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Desenvolvimento sustentável: uma abordagem baseada em sistemas dissipativos

Sustainable development: an approach based on dissipative systems

Resumos

O artigo discute a importância de resultados de pesquisa sobre os sistemas dissipativos que se mantêm longe do equilíbrio para uma interpretação adequada da sociedade, entendida como um sistema evolutivo. De acordo com esta interpretação, argumenta-se que o desenvolvimento sustentável deve ser visto como um processo aberto cuja promoção deve incluir o estímulo às propriedades de caráter sistêmico das sociedades, como a liberdade substantiva dos indivíduos e a inteligência coletiva dos grupos sociais.

Sistemas sociais dissipativos; Desenvolvimento; Sustentabilidade


The article discusses the importance of research results about dissipative systems aiming a proper interpretation of society understood as an evolutionary system. In agreement with this interpretation, it argues that sustainable development should be taken as an open process, whose promotion should include the improvement of systemic properties in societies such as substantial freedom of people and collective intelligence of social groups.

Dissipative social systems; Development; Sustainability


ARTIGOS

Desenvolvimento sustentável: uma abordagem baseada em sistemas dissipativos

Sustainable development: an approach based on dissipative systems

Benedito Silva Neto

Doutor em Agricultura Comparada e Desenvolvimento Agrícola, Instituto Nacional Agronômico de Paris-Grignon, França, Professor do Mestrado em Desenvolvimento da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI

Autor para correspondência Autor para correspondência: Benedito Silva Neto Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI Rua São Francisco, 501, Bairro São Geraldo CEP 98700-000I, Juí, RS, Brasil E-mail: bsneto@unijui.edu.br

RESUMO

O artigo discute a importância de resultados de pesquisa sobre os sistemas dissipativos que se mantêm longe do equilíbrio para uma interpretação adequada da sociedade, entendida como um sistema evolutivo. De acordo com esta interpretação, argumenta-se que o desenvolvimento sustentável deve ser visto como um processo aberto cuja promoção deve incluir o estímulo às propriedades de caráter sistêmico das sociedades, como a liberdade substantiva dos indivíduos e a inteligência coletiva dos grupos sociais.

Palavras-chave: Sistemas sociais dissipativos. Desenvolvimento. Sustentabilidade.

ABSTRACT

The article discusses the importance of research results about dissipative systems aiming a proper interpretation of society understood as an evolutionary system. In agreement with this interpretation, it argues that sustainable development should be taken as an open process, whose promotion should include the improvement of systemic properties in societies such as substantial freedom of people and collective intelligence of social groups.

Keywords: Dissipative social systems. Development. Sustainability.

1 Introdução

Desde os trabalhos pioneiros de Georgescu-Roegen, existe uma longa tradição de estudos que privilegiam aspectos termodinâmicos na análise do desenvolvimento e da sua sustentabilidade (GEORGESCU-ROEGEN, 1976). Estes estudos partem da evidência de que os sistemas sociais são também sistemas biológicos e físico-químicos, e as restrições energéticas sofridas por estes últimos incidem também sobre os primeiros (FAUCHEUX; NOEL, 1995:369; STAHEL, 1998; VEIGA, 2005, p. 111).

No entanto, nestes trabalhos o caráter fundamentalmente evolutivo e auto-organizado das sociedades humanas, assim como de outros sistemas da biosfera, parece não ser adequadamente considerado. Por outro lado, em sua autobiografia, Ilya Prigogine afirma que, já em 1967, utilizou o conceito de estrutura dissipativa para enfatizar as propriedades específicas dos sistemas dissipativos que se mantêm longe do equilíbrio (FRÄNGSMYR, 1993).

Neste trabalho, de caráter introdutório, discutimos uma abordagem do desenvolvimento sustentável baseada na noção de sistemas dissipativos, a partir de uma revisão da literatura relativa a este tema, especialmente dos trabalhos produzidos por Ilya Prigogine e seus colaboradores. Nosso ponto de partida é que o conceito de estrutura dissipativa é essencial para uma compreensão adequada da sociedade como um sistema evolutivo. A partir disto, procuramos mostrar que tal compreensão tem profundas conseqüências sobre o conceito de desenvolvimento sustentável e sobre a formulação de políticas para a sua promoção, nas quais destacamos o papel a ser desempenhado por pesquisadores e técnicos.

A matemática relacionada aos sistemas não-lineares é de fundamental importância para uma discussão conceitualmente precisa da natureza e do comportamento dos sistemas dissipativos. No entanto, neste artigo não utilizamos procedimentos formais e a discussão dos aspectos matemáticos e físico-químicos dos sistemas dissipativos foi limitada ao que consideramos estritamente necessário para embasar uma discussão do desenvolvimento sustentável sob esta óptica.

Além desta introdução e da conclusão, este artigo está organizado em seis partes. Na primeira efetuamos uma breve revisão sobre sistemas dissipativos procurando evidenciar os principais condicionantes dos processos de auto-organização que são próprios a muitos deles. Na segunda parte discutimos as relações entre os processos de auto-organização apresentados por certos sistemas dissipativos e as suas características evolutivas. Na terceira parte discutimos algumas especificidades das sociedades humanas entendidas como sistemas dissipativos sociais. Na quarta e na quinta partes discutimos os conceitos de desenvolvimento e de sustentabilidade, respectivamente, formulados a partir das noções discutidas nas partes anteriores e, na sexta parte, discutimos algumas conseqüências da adoção destes conceitos sobre a concepção de políticas para a promoção do desenvolvimento sustentável.

2 Os sistemas dissipativos e sua organização

Os sistemas conservativos são aqueles em que a energia é conservada, isto é, ela não é dissipada para o meio externo. Grosso modo, um exemplo de sistema conservativo é o sistema solar, no qual os planetas, durante o seu percurso, não perdem (e nem ganham) energia.

Os sistemas dissipativos, ao contrário dos sistemas conservativos, são aqueles em que a energia não é conservada. Nos sistemas dissipativos as transformações sofridas pela energia geram calor, o qual é dissipado para o meio externo1 1 Os sistemas dissipativos são sistemas não isolados. . Assim, em um sistema dissipativo a energia livre transforma-se em entropia, a qual indica a quantidade de energia a partir da qual não se pode obter trabalho. Como a geração de entropia é um processo irreversível, um sistema dissipativo só pode aumentar sua quantidade de energia livre transferindo-a do seu exterior.

Na ausência de uma fonte de energia com baixa entropia (alta energia livre), os sistemas dissipativos tendem ao estado de equilíbrio termodinâmico. Neste estado a entropia do sistema é máxima e ele é macroscopicamente estável, ou seja, não apresenta variações no seu estado global (GÜÉMES et al., 1998, p. 254).

A camada que envolve o planeta Terra onde a vida se desenvolve, denominada biosfera, é um sistema dissipativo que se mantém fora do equilíbrio (GRIBBIN, 2004, p. 219). Por exemplo, termodinamicamente, a atmosfera terrestre possui uma composição altamente improvável, que só pode ser explicada pela presença de vida. Nas condições de pressão e temperatura atualmente vigentes, o gás oxigênio (O2), que constitui 21% da atmosfera da Terra, é altamente reativo, e o gás carbônico, que é quimicamente pouco ativo, mantém-se em níveis relativamente baixos (cerca de 0,03% da atmosfera). Isto só pode ser explicado pelo efeito da fotossíntese realizada por vegetais e algas, utilizando a energia solar. Acontece que, se a composição da atmosfera estivesse próxima do equilíbrio químico, no qual a concentração de gás oxigênio seria muito baixa e a de gás carbônico muito mais alta, a vida seria impossível (excetuando talvez algumas espécies de microorganismos). Uma alta concentração de gás carbônico tornaria a Terra tão quente (o preocupante efeito estufa) que impossibilitaria a sobrevivência de vegetais e animais. Já uma grande diminuição da presença do gás oxigênio impediria a utilização de energia pelos organismos por meio da respiração, também impossibilitando sua sobrevivência. Portanto, é a própria vida que é responsável por manter as condições ambientais que permitem a sua continuidade, o que caracteriza a biosfera como um sistema auto-sustentado (GRIBBIN, 2004, p. 219).

A biosfera é um sistema altamente heterogêneo, apresentando uma grande diversidade de subsistemas, os quais são, também, sistemas dissipativos. Assim, os sistemas físico-químicos, ecológicos e sociais presentes na Terra são sistemas dissipativos. E grande parte dos sistemas dissipativos da biosfera, em especial os ecológicos e sociais, são sistemas que permanecem fora do equilíbrio, por meio de um constante aporte de energia livre, a qual é utilizada para o seu estabelecimento e manutenção, isto é, para a sua organização. Por exemplo, uma floresta tropical é um sistema altamente organizado, o qual se estabelece, e se mantém, graças à energia captada pelas plantas. Outro exemplo é a organização das sociedades humanas possibilitada pelas diferentes fontes de energia por elas utilizadas.

Os processos de organização apresentados pelos sistemas dissipativos dependem de fontes externas de energia livre, com entropia mais baixa do que a do próprio sistema. Isto permite que os sistemas dissipativos possam transferir a entropia gerada durante sua organização para o seu exterior, o qual, salientamos, deve ter um grau de entropia inferior ao do sistema. Assim, apesar de um sistema dissipativo poder aumentar o seu grau de organização, há um aumento no total de entropia gerada.

Os processos de organização resultantes de interações descentralizadas entre os componentes do próprio sistema, e não por meio de forças externas ao sistema, são o que se denomina auto-organização. Os processos de organização dos sistemas ecológicos e sociais são, essencialmente, processos de auto-organização. Os ecossistemas e os sistemas sociais são, portanto, sistemas dissipativos auto-organizados que se mantêm longe do equilíbrio termodinâmico o que, é importante salientarmos, só é possível por meio de um suprimento constante de energia do exterior. Um esquema elaborado para ilustrar a dinâmica dos sistemas dissipativos longe do equilíbrio é mostrado na Figura 1.


Pela observação da Figura 1 pode-se perceber que, como salienta Prigogine (1993, p. 37), sem entropia a auto-organização do sistema não seria possível. Segundo este autor, é por meio da geração de entropia que ocorrem os processos irreversíveis que são responsáveis pela irreversibilidade do tempo, isto é, pelo fato do passado e do futuro serem distintos e irredutíveis um ao outro (PRIGOGINE; STENGERS, 1986, p. 52)2 2 A noção de tempo irreversível é um dos temas preferidos de Ilya Prigogine, tendo sido objeto de várias de suas obras, incluindo as citadas neste artigo. . Por este motivo, a entropia desempenha um papel central nos processos evolutivos, o que implica ir além da interpretação corrente que a identifica simplesmente como uma medida do grau de desordem de um sistema (PRIGOGINE, 1993, p. 37; PRIGOGINE, 1997, p. 26; PRIGOGINE; STENGERS, 1992, p. 49).

O comportamento de um sistema dissipativo ao longo do tempo pode ser caracterizado pela sua tendência a um atrator (KAUFFMAN, 1993, p. 176). O caso mais simples apresenta-se quando um sistema dissipativo tende ao equilíbrio termodinâmico com o seu meio. Ao atingir o equilíbrio, o sistema permanece em um estado macroscopicamente bem definido.

Um sistema dissipativo pode também tender a se apresentar em vários estados diferentes sucessivamente, de forma cíclica e regular. Neste caso, o atrator de um sistema dissipativo se constitui de um ciclo limite.Porém, muitos sistemas dissipativos, mesmo quando modelados pressupondo-se apenas a existência de variáveis deterministas, apresentam uma sucessão de estados que não se repetem. O comportamento destes sistemas pode ser muito semelhante ao de um sistema estocástico, quando representado por meio de séries temporais. Porém, se descrevermos os estados característicos do atrator destes sistemas em um gráfico de fase, em que cada estado é representado por um ponto (independentemente do período em que ocorreu), os padrões observados são muito distintos dos apresentados por um sistema estocástico (HANNON; RUTH, 1997, p. 47).

Os sistemas deterministas, que apresentam estados que não se repetem, são denominados sistemas caótico-deterministas e seus atratores são chamados de "atratores estranhos" (PRIGOGINE; STENGERS, 1992, p. 73). A existência de atratores estranhos evidencia que a sucessão de estados apresentada por um sistema dissipativo com comportamento caótico-determinista apresenta certa ordem, na medida em que os seus estados possíveis são confinados dentro de determinados limites específicos. É interessante salientar que o comportamento caótico-determinista pode se apresentar na forma de ciclos quase periódicos, isto é, os seus estados ao longo do tempo formam trajetórias que apresentam um caráter periódico, porém sem apresentar um ciclo limite definido, nunca repetindo exatamente um mesmo estado.

Para ilustrar algumas características dos atratores estranhos, na Figura 2 é mostrada uma série temporal de preços obtida por meio de um modelo de mercado agrícola no qual se pressupõe que os agricultores efetuam antecipações adaptativas dos preços (SILVA NETO, 2004). Pode-se observar nesta figura que os preços apresentam uma trajetória aparentemente aleatória, na qual não é possível discernir qualquer tendência ao equilíbrio ou a ciclos regulares.


No entanto, se representarmos os dados da Figura 2 em um gráfico de fase (período "t" versus período "t-1"), obtemos o gráfico mostrado na Figura 3, no qual se pode perceber que o padrão de organização formado pelo comportamento dos preços é completamente distinto de um comportamento aleatório, segundo o qual os pontos tenderiam a se distribuir por toda a superfície do gráfico. Esta "ordem dentro do caos" é característica de um atrator estranho. Vale salientar que comportamentos caótico-deterministas, com os atratores estranhos que os caracterizam, têm sido obtidos por outros autores com modelos de mercado agrícola baseados em antecipações adaptativas de preços (BOUSSARD, 1996; CHIARELLA, 1988).


Muitos sistemas dissipativos podem ser incluídos no que se denomina, em geral, de sistemas complexos, os quais se caracterizam pela presença de bifurcações (GRIBBIN, 2004, p. 149). Um sistema complexo pode apresentar vários comportamentos que vão desde o equilíbrio até o caos-determinista, passando por ciclos limite com um número crescente de pontos, de acordo com o valor de um, ou mais, parâmetros. O valor assumido por tais parâmetros na fronteira entre um ciclo limite e outro, ou entre um ciclo limite e o caos-determinista, é chamado de ponto de bifurcação. A Figura 4 mostra algumas das bifurcações obtidas pelo modelo de mercado cujo atrator é mostrado na Figura 3. Neste caso o parâmetro que controla as mudanças de comportamento do sistema é o quociente entre os coeficientes de elasticidade da oferta e da demanda.


As bifurcações se constituem na principal característica dos sistemas complexos (PRIGOGINE, 1997, p. 70). Isto porque a presença de bifurcações implica em uma indeterminação na relação entre estrutura e estado do sistema3 3 Sem a presença de variáveis aleatórias. , na medida em que significa que mais do que um estado pode ser associado a uma mesma estrutura, sendo esta última entendida como o conjunto dos mecanismos que regem o comportamento de um sistema.

Matematicamente, para que um sistema possa exibir bifurcações, algum dos seus componentes deve apresentar relações não-lineares. Porém, nem todas as relações não-lineares geram bifurcações. Neste sentido, as relações não-lineares mais importantes são as longitudinais4 4 As variáveis de um sistema podem apresentar também relações não-lineares funcionais, as quais ocorrem entre duas ou mais variáveis simultaneamente. , as quais também são chamadas relações recursivas ou retro-alimentações, ou seja, aquelas que traduzem o efeito de uma variável sobre si mesma ao longo do tempo.

As relações não-lineares são também responsáveis pela alta sensibilidade às condições iniciais apresentadas por sistemas com comportamento caótico-determinista. A partir de dois estados iniciais distintos, dois sistemas idênticos com comportamento caótico-determinista apresentarão uma divergência exponencial de suas trajetórias (BROWN, 1997). Assim, dois sistemas com comportamento caótico-determinista, inicialmente em estados muito próximos, após certo período se encontrarão em estados muito diferentes.

A alta sensibilidade às condições iniciais torna imprevisível a trajetória dos sistemas com comportamento caótico-determinista, pelo menos no longo prazo, mesmo se todos os mecanismos responsáveis pelas suas transformações forem perfeitamente conhecidos em virtude da impossibilidade de, na prática, o estado de um sistema poder ser medido com precisão infinita (BROWN, 1997).

3 Evolução

Os sistemas dissipativos longe do equilíbrio (estruturas dissipativas) presentes na biosfera são sistemas complexos, isto é, podem apresentar bifurcações e, pelo menos, a possibilidade de comportamento caótico-determinista. Além disto, tais sistemas sofrem perturbações, ou seja, variações aleatórias de algum dos seus componentes ou mudanças no seu contexto, as quais podem ser amplificadas por meio de relações não lineares entre os seus componentes.

As mudanças provocadas por uma perturbação são cruciais na definição da trajetória de um sistema complexo quando este se encontra em um ponto de bifurcação. É que, se um sistema tem sua trajetória alterada em um ponto de bifurcação, tal alteração se manterá ou mesmo será amplificada, alterando assim os estados futuros do sistema, inclusive a sucessão das suas formas de organização. Isto torna as estruturas dissipativas sistemas essencialmente evolutivos. Além disto, as perturbações também são importantes para a evolução dos sistemas dissipativos porque é a partir delas que pode ocorrer a geração de componentes novos, os quais podem se incorporar à sua estrutura, alterando o seu processo de auto-organização.

Prigogine e seus colaboradores (PRIGOGINE, 2004; PRIGOGINE; STENGERS, 1986, p. 239) utilizam a expressão "ordem por flutuação" para designar os processos de organização em que perturbações podem afetar a trajetória espaço-temporal do sistema de forma desproporcional à sua dimensão. Segundo estes autores, a ordem por flutuação é responsável pelo caráter intrinsecamente histórico e evolutivo dos sistemas dissipativos da biosfera que se mantêm longe do equilíbrio. No entanto, vale salientar, como destaca -Prigogine (2004), que a ocorrência de ordem por flutuação significa que os processos evolutivos característicos das estruturas dissipativas não ocorrem apenas em resposta a certos estímulos do meio, porém são processos essencialmente criativos, mesmo quando se trata de sistemas que não estão sujeitos à ação humana.

Harvey e Reed (1997) argumentam que a evolução de certos sistemas dissipativos segue uma tendência destes atingirem um máximo de organização permitido pela matéria e energia disponíveis. A partir deste ponto, a evolução destes sistemas ocorre apenas a partir de alterações do próprio padrão de organização. Esses autores afirmam que as mudanças provocadas por certas perturbações (provavelmente referindo-se às que ocorrem em um ponto de bifurcação) correspondem, assim, a uma "evolução da evolução", segundo expressão dos autores, ou seja, a uma evolução do próprio processo evolutivo destes sistemas (HARVEY; REED, 1997, p. 305).

Rihani (2002) enfatiza que a evolução requer tanto que um sistema esteja sujeito a mudanças quanto que ele seja capaz de resistir a mudanças, na medida em que a capacidade de auto-organização de um sistema requer que ele mantenha, até certo ponto, a sua estrutura. Assim, um sistema dissipativo, para ser capaz de evoluir, deve ser suficientemente flexível, isto é, apresentar uma instabilidade interna que lhe permita sofrer mudanças, mas, também, apresentar certo grau de resiliencia, isto é, capacidade de absorver impactos externos, de maneira a não comprometer o seu processo de organização (RIHANI, 2002).

A observação de comportamentos caótico-deterministas em muitos fenômenos físicos e biológicos de importância, por exemplo, para a engenharia e para a medicina, respectivamente, coloca o problema do seu controle. No entanto, as técnicas de controle e de sincronização de sistemas dinâmicos lineares, que consistem essencialmente em ajustar os seus parâmetros com a finalidade de definir o seu comportamento global, são pouco eficientes quando se trata de sistemas complexos. Assim, muitas das técnicas utilizadas para o controle de sistemas caóticos procuram explorar as propriedades específicas destes sistemas por meio, por exemplo, de pequenas perturbações aplicadas periodicamente com a finalidade de corrigir sua trajetória (WEEKS; BURGEES, 1997). Porém, como salienta Kauffman (1995, p. 208), a existência de mecanismos de controle não implica na supressão do caráter evolutivo dos sistemas complexos.

Enfim, é interessante observar que a aplicação de perturbações em sistemas complexos tem sido proposta também para o desenvolvimento de técnicas de "anticontrole", especialmente no campo da medicina. Alguns pesquisadores (DITTO et al., 1995, citado por TOON, 1995) têm sustentado que a aplicação de perturbações para desencadear um comportamento caótico moderado em órgãos (no caso, o cérebro) que apresentam comportamentos patologicamente rígidos pode melhorar o seu funcionamento, na medida em que permitiriam que o seu comportamento se ajustasse melhor às variações da atividade metabólica (TOON, 1995).

4 As especificidades dos sistemas sociais

De uma maneira geral, as sociedades humanas, ou sistemas sociais, podem ser interpretadas como sistemas dissipativos que são estruturados para favorecer a sobrevivência da espécie humana. Assim os sistemas sociais, como outros da biosfera, são sistemas dissipativos que se mantêm longe do equilíbrio, isto é, são sistemas não conservativos cuja manutenção depende de um suprimento constante de energia e, neste caso, também de matéria. No entanto, os sistemas sociais apresentam especificidades importantes. Por exemplo, os sistemas sociais tendem a evoluir mais rapidamente e, aparentemente, com maiores descontinuidades do que, por exemplo, os ecossistemas que não sofrem intervenção humana. Assim, após o surgimento da agricultura, há cerca de 12.000 anos, as mudanças que a espécie humana provocou na biosfera foram profundas e seu ritmo se acelerou significativamente nos últimos 200 anos (MAZOYER; ROUDART, 1998, p. 16). Enquanto isso a estruturação dos grandes biomas terrestres requereu muito mais tempo. Stahel (1998) chega a afirmar que, de um ponto de vista termodinâmico, o advento do capitalismo tornou insustentáveis as sociedades que o adotaram na medida em que nestas observa-se uma grande aceleração da utilização dos recursos naturais em relação ao ritmo dos ciclos de renovação observados na biosfera.

Embora também sejam sistemas dissipativos auto-organizados, os sistemas sociais estão longe de apresentar o mesmo grau de organização dos ecossistemas naturais5 5 Denominamos aqui ecossistemas "naturais", em oposição aos ecossistemas "cultivados", aqueles sobre os quais a influência de atividades humanas é realizada sem objetivos específicos. . Assim, a intervenção humana significa certa desorganização dos ecossistemas naturais o que requer uma aplicação crescente de energia. A intervenção humana sobre o seu ambiente, geralmente, tem como objetivo organizá-lo de forma a atender as necessidades humanas imediatas. Assim os seres humanos podem interpretar muitos dos processos de auto-organização dos sistemas naturais como uma desorganização, ou aumento da entropia, do sistema social ao qual pertencem. Neste sentido as intervenções da espécie humana sobre o ambiente têm como objetivo certa diminuição da entropia. Porém, nem sempre aquilo que é interpretado como um aumento de entropia da sociedade humana o é de um ponto de vista termodinâmico. Neste sentido, a própria resiliência dos ecossistemas naturais pode ser percebida pelas sociedades humanas como um aumento, e não uma diminuição, da entropia. Por exemplo, o aparecimento de plantas invasoras na agricultura é, de um ponto de vista estritamente termodinâmico, uma diminuição de entropia. Isto porque as plantas invasoras surgem em uma cultura em decorrência da existência de luz, nutrientes, água e espaço deixados livres pela eliminação do ecossistema original. Como boa parte destes recursos não é aproveitada pela cultura, tenderia a se dispersar pelo meio, aumentando sua entropia. O surgimento de plantas invasoras tenderia a contrabalançar este processo, aumentando a organização do sistema. Porém, do ponto de vista da espécie humana, o surgimento de invasoras representa uma perturbação da organização (desejada) do ecossistema cultivado, isto é, representa um aumento da sua entropia. O mesmo pode-se afirmar em relação ao surgimento de insetos e microorganismos nos ecossistemas cultivados.

As contradições entre, por um lado, a entropia dos sistemas sociais e, por outro lado, a entropia termodinâmica muitas vezes se reflete nos problemas econômicos da sustentabilidade, ou seja, no conflito entre os interesses materiais das sociedades e a dinâmica dos demais sistemas dissipativos auto-organizados da biosfera.

Nos ecossistemas naturais, as perturbações geradoras de diversidade ocorrem essencialmente por meio de mutações genéticas nos seres vivos. Combinada com recombinações e com a seleção natural, a qual é mediada por diversas formas de relações entre os seres vivos (mutualismo, comensalismo, competição, etc.), a diversidade gerada pelas mutações possibilita as mudanças nos processos de auto-organização dos ecossistemas responsáveis pela sua evolução (DAWKINS, 1989).

Nos sistemas sociais, tais perturbações estão associadas a inovações que, essencialmente, podem ser de dois tipos. O primeiro diz respeito às mudanças nas relações sociais que os seres humanos estabelecem entre si, sendo que o segundo tipo relaciona-se às diferentes fontes e formas de uso de matéria e de energia. Assim, de uma maneira geral, as inovações que ocorrem nos sistemas sociais podem ser "sociais" ou "técnicas".

Enfim, outra especificidade importante da sociedade, na condição de estrutura dissipativa, é a existência em seu seio de processos de auto-referência, os quais formalmente se constituem em relações não-lineares longitudinais (FIORETTI, s/d). Assim, o comportamento dos agentes sociais não ocorre apenas como uma simples reação a uma determinada situação, mas também ocorre de acordo com as antecipações que eles fazem do comportamento dos demais agentes diante da situação em questão e, também, em relação a um estado por eles considerado desejável do sistema social. As antecipações de preços responsáveis pela possibilidade dos mercados agrícolas apresentar um comportamento caótico-determinista, como ilustrado nas Figuras 2 e 3, é um exemplo simples de comportamento auto-referente (SILVA NETO, 2004).

5 Desenvolvimento

Neste artigo conceituamos o desenvolvimento como um processo evolutivo que ocorre em sociedades interpretadas como sistemas dissipativos que se mantêm longe do equilíbrio. O desenvolvimento é, portanto, interpretado como um processo complexo auto-organizado, o que implica reconhecer que as estruturas sociais emergem fundamentalmente a partir das interações locais entre seus constituintes, e que sua trajetória não pode ser prevista, o que descarta a possibilidade de um planejamento centralizado eficaz.

Segundo este conceito, o desenvolvimento não é um processo fechado, que preconiza que a sociedade deva atingir um determinado estado específico, ou seguir uma determinada trajetória, cuja definição é baseada em algum exemplo já existente (países, regiões ou locais considerados desenvolvidos). Ao contrário, ao conceituarmos o desenvolvimento como um processo evolutivo, o importante não é o seu estado final, mas sim os fatores que condicionam a evolução da sociedade de forma que esta mantenha características consideradas desejáveis. Neste sentido, segundo a abordagem aqui proposta, não existem países, regiões ou locais desenvolvidos, mas sim sociedades capazes de se desenvolver. Conseqüentemente, ao analisarmos tais sociedades, o importante não é o que diretamente proporciona as características porventura consideradas desejáveis do desenvolvimento, como por exemplo, as relacionadas à melhoria da qualidade de vida como renda, organização econômica, formas de exploração dos recursos, etc. E também é preciso salientar que desenvolvimento não pode ser confundido com crescimento econômico até porque, como mostra Daly (1991; 2004), o crescimento econômico pode se constituir em um obstáculo ao desenvolvimento sustentável.

Na abordagem aqui proposta, o importante na análise do desenvolvimento, e da sua sustentabilidade, são as propriedades sistêmicas que permitem que as sociedades consigam se adaptar e evoluir adequadamente.

Segundo Byrne (1999, p. 78), as sociedades apresentam certas propriedades, que o autor denomina sistêmicas, que possuem ao mesmo tempo significados e efeitos sociais. Tais propriedades são atributos tanto dos indivíduos como das relações que estes mantêm entre si, as quais exercem uma influência profunda sobre a sociedade como um todo, alterando sua capacidade de se desenvolver.

Como já mencionado acima, novas relações sociais e novas formas de manipulação de energia e uso de recursos são os principais fatores geradores de diversidade em uma sociedade. Pode-se argumentar que a capacidade de inovar, para se manifestar plenamente, necessita que os seres humanos desfrutem de um mínimo de liberdade "substantiva", isto é, que os seres humanos tenham não apenas o direito, formal, de exercer sua liberdade, mas também as condições materiais para tanto. Neste sentido a abordagem do desenvolvimento que procuramos descrever aqui apresenta uma grande convergência com a noção de desenvolvimento como liberdade proposta por Sen (2000, p. 17). Como este autor, entendemos também que a liberdade supõe não apenas um rigoroso respeito aos direitos dos indivíduos, mas também o acesso a meios materiais e intelectuais que possibilitem a expressão das suas potencialidades. Além disto, a liberdade substantiva também pressupõe certa capacidade de ação política que possibilite uma efetiva participação de toda a população nos processos decisórios da sociedade (SEN, 2000, p. 180).

No entanto, a tentativa de promover uma liberdade que não seja apenas formal levanta problemas de difícil solução. Isto porque, em situações concretas, caracterizadas pela escassez de recursos e por conflitos de interesse, a expansão da liberdade de um indivíduo gera, inevitavelmente, a limitação da liberdade de outros. Assim a promoção da liberdade substantiva implica também em formas de regulação do acesso aos recursos disponíveis e da solução de conflitos. Portanto, o que determina a liberdade substantiva não é a ausência de regras, mas, ao contrário, a liberdade substantiva só pode ser assegurada por meio da existência de formas de regulação das relações sociais que assegurem certa igualdade do que Amartya Sen conceitua como funcionamentos e capacidades6 6 Segundo Amartya Sen "o conceito de 'funcionamentos' reflete as várias coisas que uma pessoa pode considerar ser valioso fazer." Assim, "os funcionamentos podem ser desde elementares, como ser adequadamente nutrido e livre de doenças evitáveis, a atividades ou estados pessoais muito complexos, como poder participar da vida da comunidade e ter respeito próprio." Já "a 'capacidade' de uma pessoa consiste nas combinações alternativas de funcionamentos cuja realização é factível para ela." (SEN, 2000, p. 95). (SEN, 2000, p. 95). E tal regulação, para que seja efetiva, deve ser fruto de processos democráticos de organização da sociedade (SEN, 2000, p. 180).

Vários autores têm estudado fenômenos relacionados ao que tem sido denominado de "inteligência coletiva" para explicar por que certos problemas são mais eficientemente resolvidos coletivamente do que a partir de decisões individuais (LÉVY, 1999, p. 167; SUROWIECKI, 2004, p. 27; PÓR, 1995; SZUBA, 2001). Assim, em uma sociedade que se auto-organiza, diferenciando suas estruturas internas, os indivíduos que a compõe passam a ocupar posições cada vez mais específicas, o que dificulta uma plena compreensão, por parte de qualquer um destes indivíduos, do estado ou do comportamento global da sociedade (LÉVY, 1999, p. 161). Além disto, a existência de interesses conflitantes que afetam a todos os indivíduos (embora em diferentes graus) aumenta ainda mais esta dificuldade. Neste sentido, têm sido estudados processos de decisão em que os indivíduos, analisando problemas de forma independente e descentralizada, geraram, coletivamente, soluções que são mais precisas do que as soluções elaboradas por eles mesmos de forma isolada (SUROWIECKI, 2004, p. 5). É interessante observar que nestes processos são as soluções genuinamente coletivas que se mostram superiores, e não apenas soluções individuais, devidamente selecionadas pelo grupo (SUROWIECKI, 2004, p. 6). Szuba (2001) chega a propor um modelo formal, utilizando técnicas de inteligência artificial, que mostra que processos computacionais distribuídos, descentralizados e paralelos, podem mostrar-se muito superiores a processos computacionais centralizados, mesmo quando estes possuem maior capacidade de processamento. Portanto, segundo este autor, os fenômenos de inteligência coletiva podem ser explicados na medida em que as pessoas agem como unidades de processamento paralelas descentralizadas e independentes.

Rihani (2002) destaca a importância dos processos de aprendizado coletivo como um dos elementos centrais para o entendimento do desenvolvimento como um processo evolutivo. Segundo este autor, as mudanças observadas nas sociedades não dizem respeito apenas às formas como elas se organizam, mas também à maneira como os indivíduos passam a compreendê-la a partir das suas experiências e da aquisição de novas informações. É interessante observar que mudanças resultantes da maneira como os indivíduos percebem a sociedade, o que pode ocorrer de forma independente de outras mudanças, tornam ainda mais difícil a identificação de relações entre estrutura e estado (ou comportamento) da sociedade, tornando também ainda mais difícil a identificação das causas das suas transformações. Em outras palavras, os processos relacionados à inteligência e ao aprendizado coletivos acentuam ainda mais a complexidade das sociedades humanas.

Em suma, segundo a abordagem aqui proposta, a liberdade substantiva e a inteligência coletiva, promovidas por meio de processos de aprendizado coletivo, seriam as principais propriedades sistêmicas a serem estimuladas na promoção do desenvolvimento sustentável.

6 Sustentabilidade

Vários autores têm salientado a necessidade de uma visão dinâmica e evolutiva da sustentabilidade. Proops et al. (1996) afirmam que "a sustentabilidade não é algo a ser atingido, mas um constante processo". Segundo Holling (2000) "sustentabilidade é a capacidade de criar, testar, e manter capacidade adaptativa" e "desenvolvimento é o processo de criação, teste, e manutenção de oportunidades". Assim, para Holling (2000), "o desenvolvimento sustentável refere-se ao objetivo de promover capacidades adaptativas e criar oportunidades". Voinov e Farley (2007) afirmam a existência de uma contradição interna no conceito de sustentabilidade. A partir da discussão de vários trabalhos, estes autores indicam que a manutenção de um sistema muitas vezes ocorre graças à renovação periódica de seus subsistemas, os quais não seriam, portanto, sustentáveis em termos absolutos. Assim, segundo Voinov e Farley (2007), a identificação da sustentabilidade com preservação a qualquer custo, sem levar em consideração os diferentes níveis hierárquicos dos sistemas, pode comprometer seriamente a sustentabilidade da biosfera (e, portanto, a de todos os subsistemas que a compõe).

A consideração das sociedades humanas como estruturas dissipativas, conforme discutido no presente trabalho, reforça tais posições. Segundo esta abordagem, a sustentabilidade, quando considerada de forma absoluta, é um conceito destituído de qualquer sentido. Isto porque uma sociedade que evolui e, portanto, muda, é sempre ao mesmo tempo sustentável e não sustentável.

Uma sociedade que evolui não pode ser considerada sustentável, em termos absolutos, porque as mudanças que caracterizam sua evolução significam que ela não se manteve, ou seja, não se sustentou, e continua a fazê-lo.

Mas uma sociedade que evolui pode também ser considerada sustentável na medida em que ela continua a manter certa estrutura.

Assim, ao assumirmos que as sociedades evoluem, não podemos discutir a sua sustentabilidade em termos absolutos. É preciso especificar o que se está (e o que não se está) procurando sustentar, pois de qualquer forma, no futuro, o desenvolvimento será diferente. E as mudanças ocorrerão tanto no que diz respeito às condições materiais para o desenvolvimento como em relação ao próprio significado específico que será atribuído a este termo. Embora muitas noções relacionadas ao que em geral, de um ponto de vista normativo, se entende por desenvolvimento como, por exemplo, a necessidade de melhorar a qualidade de vida dos mais pobres ou de preservar o meio ambiente de forma a assegurar boas condições de vida às gerações futuras, possam parecer amplamente consensuais, tal consenso é insuficiente para o estabelecimento de critérios para a tomada de decisão diante de problemas que se colocam em situações concretas, caracterizadas pela escassez de recursos e por conflito de interesses.

Assim, de um ponto de vista evolutivo, a determinação do que é e do que não é sustentável só tem sentido a partir de análises objetivas de problemas concretos que permitam delimitar as possibilidades de escolha que se colocam para a sociedade, as quais devem ser definidas levando-se em consideração as conseqüências da escolha de cada uma das opções, os meios necessários para que elas possam ser efetivadas, etc. E isto não apenas em relação às conseqüências ambientais, mas também em relação às conseqüências sociais, ou seja, é necessário que se estime qual parte da sociedade (categoria social, setor econômico, etc.) será prejudicada a partir de cada escolha, e como evitar que os indivíduos relacionados à ela não sejam simplesmente marginalizados na sociedade.

A partir do exposto acima, fica claro que, segundo a abordagem evolutiva que procuramos desenvolver neste artigo, existem várias "sustentabilidades" possíveis de uma sociedade, sendo que a promoção de uma delas ocorrerá, sempre, em detrimento de outra.

Enfim é importante salientar que o papel privilegiado que defendemos para análises objetivas de problemas concretos para embasar as escolhas a serem realizadas não significa que tais escolhas devam ser feitas sem a consideração de princípios éticos e morais, inclusive os que levam em consideração os possíveis interesses e necessidades das gerações futuras, ou de outras espécies, ou a necessidade da preservação da biodiversidade como um fim em si mesmo, etc. Tais escolhas não apenas devem ser realizadas levando-se em conta tais princípios, mas entendemos que elas são mesmo impossíveis de serem feitas independentemente deles. O que procuramos enfatizar aqui é que tais princípios não se constituem em conceitos operacionais para a análise das opções, e das conseqüências da escolha de cada uma delas, que se colocam diante das sociedades. E tal análise é de suma importância, na medida em que cada opção provoca conseqüências irreversíveis. Além disto, é importante salientar que, dado o caráter evolutivo da sociedade, a opção de nada mudar é impraticável.

7 A promoção do desenvolvimento sustentável

Como argumentado acima, segundo a abordagem aqui proposta, a promoção do desenvolvimento sustentável consiste, essencialmente, na promoção das propriedades sistêmicas responsáveis pela evolução das sociedades. Isto não significa afirmar que ações para solucionar problemas específicos do desenvolvimento sustentável não devam ser implementadas. E muito menos que cientistas e técnicos não devam participar dos debates que permitem às sociedades resolver tais problemas. Afirmar que a promoção do desenvolvimento sustentável é essencialmente a promoção da liberdade substantiva e da inteligência coletiva significa subordinar as propostas de solução de problemas específicos do desenvolvimento sustentável ao caráter evolutivo das sociedades humanas. É entender que a solução dos problemas sociais, inclusive os relacionados ao desenvolvimento sustentável, passa por um amplo processo de aprendizado da sociedade como um todo, e não pela sua organização, de forma centralizada, por alguma das suas partes (como o Estado, a comunidade científica, etc).

A interpretação das sociedades humanas como sistemas dissipativos auto-organizados tem, portanto, profundas conseqüências sobre as formas de promoção do desenvolvimento sustentável. Segundo esta visão, promover o desenvolvimento sustentável não significa o estímulo a supostos mecanismos "espontâneos" de regulação da economia, tal como o mercado, na medida em que este é apenas uma dentre várias instâncias importantes para o funcionamento da economia e, portanto, para o desenvolvimento sustentável.

Da mesma forma, uma abordagem do desenvolvimento sustentável baseada em sistemas dissipativos não implica na defesa de um papel proeminente do Estado na organização da sociedade. Isto porque, se o Estado é uma instituição cujo funcionamento é uma condição necessária para a reprodução das sociedades contemporâneas, ele não deixa de ser uma instituição "interna" à sociedade, estando sujeito aos mesmos condicionantes que regem o seu funcionamento. Em outras palavras, segundo a abordagem dos sistemas dissipativos aqui proposta, não se pode considerar o Estado como um "deus ex-machina" capaz de organizar a sociedade a partir de um ponto de vista externo à mesma. Ao contrário, o Estado também tem que ser considerado como uma dentre várias instituições importantes para a promoção do desenvolvimento sustentável.

O mesmo se aplica aos pesquisadores e técnicos que atuam no seu estudo e promoção. Evidentemente, a ciência é um poderoso instrumento de aprendizagem. E um grande esforço pedagógico, por parte dos pesquisadores e técnicos, deve ser realizado para que os resultados científicos possam estar disponíveis a um grande número de pessoas, o que pode torná-los elementos de importância central do debate sobre o desenvolvimento sustentável. Porém, ao desempenhar o seu papel nesse debate, pesquisadores e técnicos devem considerar os demais agentes sociais como verdadeiros interlocutores, legítimos e qualificados, pois apenas assim é possível promover o desenvolvimento sustentável a partir de uma visão evolutiva da sociedade.

Assim, baseado no exposto acima, pode-se argumentar que, sociedades cientificamente informadas, porém, vale salientar, não cientificamente dirigidas, com cidadãos livres (no sentido substantivo deste termo), por meio de um processo de aprendizado que potencialize sua inteligência coletiva, teriam melhores chances de resolver satisfatoriamente os problemas relativos ao seu desenvolvimento sustentável.

8 Conclusões

Este artigo é produto de uma reflexão que se encontra ainda no seu início. Muito ainda há que ser esclarecido sobre a pertinência de se considerar o desenvolvimento sustentável sob a ótica dos sistemas dissipativos e sobre as conseqüências desta abordagem sobre o conceito e a formulação de políticas de desenvolvimento sustentável. No entanto, mesmo assim é interessante que alguns pontos sejam destacados, à guisa de conclusões.

Neste sentido, salientamos que o aspecto mais importante da abordagem baseada em sistemas dissipativos é a sua ênfase de que o desenvolvimento sustentável é um processo inescapavelmente evolutivo. Segundo esta abordagem, as transformações das sociedades humanas, como as das demais estruturas dissipativas da biosfera, são determinadas por processos cuja previsão e controle está além da capacidade de qualquer uma das suas partes.

Além disso, segundo a abordagem aqui proposta, as trajetórias do desenvolvimento sustentável são específicas. Portanto, é inútil procurarmos eleger qualquer local, região ou país como um modelo a ser seguido, por mais pertinente que isto possa parecer à primeira vista. Ao invés disso, o importante é procurarmos compreender o que, concretamente, "desenvolvimento" pode significar para as populações dos locais, regiões ou países em questão. Por exemplo, qual o significado que pode ter o padrão de vida norte-americano (ou o de qualquer outro país ou região) como parâmetro de desenvolvimento para, digamos, um pequeno agricultor do semi-árido nordestino? É possível que para este agricultor, assim como para boa parte dos habitantes desta região, o desenvolvimento, no momento, signifique possuir meios para assegurar uma adequada disponibilidade de água e comida para a sua família. Evidentemente que, obtido isto, outras necessidades virão, o que é característico de um processo evolutivo. De qualquer forma, situações como a do semi-árido nordestino são, talvez, as que apresentam os problemas de desenvolvimento mais urgentes, e para contribuir para a solução destes problemas pouco adianta se perguntar se toda a humanidade poderá ou não desfrutar de um alto padrão de consumo num futuro que é, aliás, de qualquer forma imprevisível.

Enfim, é importante salientar que o papel fundamental atribuído aos processos de aprendizagem coletiva na abordagem aqui proposta implica no questionamento da capacidade de qualquer tipo de automatismo para a solução de problemas relacionados ao desenvolvimento sustentável. Este desenvolvimento é, necessariamente, fruto de relações que se estabelecem no conjunto da sociedade, inclusive por meio das suas diversas instituições, e não apenas por meio do mercado, sendo que o mesmo pode-se afirmar em relação ao Estado. E quanto mais amplas, disseminadas e diversificadas as capacidades, individuais e coletivas, que puderem ser mobilizadas, maiores serão as chances que teremos de superar os problemas relativos ao desenvolvimento sustentável que, inevitavelmente, sempre surgirão.

Notas

Recebido: 14/7/2006

Aceito: 13/3/2007

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  • 1
    Os sistemas dissipativos são sistemas não isolados.
  • 2
    A noção de tempo irreversível é um dos temas preferidos de Ilya Prigogine, tendo sido objeto de várias de suas obras, incluindo as citadas neste artigo.
  • 3
    Sem a presença de variáveis aleatórias.
  • 4
    As variáveis de um sistema podem apresentar também relações não-lineares funcionais, as quais ocorrem entre duas ou mais variáveis simultaneamente.
  • 5
    Denominamos aqui ecossistemas "naturais", em oposição aos ecossistemas "cultivados", aqueles sobre os quais a influência de atividades humanas é realizada sem objetivos específicos.
  • 6
    Segundo Amartya Sen "o conceito de 'funcionamentos' reflete as várias coisas que uma pessoa pode considerar ser valioso fazer." Assim, "os funcionamentos podem ser desde elementares, como ser adequadamente nutrido e livre de doenças evitáveis, a atividades ou estados pessoais muito complexos, como poder participar da vida da comunidade e ter respeito próprio." Já "a 'capacidade' de uma pessoa consiste nas combinações alternativas de funcionamentos cuja realização é factível para ela." (SEN, 2000, p. 95).
  • Autor para correspondência:
    Benedito Silva Neto
    Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI
    Rua São Francisco, 501, Bairro São Geraldo
    CEP 98700-000I, Juí, RS, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      13 Mar 2007
    • Recebido
      14 Jul 2006
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