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Matrizes que se cruzam: interações entre movimento socioambiental e campo jornalístico

Matrixes that cross each other: interactions between the socioenvironmental movements and journalistic field

Resumos

Este artigo trata das interações entre o campo jornalístico e o dos movimentos sociais, onde observamos o entrecruzamento de matrizes culturais. Neste contexto, a cidadania funciona como estratégia de oferta de sentido dos movimentos socioambientais na busca por visibilidade pública. A partir de um estudo empírico, o artigo identifica as matrizes culturais do campo jornalístico e dos movimentos socioambientais, analisa como a fonte enquadra seus discursos para dar visibilidade a suas agendas, e o lugar que a matriz ambiental ocupa nesta interação.

Campo jornalístico; Movimentos socioambientais; Matrizes culturais; Interação social; Cidadania


This paper is about the interactions between the journalistic field and social movements, where we observe the crossing of cultural matrixes. In this context, citizenship works as a meaning offer strategy for the socioenvironmental movements in search of public visibility. Based on an empirical study, this article identifies the cultural matrixes of the journalistic field and the socioenvironmental movements. It analyzes how the source frames its speeches to provide its agendas with visibility, and the position occupied by the environmental matrix in this interaction.

Journalistic field; Socioenvironmental movements; Cultural matrixes; Social interaction; Citizenship


ARTIGOS

Matrizes que se cruzam: interações entre movimento socioambiental e campo jornalístico

Matrixes that cross each other: interactions between the socioenvironmental movements and journalistic field

Jane Mazzarino

Professora do Programa de Pós-Graduação Ambiente e Desenvolvimento e dos cursos de graduação em Comunicação Social do Centro Universitário Univates, Lajeado, Rio Grande do Sul

Autor para correspondência Autor para correspondência: Jane Mazzarino Centro Universitário Univates Rua Avelino Tallini, 171, Bairro Universitário CEP 95900-000, Lajeado, RS, Brasil E-mail: janemazzarino@gmail.com

RESUMO

Este artigo trata das interações entre o campo jornalístico e o dos movimentos sociais, onde observamos o entrecruzamento de matrizes culturais. Neste contexto, a cidadania funciona como estratégia de oferta de sentido dos movimentos socioambientais na busca por visibilidade pública. A partir de um estudo empírico, o artigo identifica as matrizes culturais do campo jornalístico e dos movimentos socioambientais, analisa como a fonte enquadra seus discursos para dar visibilidade a suas agendas, e o lugar que a matriz ambiental ocupa nesta interação.

Palavras-chave: Campo jornalístico. Movimentos socioambientais. Matrizes culturais. Interação social. Cidadania.

ABSTRACT

This paper is about the interactions between the journalistic field and social movements, where we observe the crossing of cultural matrixes. In this context, citizenship works as a meaning offer strategy for the socioenvironmental movements in search of public visibility. Based on an empirical study, this article identifies the cultural matrixes of the journalistic field and the socioenvironmental movements. It analyzes how the source frames its speeches to provide its agendas with visibility, and the position occupied by the environmental matrix in this interaction.

Keywords: Journalistic field. Socioenvironmental movements. Cultural matrixes. Social interaction. Citizenship.

1 Introdução

As matrizes culturais funcionam como marcas ideológicas que constituem a identidade dos campos sociais. Martín-Barbero propõe investigar os processos culturais a partir das mediações e dos sujeitos, e das práticas de comunicação, onde intervêm as matrizes culturais. Matrizes culturais não se referem à evocação do arcaico, mas ao "residual", "substrato da constituição dos sujeitos", "veios de entrada para outras matrizes dominadas, porém ativas" (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 258.). Entendemos as matrizes culturais como marcas incrustadas na experiência social dos sujeitos, que são ativadas nas interações sociais, embaralham-se com as novas experiências e os novos movimentos. São fazeres na vida do sujeito, sejam estes individuais ou coletivos. Estas matrizes culturais atualizam-se no (des)encontro cultural da interação social comunicacional e/ou midiatizada e são também nestes encontros que se modificam, desterritorializam-se para reterritorializarem-se. As matrizes culturais se constituem por via das mediações sociais, e, ao mesmo tempo, são elas mesmas mediações para os fazeres sociais e na construção de novas identidades. Martín-Barbero propõe um deslocamento do eixo do debate dos meios para as mediações. Diante dos processos de transnacionalização, de emergência de novos sujeitos sociais e identidades culturais, a comunicação tornou-se um espaço estratégico para pensar a sociedade contemporânea (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 258). Este artigo trata das interações comunicacionais e midiáticas entre matrizes culturais de dois campos sociais: o campo jornalístico e dos movimentos sociais. Desta interação observamos que a cidadania funciona como estratégia de oferta de sentido dos movimentos sociais na busca por visibilidade pública1 1 Estas e outras interações foram tema da minha tese de doutorado, que teve como orientadora a professora Dra. Denise Cogo, e co-orientador em Portugal o professor Dr. João Pissarra Esteves, da Universidade Nova de Lisboa - UNL. MAZZARINO, Jane Márcia. A cidadania na tecelagem das interações comunicacionais-midiáticas do movimento socio-ambiental. São Leopoldo: Tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), 2005. Esta pesquisa foi parcialmente custeada pela Capes e pelo CNPq. .

O campo midiático, como dispositivo essencial da discursividade nas sociedades modernas, garante uma mediação social generalizada, de todos os campos sociais entre si. A competência simbólico-expressiva do campo midiático faz dele uma referência incontornável da sociedade moderna. Outros campos sociais (cada qual com seus universos simbólicos) têm a necessidade de recorrer ao campo midiático para afirmar seus objetivos e interesses. Esta confluência para o campo midiático lhe confere um papel determinante de preservação de uma certa homogeneidade social. Para Esteves (2003), a estreita relação entre opinião pública e campo midiático resulta em mutações estruturais nas sociedades modernas, que conferem importância extraordinária aos processos simbólicos de mediação social. Esta relação é atravessada por contradições próprias da mídia, que repercutem na opinião pública. A legitimidade do campo midiático é conferida, portanto, pela sua capacidade de mediar a multiplicidade de interesses divergentes. O campo midiático funda processos de ritualizações simbólicas da experiência humana em geral, que se disseminam pelos outros campos e impõem um ritmo ao conjunto da vida social (ESTEVES, 2003).

O inédito da intervenção técnica nos processos comunicacionais são estas novas relações entre comunicação e organização social que, na modernidade, liberam práticas sociais, como o uso dos meios de comunicação como fator de socialização, revelando um novo tipo de comunicação (MARTINO, 2001) e uma nova cultura: a tecnocultura, onde saber e sentir passam a ser mediados pelas tecnologias de informação. Esta tecnointeração significa que as relações humanas passam a ser também mediadas pela lógica mercadológica dos mídias, ou seja, o ethos social se constrói com interferência do processo de midiatização (SODRÉ, 2002). Hoje, os movimentos sociais são uma referência para pensarmos sobre estas relações sociais.

Na sociedade moderna, observamos uma crescente necessidade coletiva e pessoal de afirmação de interesses a partir da sua transformação em discursos a serem midiatizados. Diferentes campos sociais desenvolvem estratégias de apropriação do espaço midiático. As estratégias de interação com o campo midiático são cada vez mais colocadas ao centro no planejamento das organizações dos diferentes campos sociais, e seu sucesso é determinado pela capacidade maior ou menor dos sujeitos sociais apropriarem-se do campo midiático, seja moldando-se às suas regras ou criando novas formas de atuação. Este modo de ação provoca mudanças fundamentais no espaço público, as quais complexificam seu funcionamento com novos temas e problemas em discussão, assim como formas de participação inovadoras.

O espaço onde se constrói a opinião pública é, portanto, marcado pela interação entre uma multiplicidade de discursos dos vários campos sociais que se movimentam no sistema social global. Discursos estes que chegam aos públicos de forma amplificada ao serem processados via tecnologias (informacionais), e também discursos outros relativos às interações interpessoais (comunicacionais), que podem ou não ser apropriados pelo campo midiático. No caso do "sub-campo" midiático do jornalismo, por exemplo, estas apropriações se dão conforme os discursos se enquadrem ou não nas suas lógicas.

2 As matrizes culturais do campo jornalístico

As ideologias jornalísticas podem ser observadas enquanto marcas culturais presentes na dinâmica e na estrutura do próprio campo. Essas marcas identitárias atravessam as práticas da comunidade interpretativa formada pelos seus profissionais, as regras de produção das notícias com seus valores (valores-notícia), os quais resultam nos enquadramentos dados no processo produtivo das notícias, que são ofertados para o público em forma de "estórias" pretensamente objetivas. Estas são questões importantes para se entender o funcionamento do campo social do jornalismo.

A ideologia não é um conjunto de falsidades discretas, mas uma matriz de pensamento firmemente enraizado nas formas da nossa vida social e organizada dentro de um grupo de categorias interdependentes, que constitui uma rede de significados estabelecidos, imbuídos na 'atribuição' de acontecimentos aos contextos 'relevantes' dentro destes 'mapas de significado' culturais pré-estabelecidos. (MORLEY, 1981, apud BIRD; DARDENNE, 1999, p. 263-277).

A ideologia jornalística, para Henn (2002), é responsável pela confluência do aparato mercadológico do jornalismo com sua pressuposta função pública de "retratar a realidade de forma imparcial e objetiva". Faz parte da ideologia jornalística perceber seu trabalho como serviço público. Ao mesmo tempo, as instituições jornalísticas são empresas que precisam de lucro e servem de voz aos conglomerados econômicos ou grupos políticos. Desta forma, as rotinas produtivas no jornalismo são processos permeados pelas ideologias dos atores sociais deste campo.

...atuar no jornalismo é uma opção ideológica, ou seja, definir o que vai sair, com que destaque e com que favorecimento, corresponde a um ato de seleção e exclusão. Este processo é realizado segundo diversos critérios, que tornam o jornal um veículo de reprodução parcial da realidade. Definir a notícia, escolher a angulação, a manchete, a posição na página ou simplesmente não dá-la é um ato de decisão consciente dos próprios jornalistas (MARCONDES FILHO, 1989, apud HENN, 2002, p. 36)

Na sociedade contemporânea, a informação transforma-se em necessidade vital. Ao selecionar e hierarquizar os fatos, seguindo interesses políticos, econômicos e técnicos, o jornalismo propicia uma certa orientação. Além de organizar, o jornalismo constrói a realidade social na medida em que as notícias vão gerando interpretantes na sociedade, os quais se desdobram em outros, que formam uma semiose infinita, como denomina Henn (2002). A tese do autor é que

Os jornais fixam-se como centro, em torno do qual o meio social orbita. E como centro detêm aparato ideológico que procura dar sentido aos fatos no impulso de formar opinião. Absorvem o pânico para depois arrefecê-lo em um fluxo que vai da total expectativa ao desinteresse absoluto. Desta forma, defende-se que os fluxos das notícias, com seus picos e diluições, funcionam como cerimoniais que atendem necessidades simbólicas de conforto diante do medo, da atemorização, diante do caos que os próprios meios orquestram (HENN, 2002, p. 91).

Segundo Hall (1999), o aparecimento de um novo paradigma crítico nos estudos dos mídias dependia da redescoberta da ideologia, estudada num processo comunicacional onde os participantes negociam e assumem diferentes papéis ativos, permeados pela ideologia própria do campo a que pertencem, e não a partir de paradigmas que pensavam uma divisão estanque entre agentes dominados e dominadores. Ideologia como parte da "identidade" do campo que "trabalha" na identidade do agente/ator social nele inserido. Ao se pensar na ideologia do campo jornalístico, não se pode esquecer que ele está inserido no campo midiático, e este tem especificidades ideológicas que perpassam o campo jornalístico.

O jornalismo surge como uma certa configuração de sentido, que confere inteligibilidade e unidade a acontecimentos desligados entre si. Para isso, utiliza-se de normas que constituem diferentes gêneros jornalísticos. Assim, o gênero narrativo notícia é uma construção cultural, ideológica, técnica, que busca legitimar o jornalismo como uma área de saber que "sabe" a realidade dos acontecimentos. É nesta direção que se encaminha a teoria do jornalismo como "construção da realidade social", e o paradigma do agendamento, segundo o qual os mídias possuem uma importância decisiva na transformação das relevâncias dos públicos. Deixaram de fazer sentido as formulações baseadas no pressuposto de um receptor simplesmente manipulado pela mídia. Os paradigmas comunicacionais contemporâneos partem do pressuposto de que a construção de sentidos sobre a realidade é resultado de um processo interativo entre os agentes (fontes, jornalistas, consumidores), baseados na lógica de negociação contínua.

Novos agentes podem tomar a palavra para impor outras visões do mundo, dar a conhecer os problemas de 'mundo da vida' que já não se apresentam tão homogéneos e unificadores, participar de forma conflitual na formulação da agenda, ou na visão que se constrói sobre a realidade que se visa representar...permitir...repensar as relações entre os media e os públicos (CORREIA, 2000, p. 193-211).

Assim, a seleção não é definida apenas pela emissão, como observou a teoria do gatekeeper. Ela é também igualmente exercida pelo público na recepção, assim como pelas fontes, que fazem dos jornalistas receptores. É pelas possibilidades de segmentos da sociedade civil forçarem uma democratização de acesso ao espaço público midiatizado - por pretenderem os diferentes segmentos tomarem a palavra, a fim de fazer chegar ao espaço público interpretações conflituais e afirmações em defesa do reconhecimento de identidades excluídas do espaço midiático - que a definição de realidade é, afinal, uma construção complexa.

2.1 A comunidade interpretativa

Uma comunidade interpretativa está unida por um discurso partilhado e pelas interpretações coletivas dos acontecimentos, ou seja, trata-se de um enquadramento compartilhado. Esta ideologia partilhada permite aos jornalistas dar determinadas abordagens na difusão de notícias guiadas por lógicas e valores semelhantes ou iguais2 2 Zelizer entende que "os jornalistas estão unidos, enquanto comunidade interpretativa, pelas interpretações colectivas de determinados acontecimentos-chave. O discurso compartilhado que produzem é assim um indicador de como se vêem a si próprios como jornalistas" (ZELIZER, 2000, p. 33-61). Quando autores das teorias estruturalista e etnoconstrucionista referem-se à existência de uma comunidade jornalística, esta se caracterizaria por ser detentora de três saberes específicos: o saber de reconhecimento, o saber de procedimento e o saber de narração. O saber de reconhecimento refere-se à capacidade de reconhecer quais são os acontecimentos que possuem valor como notícia, através da mobilização dos valores-notícia. O saber de procedimento refere-se aos conhecimentos precisos que orientam os passos a seguir na recolha de dados para elaborar a notícia, o conhecimento das regras acerca das fontes de notícias, etc. Já o saber de narração consiste na capacidade de compilar todas essas informações e empacotá-las numa narrativa noticiosa, em tempo útil e de forma interessante, a capacidade de mobilizar a linguagem jornalística com as suas regras estilísticas (ZELIZER, 2000, p. 33-61). .

Enquanto um campo de saber autônomo, o campo jornalístico é marcado pelo ethos profissional dos jornalistas, que se constitui num misto de auto-percepção enquanto um comunicador desinteressado e comprometido com a verdade, a serviço da democracia. Para cumprir esta "função" movimenta um conjunto de normas, rituais e valores (a objetividade, a independência, o imediatismo, etc.) que formam uma ideologia profissional, e servem de base para o que vem a ser definida como cultura profissional (uma linguagem própria, uma maneira própria de sentir o tempo, um conjunto de cultos, símbolos e mitos, o conhecimento dos critérios de noticiabilidade constituídos por um conjunto de valores-notícia, os quais resultam na capacidade de identificar as ocorrências ou questões que devem ser transformadas em notícia). Todos estes ingredientes constituem a identidade do jornalismo enquanto profissão. Ou seja, são marcas identitárias que se refletem como ideologias próprias deste campo social. A ideologia profissional desta "tribo" constitui-se num fator de crucial importância na elaboração do produto jornalístico ou na definição da agenda jornalística, segundo Traquina (2000). Para o autor, duas variáveis são determinantes na constituição da agenda jornalística: os critérios de noticiabilidade e a ação estratégica dos promotores de notícias para mobilizar o acesso ao campo jornalístico3 3 "As notícias devem ser encaradas como o resultado de um processo de interação social. As notícias são uma construção social onde a natureza da realidade é uma das condições, mas só uma, que ajuda a moldar as notícias. As notícias também reflectem 1) os constrangimentos organizacionais; 2) as narrativas que governam o que os jornalistas escrevem; 3) as rotinas que orientam o trabalho e que condicionam toda a atividade jornalística; e 4) as identidades das fontes de informação com quem falam." (TRAQUINA, 2001, p. 122-123). . Neste sentido, nossos estudos empíricos apontam para a compreensão de que a cidadania, enquanto valor midiatizável ofertado pela fonte, captura o jornalista contemporâneo, vai se estabelecendo como um valor que permeia os critérios de noticiabilidade e tende a ser enquadrado e espetacularizado pelo campo jornalístico.

Enquadrar tem o sentido de criar quadros para fazer ver a realidade, mapas para o olhar. Estes quadros explicitam princípios de organização que estruturam os acontecimentos, bem como os próprios interesses individuais. O quadro noticioso organiza, assim, a realidade do cotidiano. A notícia, enquanto um quadro sobre o acontecimento, faz a ligação entre o que a fonte promove e a produção do jornalista como algo transitório. A cada dia, novos assuntos surgem no fazer jornalístico. Devido a constrangimentos organizativos, a notícia tende a ser reduzida a um ponto de vista sobre a ocorrência. O repórter analisa e interpreta o acontecimento influenciado pela instituição que trabalha, marcas da comunidade profissional e marcas sociais outras, onde se incluem aspectos subjetivos. Assim, a notícia é o resultado de uma visão do acontecimento partilhada e enquadrada socialmente. Não é a representação da realidade, mas do que é a realidade para o jornalista enquanto ator social e cultural. Este enquadramento implica uma articulação mútua entre a fonte, o jornalista e o receptor. A notícia, colocando-se como quem revela, confunde a realidade social reproduzindo estruturas institucionais, segundo Santos (1997).

Portanto, as notícias funcionam como enquadramentos da realidade social feitos a partir de valores-notícia ou critérios de noticiabilidade, que explicitam as ideologias ou marcas identitárias do campo jornalístico. As notícias são construções, narrativas, "estórias", que são construídas pelo jornalista desde a pauta e a escolha da fonte. Assim, poderíamos nos perguntar porque uma fonte é escolhida e não outra? Um dos motivos é porque se enquadra mais nos valores e critérios de noticiabilidade do campo jornalístico que outras.

2.2 Os critérios de noticiabilidade

Os atores sociais vão aprendendo as lógicas da produção das notícias e, valendo-se delas, passam a se constituir como fontes habituais das matérias sobre determinados tipos de acontecimentos. Uma fonte interessada, e que age estrategicamente, tenta capturar os produtores de notícias na sua rede produtora de sentidos, a fim de se comunicar na sociedade via espaço público midiatizado. Henn afirma que a escolha das fontes para cumprir a pauta segue alguns critérios. Um deles é o fato do grupo ou os indivíduos já serem conhecidos e terem servido como fonte em ocasiões anteriores. Outro critério é serem fontes "produtivas", por ofertarem grande quantidade de dados e terem credibilidade4 4 Wolf observa que os valores notícia seguem diferentes tipos de critérios: 1) relativos ao conteúdo (importante, de interesse, etc.), 2) relativos à disponibilidade (de materiais, das fontes, etc.), 3) relativos ao produto informativo (produtividade e credibilidade das fontes, atualidade do acontecimento, etc.), 4) relativo ao público (interesse, histórias insólitas, etc.), 5) relativo à concorrência (WOLF, 2001). .

O pauteiro encontra-se em leitura constante, leitura/tradução que implica seleção, projeção, diagnóstico e prognose. O repórter prossegue no trabalho de pauta/leitura na coleta dos dados, do depoimento das fontes, na constatação perceptiva. Presta contas para o editor ou chefe de reportagem, que vai operar outra tradução e talvez propor novos rumos para a pauta. A notícia corre o risco de ser alterada ou complementada minutos antes da edição final, caso não desapareça no lixo. E a rede interpretativa prossegue com a notícia publicada ganhando outra vitalidade que dependerá da reverberação no ecossistema social...depois de publicada, a semiose da notícia segue novo curso, gerando interpretantes na mente do público leitor. Não só do leitor, como também dos jornalistas, provocando novas pautas sobre o mesmo acontecimento ou seus desdobramentos. Dependendo do peso das ocorrências, elas exigirão novas abordagens que não se esgotam num único dia de noticiário. Muitas vezes, a própria notícia provoca uma repercussão tão intensa no ecossistema social que necessitará ser pautada para edições futuras, num processo que, no jargão jornalístico, chama-se suíte (HENN, 1996, p. 88, 101).

Tornar um acontecimento inteligível para o público é enquadrá-lo em mapas socioculturais compartilhados, portanto a notícia é resultado de um processo sociossemiótico de produção. O processo de significação pressupõe consensos socioculturais, ou seja, partilhas simbólicas. Para Hall (1999), os mídias estão entre as instituições cujas práticas são, de forma mais ampla, baseadas no consenso. Assim, há uma relação direta entre os enquadramentos socioculturais do público e os enquadramentos do campo jornalístico. Ao interpretar um acontecimento e enquadrá-lo, via valores-notícia, em um produto do campo jornalístico, o profissional o faz a partir de consensos socioculturais da vida cotidiana. Utiliza-se de explicações, imagens e discursos que se articulam com o saber da sociedade. Desta forma, os mídias desempenham um papel importante na reprodução das ideologias6 6 Para Hall, "um acontecimento só faz sentido se se puder colocar num âmbito de conhecidas identificações sociais e culturais...Se os jornalistas não dispusessem - mesmo de forma rotineira - de tais mapas culturais do mundo social, não poderiam dar sentido aos acontecimentos invulgares, inesperados e imprevisíveis que constituem o conteúdo básico do que é noticiável... As coisas são noticiáveis porque elas representam a volubilidade, a imprevisibilidade e a natureza conflituosa do mundo. Mas não se deve permitir que tais acontecimentos permaneçam no limbo da desordem - devem ser trazidos aos horizontes do significativo...o processo de significação - dando significados sociais aos acontecimentos - tanto assume como ajuda a construir a sociedade como um 'consenso'. Existimos como membros de uma sociedade porque - é suposto - partilhamos uma quantidade comum de conhecimentos culturais com os nossos semelhantes..." (HALL et al., 1999, p. 224-248). .

2.3 As "estórias"

As lógicas da transformação dos acontecimentos em notícia se assemelham à construção das "estórias". Não no sentido de terem valor menor ou serem fictícias, mas por se tratar de documentos públicos, serem uma realidade construída e possuidora da sua própria validade interna, que existem por si só (TUCHMAN, 1999, p. 258-262)7 7 Para a autora, como as estórias, as notícias são feitas de frames ou quadros escolhidos dos acontecimentos para que se constituam, quando reunidos, em notícia. Frames seriam, neste sentido, espécie de retalhos dos acontecimentos escolhidos para constituírem a notícia " patchwork", uma unidade que não deixa ver sua construção e a complexidade do seu processo produtivo, como se fosse um pano único e homogêneo, sem seleções, edições, recortes. No entanto, tratam-se de diversidades encaixadas a partir das lógicas que permeiam o processo produtivo de ordem simbólica como se caracteriza o fazer do campo jornalístico (TUCHMAN, 1999). .

As "estórias" jornalísticas referem-se ao diferente e ao particular, ao que é desviante, novo, espetacular. Por usarem os mesmos valores-notícia, a "fórmula da estória" não varia muito, o que facilita o trabalho dos jornalistas, que escrevem várias "estórias" por dia sobre realidades diversas. O esqueleto é o mesmo, os adornos é que mudam. Contar os acontecimentos como "estórias" é também uma forma de torná-los compreensíveis para o público, pois se trata de uma fórmula culturalmente estabelecida.

Os jornalistas encontram-se incomodamente repartidos entre o que eles consideram dois ideais impossíveis as exigências da realidade, que consideram alcançável através de estratégias objectivas, e as exigências da narratividade. Defrontam um paradoxo: quanto mais objectivos forem, mais ilegíveis se tornam, e quanto melhores contadores de estórias forem melhor resposta terão dos seus leitores, embora aqui os jornalistas tenham receio de trair os seus ideais...Um jornalista-contador de estórias está na verdade a utilizar valores de estórias culturalmente embutidos, retirando-os da cultura... (BIRD; DARDENNE, 1999, p. 263-277).

Assim como o jornalista precisa construir uma boa "estória" para capturar o receptor, as fontes que sabem contar bem a sua "estória" enredam o jornalista nos seus mapas de sentido, e o capturam para adotarem as significações que dão aos acontecimentos sociais.

3 Um estudo de caso das separadoras de resíduos sólidos

De que forma os fazeres de uma organização socioambiental despertam o interesse e são enquadrados pelo campo jornalístico, passando a se constituir em uma "estória" que participa da construção da realidade social ofertada para o consumo dos receptores? Esta questão norteou nosso estudo dos discursos midiatizados na grande imprensa sobre uma organização socioambiental formada por mulheres separadoras de resíduos sólidos, em Porto Alegre RS.

A preocupação com a violência, a questão da mulher marginalizada, a necessidade de trabalho e renda, e a percepção do lixo como matéria-prima resultou na fundação da ONG Centro de Educação Ambiental Vila Pinto (CEA Vila Pinto). A organização e pressão popular fizeram com que a Administração Municipal de Porto Alegre doasse um terreno, e o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) construísse o galpão. Os equipamentos foram angariados com parceiros da iniciativa privada e pública, que também auxiliaram na capacitação dos separadores. Em 31 de agosto de 1996 é inaugurado e começa a funcionar o CEA Vila Pinto, em um terreno de 5.000 m2.

Neste dia, a líder do CEA acertou a ampliação com o prefeito. "Com a mídia toda lá, fiz Tarso (Genro) se comprometer que iria trabalhar para ampliar o galpão que estava inaugurando". Nesta afirmação, a líder do CEA explicita a forma como usou a mídia como testemunha para o compromisso que queria do poder público. A fala revela a ação estratégica da líder comunitária em relação a dois campos sociais: o político institucional e o midiático. A estratégia funcionou. A ampliação foi de 560 m2, o que deu capacidade para o galpão reciclar 20 t de lixo por dia - volume atual.

Hoje, o trabalho inclui também homens na unidade de triagem, que funciona em turnos, manuseando os vários tipos de resíduos sólidos: plástico, vidro, lata, alumínio e papel. A matéria-prima do CEA são os resíduos sólidos oriundos de parte da coleta seletiva de Porto Alegre e que, aos poucos, tornaram o empreendimento rentável, com aumento da produção e renda e criando oportunidade de trabalho para outras pessoas da comunidade. Outra parte do material é recolhida com caminhão do próprio CEA, em shoppings centers, bares, restaurantes, empresas públicas e privadas, escolas, unidades do Exército, além de sucatas e material rejeitado da construção civil.

Desde sua criação, a ONG trabalha em parceria com entidades, empresas, órgãos públicos e voluntários, que subsidiam o trabalho do CEA com treinamento, apoio, participação, materiais físicos, planejamento, orientação e educação. Hoje, o "negócio" do CEA Vila Pinto não é só a administração do galpão de triagem. O projeto inclui oficinas que acontecem no Centro Cultural, inaugurado, em 2002, seis anos depois do galpão de triagem. Estas oficinas são possibilitadas por parcerias eventuais e contínuas - locais e regionais. Tudo isso faz com que o CEA Vila Pinto seja uma referência internacional, o que foi determinante para a escolha dele como Projeto Mundial pela Expo 2000, em Hannover, na Alemanha, quando o CEA Vila Pinto representou a GTZ durante o evento. Na sua trajetória histórica, a ONG tem obtido o reconhecimento de instituições da sociedade local, regional e nacional, o que se comprova nos prêmios angariados pelo CEA Vila Pinto e pela sua presidente, Marli Medeiros. Outra forma de reconhecimento da sociedade observa-se quando inúmeros projetos de galpões de reciclagem no RS e no país têm o Centro de Educação Ambiental Vila Pinto como referência.

No entanto, talvez o mais importante seja o reconhecimento social interno. A mudança que ocorre nas vidas destas mulheres e homens quando começam a participar do trabalho dentro do CEA é reconhecido pela maioria, que salienta a solidariedade e a amizade do ambiente da unidade de triagem, mas não deixam de relacionar com as contradições e conflitos, gerados principalmente pelas diferenças nos ganhos.. É inegável, de qualquer forma, que é ali que se dá o reconhecimento primeiro e essencial que os tira da marginalidade social.

Por fim, é importante a compreensão de que, quando o CEA atua como fonte de informação para os jornalistas, é predominantemente através da atuação da sua presidente. Esta centralização é representativa também da organização interna do poder neste grupo social.

3.1 Os enquadramentos que a fonte faz das matrizes para agendar o campo jornalístico

No processo de midiatização do CEA junto aos jornais de Porto Alegre e na televisão observamos que a fonte enfatiza os sentidos relativos às matrizes cidadã-comunitária, subjetiva, de gênero e comunicacional-midiática. E, secundariamente, apareceram os sentidos relacionados a questões e matrizes sócio-econômica, educativa, ambiental, empresarial, e religiosa.8 8 Rapidamente podemos definir as matrizes da seguinte forma: 1) a matriz de gênero faz referência ao movimento de mulheres; 2) a matriz ambiental mescla questões de ecologia com inclusão social, resíduos sólidos, consumo, culpa social e solidariedade com o movimento das recicladoras, características da nova fase do movimento ambientalista, etc; 3) a matriz empresarial refere-se aos discursos sobre produtividade, custo benefício, ganhos, características de empreendedorismo, liderança, apropriação das lógicas do discurso capitalista no discurso do CEA, a estratégia de buscar consultores/educadores para desenvolver o trabalho, etc; 4) a matriz subjetiva relaciona-se com as questões de construção da identidade pessoal, questões étnicas, de reconhecimento social, dos valores relativos à experiência pessoal, resgate da auto-estima, qualidade de vida, crescimento pessoal, etc; 5) a matriz cidadã-comunitária se explicita quando surgem no discurso do CEA questões sociopolíticas: de trabalho comunitário, parcerias, reconhecimento do trabalho na sociedade, empreendedorismo social, liderança, trajetória histórica, relativo a políticas dos grupos sociais, formação de redes sociais, relativas a outros movimentos sociais, voluntariado para oficinas e outros apoios, questões legais, de direitos humanos, organização social, relacionada com as políticas públicas, a busca de recursos do governo do Estado, a participação no Orçamento Participativo, etc; 6) a matriz socioeconômica relaciona-se ao poder de consumo, oportunidade de trabalho e renda, exclusão e inclusão social, classe social, apoios financeiros internacionais, marginalidade e violência social, falta de infra-estrutura básica, crescimento profissional, etc; 7) a matriz educativa faz referência ao fato do CEA construir-se enquanto espaço educativo, espaço de arte popular e erudita com a música, produção de papel artesanal, centro de informática na comunidade, oficinas de ginástica laboral, etc ; e 8) a matriz religiosa refere-se à relação com atores das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs - de onde surge a idéia dos galpões de triagem que deram origem à coleta seletiva em Porto Alegre. Devemos entender estas matrizes culturais não como estanques, mas transversais, que se cruzam formando matrizes híbridas e complexas. Todas estas matrizes se presentificam, com ênfases diferenciadas, nos discursos do CEA que são midiatizados.

O CEA instigou o estudo de caso por demonstrar uma competência comunicacional e midiática para se manifestar no espaço público como nenhum outro grupo de separadoras de resíduos sólidos, no momento histórico em que foi realizada a pesquisa - 2003/2004. Esta competência foi determinante para a construção da nona matriz cultural, que denominamos matriz comunicacional-midiática do grupo social, a qual se manifesta na forma como o CEA faz a apropriação das lógicas da mídia para enquadrar seus discursos quando atua como fonte (a fim de transformar-se em canal de rotina), nas apropriações das lógicas usadas por outros movimentos ou grupos sociais na interação com a mídia, na fluência verbal, etc. Para a repórter de telejornalismo da TVE, a figura da líder e presidente do CEA é muito "marcante".

...ela marca pra mídia. Ela fala bem pra mídia, ela se expressa bem, e tem conteúdo, tem o que mostrar....A própria expressão dela. Ela é uma pessoa que se vende bem. A fala dela, a figura dela. E vende bem o trabalho dela. Então isso atrai. A primeira vez que fui fazer matéria com ela, acho que sobre ser liderança, eu voltei encantada com o que ela falou. E aí quando tu precisa novamente de um exemplo tu vai no mesmo lugar.

Para a repórter, a líder do CEA não é uma fonte desinteressada, ao contrário, sabe o que quer na sua interação com a mídia, e assim vende sua "idéia" ao contar sobre o porquê da existência do Centro, o trabalho desenvolvido e a necessidade de geração de renda na Vila Pinto.

Tu vê que a fala dela é mais preparada...o que ela fala ali é muito fundamentado... Tu fala o que tu combinar com ela: eu preciso que tu diga isso, e sai. Ela já é midiatizada. Ela sabe o que ela quer da mídia. Ela sabe o papel da mídia pro trabalho dela. Ela sabe o que vai falar, o que é importante dizer pra conquistar, pra agregar coisas pro trabalho dela. Eu não digo que ela se aproveite da mídia, mas ela sabe da posição da mídia, o papel que a mídia ocupa dentro daquele projeto ali. A mídia não tá fora daquele projeto. Embora seja mais nós que procuramos ela. Mas ela sabe se beneficiar. Ela não se fecha pra mídia. Ela tá sempre aberta.

Como se pôde observar, a matriz comunicacional-midiática se explicita nos modos de fazer do grupo social estudado desde a sua origem, quando a líder do CEA, estrategicamente, faz o prefeito comprometer-se com a ampliação da obra diante dos produtores do campo jornalístico que cobrem o evento. O vídeo institucional que conta a trajetória histórica do CEA - produção intitulada Mulher, Meio Ambiente e Cidadania - realizado para a Expo 2000 também compõe historicamente a matriz comunicacional-midiática do grupo. Ao analisarmos este documento, observamos que o CEA constrói-se para visibilidade pública como uma organização social de grande sucesso, uma referência para satisfações de necessidades sócio-econômicas, de cidadania, ambientais, subjetivas e de gênero. Segundo este vídeo, no CEA todos são felizes, todos participam de tudo, todos têm voz, o CEA é autosustentável, as mulheres adquiriam amor próprio, auto-estima, todos são empreendedores. Trata-se de uma família feliz onde todos trabalham juntos e unidos, todos têm consciência ambiental, os problemas têm soluções coletivas, parcerias proporcionam treinamento, apoio, participação, planejamento, reeducação, maturidade empresarial. A evolução econômica é resultado do crescimento de cada um, já que cada um ganha conforme trabalha. O CEA também proporciona atividades culturais e educativas para crianças, adolescentes e adultos, que resultam em qualidade de vida, desenvolvimento da comunidade, e contribuições para o meio ambiente. O vídeo institucional finaliza assim:

Este é o Centro de Educação Ambiental da Vila Pinto. Uma associação de trabalhadores de baixa renda, preferencialmente mulheres, comprometidos com a transformação comunitária, objetivando melhor qualidade de vida e do meio ambiente. A seleção e reaproveitamento do lixo viabilizam a sobrevivência e a concretização da ajuda mútua. Além de incentivar a luta pela defesa das liberdades individuais e coletivas, justiça social e direitos fundamentais.

Estas marcas da auto-construção simbólica do CEA migram para a midiatização na grande mídia. A matriz comunicacional-midiática da organização socioambiental refere-se essencialmente ao fato da sua líder saber contar uma boa "estória" ao jornalista, incrementada com o enquadramento de sentidos que convergem para a auto-oferta enquanto uma organização modelo de cidadania comunitária. Segundo a repórter da TVE, "quando a gente procura o CEA é como um exemplo de uma coisa que tá dando certo. Talvez a gente até, com essas matérias, a gente acabe mascarando e mostrando que tá dando certo até mais do que realmente está. Porque mostra a coisa tão perfeita, mas é uma referência."

A competência comunicacional-midiática desta fonte específica está relacionada com matrizes relativas à cultura oral-popular marcada por "estórias". A boa "estória" da fonte rende uma boa "estória" na mídia, principalmente devido à personalidade "performática" da líder, sua fluência verbal, sua preocupação em estar continuamente informada, seu poder de argumentação, e sua capacidade de ser uma ouvinte atenta, fazer apropriações e colagens dos discursos que escuta nas diversas interações em que participa (empresários, religiosos, médicos, etc.); além da sua gestualidade e jogo de cena. Conforme a líder,

Eu sou muito atenta. Eu leio, vejo televisão, pra aprender coisas. Procuro me centrar, converso com as pessoas que sabem mais do que eu. Escuto palestras, vou a seminários. Tudo isso eu vou tirando um pedacinho daqui, um pedacinho dali, e isso foi me abastecendo de conhecimentos. É aquele negócio, quando tu quer fazer show... Eu não nasci assim. Claro que eu tinha todo um perfil de observadora, ficar olhando as coisas, querer aprender. Cada reunião que eu vou eu degusto elas. Observo as pessoas, vejo como falam, o que faz, onde é que ele vai, como conseguiu. Bom, se ele foi eu também posso.

Da mesma forma, a líder do CEA demonstra capacidade de incorporar as lógicas produtivas do campo jornalístico, e conhece o que interessa ao campo jornalístico dar visibilidade. Segundo a repórter, em uma das entrevistas,

Ela foi falando tudo, muito sem...em nenhum momento ela falou não coloca, não escreve isso, ou dá mais destaque pra isso. Ela simplesmente foi contando a história dela do início ao fim...A matéria segue isso... Me chamou atenção assim que ela tinha muito contato com imprensa, com jornalista...já estão acostumados com isso. Ela sabe que isso valoriza o trabalho dela e chama recursos. Sabe qual vai ser o rumo das matérias. O pessoal vai lá e procura a mesma coisa: o trabalho dela, o centro modelo. Tem uma tendência natural de valorizar os aspectos da vida dela que ela intui que vão dar uma matéria mais interessante. Lembrar da vida dela o que já é mais interessante jornalisticamente.

Segundo Marli, a facilidade ao se relacionar com a mídia eletrônica se deu com o "treinamento" que teve, quando uma novela de 20 capítulos sobre reciclagem, veiculada no Canal Futura, foi gravado nas dependências da unidade de triagem do CEA.

Foi um passo muito importante porque a gente conviveu com as câmeras durante quase três meses, repetindo cenas. Nós fizemos o cinema, repetindo. Faz de novo. Isso serviu pra todo mundo. Hoje quando vou pra frente da câmera já pergunto se não tô muito reluzente, eu mesmo já me preparo...fiz um vídeo pra Brasken que tá rodando no início dos filmes nos cinemas, pra Petrobrás. Três minutos. Os caras vieram de SP e disseram que a gente não tem muito trabalho com a Marli. Ela já é produtora...

Para a líder,

É importante falar com quem tem maior alcance. A Band, a televisão é uma mídia que me chama muito a atenção. As rádios né. Eu ainda não consegui ir pra Rádio Gaúcha e a Guaíba. O programa da Lauro Quadros é um sonho que eu tenho de ir. Não consegui ainda. Mas também não vou ficar forçando. Alguém um dia vai me chamar. Alguém um dia vai dizer pro Lauro Quadros que ele tem que trazer a Marli pro programa. Eu fico só mentalizando: um dia eu vou no Lauro Quadros, no Ranzolin.

Para a líder, dar entrevistas é importante porque "é um agente multiplicador". Observamos que no relacionamento com o campo jornalístico a líder do CEA se vale da sua fluência verbal, da sua facilidade de comunicação, e da "sensibilidade" do repórter para conversar com ela. Estrategicamente usa a mídia para falar com a própria comunidade: "conto as coisas positivas", "quando eu vou pra televisão eu aviso a Vila inteira". Desta forma, a visibilidade na mídia também serve para reforçar a liderança do CEA: "a divulgação, estar na televisão, significa auto-estima pra Vila". A interação com o campo jornalístico "é uma forma de conseguir as coisas", afirma a líder. Nesse jogo, "é importante falar com quem tem maior alcance".

A organização socioambiental, enquanto fonte, agenda com mais sucesso o campo jornalístico com as matrizes cidadã-comunitária e de gênero. As ênfases que a organização socioambiental dá no seu discurso às matrizes sócio-econômica, ambiental e educativa ficam em segundo plano para o campo jornalístico, mesmo sendo abordadas na maioria das peças midiáticas analisadas. Neste sentido, a síntese do enquadramento dado ao CEA pela mídia é como um grupo formado por mulheres pobres, que trabalham com resíduos sólidos, mas que o espaço onde se insere o galpão de triagem é ocupado também por um Centro Cultural, o qual proporciona atividades educativas para a comunidade da Vila, um modelo de cidadania. O campo jornalístico agenda para o público, ainda, as matrizes subjetivas e empresariais do CEA, que se referem a uma leitura da organização social a partir da líder, ressaltando sua capacidade de gerenciar a unidade de triagem e o Centro Cultural de forma competente, efetivando parcerias estratégicas. Esta leitura está relacionada com o valor-notícia da personificação do campo jornalístico.

Em entrevistas semi-estruturadas e através da observação de materiais midiáticos, observamos que, para o campo jornalístico, a interação com esta fonte, ainda, atende aos critérios de equilíbrio do produto jornalístico (os temas que aborda não são geralmente agendados pela mídia), de produtividade (a fonte conhece os meandros do fazer jornalístico), de credibilidade (a organização é considerada um "modelo" pelos jornalistas entrevistados), faz referência ao pessoal (os jornalistas exploram a trajetória da líder que "transformou" a sua e a vida das pessoas), atende às expectativas da empresa jornalística em seu interesse por questões sociais, além de atender às expectativas da própria fonte (que quer ser midiatizada), da audiência (é um case que desperta interesse público), e da comunidade interpretativa (os jornalistas sentem-se realizando sua cidadania ao midiatizar uma organização que consideram cidadã). Como a Vila onde a organização socioambiental está inserida era marcada pela violência, este é outro critério de noticiabilidade que a midiatização desta organização atende de forma inversa, já que é atribuída à atuação da líder e da organização social na Vila a diminuição da violência contra as mulheres. Para o campo jornalístico, midiatizar a organização é ofertar uma "estória" rica de elementos para o público em um pacote embalado pelo critério do extraordinário. A cidadania comparece aí como um valor espetacularizável.

Pela participação nas agendas midiáticas, o CEA objetiva ter seu lugar assegurado nas agendas públicas. Participar do espaço público midiatizado representa a ampliação do capital social e simbólico da organização socioambiental, pelo seu reconhecimento público, e a possibilidade de renovar e ampliar as parcerias. E, em movimento contínuo, este capital simbólico, assim construído, é usado posteriormente como barganha no momento de estabelecer outras parcerias. Estas interações múltiplas fortalecem a organização socioambiental e sustentam os discursos nos seus momentos de visibilidade midiática a partir da interação com o campo jornalístico. A interação com o campo midiático é estratégica para o CEA continuar interagindo com os outros campos sociais e, assim, ir tecendo sua "rede de cidadania".

4 Matrizes que se cruzam mediadas pela cidadania

O estudo de caso desta organização socioambiental nos dá a conhecer sobre as complexidades dos movimentos socioambientais contemporâneos, quando se organizam a partir do cruzamento de uma diversidade de matrizes culturais. Esta complexidade exige dos atores e sujeitos destes movimentos sociais o exercício de competências discursivas plurais, a fim de construir estratégias de visibilidade para suas agendas. A contribuição do CEA está em inovar em relação às formas de construção da cidadania, que se manifesta quando força a atenção das agendas midiáticas às agendas dos movimentos sociais. Neste sentido, observamos que a organização tem a percepção de que o campo midiático é um aliado para ampliar o leque de "oportunidades" na sociedade. Há a preocupação em construir instrumentos midiáticos próprios e em adquirir competência para lidar com a mídia. Na prática, o CEA dá importância à midiatização e aproveita os espaços de visibilidade abertos pelo campo midiático para elevar o capital simbólico da organização. Depois, organiza as matérias em que foi fonte em uma "pastinha", e sai com ela "embaixo do braço" em busca de apoios e parcerias para seus projetos.

O significado das mensagens que esta organização socioambiental oferta no espaço público enquanto ação comunicacional e política, por sua vez, oferta-nos uma compreensão sobre o sistema de significações que forma a cultura da sociedade contemporânea, como propõe Martin-Barbero (1997). As matrizes que marcam a identidade coletiva do CEA orientam culturalmente suas interações sociais e sua ação histórica. Trata-se de uma identidade forjada a partir de orientações que mesclam valores dominantes e formas de resistência, que constituem um tecido original, sem sombra de dúvida. Esta identidade, com suas contradições e complexidades, não é capturada ou visibilizada pelo campo jornalístico, já que a organização socioambiental é representada pelo campo jornalístico de uma forma muito próxima a como se auto-representa nos seus materiais impressos e no seu vídeo institucional.

Observamos que a fonte não é questionada pelos produtores jornalísticos, que se posicionam com deslumbramento em relação a ela. Como a não exposição das contradições do movimento social não é uma prática universalizada (por exemplo, a midiatização de movimentos como dos sem terra ou MST é bem diferente), faz-nos pensar que a exposição ou não dos conflitos dos movimentos sociais está relacionada com os interesses em jogo no movimento, com o seu tipo de projeto político e às estruturas que o movimento social se contrapõe, além dos interesses em jogo no campo midiático. Dependendo das causas em jogo no movimento social, a interação com o campo midiático pode ser mais ou menos conflituosa. Ou seja, é o projeto de cidadania que está em jogo que definiria o tipo de interação entre os movimentos sociais e o campo midiático. Pelas lógicas da mídia, o que não se torna espetáculo não é midiatizável. E, no caso do CEA seus valores e matrizes culturais encontram-se com as expectativas e com as matrizes culturais do campo jornalístico. Este jogo interativo entre fonte e produtor midiático refere-se efetivamente à interação entre as matrizes culturais de um e outro, que formam um modo de ser juntos específico. O que este artigo trata, em última instância, é de um padrão de interação social.

Assim, as matrizes do campo midiático perpassam o processo de midiatização da organização socioambiental, marcam-na, e, ao mesmo tempo, funcionam como dispositivos de abertura do campo midiático para a legitimação do CEA no espaço público. A construção performática da realidade, que caracteriza o campo midiático na sociedade contemporânea, é uma lógica cada vez mais apropriada pelo campo dos movimentos sociais, para atender à necessidade de dar visibilidade a si mesmo, o que acaba sendo um dispositivo de democratização do espaço midiático, antes de qualquer crítica que se possa fazer sobre como se dá este jogo de mostra-esconde entre fonte e produtor midiático. Estas observações constituem-se em elementos para serem levados em conta quando pensamos em estratégias de visibilidade para os movimentos sociais contemporâneos.

Os valores-notícia refletem os critérios utilizados no processo produtivo jornalístico, assim como as lógicas internas do campo jornalístico. O jornalismo contribui para a "construção social da realidade", onde os enquadramentos servem como mecanismos de organização dos acontecimentos em notícias, as quais se ofertam enquanto visões e versões da realidade social para o sistema social global (CORREIA, 2000, p. 193-211). Os enquadramentos, como parte das matrizes culturais do campo jornalístico, traduzem-se em chaves de leitura para o pesquisador, já que deixam entrever seleções e escolhas dentre as convenções narrativas possíveis, estilo, valores-notícia, constrangimentos organizacionais, o contexto sociocultural amplo onde se dá o processo de produção da notícia, etc. Podemos afirmar que diversas matrizes culturais trabalham ideologicamente no campo jornalístico: a cultura da comunidade interpretativa, os valores-notícias, as possibilidades tecnológicas ou linguagens técnicas, o apelo ao direito à informação e à transparência, a espetacularização, a cultura organizacional-empresarial, etc. Estas matrizes cruzam-se e têm suas manifestações negociadas quando se dá a interação com as matrizes dos campos que buscam visibilidade pública aproximando-se do campo jornalístico, caso da organização socioambiental estudada. O campo jornalístico é um espaço social onde jogam ideologias dos diversos sujeitos sociais que dele participam assumindo diferentes posições sociais, as quais correspondem a diferentes mananciais de capital simbólico. Fontes, jornalistas ou receptores da informação, cada um desempenha seu papel e traz para o jogo suas ideologias, seu ethos/identidade, suas estratégias e táticas, o que estrutura e dá dinamicidade ao campo jornalístico. As variantes destas características dos sujeitos em interação determinam o tipo de interação comunicacional e, portanto, o produto a ser midiatizado9 9 A linguagem funciona como agente estruturador do enquadramento do discurso jornalístico, e desta forma o jornalismo participa na luta pela significação dos acontecimentos do sistema social global, o que faz apropriando-se dos acontecimentos do sistema social e devolvendo-os reordenados/enquadrados/enfatizados segundo lógicas produtivas próprias. .

Esta investigação das interações entre movimento socioambiental e campo jornalístico mostra um cruzamento de matrizes culturais, onde o discurso da cidadania coloca-se como um ponto de encontro entre os critérios de noticiabilidade e a ação estratégica das fontes para mobilizar o acesso midiático. A cidadania cumpre o papel de mediadora desta interação sociomidiática.

5 Considerações finais

A partir do exposto, conclui-se que a matriz ambiental não é desencadeadora da interação entre fonte e campo jornalístico. Ao invés disso, é colocada em segundo plano nos discursos tanto da organização social quanto do campo jornalístico quando midiatiza as ações do CEA. Recaem sobre as matrizes cidadã-comunitária, subjetiva e de gênero as ênfases do discurso jornalístico. Os sentidos predominantes quando a organização socioambiental é noticiada para a opinião pública fazem referência a uma organização de mulheres, que tem uma liderança espetacular, a qual realiza um papel fundamental para a retirada de mulheres da sua comunidade da pobreza e da situação de violência. E, de lambuja, se expressa muito bem como fonte. O próprio CEA perde a oportunidade de enfatizar a matriz ambiental nos seus discursos para a mídia, deixando para segundo plano a importância ambiental da separação de resíduos sólidos domésticos na sociedade atual, o que aponta para uma estratégia mal construída de apropriação do espaço midiático. O CEA, enquanto promotor de notícias, inova na participação do espaço midiático, mas pode ganhar competência midiática e ampliar seu modelo de cidadania se trouxer para primeiro plano as questões ambientais. Por outro lado, de modo geral, as questões ambientais locais parecem ainda adormecidas no discurso do campo jornalístico, que tende a ser acordado de tempos em tempos para esta realidade, geralmente a partir de acontecimentos de caráter global, onde a tendência é a abordagem superficial e despertadora de temor antes de uma sensibilização de cunho pedagógico, que dê conta da complexidade da realidade ambiental contemporânea.

O papel central que os meios jornalísticos assumem na sociedade a partir da segunda metade do século XX tem interferência na construção social da realidade. Observa-se, no entanto, que a abordagem ambiental superficializou o debate público ao optar pelas pressões do "tempo" e do "espaço" que caracterizam as lógicas de produção deste campo social. A opção pela informação e pela opinião, quando não pelo entretenimento, que caracteriza a abordagem jornalística de modo geral na sociedade brasileira atual explicita o descaso com o jornalismo interpretativo, necessário para dar conta das múltiplas dimensões das questões ambientais. Com poucas exceções, vive-se um vazio na leitura das questões ambientais pelos meios jornalísticos.

É preciso ficar claro que não se trata de uma lógica específica para os temas ambientais, mas uma afirmação que estes temas têm sido abordados conforme a lógica midiática em geral, que tende a perseguir o espetáculo. O campo jornalístico, apesar de colocar-se como serviço público, tende mais à sua função mercadológica e à racionalidade econômica nos seus modos de fazer. A midiatização ambiental de qualidade representaria, para o campo jornalístico, um movimento em direção ao cerne do fazer jornalístico: seu papel público e cidadão.

A cidadania ambiental poderá ser exercida pelo campo jornalístico quando este se valer estrategicamente da importância decisiva que assume na transformação das relevâncias do público, como nos aponta a teoria do agendamento, na construção de uma agenda ambiental com abordagem interpretativa. Um pouco desta cidadania ambiental no âmbito global pode ser vislumbrada no processo de agendamento generalizado que a mídia esteve fazendo sobre o aquecimento global, após a divulgação dos relatórios científicos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), no início de 2007.

Notas

5 David Morley, que estudou a cobertura dos conflitos industriais pelos mídias britânicos, argumenta que mais importante do que o equilíbrio jornalístico é "o enquadramento conceptual e ideológico básico através do qual os acontecimentos são apresentados e em consequência do qual eles recebem um significado dominante/primário...Um tal enquadramento não é necessariamente um processo consciente por parte dos jornalistas; pode muito bem ser o resultado da absorção inconsciente de pressuposições acerca do mundo social no qual a notícia tem de ser embutida de modo a ser inteligível para o seu público pretendido... Este conjunto de regras e conceitos, ou matriz, constitui uma estrutura profunda que é actividade pelos jornalistas, independentemente da sua percepção consciente, e sem levar em conta as suas intenções deliberadas de iludir ou manipular" (HACKETT, 1999, p. 101-130).

Recebido: 7/3/2007

Aceito: 1/8/2007

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  • 1
    Estas e outras interações foram tema da minha tese de doutorado, que teve como orientadora a professora Dra. Denise Cogo, e co-orientador em Portugal o professor Dr. João Pissarra Esteves, da Universidade Nova de Lisboa - UNL. MAZZARINO, Jane Márcia. A cidadania na tecelagem das interações comunicacionais-midiáticas do movimento socio-ambiental. São Leopoldo: Tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), 2005. Esta pesquisa foi parcialmente custeada pela Capes e pelo CNPq.
  • 2
    Zelizer entende que "os jornalistas estão unidos, enquanto comunidade interpretativa, pelas interpretações colectivas de determinados acontecimentos-chave. O discurso compartilhado que produzem é assim um indicador de como se vêem a si próprios como jornalistas" (ZELIZER, 2000, p. 33-61). Quando autores das teorias estruturalista e etnoconstrucionista referem-se à existência de uma comunidade jornalística, esta se caracterizaria por ser detentora de três saberes específicos: o saber de reconhecimento, o saber de procedimento e o saber de narração. O saber de reconhecimento refere-se à capacidade de reconhecer quais são os acontecimentos que possuem valor como notícia, através da mobilização dos valores-notícia. O saber de procedimento refere-se aos conhecimentos precisos que orientam os passos a seguir na recolha de dados para elaborar a notícia, o conhecimento das regras acerca das fontes de notícias, etc. Já o saber de narração consiste na capacidade de compilar todas essas informações e empacotá-las numa narrativa noticiosa, em tempo útil e de forma interessante, a capacidade de mobilizar a linguagem jornalística com as suas regras estilísticas (ZELIZER, 2000, p. 33-61).
  • 3
    "As notícias devem ser encaradas como o resultado de um processo de interação social. As notícias são uma construção social onde a natureza da realidade é uma das condições, mas só uma, que ajuda a moldar as notícias. As notícias também reflectem 1) os constrangimentos organizacionais; 2) as narrativas que governam o que os jornalistas escrevem; 3) as rotinas que orientam o trabalho e que condicionam toda a atividade jornalística; e 4) as identidades das fontes de informação com quem falam." (TRAQUINA, 2001, p. 122-123).
  • 4
    Wolf observa que os valores notícia seguem diferentes tipos de critérios: 1) relativos ao conteúdo (importante, de interesse, etc.), 2) relativos à disponibilidade (de materiais, das fontes, etc.), 3) relativos ao produto informativo (produtividade e credibilidade das fontes, atualidade do acontecimento, etc.), 4) relativo ao público (interesse, histórias insólitas, etc.), 5) relativo à concorrência (WOLF, 2001).
  • 6
    Para Hall, "um acontecimento só faz sentido se se puder colocar num âmbito de conhecidas identificações sociais e culturais...Se os jornalistas não dispusessem - mesmo de forma rotineira - de tais mapas culturais do mundo social, não poderiam dar sentido aos acontecimentos invulgares, inesperados e imprevisíveis que constituem o conteúdo básico do que é noticiável... As coisas são noticiáveis porque elas representam a volubilidade, a imprevisibilidade e a natureza conflituosa do mundo. Mas não se deve permitir que tais acontecimentos permaneçam no limbo da desordem - devem ser trazidos aos horizontes do significativo...o processo de significação - dando significados sociais aos acontecimentos - tanto assume como ajuda a construir a sociedade como um 'consenso'. Existimos como membros de uma sociedade porque - é suposto - partilhamos uma quantidade comum de conhecimentos culturais com os nossos semelhantes..." (HALL et al., 1999, p. 224-248).
  • 7
    Para a autora, como as estórias, as notícias são feitas de
    frames ou quadros escolhidos dos acontecimentos para que se constituam, quando reunidos, em notícia.
    Frames seriam, neste sentido, espécie de retalhos dos acontecimentos escolhidos para constituírem a notícia "
    patchwork", uma unidade que não deixa ver sua construção e a complexidade do seu processo produtivo, como se fosse um pano único e homogêneo, sem seleções, edições, recortes. No entanto, tratam-se de diversidades encaixadas a partir das lógicas que permeiam o processo produtivo de ordem simbólica como se caracteriza o fazer do campo jornalístico (TUCHMAN, 1999).
  • 8
    Rapidamente podemos definir as matrizes da seguinte forma: 1) a matriz de gênero faz referência ao movimento de mulheres; 2) a matriz ambiental mescla questões de ecologia com inclusão social, resíduos sólidos, consumo, culpa social e solidariedade com o movimento das recicladoras, características da nova fase do movimento ambientalista, etc; 3) a matriz empresarial refere-se aos discursos sobre produtividade, custo benefício, ganhos, características de empreendedorismo, liderança, apropriação das lógicas do discurso capitalista no discurso do CEA, a estratégia de buscar consultores/educadores para desenvolver o trabalho, etc; 4) a matriz subjetiva relaciona-se com as questões de construção da identidade pessoal, questões étnicas, de reconhecimento social, dos valores relativos à experiência pessoal, resgate da auto-estima, qualidade de vida, crescimento pessoal, etc; 5) a matriz cidadã-comunitária se explicita quando surgem no discurso do CEA questões sociopolíticas: de trabalho comunitário, parcerias, reconhecimento do trabalho na sociedade, empreendedorismo social, liderança, trajetória histórica, relativo a políticas dos grupos sociais, formação de redes sociais, relativas a outros movimentos sociais, voluntariado para oficinas e outros apoios, questões legais, de direitos humanos, organização social, relacionada com as políticas públicas, a busca de recursos do governo do Estado, a participação no Orçamento Participativo, etc; 6) a matriz socioeconômica relaciona-se ao poder de consumo, oportunidade de trabalho e renda, exclusão e inclusão social, classe social, apoios financeiros internacionais, marginalidade e violência social, falta de infra-estrutura básica, crescimento profissional, etc; 7) a matriz educativa faz referência ao fato do CEA construir-se enquanto espaço educativo, espaço de arte popular e erudita com a música, produção de papel artesanal, centro de informática na comunidade, oficinas de ginástica laboral, etc ; e 8) a matriz religiosa refere-se à relação com atores das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs - de onde surge a idéia dos galpões de triagem que deram origem à coleta seletiva em Porto Alegre.
  • 9
    A linguagem funciona como agente estruturador do enquadramento do discurso jornalístico, e desta forma o jornalismo participa na luta pela significação dos acontecimentos do sistema social global, o que faz apropriando-se dos acontecimentos do sistema social e devolvendo-os reordenados/enquadrados/enfatizados segundo lógicas produtivas próprias.
  • Autor para correspondência:
    Jane Mazzarino
    Centro Universitário Univates
    Rua Avelino Tallini, 171, Bairro Universitário
    CEP 95900-000, Lajeado, RS, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      01 Ago 2007
    • Recebido
      07 Mar 2007
    ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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