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Pescadoras e pescadores: a questão da equidade de gênero em uma reserva extrativista marinha

Fishermen and fisherwomen: gender equity in a marine extractive reserve

Resumos

A Reserva Extrativista Marinha da Ponta do Corumbau está localizada em uma região de rica biodiversidade, no Sul do estado da Bahia, Brasil. Foi criada atendendo a reivindicações dos pescadores artesanais, com o objetivo de alcançar a sustentabilidade dos estoques de pesca e da economia das famílias locais, além de proteger a área marinha colocando limites à pesca industrial predatória. Através do Diagnóstico Participativo com Enfoque de Gênero, investigou-se como é realizada a divisão do trabalho, como ocorre o uso, o acesso e controle dos recursos e benefícios, além das condições que limitam a participação e mobilidade das mulheres. Fomentar a participação das mulheres no Plano de Manejo poderá contribuir para o planejamento das políticas sociais e ambientais, que devem considerar a eqüidade entre os gêneros como garantia para a conservação e a sustentabilidade.

Reserva Extrativista Marinha; Antropologia ecológica; Gênero; Pesquisa participativa; Comunidades de pescadores artesanais


The Marine Extractive Reserve of Corumbau is located in a region of rich biodiversity, in the south of Bahia, in Brazil. It was created on demand of the artisanal fishworkers in the area and as a means to promote sustainability of its fishing resources and local economy, besides protecting the area and imposing limits to the predatory industrial fishing. Through the Participative Appraisal with Gender Focus we have investigated how the work division takes place, as well as the use, access and control of resources and benefits, and also the conditions that limit women's participation and mobility. Inducing women participation in the Management Plan may contribute to the planning of social and environmental policies which take into account gender equity to guarantee conservation and sustainability.

Extrative Marine Reserves; Anthropological ecology; Gender; Participative research; Artisanal fishing communities


RESULTADOS DE PESQUISA

Pescadoras e pescadores: a questão da equidade de gênero em uma reserva extrativista marinha

Fishermen and fisherwomen: gender equity in a marine extractive reserve

Regina Célia Di Ciommo

Laboratório de Ecologia Humana e Etnoecologia, Universidade Federal de São Carlos — UFSCar

Autor para correspondência Autor para correspondência: Regina Célia Di Ciommo Laboratório de Ecologia Humana e Etnoecologia, Departamento de Hidrobiologia, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de São Carlos — UFSCar Rodovia Washington Luis, Km 235 SP, Brasil Fone: (16) 3351 8451, (16) 3371 7708. Fax: (16) 3351 8310 E-mail: rdiciommo@linkway.com.br

RESUMO

A Reserva Extrativista Marinha da Ponta do Corumbau está localizada em uma região de rica biodiversidade, no Sul do estado da Bahia, Brasil. Foi criada atendendo a reivindicações dos pescadores artesanais, com o objetivo de alcançar a sustentabilidade dos estoques de pesca e da economia das famílias locais, além de proteger a área marinha colocando limites à pesca industrial predatória. Através do Diagnóstico Participativo com Enfoque de Gênero, investigou-se como é realizada a divisão do trabalho, como ocorre o uso, o acesso e controle dos recursos e benefícios, além das condições que limitam a participação e mobilidade das mulheres. Fomentar a participação das mulheres no Plano de Manejo poderá contribuir para o planejamento das políticas sociais e ambientais, que devem considerar a eqüidade entre os gêneros como garantia para a conservação e a sustentabilidade.

Palavras-chave: Reserva Extrativista Marinha. Antropologia ecológica. Gênero. Pesquisa participativa. Comunidades de pescadores artesanais.

ABSTRACT

The Marine Extractive Reserve of Corumbau is located in a region of rich biodiversity, in the south of Bahia, in Brazil. It was created on demand of the artisanal fishworkers in the area and as a means to promote sustainability of its fishing resources and local economy, besides protecting the area and imposing limits to the predatory industrial fishing. Through the Participative Appraisal with Gender Focus we have investigated how the work division takes place, as well as the use, access and control of resources and benefits, and also the conditions that limit women's participation and mobility. Inducing women participation in the Management Plan may contribute to the planning of social and environmental policies which take into account gender equity to guarantee conservation and sustainability.

Keywords: Extrative Marine Reserves. Anthropological ecology. Gender. Participative research. Artisanal fishing communities.

1 Introdução

A Reserva Extrativista Marinha da Ponta do Corumbau - RESEX Corumbau, localiza-se na Costa do Descobrimento, ao sul do estado da Bahia, região que abriga remanescentes importantes da Mata Atlântica, em ecossistema de rica biodiversidade e que faz parte do Patrimônio Mundial definido pela UNESCO desde 1999.

As zonas costeiras do sul do Estado da Bahia experimentaram mudanças ambientais e sociais nos últimos dez anos. A pesca industrial intensa passou a explorar os estoques marinhos locais sem respeitar os processos ecológicos e a biodiversidade. O turismo também iniciou uma demanda que induziu a ocupação desordenada do solo, sem que a infraestrutura urbana acompanhasse o aumento dos efluentes domésticos e a produção de lixo, afetando os manguezais e margens dos rios.

Em 1998, um grupo de pescadores artesanais de nove comunidades dos municípios de Prado e Porto Seguro uniram-se para criar uma Unidade de Conservação que protegesse a região da pesca predatória do camarão praticada pelas frotas industriais. Foi criada então a Reserva Extrativista Marinha da Ponta do Corumbau, área de domínio público com uso concedido às populações extrativistas tradicionais, conforme o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000). A criação da RESEX Corumbau tem por objetivo garantir a exploração auto-sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis tradicionalmente utilizados pela população extrativista da área. Essas comunidades litorâneas mantëm um sistema de saberes e gestão tradicional dos recursos costeiros que justifica o reconhecimento de seu direito a esse território. Sua permanência nessas áreas significa não somente o reconhecimento da importância e a proteção de seu conhecimento, mas a manutenção da diversidade cultural (DIEGUES, 2004).

A RESEX Corumbau, localiza-se à distância de 800 km da capital Salvador e possui 90.000 ha de área marinha. As comunidades existentes na RESEX Corumbau são praticamente isoladas, em virtude do acesso depender de estradas sem pavimentação e pontes precárias, além de não existir transporte regular por barco. Em algumas vilas não há energia elétrica, o que impede o armazenamento do pescado através do congelamento.

A população extrativista da RESEX conta com 484 membros cadastrados, extrativistas tradicionais das comunidades de Curuípe, Caraíva, Aldeia Indígena de Barra Velha, Corumbau, Veleiro, Barra do Cahy, Imbassuaba, Cumuruxatiba e Japara. O uso do espaço costeiro através da organização das populações de pescadores artesanais das diversas comunidades envolvidas delimitou áreas até então consideradas de livre acesso, demarcando espaços marinhos onde os recursos são explorados de forma comunitária.

O turismo na RESEX do Corumbau mostra-se em expansão. O turista é atraído pela tranquilidade, liberdade e beleza da paisagem natural, especialmente em seus espaços litorâneos e pela receptividade de sua população. Conforme observado por Stori (2005), em três de suas comunidades (Caraíva, Corumbau e Cumuruxatiba), levando-se em conta a categorização estabelecida por BUTLER (1980), a área está passando por uma fase de transição, do estágio de Envolvimento para os estágios de Desenvolvimento do turismo. O turismo, desde que incorpore o sistema pesqueiro e obedeça ao planejamento turístico visando sua sustentabilidade, oferece possibilidades de contribuir com ofertas de trabalho e interesse em preservação, o que poderia beneficiar as comunidades tradicionais locais.

Varios autores têm recomendado que o trabalho voltado para o manejo de áreas naturais protegidas seja desenvolvido com o envolvimento de suas populações (FIGUEIREDO, 1997; DIEGUES, 2000). Segundo Robottom (2002), o diagnóstico participativo, através da informação e da mobilização, leva os integrantes a um processo em que se busca um ponto de interesse comum, em um contexto significativo para todos, com a minimização dos conflitos.

Medidas de incremento da qualidade de vida dos moradores extrativistas e o reconhecimento da importância do conhecimento local nas práticas de manejo podem representar uma forma de reorganização que leve ao redirecionamento adaptativo e flexível, de modo que possam auxiliar na construção de resiliência e sustentabilidade nos sistemas sócio-ecológicos (FOLKE et al., 1998). Esse reconhecimento leva a novas prioridades para a conservação de ecossistemas, como a inclusão social e resiliência ecológica e social, dentro de uma nova concepção de manejo, denominada "manejo adaptativo" (GUNDERSON; HOLLING, 2000).

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação assegura a participação das populações locais nos modelos de gestão compartilhada, para que o poder seja descentralizado e não se perca de vista a realidade diária do contexto local. Os entraves ao processo participativo na RESEX Corumbau, apontados por Stori (2005), incluem a longa distância até os locais de reunião, a incompatibilidade dos horários das reuniões com atividades cotidianas, principalmente para as mulheres, e a falta de informações sobre o processo de criação e gestão. Estudos anteriores demonstraram que, além de motivos concretos, tais como a saúde das crianças e a materna, existem outras razões ligadas ao uso do tempo e ao difícil processo de negociação nas relações de poder entre homens e mulheres (GUIJT, 2005).

Estudos demonstraram (ROCHELEAU; EDMUNDS, 1997; HEATHCOTE; THOMAS, 1997) que a introdução da variável "gênero" adiciona uma outra dimensão à análise dos ambientes naturais, em virtude das relações de poder entre homens e mulheres em muitas sociedades, relações de poder que estão sujeitas a mudança. Dentro da dimensão de gênero pode haver complementaridade e negociação, e a possibilidade de negociação contém importantes implicações para o planejamento e o co-manejo, porque coloca os planejadores e as comunidades em um nível no qual é possível promover maior eqüidade na distribuição dos benefícios e direitos.

Enquanto os homens estão em sua maioria vinculados culturalmente ao setor produtivo, relativo à produção de bens e serviços para o consumo ou a venda, a sociedade e a cultura atribuem à mulher o papel materno, que reforça os vínculos biológicos e é por eles reforçado, criando os significados simbólicos de proximidade da natureza. As mulheres estão vinculadas à reprodução, que inclui uma grande variedade de responsabilidades relativas ao bem-estar e sobrevivência da família mediante a manutenção do lar através de diversas tarefas, como coletar água e lenha nos ambientes rurais, preparar os alimentos, limpar e manuter a casa e a horta, atender e educar as crianças, fazer compras, velar pela saúde da família. Especialmente as mães esforçam-se para conciliar as dimensões produtiva e reprodutiva, que são complementares, mas muitas vezes concorrentes e contraditórias, o que está na base da discriminação e das dificuldades econômicas das mulheres pobres e com filhos pequenos (DI CIOMMO, 1990, 1999).

A participação das mulheres de maneira ativa nos empreendimentos tem demonstrado sua eficácia (AGUILAR, 1998, 2000; FASSAERT, 2000) no sentido de garantir a continuidade e sucesso dos projetos de desenvolvimento sustentável.

Este Diagnóstico Participativo com Enfoque de Gênero — DPEG - foi realizado com o objetivo de contribuir para a inclusão dos diversos interesses das comunidades, em especial o ponto de vista feminino, no manejo da área protegida. O DPEG foi indicado pela World International Union — UICN (2004) - como proposta validada de maneira ampla em cinco países da região centroamericana e faz parte do esforço para unir as áreas de gênero e meio ambiente, facilitando iniciativas de desenvolvimento rural, com a incorporação da perspectiva de eqüidade de gênero na prática cotidiana. Ao invés de observar o grupo como uma unidade homogênea, reconhece-se que mulheres e homens possuem diferentes necessidades, percepções e realidades. Através da aplicação de instrumentos adequados, busca-se também tornar mais evidentes as relações de poder nas comunidades. O DPEG pretende, com a aplicação de suas diversas etapas, que seja promovida a responsabilidade coletiva, a justiça ambiental e a qualidade de vida para as populações envolvidas, de maneira a diminuir a pauperização e a conseqüente exclusão social (AGUILAR; VALENCIANO, 2000).

A análise de gênero é elemento essencial para que os projetos possam ser mais eficazes e trazer benefícios às comunidades, quando envolvem ativamente as mulheres, fonte de conhecimento e difusão cultural, valorizando seu papel, sua experiência e a importância de seu trabalho (VIEZZER; MOREIRA, 1994; ABRAMOVAY, 1993; DI CIOMMO, 2002).

Segundo Lorena Aguilar (1998), em diversos projetos que buscaram adotar o enfoque de eqüidade de gênero foram identificados princípios, condições, estratégias, ações e procedimentos que têm facilitado as iniciativas de desenvolvimento, conseguindo impacto sobre as relações de gênero no interior das famílias e nas comunidades.

Este trabalho relata os resultados obtidos com a aplicação de DPEG no ano de 2004 na RESEX Corumbau. O objetivo foi compreender as variáveis que delimitam o cotidiano dos moradores, para fornecer subsídios ao incremento do processo participativo que promova a sustentabilidade das políticas ambientais e sociais.

2 Metodologia

Foram realizados encontros para a aplicação das ferramentas do DPEG com o objetivo de fomentar a participação feminina nas reuniões realizadas pelas Associações de Pescadores e de Nativos da RESEX, que vem sendo pouco expressiva. Considera-se a hipótese de que o incremento dessa participação pode elevar quantitativa e qualitativamente a representação do ponto de vista feminino nas políticas públicas, nas decisões coletivas, nos níveis de poder público e privado, a partir do reconhecimento das especificidades de gênero nas condições de vida em uma Unidade de Conservação, local onde o turismo é fator de importância crescente.

Para a análise com enfoque de gênero, as informações são coletadas e apresentadas com dados desagregados por sexo. Foram utilizadas as técnicas e instrumentos recomendados pela UICN, através da série Hacia La Equidad (AGUILAR, 1998, 2000; AGUILAR; VALENCIANO, 2000; FERNÁNDEZ; RODRÍGUEZ-ACHUNG, 2000 e ROCÍO RODRIGUES, 1999). Essa documentação fornece apoios conceituais, além de permitir incorporar a perspectiva de eqüidade de gênero na prática cotidiana e na tomada de decisões.

Nesta pesquisa foram promovidos encontros com os moradores durante os meses de novembro e dezembro de 2004, em cinco comunidades da RESEX de Corumbau: Caraíva, Aldeia Indígena Barra Velha, Corumbau, Embassuaba e Cumuruxatiba. Foram utilizadas algumas ferramentas do DPEG para obter informações sobre a "Divisão do Trabalho", o "Uso do Tempo", a "Análise de Acesso e Controle sobre Recursos, Serviços, Benefícios e Mobilidade", introduzindo-se adaptações específicas para o contexto dessa região de pesca artesanal.

As oficinas realizadas permitem chegar a uma aproximação das comunidades, em um processo que facilita um conhecimento mais profundo e sistemático do contexto local, o que auxilia a obter maior clareza e sem impor situações que as comunidades não estão preparadas para aceitar.

Nessas reuniões, verificou-se uma inversão do que comumente acontece com relação à participação, pois poucos homens compareceram e as mulheres demonstraram muito interesse em participar. A limitada participação masculina pode ser, a princípio, atribuida à falta de informação adequada. Outro significado pode ser encontrado no fato de os homens terem interpretado o DPEG como fórum de inclusão de problemas considerados femininos nas agendas de reunião. Por esse motivo, destacam-se as posições expressas pelas mulheres, pois de cinco comunidades visitadas, apenas em duas, Caraíva e Aldeia Indígena Pataxó "Barra Velha", houve participação masculina. Em Cumuruxatiba, na véspera da reunião para o DPEG, houve uma reunião do Conselho Deliberativo da Associação de Pescadores, onde a maioria dos membros presentes era constituída por homens. Nessa ocasião, a divulgação para o encontro do DPEG foi feita esclarecendo-se que se desejava conhecer melhor as condições de vida das famílias locais. Como resultado, no dia seguinte, apenas as mulheres compareceram.

Esse fato demonstra, em primeiro lugar, a existência das relações de poder entre os gêneros nas comunidades e a existência de espaços masculinos e femininos excludentes, que envolvem a divisão do trabalho e a participação. A ausência dos homens nas oficinas e encontros em que se discutia as questões familiares e necessidades que envolvem mulheres e crianças pode ser interpretada por esses encontros terem sido considerados "femininos".

Em segundo lugar, confirma o que já havia sido discutido por Guijt (2005), de que não basta desejar a obtenção de respostas e soluções segundo os gêneros, mas o mais importante é que os envolvidos desejem e busquem a participação, para que as técnicas do trabalho participativo e sensível a gênero possam facilitar a tradução de suas intenções até práticas efetivas e inclusivas. Por outro lado, as mulheres demonstraram muito interesse, preparando-se para os encontros, usando suas melhores roupas. As reuniões foram marcadas pela informalidade e pela alegria que demonstravam diante da oportunidade de serem ouvidas.

3 Resultados

As informações obtidas têm implicações para o cumprimento das metas de projetos e programas. De acôrdo com o interesse demonstrado pelas mulheres por determinada atividade, pode-se valorizar e incentivar suas habilidades naquilo em que já têm conhecimentos e experiências relevantes, além de discutir a divisão de trabalho já existente, enfatizando-se a importância dos trabalhos que no cotidiano permanecem invisíveis.

Entrevistas com integrantes da administração da Unidade revelaram que a eqüidade de gênero foi muito pouco inserida entre as prioridades do Plano de Manejo, que ainda estava em fase de implantação, não havendo ainda o reconhecimento da importância da inclusão do ponto de vista feminino nas decisões comunitárias ou o incentivo à sua expressão. Muitas vezes, o que se necessita é de uma mudança organizacional, para que as iniciativas sejam bem sucedidas. A perspectiva é de se obter resultados a médio e longo prazo, sujeitos ainda às limitações impostas pela estrutura organizacional dos projetos e os recursos disponíveis.

A aplicação das ferramentas sobre a "Divisão do Trabalho", o "Uso do Tempo", a "Análise de Acesso e Controle sobre Recursos, Serviços, Benefícios e Mobilidade" foi feita em reuniões onde eram dadas explicações sobre o trabalho reprodutivo e produtivo, a importância do trabalho feminino na manutenção dos membros da família, na comunidade e na relação com o meio ambiente. Em seguida, foram anotados os depoimentos individuais, sobre as condições do cotidiano doméstico, a ajuda que as mulheres recebem, o controle e acesso que detêm sobre equipamentos e recursos advindos da pesca e do turismo e autonomia quanto à sua mobilidade social e individual.

Ao falarmos de comunidade, ou quando se utiliza a categoria "comunidade", é preciso ter em mente que esta de modo algum é uma unidade homogênea, contendo em si uma grande variedade de interesses que são muitas vezes contraditórios, tendo como referência não somente o gênero, mas faixas etárias e grupos de identidade ou afinidade. Esta diversidade está inserida na cultura, mesmo quando todos partilham o contexto sócio-econômico e ambiental. O termo "comunidade" pode transmitir uma imagem indiferenciada e cooperativa de um grupo social, mas isto parece não corresponder à realidade. Como resultado de diferentes relações de poder, podem surgir diferentes questões em diferentes encontros de discussão. Mesmo que sejam tomadas medidas que garantam uma maior participação das mulheres, não há certezas sobre uma expressão mais profunda de seus problemas, concorrendo para isso a existência de tempo disponível e permissão social para falar. Muitas vezes, conflitos mais profundos existentes não são expostos. Guijt (2005, op. cit.) aponta que na maioria dos casos semelhantes estudados foi necessário um período de 3 a 8 anos para integrar as perspectivas intra-comunais diferentes em uma ação concreta. Essa necessidade crucial de tempo não pode ser atendida na RESEX de Corumbau.

A RESEX é constituída por diversas vilas integradas por uma política de conservação da área marinha e um Plano de Manejo que será implementado. As cinco comunidades visitadas distinguem-se umas das outras, quer pelas características físicas e culturais, quer pela divisão de trabalho no processo produtivo, sendo que Corumbau, Cumuruxatiba e Caraíva exploram a pesca e, recentemente, o turismo, e Imbassuaba e Aldeia Indígena Barra Velha são núcleos que complementam a pesca com a agricultura de subsistência.

Podemos destacar que a aldeia Pataxó Barra Velha não se encontra na faixa litorânea, mas em terras mais altas, próprias para a agricultura. Seus membros são pescadores, mas também cultivam uma horta comunitária, de onde extraem parte substancial de sua alimentação. São cultivados a mandioca, a banana, a abóbora, a cana, o feijão, a pimenta, a batata, o abacaxi, o mamão, a melancia, a mangaba e o milho. As mulheres e crianças coletam na mata sementes para seu artesanato de adornos.

A comunidade de Imbassuaba também mantém cultivos agrícolas bastante diversificados em pequenas hortas, como côco, abacaxi, cana, banana, mandioca, melancia, abóbora, mamão, maxixe, quiabo, batata, laranja, limão, manga, alface, couve, repolho e cebola. Em comum com a Aldeia Indígena está o fato de não se encontrar na faixa costeira. Suas terras mais férteis têm como consequência melhores condições nutricionais, pois a dieta é mais variada e rica. Caraíva não dispõe de horta comunitária, mas existem algumas áreas livres e quintais onde são cultivadas algumas espécies de frutas, como mangaba, jambo, goiaba e principalmente cajú. Em Cumuruxatiba e Corumbau não se registraram cultivos. Mulheres moradoras relataram a dificuldade para plantar porque a terra é imprópria, além de não conhecerem técnicas agrícolas, o que justificaria uma política de apoio para reforço da situação alimentar. A ausência de cultivos faz com que Corumbau e Cumuruxatiba dependam, em termos de abastecimento de alimentos, de outros centros da região, de acesso difícil devido ao estado precário das estradas.

A existência de hortas na Aldeia Indígena e em Imbassuaba traz consequências para a rotina de trabalho de homens e mulheres, que além da pesca sobrevivem da agricultura e, portanto, têm sua divisão de tarefas e uso do tempo diferenciados.

A aplicação da ferramenta Divisão do Trabalho foi feita com a participação de 123 mulheres e 17 homens, entre as comunidades da RESEX Corumbau visitadas.

Através da aplicação dos roteiros sobre a Divisão do Trabalho, conclui-se que nas atividades produtivas ligadas à pesca, apesar de estas serem tradicionalmente masculinas, as mulheres estão muito envolvidas. Na comunidade de Cumuruxatiba, 90% das mulheres declarou pescar com rede. Na Aldeia Indígena e em Imbassuaba, as mulheres pescam com anzol e vara. No entanto, verifica-se que a atividade mais executada (74%), considerando o total de mulheres participantes das oficinas na RESEX, é a limpeza dos peixes. Essa atividade é necessária para o consumo próprio, mas também agrega valor ao pescado vendido, mas não é remunerada. Algumas mulheres consertam as redes dos maridos pescadores, tarefa necessária para a manutenção da produção.

As mulheres geralmente executam atividades produtivas ligadas à pesca, e também à captura de crustácios e moluscos. Em Cumuruxatiba, 100% das mulheres participantes da pesquisa declararam praticar a pesca do camarão, desenvolvendo fortemente a identidade de pescadoras.

Em Imbassuaba, a captura de polvos é praticada por 60% das mulheres e 64% dos homens. Em Caraíva e Corumbau, as mulheres dedicam-se a limpá-los. Na aldeia indígena, 50% das mulheres e 100% dos homens dedicam-se à captura de caranguejos. Já em Corumbau, 45% das mulheres estão nesta atividade produtiva, incluindo a limpeza e o processamento para a venda. A coleta de mariscos e ostras, no local chamadas de "marisqueiras", envolve 72% das mulheres de Imbassuaba e cerca de 17% daquelas de Cumuruxatiba. Não houve registro de homens participando dessa atividade.

A jornada de trabalho doméstico nas localidades de Imbassuaba e Aldeia Indígena Pataxó "Barra Velha" é acrescida das atividades da agricultura de subsistência, pesca e coleta de sementes para a confecção de artesanato, cuja venda contribui para o rendimento familiar. As atividades agrícolas concentradas em Imbassuaba ocupam os homens na colheita e armazenamento, em número superior ao das mulheres. Na atividade de poda, rega e semeadura estas demonstram maior participação.

Quanto ao comércio e serviços, apenas 4% das mulheres da RESEX executam atividades em pousadas e no pequeno comércio varejista, sendo esse percentual maior em Caraíva (20%) onde o desenvolvimento do turismo é mais expressivo.

Outras tarefas ocupam grande parte da jornada de trabalho. São as relacionadas com o trabalho doméstico e o cuidado das crianças, tarefa que, dentre as atividades reprodutivas, envolve homens e mulheres de forma mais igualitária. Além disso, os homens participam das compras. Nas demais tarefas, os homens participam em número geralmente reduzido, equivalente em média à metade do número de mulheres que executa a atividade. A maior ajuda que as mulheres recebem concentra-se na limpeza de utensílios de cozinha e na lavagem de roupas, tarefas realizadas por 37 e 56% dos homens, respectivamente.

Na coleta de água, registrou-se a participação de cerca de 19% de homens, confirmando a tendência da responsabilidade das mulheres pela obtenção da água para consumo doméstico, observada nos países em desenvolvimento (HEATHCOTE; THOMAS, 1997). Houve registro de homens que costuram e consertam suas roupas e que participam mais efetivamente da coleta de lenha para o fogo, o que demonstra um traço cultural específico, que trouxe um elemento novo para a análise da divisão de tarefas no meio rural, diferentemente de outros contextos onde essa tarefa é considerada feminina. Muitos homens costuram e consertam suas roupas (31%) e 56% costuma coletar lenha para o fogo, diferentemente do observado por Heathcote e Thomas (op. cit.) em sociedades rurais africanas, onde essa tarefa é atribuída às mulheres.

A atividade de banhar as crianças é realizada por 64% das mulheres. No cuidado dos doentes, o número das mulheres é o dobro dos homens (77%), e na limpeza da casa o número de homens participantes é três vezes menor, 31%.

Essas informações são complementadas pelas fornecidas através da técnica "Uso do Tempo". Entre 5 e 6 horas da manhã, cerca de metade das mulheres inicia o seu dia, enquanto que os homens o fazem em sua maioria (77%), já que a pesca começa a ser realizada desde as primeiras horas da manhã. Enquanto que os homens pescadores vão para o mar e retornam à tarde, dedicando-se em seguida à manutenção de seus utensílios de pesca, ao encontro com os amigos ou à horta, as mulheres executam as tarefas da casa, a lavagem das roupas e utensílios (92%), o preparo dos alimentos (100%), a limpeza dos peixes (88%), as pequenas compras (23,2%), limpando a casa (76%), coletando água (80%), o cuidado dos filhos pequenos (68%) e rotineiramente participam das reuniões das Associações de Pais e Mestres das escolas (64%). Constata-se que apenas 20% das mulheres participantes frequentam as reuniões das Associações de Pescadores ou reuniões com os representantes da administração da RESEX, que são espaços políticos frequentados majoritariamente pelos homens e onde a possibilidade das mulheres opinarem é restrita, tratando-se quase sempre de problemas organizacionais e financeiros em que têm dificuldade de compreensão da linguagem utilizada.

A ferramenta "Acesso e Controle" foi aplicada a 3 comunidades da RESEX de Corumbau: a aldeia indígena Pataxó Barra Velha, Caraíva e Corumbau, com um total de 69 mulheres participantes e 17 homens.

Quanto aos recursos para o desempenho das atividades produtivas, as mulheres declararam que possuem acesso mais livre a instrumentos de beneficiamento do pescado, como facas (68%), aos conhecimentos para a pesca (74%), às capacidades para a pesca (68%) e aos utensílios de pesca como varas, anzóis e linhas (35%). As habilidades e o conhecimento para a realização do artesanato são acessíveis para 54% das participantes, o que demonstra a capacidade de produção de bens que possam gerar renda, contribuindo para sua autonomia financeira.

No entanto, apenas 4% das mulheres têm acesso a equipamentos de segurança, como bóias e salva-vidas, enquanto que os homens registram a marca de 66%. Apenas 7% das mulheres tem acesso às ferramentas da horta, e os homens 83%. Em relação aos benefícios, apenas cerca de 17% das mulheres tem acesso ao lucro com a venda dos peixes, enquanto que 26% tem acesso aos lucros por serviços prestados aos turistas, apesar desses serviços serem prestados em grande parte pelas próprias mulheres, em alojamento, comércio e artesanato, o que representa uma defasagem entre o acesso ao trabalho e acesso ao benefício.

Os programas governamentais de erradicação da pobreza, como o "bolsa-escola", o "auxílio-gás" e o "bolsa-família", são pouco acessíveis. As dificuldades de transporte atingem a todos, sem distinção de gênero. O meio de transporte individual mais comum é a bicicleta, mas este é acessível a apenas 4% das mulheres. Na aldeia indígena, o meio de transporte mais utilizado é o cavalo. Nenhuma das mulheres participantes declarou ter acesso ou controle sobre a propriedade da terra, o que demonstra sua baixa autonomia econômica.

Quanto à Mobilidade, os dados demonstram uma relativa autonomia das mulheres, com um grau de subordinação ao poder masculino quando se compara os dados relativos ao Acesso com os relativos ao Controle. Grande parte das mulheres (64%) declarou ter acesso aos centros de compra, 54% às reuniões das Associações de Pescadores e 62% às reuniões das escolas dos filhos. No entanto, apenas 7% tem acesso às reuniões da RESEX. Quanto às relações sociais, 68% tem acesso às festas locais, 56% se relacionam amigavelmente com os vizinhos e 26% tem acesso a reuniões de caráter religioso. O controle sobre a mobilidade demonstra que a frequência livre a festas e bailes é menor do que o acesso, ou seja, apesar dos encontros comunitários serem acessíveis, nem sempre a decisão de participar depende apenas da mulher, é preciso que ela seja autorizada a isso.

Quanto ao "controle", verificou-se que a água encanada é acessível a apenas 35% das mulheres, mas o controle sobre seu uso é menor, caindo para 7%. O controle sobre a horta e seus produtos, como as decisões sobre o que plantar e o que fazer com os recursos, está disponível para 20% das mulheres, em média, caindo para 7% quando se refere a ferramentas e apenas 4% em relação a redes de pesca, 2% quanto a motores de barcos e é inexistente quanto à posse de barcos. A exceção é o controle sobre os utensílios, como a faca para limpar o peixe, tarefa socialmente desvalorizada. O acesso aos lucros sobre a venda de camarão, lagostas e polvos restringe-se à comunidade de Cumuruxatiba, pois a captura no local é mais intensa. O controle sobre o destino dado ao lucro auferido com os serviços prestados aos turistas foi declarado por 19% das mulheres, sendo menor do que o acesso (26%), o que sugere obstáculos às mulheres no nível de decisão doméstico. Os dados obtidos demonstram as relações de poder desiguais no nível doméstico e menor autonomia das mulheres.

4 Conclusões

Verificou-se que as Associações de Pescadores ou reuniões com os representantes da administração da RESEX são espaços políticos frequentados majoritariamente pelos homens. Uma pequena minoria das mulheres das comunidades frequentam essas reuniões, nas quais a possibilidade de opinarem é restrita, pois ali são tratados quase sempre problemas organizacionais e financeiros, dos quais elas se sentem distantes.

A centralização das decisões, a integração limitada pela distância física entre os diversos recursos humanos envolvidos no projeto, e os prazos insuficientes para a realização do DPEG em todas as comunidades dificultaram a comunicação e divulgação prévia dos eventos e a realização do DPEG em todas as suas fases, de maneira que homens e mulheres fossem informados e pudessem demandar a participação nos encontros e oficinas como caminho para aumentar sua representatividade. Ainda a limitação dos recursos do projeto não possibilitou a realização de oficinas específicas para a fase de sugestões e encaminhamento de soluções para os problemas apontados. Esse fato pode ter gerado expectativas não atendidas entre a população participante.

O diagnóstico participativo pode revelar necessidades diferenciadas por gênero, mas não nos esclarece sobre as relações de gênero que não são expressas claramente. Nem tudo é pesquisado ou expresso, como a violência doméstica e o bem-estar psicológico. Os métodos participativos podem somente identificar as causas do sofrimento das mulheres ao longo de um processo lento.

Ao final das reuniões promovidas para o DPEG em Caraíva e Cumuruxatiba, foi decidido pelas participantes a criação de Seções Femininas dentro das Associações de Pescadores, voltadas para a defesa dos interesses das mulheres pescadoras e dependentes de pescadores, sendo eleitas as representantes para início imediato das atividades. Esse fato pode ser considerado uma conquista do próprio trabalho do DPEG, que pode levar à promoção de maior participação feminina nas Associações e nas decisões que afetam as comunidades, aumentando o controle e o acesso aos benefícios auferidos pela atividades econômicas desenvolvidas.

A presença das mulheres em reuniões da RESEX ou em Associações tem sido prejudicada pelo espaço masculino restritivo, que lhes tira a espontaneidade para expor seus pontos de vista, e pela dificuldade em encontrar quem as substitua junto aos filhos, quando seus maridos estão fora de casa participando das reuniões. Por esse motivo, de maneira geral, dificilmente marido e mulher podem participar juntos de um encontro.

A atividade mais executada pelas mulheres é a limpeza dos peixes e polvos e a salga do camarão (necessária para o consumo próprio mas que também agrega valor ao pescado vendido), que não é remunerada nem valorizada socialmente. Em três comunidades, registrou-se a pesca praticada por mulheres, sendo que em Cumuruxatiba todas as participantes da pesquisa declararam serem pescadoras de camarão. Nas demais comunidades, a maioria das mulheres pratica não só a captura do camarão, mas a de caranguejos e moluscos, além de consertarem as redes dos maridos pescadores. Não foi registrada participação masculina na atividade de coleta de mariscos e ostras. Portanto, as mulheres estão muito envolvidas em atividades ligadas à pesca, apesar de estas serem tradicionalmente masculinas.

O trabalho das mulheres no setor turístico ainda é incipiente, apenas sendo mais expressivo em Caraíva onde o turismo é mais intenso.

A rotina diária masculina inicia-se mais cedo do que a feminina na região estudada, em virtude do trabalho no mar nas primeiras horas do dia. Enquanto que os homens ausentam-se e retornam à tarde, as mulheres executam as tarefas domésticas, acrescidas da limpeza dos peixes, da coleta da água, do cuidado dos filhos pequenos. Sua jornada de trabalho é intensa, dificultando a participação em atividades de lazer e da comunidade. Apesar de se empenharem em participar das reuniões das Associações de Pais e Mestres das escolas, em casos isolados frequentam as reuniões das Associações de Pescadores e Nativos ou o conselho da RESEX.

As mulheres têm acesso e controle sobre alguns recursos para o desempenho das atividades produtivas secundárias, como facas de beneficiamento do pescado, mas ressalta-se que essa é tarefa socialmente desvalorizada e considerada feminina. As mulheres não possuem controle sobre a horta e seus produtos, ou as decisões sobre o que plantar e o que fazer com os recursos. Seu acesso e controle é ainda menor no que se refere a ferramentas, equipamentos e utensílios como redes de pesca e motores de barcos, equipamentos de segurança, como bóias e salva-vidas, e é inexistente quanto à posse de barcos. Os índices demonstram que apesar das mulheres possuirem conhecimentos e habilidades para a pesca e lavoura, não detêm o controle necessário sobre o uso e benefício das atividades produtivas.

Em algumas famílias, as mulheres têm acesso à água mas não detêm o controle sobre esse acesso, pois as residências não são servidas por água encanada e os postos de abastecimento muitas vezes são controlados por homens. O acesso das mulheres aos lucros sobre a venda de camarão, lagostas e polvos restringe-se à comunidade de Cumuruxatiba, pois a captura no local é mais intensa. O acesso aos lucros auferidos pelos serviços prestados aos turistas é conseguido por uma minoria de mulheres, sendo que o controle sobre o destino dado a esses rendimentos é obtido por parcela ainda menor, o que sugere relações de poder não equitativas no nível de decisão doméstico, que se reflete nas decisões comunitárias.

A grande maioria das mulheres não possui fontes de renda que lhes permita maior autonomia e decisão. Muitas mulheres possuem conhecimentos que possibilitam sua inclusão financeira através do trabalho com a pesca e com artesanato, e manifestaram o desejo de conseguir cursos de qualificação e aperfeiçoamento que lhes permitam ingressar em novas ocupações e principalmente beneficiar-se do afluxo de turistas. Os depoimentos coletados demonstraram o desejo das mulheres em obter remuneração para independência financeira e para auxiliar a família imediata e outros parentes. Essa demanda pode ser considerada em ações que transformem as relações de poder entre gêneros e objetivem o empoderamento das mulheres. Para isso, o atendimento da criança pequena, até os 6 anos, em creches públicas, que sirvam com alternativa de cuidado coletivo, é condição indispensável. Essa necessidade se torna mais forte nas temporadas turísticas, quando aumenta a oferta de opções de trabalho no setor turístico.

Os resultados obtidos mantiveram tendências gerais nas três comunidades visitadas. No entanto, a RESEX não constitui uma unidade, mantendo hábitos culturais diferenciados, principalmente quando se considera a presença da aldeia indígena Pataxó "Barra Velha" e a vila de Imbassuaba, que se destacam pelo cultivo de alimentos.

Os instrumentos relativos ao acesso e controle dos recursos e benefícios podem ajudar a definir, em conjunto com os diferentes grupos de homens e mulheres, o que se deseja implementar ou fortalecer. Para isso, o DPEG deveria ser um processo contínuo, para escutar e estimular a expressão dos participantes, moradores da RESEX Corumbau. Os instrumentos relativos a acesso e controle podem ajudar a definir, em conjunto com os diferentes grupos de homens e mulheres, o que desejam futuramente fazer ou fortalecer. Dessa forma, políticas públicas e planos de manejo que visem garantir os espaços necessários para a realização das atividades econômicas pesqueiras e a reprodução sociocultural das comunidades devem ser buscados com a cooperação de instituições e pesquisadores. A análise de gênero é variável essencial na efetivação bem sucedida das políticas de conservação e desenvolvimento, para a garantia da eqüidade de participação das mulheres e a superação de sua subordinação.

A existência de diversos e contraditórios interesses econômicos presentes em uma Unidade de Conservação é um desafio para os responsáveis pela implantação do Plano de Manejo da RESEX Corumbau, criando condições para a valorização do conhecimento local dominado pelos nativos, além de encaminhar o atendimento das necessidades básicas da população de moradores. Os moradores entrevistados manifestaram desejo de que seus filhos não possigam na atividade de pesca artesanal, pois o turismo aparenta oferecer maiores benefícios com uma rotina de trabalho menos desgastante.

A participação continuada da população na administração das Reservas Extrativistas, mantendo a eqüidade de gênero, pode levar ao empoderamento das comunidades para que o manejo participativo busque soluções locais e em nível regional e nacional, para a melhoria da qualidade de vida dos moradores e a conservação dos ecossistemas que fundamentam sua sobrevivência.

Agradecimentos

Este trabalho contou com o apoio do CNPQ e do FNMA (Fundo Nacional do Meio Ambiente). Agradecemos a colaboração inestimável de moradores e moradoras da RESEX, à Direção da Unidade e à equipe do Laboratório de Ecologia Humana e Etnoecologia da UFSCar.

Recebido: 20/2/06

Aceito: 14/9/06

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  • Autor para correspondência:

    Regina Célia Di Ciommo
    Laboratório de Ecologia Humana e Etnoecologia, Departamento de Hidrobiologia, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de São Carlos — UFSCar
    Rodovia Washington Luis, Km 235
    SP, Brasil
    Fone: (16) 3351 8451, (16) 3371 7708. Fax: (16) 3351 8310
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      14 Set 2006
    • Recebido
      20 Fev 2006
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