do que uma homogeneização global de práticas ou estratégias ambientais. Em Amsterdã, a interface entre a gestão local e global dos fluxos ambientais é recíproca. Ambos espaços de ação social têm efeitos sinérgicos, o local cria políticas restritivas e incentivos (incluindo padrões de energia, subsídios, etc.) e o global, com base nesses padrões, responde com estratégias de gestão ambiental, por exemplo, campanhas de conscientização e sistemas de monitoramento de energia. Em São Paulo, ao contrário, o retrato que se tem é oposto ao mencionado. A gestão dos fluxos ambientais conduzidos por atores locais e globais é mutuamente desestimulante, pois, nenhum dos dois consegue incentivar mudanças ambientais efetivas. Desenvolvem-se apenas atividades básicas, contradizendo as declarações ambientais inovadoras do relatório ambiental global da empresa. As políticas urbanas ambientais também são incipientes, oferecendo pouco incentivo e normas para conduta ambiental rígida. A gestão ambiental do ING-São Paulo pode ser definida como um contexto de estagnação. Em Pequim, a reestruturação ambiental do escritório do ING depende de agências e infra-estrutura política local e é exclusivamente voltada para a diminuição do consumo de água e discordante da política ambiental global. A reestruturação do escritório de ING em Pequim dá-se em processo unilateralmente construído, definido, implementado e executado pela localidade.

Podemos concluir, a partir da situação de Amsterdã, que reformas ambientais locais podem também desencadear reformas ambientais no nível do 'espaço de fluxos', com as estratégias globais da empresa, referindo-se também a códigos de conduta transnacionais como, por exemplo, a carta do ICC. Em outras palavras, a performance ambiental que emerge da interseção ING-Amsterdã não está relacionada apenas a atores e instituições locais, mas a estratégias globais da empresa. Porém, em outros nós metropolitanos onde o ING está presente, a expectativa de implementação das políticas ambientais do 'espaço de fluxos', de modo parecido ao de Amsterdã, não se materializa. Pode-se concluir que as atividades gerenciais ambientais nas outras cidades desenvolvem-se principalmente devido a atores e políticas locais, resultando, no final das contas, em debilitadas inovações e performances ambientais.

Andersen em Amsterdã, São Paulo e Pequim

A Arthur Andersen, empresa internacional de contabilidade previamente sediada em Chicago e presente em 85 paises, fundada em 1913, foi incorporada por várias outras firmas de contabilidade após seu envolvimento no escândalo financeiro da Enron em 2002. As instalações da Andersen em Amsterdã, São Paulo e Pequim demonstram que essa empresa não é um modelo significativo de gestão global de fluxos ambientais. As avançadas inovações ambientais introduzidas no edifício que a empresa ocupava na zona sul de Amsterdã foram inicialmente desencadeadas por empreendedores e construtores locais e não pela Andersen propriamente dita. Como era um projeto pioneiro de edifício ambiental, sua construção recebeu apoio do governo holandês através de subsídios, consultorias e demais incentivos. Porém, a empresa não tinha pretensões ambientais específicas, nem em relação ao edifício e nem em relação à gestão ambiental de modo geral e, tudo indica, que ocupou essa sede por acaso. Administradores da Andersen de Amsterdã relatam que, por iniciativa própria, desenvolveram alguns atividades ambientais baseados no senso comum, isto é: baseadas no principio de 'good housekeeping'. Não existem nem documentos nem indicadores políticos quanto a orientação ecológica da construção do edifício, o que comprova que esse caso estudado é exemplo de inovações ambientais unilateralmente concebidas pela localidade. A ausência de gestão ambiental corporativa na Andersen justifica-se pelo fato da companhia considerar-se uma espécie de parceria multinacional e não uma empresa multinacional propriamente dita. Assim sendo, todas unidades são autônomas, inclusive no que diz respeito às questões de gestão ambiental.

Nesse cenário, não é surpresa a constatação da limitação ambiental nos escritórios da Andersen tanto em São Paulo como em Pequim. Nas duas cidades, administradores locais afirmam que a empresa desenvolve práticas simples de gestão ambiental, tendo em vista, a maior parte das vezes, a limpeza do sistema de ar condicionado e a reciclagem de resíduos; decisões tomadas localmente e às custas de orçamentos próprios. A Andersen era apenas locatária dos escritórios que mantinha nas duas cidades e, como tal, alega não ter tido envolvimento algum durante a fase de desenho de tais escritórios, durante a qual diversas decisões quanto à questão ambiental são tomadas. Assim sendo, declara não ser responsável pela escolha de tecnologias relacionadas à energia e à água (embora em São Paulo o edifício tenha passado por grande renovação, durante a qual a empresa não solicitou introdução de nenhuma inovação ambiental específica tampouco). Como no caso ING, a única inovação ambiental ocorrida nas duas cidades em questão foi a introdução do sistema de reciclagem da água em Pequim. Apesar de esse sistema ser um padrão — e rigorosamente exigido pelo Bureau de Gestão em Recursos Hídricos de Pequim, o edifício China World Trade Center, onde se localizava a Andersen, foi um dos edifícios pioneiros a usar esse sistema.

A interface da Andersen nas três cidades deixa pouca dúvida de que a gestão e a performance ambiental dos escritórios da empresa são, independentemente da localização, dependentes da gestão local dos fluxos ambientais, tanto de redes políticas como econômicas. Em Amsterdã, essa gestão materializa-se devido ao poder que as redes políticas e as infra-estruturas locais exercem. Assim sendo, o edifício da Andersen em Amsterdã representava um grande avanço em termos de padrão ambiental. Em Pequim, as redes locais também são decisivas em termos de gestão da água (devido sua escassez); assim, o edifício que a Andersen ocupava nessa cidade tinha um sistema próprio de gestão em água. A principal estratégia ambiental tanto em Amsterdã como em Pequim dependia de padrões definidos e implementados e aplicados unilateralmente por atores e instituições locais, conforme demonstrado. Em São Paulo, a ausência de políticas e defensores mais intransigentes do meio ambiente resulta em nada além de atividades gerenciais ambientais básicas nas instalações da Andersen como, por exemplo, a reciclagem de sobras à semelhança da ING da mesma cidade.

Ao avaliar os casos da Andersen em relação ao nosso modelo conceitual, podemos especificar mais detalhadamente o papel crucial desempenhado pelas autoridades locais em relação às estratégias adotadas para a reforma ambiental dos edifícios de escritórios. As estratégias ambientais que eles utilizam atingem a empresa e os administradores de suas instalações diretamente ou através (dos representantes) das redes locais de infra-estrutura envolvidas na provisão de água, energia e demais serviços básicos, ou através de ambos. Como o caso Amsterdã claramente demonstra, atores locais podem adotar estratégias para estabelecer padrões de referência para atrair atores transnacionais para seus nós locais, por exemplo através de incentivos e subsídios de projetos ambientais. Nesse sentido, atores locais poderiam estender uma espécie de 'tapete verde' para empresas que — atualmente ou em futuro próximo — escolham os nós urbanos da rede global que apresentem alto nível de desempenho ambiental. Assim sendo, a ecologização dos escritórios de uma determinada empresa multinacional pode ser tanto o resultado de políticas ambientais locais acidentais ou ad hoc como o resultado da estratégia empresarial cujo objetivo é escolher um nódulo ecologicamente equipado na rede global das cidades. O caso Andersen indica que o edifício ocupado em Amsterdã deve ser considerado como o resultado da primeira hipótese — ad hoc, acidental.

ABN-AMRO em São Paulo, Amsterdã e Pequim

Após a fusão de dois bancos, ABN e AMRO, em 1991, a holding ABN-AMRO se tornou a principal instituição financeira da Holanda e uma das maiores do mundo, inclusive no gerenciamento de ativos de clientes particulares. Atualmente, presente em 76 países, conta com mais de 100.000 profissionais em seu quadro de funcionários. A instituição endossou em 1992 a Carta Internacional da Câmara do Comércio (ICC). Em 1995, aprovou a política ambiental, que finalmente levou à implementação do primeiro sistema de gestão ambiental, relativa tanto à gestão interna dos edifícios (gestão ambiental de resíduos sólidos, transporte, energia, escritórios e seus ocupantes) como de serviços e produtos financeiros sustentáveis (ABN-AMRO, 2000b). Em 1997, de acordo com o padrão implantado na Holanda em relação ao consumo de energia pelo Ministério da Economia, o banco apresentou um Projeto de Energia para suas instalações na Holanda, consistindo em três componentes: a instalação de monitoramento avançado de energia (contando impulsos de energia a cada 15 minutos para detectar e corrigir anomalias); a introdução de um sistema de gestão de energia (através de aparelhos inteligentes para se ter certeza de que as luzes se apaguem quando não se detecta presença humana); e a redução do uso de energia (investindo em substituição tecnológica). Componente importante em relação a esse projeto é o fato de que o banco dispõe de um fundo de dois milhões de euros a ser aplicado na Holanda anualmente, cujo tempo de retorno do investimento é de cinco anos, sendo uma exceção à política do banco para investimento em projetos de dois anos de amortização.

Até agora, a sede do ABN-AMRO em Amsterdã é considerada a principal realização do Projeto de Energia, uma espécie de projeto piloto com inúmeras inovações ambientais que ultrapassam até as determinações impostas pelo sistema regulador nacional (ABN-AMRO, 2000c). Além do monitoramento e da gestão de energia, constatam-se também modernas tecnologias de aclimatização, com fachadas e coberturas aclimatizadas. A prefeitura de Amsterdã, por sua vez, tem significante contribuição no processo de ecologização do edifício por ter estabelecido métodos ou acordos de cooperação que resultaram na redução do uso de automóveis pelos funcionários uma vez que o edifício ofereceria número limitado de vagas no estacionamento (isso decorreu de um acordo com a autoridade em transportes de Amsterdã que, por sua vez, se comprometeu a melhorar o sistema de transportes públicos). Por outro lado, nem o banco e nem a prefeitura de Amsterdã influenciaram na redução do consumo de água. Nesse sentido, o ABN-AMRO não busca os mesmos objetivos como em relação ao consumo de energia, baseando-se no fato de que a água ainda não é uma questão prioritária na Holanda (ABN-AMRO, 2000c).

No relatório ambiental do banco, consta que a gestão ambiental interna, ao contrário do Projeto de Energia, é mundialmente aplicável (ABN-AMRO, 2000b). Porém, até o presente momento, ao analisar as instalações do banco tanto em São Paulo como em Pequim, nota-se que tal política de homogeneização ainda não é aplicada. O administrador do edifício de São Paulo relata que os procedimentos durante a fase de aquisição e reforma das propriedades do Banco Real, em 1998, diziam respeito, a maior parte das vezes, a elementos decorativos e não havia preocupação com as questões ambientais acima mencionadas. Para administrar e manter o edifício, consideram-se apenas, e por iniciativa própria, atividades ambientais básicas como, por exemplo, a limpeza do sistema de aparelhos de ar condicionado e reciclagem básica de resíduos sólidos. Não há de fato especificação alguma advinda da sede da corporação. Quanto às redes locais de política ambiental, também não existem específicas recomendações que desencadeiem inovações ambientais nos edifícios de escritórios em São Paulo. O edifício do ABN-AMRO comprova a limitação no que diz respeito a esse aspecto. Em Pequim, o banco é locatário de um escritório pequeno, selecionado de acordo com a localização, padrões arquitetônicos e serviços do edifício, sem levar em consideração critérios ambientais. No que concerne à gestão ambiental, existem apenas procedimentos básicos, conforme argumentam os administradores locais: a filial é muito pequena e o orçamento limitado para compensar investimento em longo prazo. A novidade ambiental existente contempla o sistema de reciclagem de água, introduzido segundo prescrições do Bureau de Recursos Hídricos de Pequim e o sistema de economia de energia (inclusive o sistema inteligente de iluminação), introduzido pelo proprietário do edifício através de seu administrador predial. Atualmente, tanto em Pequim como em São Paulo, são os administradores locais que precisam tomar as decisões quanto às estratégias ambientais internas do ABN-AMRO, apesar de os orçamentos terem de ser aprovados pela sede, em Amsterdã. Assim sendo, a ecologização dos escritórios do ABN-AMRO nessas cidades é totalmente dependente de políticas e redes econômicas locais. E, como o Projeto de Energia em vigor na Holanda não se aplica em nível global, a principal discrepância que se pode notar é que projetos voltados para a questão da energia fora da Holanda (possivelmente sugeridos por administradores locais em filiais estrangeiras) terão seu período de retorno financeiro de dois anos (diferente do que ocorre na Holanda, que é de cinco anos), fechando, desta forma, o leque de possibilidades de investimento em tecnologias que são custosas no curto prazo.

Como se pode notar, os escritórios do ABN-AMRO nas três cidades estão desenvolvendo diversos pontos em comum com aqueles dos escritórios do ING nas mesmas cidades na questão da reestruturação ambiental. Demonstra-se que políticas ambientais aplicadas às estratégias de manutenção das empresas desenvolveram-se em nível local, na Holanda, resultante da ativa interação e do apoio mútuo das políticas urbanas locais e nacionais e das estratégias da empresa. Enquanto a empresa mostrava a intenção deliberada para generalizar (parte de) essa experiência local em uma estratégia abrangente a ser aplicada no espaço de fluxos, essa posição pró-ativa não resultou automaticamente em sucesso mundial. Quando atores locais em outros locais da rede mundial não estão dispostos ou capacitados a colocar o 'tapete verde', ou o que quer que seja, o resultado são apenas estratégias parciais e seletivas da reforma ambiental nesses nós urbanos.

IBM em Amsterdã, São Paulo e Pequim

IBM é uma empresa de informática multinacional de origem americana. Emprega atualmente aproximadamente 310.000 pessoas em 100 países e tem entre 30 e 40 por cento de participação no mercado mundial. Entre as empresas analisadas neste estudo, a IBM é pioneira em políticas e estratégias ambientais, que vem sendo introduzidas desde os anos 70. Isso se deve provavelmente ao fato da IBM, por possuir instalações para a fabricação de computadores, ter sido mais impelida do que as demais, que são do setor de prestação de serviços, a desenvolver e implantar métodos ambientais. Nesse sentido, sua política ambiental mundial é mais sólida tanto no âmbito de extensão como de execução quando comparada com os procedimentos das três outras empresas, inclusive no caso da manutenção de seus escritórios. Sua regra principal é seguir padrões os mais restritivos, tanto os locais como os impostos pela empresa, tendo em vista o projeto e operação das instalações (como, por exemplo, relativos a questões internas de qualidade ambiental, segurança contra incêndio, consumo de energia e água, etc.). Além disso, outra regra é que todas instalações mundiais precisam reduzir o consumo de energia e de água anualmente em quatro por cento e um por cento respectivamente (para conseguir redução de custos), e também manter auditorias periódicas em relação ao meio ambiente.

Na Holanda, a IBM recentemente terminou a construção de um edifício ambiental, projetado por um arquiteto ambientalista internacionalmente renomado, onde a maioria das características segue pelo menos as prescrições holandesas. Como no caso do ING e do ABN-AMRO, a IBM também aplicou em suas instalações na Holanda um sistema avançado de monitoramento de energia, afirmando ter procedido desta forma para facilitar a leitura dos medidores de energia tendo em vista a liberação desse mercado. A fim de alcançar a redução do consumo de energia e água, IBM-Holanda apelou para campanhas comportamentais, reduziu áreas de serviço e substituiu tecnologias obsoletas. Em Amsterdã, as regras mais restritivas são aquelas impostas pelas autoridades locais/nacionais, como, por exemplo, o padrão de performance de energia, o acordo a longo prazo, prescrições internas para a gestão de doenças (como, por exemplo a doença legionária), e assim por diante. Nesse sentido, considera-se que a ecologização de sua nova sede bem como a administração de todos seus escritórios no país são amplamente influenciadas pelas políticas locais. A performance ambiental das instalações da IBM pelo mundo é anualmente inspecionada pelo Health and Safety Department localizado nos Estados Unidos.

Em São Paulo e em Pequim, padrões ambientais similares estão sendo aplicados nas instalações da IBM, embora obtidos através de estratégias diferentes. Em São Paulo, incluiu-se nas estratégias ambientais o estudo de economia de energia e água, iniciado em 1996, para atualização das tecnologias usadas no edifício, datado de 1970 (construído originalmente pela IBM), levando à melhoria do sistema de iluminação, aparelhos sanitários eficientes no uso da água e a 'densificação' da ocupação, entre outras coisas (INFRA, 2001). As decisões foram tomadas em nível local mas finalmente supervisionadas pelo Health and Safety Department, sediado nos Estados Unidos. A gestão local da instalação também incluiu um sistema de gestão ambiental para se controlar o ambiente interno, os resíduos sólidos e a qualidade da água. Administradores locais relatam que a política ambiental global não impõe padrões de eficiência de energia e de água como tal, mas o edifício é anualmente inspecionado no que diz respeito à redução de quatro por cento e um por cento do consumo. Como políticas ambientais locais em São Paulo não desempenham papel significante na performance ambiental dos edifícios de escritórios, todas inovações gerenciais ambientais (como, por exemplo, a substituição das tecnologias acima mencionadas) estão sendo introduzidas pela empresa. Em Pequim, na estratégia da IBM para atender à política ambiental global, incluiu-se a aplicação de uma avaliação ambiental da instalação na hora da escolha do edifício, onde foram avaliados tanto o ambiente interno como os dispositivos de energia e água para que estivessem de acordo com os padrões da empresa. Finalmente, o sistema de gestão ambiental em Pequim consiste, entre outras coisas, na gestão dos resíduos sólidos (através de seleção), economia da água (através de campanhas comportamentais), economia de energia (através de campanhas comportamentais, além de estratégias de economia gerais evitando-se uso redundante de energia). O edifício também é checado anualmente para a redução do consumo de água e energia pela IBM do Japão que, por sua vez, é inspecionada pela IBM dos Estados Unidos.

Com essas investigações em mente, a reestruturação ambiental dos escritórios da IBM nas três cidades ilustra o processo especifico de hibridização local-global. Este é particularmente o caso dos edifícios de Amsterdã e de Pequim, uma vez que se construiu e se implementou procedimento ecológico exigido tanto pela empresa mundial como pelas agências locais. Como a política da empresa é seguir as regras ambientais mais restritivas, as políticas ambientais urbanas de Amsterdã tornaram-se fatores predominantes da reestruturação ambiental, pois superam, em certos aspectos, até mesmo as estratégias ambientais da empresa. Em Pequim, as estratégias ambientais da empresa ultrapassam as políticas locais em termos de rigidez e avanço, com exceção no que diz respeito à água. Em São Paulo, a reestruturação ambiental dos escritórios da IBM depende totalmente das estratégias da empresa, uma vez que as políticas ambientais ainda são bastante incipientes. Nesse caso, a ecologização é um processo praticado e reforçado principalmente pelo fator global.

A IBM, como ator pró-ativo e global pode ser vista como líder no desenvolvimento e progresso das políticas ambientais no espaço de fluxos. Isso não somente implica que estratégias ambientais corporativas em nível mundial sejam amoldadas aos padrões globais sustentáveis, mas também que a empresa aprenda a lidar com a interação entre espaço de fluxos e espaço de lugar. No caso da IBM, isso resulta na diretriz da empresa de seguir sempre as mais estritas regras em questão, advindas de atores, instituições e dinâmicas locais ou das estratégias da empresa. Conseqüentemente, para ser empresa pró-ativa em nível global, requerem-se políticas ambientais corporativas funcionando em todos os nós da sociedade de rede mundial, independentemente de incentivos ou sinergias de atores e dinâmicas em nível local.

MATRIZ GLOBAL DE MUDANÇA AMBIENTAL

Após analisar a interface local-global da gestão ambiental em diferentes casos, daremos um passo à frente, além da esfera de fatores empíricos, e tentaremos interpretar os dados encontrados de modo mais genérico e teórico. Ao explorar mudanças ambientais nos edifícios de escritórios, este estudo deixa poucas dúvidas de que estamos lidando com dois âmbitos diferentes de práticas de gestão. De um lado, a perspectiva urbana local, abrangendo principalmente o âmbito das políticas ambientais; de outro, identificamos perspectivas corporativas globais, abrangendo o âmbito da administração ambiental.

De modo geral, políticas ambientais locais são elaboradas com o objetivo de influenciar o comportamento de ambos os atores local e global. O grau de institucionalização de critérios ambientais em práticas locais corresponde ao grau de importância que a sociedade atribui ao meio ambiente; isto é: o peso e a prioridade política dada à proteção ambiental na cultura local que envolve os nós da sociedade de rede global. Assim sendo, a reestruturação ambiental dos edifícios de escritórios é motivada inicialmente para assegurar a sustentabilidade de infra-estruturas e ambientes locais. O discurso dominante ambiental nesse âmbito é otimizar o uso de fluxos ambientais como, por exemplo, as correntes físicas de energia e água, e minimizar a deterioração dos estoques ambientais. E os meios dominantes de influenciar o comportamento dos principais atores sociais abrangem tanto políticas constrangedoras (por exemplo, padrões) como incentivos (por exemplo, subsídios), 'monetarização' (por exemplo, aumento no preço da energia, introdução de eco-taxas) e formas de cooperação ou acordos negociados (por exemplo, acordos). Torna-se evidente que, em diferentes sociedades, interesses ambientais têm diferentes prioridades. Quando outras prioridades dominam ou monopolizam a agenda política — como, por exemplo, pobreza, declínio da atividade econômica, etc. — negligencia-se totalmente o meio ambiente (e suas políticas protetoras), limitando a influência urbana local na ecologização de edifícios de escritório.

O âmbito da administração corporativa tem como perspectiva dominante maximizar a continuidade de lucros e negócios. Estratégias ambientais só são viáveis quando elas não (estruturalmente) ameaçam esses objetivos dominantes. Justamente por isso, a proteção ambiental caminha lado a lado com a sobrevivência em longo prazo da empresa, tanto assim que o discurso subjacente da gestão ambiental corporativa é o da limitação de impactos ambientais sob a condição de maximização da continuidade e do lucro. Para algumas empresas, a ecologização de seus escritórios é bem-vinda e vista como oportunidade para melhorar a produtividade e aumentar o lucro, por exemplo, reduzindo o custo operacional de suas instalações (por exemplo, através de programas de tratamento de água e energia). Além disso, é uma oportunidade para a empresa desempenhar papel de organização responsável (social e ambientalmente) e como tal atrair clientes, satisfazer consumidores e neutralizar críticas. As estratégias corporativas principais desenvolvidas para atingir objetivos de economia de recursos nos escritórios são baseadas nos, ou estão bem de acordo com, princípios administrativos — incluindo sistemas de gestão ambiental, auditorias ambientais, avaliação do impacto ambiental, projetos de economia de energia, monitoramento, relatórios ambientais, e assim por diante. Essas estratégias podem compreender padrões corporativos adicionais (por exemplo, redução do consumo de energia anual, seguindo as mais restritivas regras, etc.) que, por sua vez, demandam substituição tecnológica.

Como se pode notar, ambos os âmbitos — da administração ambiental corporativa e das políticas ambiental urbana — não são a princípio conflitantes. Entretanto, uma grande contradição na administração ambiental corporativa concerne ao aumento de despesas no curto prazo devido aos investimentos envolvidos na ecologização de tecnologias, que muitas vezes vai contra o fator lucro do discurso administrativo. Em conseqüência, parece correto concluir (também dos casos estudados) que a institucionalização do trato ambiental nas corporações deve ser até certo ponto ativada ou estimulada pelas políticas urbanas ou pelas filiais específicas das empresas estrategicamente pró-ativas como, por exemplo, as acima mencionadas. Políticas e práticas locais desempenham importante papel na superação das estratégias de maximização do lucro e continuidade econômica, por exemplo, quando dão os primeiros passos em direção às mudanças ambientais em um lugar específico. Isso explica a razão pela qual as empresas são induzidas a buscar mudanças ambientais em cidades cuja estrutura de gestão ambiental é desenvolvida, por exemplo, Amsterdã. Além de políticas locais, testemunhamos também que a rede global baseada em instituições ambientais e reguladoras (ICC, OMC) pode também desencadear diretamente atores em nível global.

Finalmente, transcendendo a dicotomia de políticas ambientais locais e administração ambiental global, podem-se notar outros dois mecanismos em relação à ecologização dos edifícios de escritórios em grandes metrópoles: políticas ambientais urbanas transnacionais e gestão ambiental corporativa local. Políticas ambientais urbanas locais tornam-se, cada vez mais, transnacionais, através de vários mecanismos, materializando-se de modo similar em diferentes cidades. As iniciativas locais da Agenda 21, programas como Cidades Sustentáveis, metas de energia renovável desencadeadas pelo Protocolo de Kyoto, 'best practices', padrões de desempenhos em eficiência de energia, além da transferência internacional de códigos de construção, são políticas que começaram originalmente com articuladores políticos em nível local ou nacional, tratadas porém para se tornarem parte do espaço político global da articulação política ambiental. Políticas locais, estratégias, atividades e práticas tornam-se parte do fluxo global da reforma ambiental através de conferências, sistemas internacionais de informação (revistas, Internet), encontros globais, como o do Rio de Janeiro (1992) e o de Johannesburgo (2002), entre outros, e também através de trocas e interações da sociedade civil e da comunidade econômica internacional. E como tal, atuam dentro e fora da comunidade local, isto é, sendo implementadas em outras localidades. Assim, não devemos nos surpreender ao encontrar iniciativas similares de articuladores políticos locais e setores utilitários em diferentes cidades metropolitanas.

Ao mesmo tempo, encontramos práticas de administração ambiental corporativa de multinacionais 'localizadas' em diferentes cidades. Filiais de empresas multinacionais desenvolvem suas próprias iniciativas no trato das dimensões ambientais dos edifícios de escritórios em locais específicos, enquanto suas sedes centrais asseguram espaço para essa manobra, seja em nível diferente, por firmas diferentes e em questões ambientais diferentes. A multinacional Andersen é exemplo típico da empresa que dá toda liberdade para os escritórios locais projetarem e desenvolverem sistemas e estratégias ambientais, fazendo com que a performance ambiental nos edifícios de escritórios dependa mais das políticas ambientais urbanas e da gestão corporativa local do que da gestão ambiental transnacional, enquanto empresa global. Entre as filiais da IBM, o grau de liberdade é mais limitado, mas, mesmo assim, existente. Neste caso, localizar práticas ambientais também nos leva a um significado específico, a saber: adaptar a performance ambiental da empresa a padrões locais somente no caso de eles serem rígidos quando comparados às estratégias gerais da empresa. Outra ilustração da gestão ambiental corporativa local é o caso da Andersen em Pequim, que introduz o sistema de recirculação de água lançado originalmente por uma firma de engenharia japonesa no edifício que ela ocupava em Pequim. Neste caso, esse sistema tornou-se padrão para outros edifícios da cidade, mas, em outros casos, ele poderia internacionalizar-se subseqüentemente via estruturas corporativas transnacionais. Outros atores econômicos (incluindo empreendedores, arquitetos, fabricantes de materiais de construção, etc.) também articulam e implementam estratégias verdes em edifícios de escritórios locais.

Como ficou acima demonstrado, podemos analisar com precisão muitas dinâmicas com a ajuda de nosso modelo conceitual inicial (cf. Figura 1). Entretanto, especialmente os dois últimos mecanismos focalizam novas dinâmicas que devem ser também abordadas. Não pelo fato de o modelo estar incorreto, mas pelo fato de a realidade mostrar-se mais complexa. A ecologização dos edifícios transnacionais não depende, ou é influenciada, apenas pelo fluxo corporativo global de administração ambiental e dos espaços de política ambiental local. O 'espaço de fluxos' e o 'espaço de lugar' mostram combinações de dinâmicas políticas e econômicas que atuam simultaneamente. Políticas urbanas transnacionais e gestão ambiental corporativa local desempenham importante papel, e esse papel depende fortemente da capacidade ambiental local e do perfil das cidades, da estrutura e da imagem corporativa da empresa e do tipo de questões ambientais que estão sendo tratadas.

Recebido em 15/04/2004 e Aceito em 10/06/2004

NOTAS

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  • 1
    . HARVEY e CASTELLS, apesar de terem muitos pontos em comum, divergem quanto ao poder que esses movimentos exercem. Para HARVEY, a globalização econômica está desencadeando ações sociais desordenadas incapazes de desenvolver força política transnacional coordenada que possa fazer frente às desvantagens da modernidade globalizada, um impasse. CASTELLS por sua vez, considera que localismos são de fato uma forma viável de resistência à hegemonia capitalista.
  • 2
    . Novem é a agência holandesa para energia e meio ambiente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Aceito
      10 Jun 2004
    • Recebido
      15 Abr 2004
    ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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