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Considerações sobre a legislação correlata à zona-tampão de unidades de conservação no Brasil

Interpretation of the legislation about buffer zones of protected areas in Brazil

Resumos

Zonas tampão são áreas ao redor de unidades de conservação, sujeitas a normas específicas, que visam mitigar impactos sobre os ecossistemas protegidos. Analisamos os instrumentos jurídicos que tratam dessas zonas no Brasil e consideramos que podem ser classificadas como limitações ao exercício do direito de propriedade, cabendo aos gestores das unidades de conservação, juntamente com os órgãos licenciadores, indicar quais atividades devem ser submetidas ao licenciamento ambiental para que possam ser instaladas ao redor de unidades de conservação.

Plano de manejo; Unidades de conservação; Zona de amortecimento; Zona de entorno


Buffer zones are areas around natural reserves under special laws, aiming at minimizing threats to the protected ecosystems. After analyzing the Brazilian legislation concerning the subject, we interpret buffer zones as a sort of limitation to the property rights. It is in the hands of the managers of protected areas, together with the licensing institutions, to indicate which activities are potentially of great impact and must have an environmental license to be permitted in the buffer zone of protected areas.

Buffer zone; Environmental legislation; Conservation unities; Management plan


ARTIGOS

Considerações sobre a legislação correlata à zona-tampão de unidades de conservação no Brasil* * Trabalho derivado da Dissertação de Mestrado da primeira autora, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Engenharia Ambiental, Escola de Engenharia de São Carlos, USP (VITALLI, 2007)

Interpretation of the legislation about buffer zones of protected areas in Brazil

Patrícia De Luca VitalliI; Maria José Brito ZakiaII; Giselda DuriganIII

IEspecialista em Gerenciamento Ambiental, Mestre em Ciências da Engenharia Ambiental, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo

IIDoutora em Ciências da Engenharia Ambiental, Consultora de relacionamento socioambiental e cultural Votorantin Celulose e Papel e Professora convidada do Programa de Pós-Graduação de recursos florestais, Escola Superior de Agricultura - ESALQ, Universidade de São Paulo - USP

IIIDoutora em Biologia Vegetal, Pesquisadora Científica VI do Instituto Florestal de São Paulo, Professora credenciada junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Engenharia Ambiental, bolsista de Produtividade CNPq, Escola de Engenharia de São Carlos - EESC, Universidade de São Paulo - USP

Autor para correspondência Autor para correspondência: Patrícia De Luca Vitalli Escola de Engenharia de São Carlos Universidade de São Paulo E-mail: patriciavitalli@gmail.com

RESUMO

Zonas tampão são áreas ao redor de unidades de conservação, sujeitas a normas específicas, que visam mitigar impactos sobre os ecossistemas protegidos. Analisamos os instrumentos jurídicos que tratam dessas zonas no Brasil e consideramos que podem ser classificadas como limitações ao exercício do direito de propriedade, cabendo aos gestores das unidades de conservação, juntamente com os órgãos licenciadores, indicar quais atividades devem ser submetidas ao licenciamento ambiental para que possam ser instaladas ao redor de unidades de conservação.

Palavras-chave: Plano de manejo. Unidades de conservação. Zona de amortecimento. Zona de entorno.

ABSTRACT

Buffer zones are areas around natural reserves under special laws, aiming at minimizing threats to the protected ecosystems. After analyzing the Brazilian legislation concerning the subject, we interpret buffer zones as a sort of limitation to the property rights. It is in the hands of the managers of protected areas, together with the licensing institutions, to indicate which activities are potentially of great impact and must have an environmental license to be permitted in the buffer zone of protected areas.

Keywords: Buffer zone. Environmental legislation. Conservation unities. Management plan.

1 Introdução

As perturbações humanas em série têm sido responsáveis pela destruição de diversos biomas, levando à destruição da paisagem e, com isso, acarretando o desequilíbrio entre as espécies (BEALE; MONAGHAN, 2004). Uma das maneiras de amenizar os riscos potenciais causados pelas atividades humanas que ameaçam a conservação da biodiversidade tem sido a criação das áreas protegidas, estabelecidas em diferentes regiões do mundo para preservar amostras significativas de todos os ecossistemas existentes, assegurando a sobrevivência das espécies e a manutenção dos processos ecológicos.

Todavia, a integridade dessas áreas e a sua efetividade em cumprir as funções delas esperadas têm sido colocadas em risco pelas atividades econômicas e pelo uso inadequado dos recursos naturais. Há, atualmente, um consenso global de que unidades de conservação não podem ser operadas como ilhas, devendo ser estabelecidas estratégias de manejo em escalas maiores, com a criação de zonas tampão (MORSELLO, 2001). Tais zonas devem funcionar como filtros, impedindo que atividades antrópicas externas coloquem em risco os ecossistemas naturais dentro das áreas protegidas.

Brito (2003), Dias (2001), Primack e Rodrigues (2001) e Soulé (1991) propõem que o monitoramento da biodiversidade nas áreas protegidas incorpore os principais fatores impactantes decorrentes das intervenções humanas ao redor das áreas protegidas, tais como: perda e fragmentação dos hábitats; introdução de espécies e doenças exóticas; exploração excessiva de espécies de plantas e animais; uso de híbridos e monoculturas na agroindústria e silvicultura; contaminação do solo, água e atmosfera e até mesmo mudanças climáticas globais.

Além dos impactos previsíveis em decorrência de alterações no uso do solo, de eventuais indústrias poluentes e de possíveis incêndios, os próprios efeitos das modificações ambientais decorrentes do isolamento são impactos importantes sobre os ecossistemas das áreas protegidas (HAILA, 1999; ISHIHATA, 1999).

Para alguns autores, a finalidade principal da zona tampão é conter o efeito de borda causado pela fragmentação do ecossistema (ISHIHATA, 1999; BENSUSAN; 2001). A regulamentação das atividades nessa zona deveria ser, portanto, uma das práticas conservacionistas a ser incorporada pelas unidades de conservação.

A despeito da indiscutível importância da zona tampão ao redor das áreas protegidas, sua existência só pode ter eficácia se respaldada em legislação específica, uma vez que tais terras são, comumente, de propriedade de terceiros.

Foram instituídos, em diferentes momentos, no Brasil, instrumentos jurídicos que pudessem respaldar as limitações de uso eventualmente impostas às propriedades localizadas nas áreas circundantes das unidades de conservação. Os dois instrumentos jurídicos mais consistentes, que tratam do assunto, utilizam nomenclatura distinta. No primeiro, a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº. 13/90, é utilizado o termo zona de entorno, referindo-se ao raio de dez quilômetros ao redor das unidades de conservação; e, no segundo, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Lei nº. 9.985/00, o termo adotado é zona de amortecimento, cujos limites são estabelecidos no plano de manejo. Esta ambigüidade vem a ser um complicador a mais na interpretação e aplicação das normas vigentes e procurou-se, ao longo do presente estudo, manter clara a diferenciação entre os dois conceitos. Quando necessário reportar-se a ambos os conceitos simultaneamente, do ponto de vista do significado ecológico dessas áreas, cuja finalidade seria minimizar impactos sobre os ecossistemas protegidos, optou-se por aplicar um terceiro termo, o de zona tampão, que se presta aos dois vocábulos mencionados nas leis.

Apesar da existência de normas jurídicas consolidadas, há controvérsias sobre a interpretação da legislação, o que dificulta a tomada de decisões por todos os atores envolvidos na prática conservacionista, desde o proprietário das terras inseridas na zona tampão, passando pelo gestor da unidade, por órgãos fiscalizadores, pelo Poder Executivo, e culminando em divergências na esfera jurídica.

Essas controvérsias motivaram o presente estudo, cujo objetivo geral foi analisá-las em busca de posicionamentos claros que permitam aos tomadores de decisão agir com segurança jurídica em questões relacionadas com a zona tampão de unidades de conservação.

2 Evolução dos instrumentos jurídicos sobre a zona tampão no Brasil

O Decreto nº. 84.017/79, que instituiu o Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros, poderia ter sido o primeiro instrumento jurídico a tratar da zona tampão, mas foi omisso quanto ao assunto em sua proposta de zoneamento, que incluiu apenas as terras que compõem a unidade de conservação. Este Decreto seguiu a proposta de zoneamento feita pela IUCN em sua 11ª Assembléia Geral, em 1972, que não previa zona tampão (BRITO, 2003).

O conceito de zona tampão surgiu no Brasil com o Decreto Federal nº. 99.274/90, em seu artigo 27, que se refere às "áreas circundantes das unidades de conservação...", que deverão sofrer restrições de uso. Este Decreto regulamentou a Lei nº. 6.902/81 e a Lei nº. 6.938/81, que dispõem, respectivamente, sobre a Criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.

A redação do Decreto Federal supramencionado estabeleceu que:

Art. 7º, X - Compete ao CONAMA: estabelecer normas gerais relativas às Unidades de Conservação e às atividades que podem ser desenvolvidas em suas áreas circundantes.

Art. 27 - Nas áreas circundantes das Unidades de Conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer atividade que possa afetar a biota ficará subordinada às normas editadas pelo CONAMA.

Tanto o art. 7º, inciso X, quanto o art. 27 utilizam o termo unidades de conservação (UCs) de modo abrangente, pois não especificam, em si mesmos, as categorias de UCs nas quais serão aplicadas as normas transcritas. O artigo 27, porém, está inserido no capítulo que trata de Estações Ecológicas, dando margem à interpretação de que só se aplicaria a esta categoria de manejo.

O Decreto nº. 99.274/90 embasou a edição da Resolução CONAMA nº. 13/90, a qual estabeleceu normas relacionadas ao licenciamento de obras no entorno das unidades de conservação, objetivando a proteção dos ecossistemas, como segue:

Art. 1º - O Órgão responsável por cada Unidade de Conservação, juntamente com os órgãos licenciadores e de meio ambiente, definirá as atividades que possam afetar a biota da Unidade de Conservação.

Art. 2º - Nas áreas circundantes das Unidades de Conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer atividade que possa afetar a biota deverá ser obrigatoriamente licenciada pelo órgão ambiental competente.

Parágrafo Único - O licenciamento a que se refere o caput deste artigo só será concedido mediante autorização do órgão responsável pela administração da Unidade de Conservação.

A Resolução CONAMA nº. 10/93, ao estabelecer parâmetros básicos para análise dos estágios de sucessão da Mata Atlântica, reforçou a vigência da Resolução CONAMA nº. 13/90, ao definir:

Art. 6º, inciso IV

- Entorno de Unidades de Conservação - área de cobertura vegetal contígua aos limites de Unidade de Conservação, que for proposta em seu respectivo Plano de Manejo, Zoneamento Ecológico/Econômico ou Plano Diretor de acordo com as categorias de manejo. Inexistindo estes instrumentos legais ou deles não constando a área de entorno, o licenciamento se dará sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 2º da Resolução/CONAMA nº. 13/90.

Novas normas tratando dessa área destinada a mitigar os impactos sobre as unidades de conservação foram estabelecidas pela Lei nº. 9.985/00, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que definiu:

Art. 2º, inciso XVI - zoneamento: definição de setores ou zonas em uma unidade de conservação com objetivos de manejo e normas específicos, com o propósito de proporcionar os meios e as condições para que todos os objetivos da unidade possam ser alcançados de forma harmônica e eficaz;

Art. 2º, inciso XVIII - Zona de Amortecimento: o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade.

Art. 25 - As unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecológicos.

§1º O órgão responsável pela administração da unidade estabelecerá normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos de uma unidade de conservação.

§2º Os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos e as respectivas normas de que trata o §1º poderão ser definidas no ato de criação da unidade ou posteriormente.

Art. 27 - As unidades de conservação devem dispor de um Plano de Manejo.

§1º O Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas.

Com base no SNUC, portanto, depreende-se que as dimensões da zona de amortecimento de uma unidade de conservação devem ser estabelecidas no ato de sua criação ou quando da elaboração de seu plano de manejo.

O SNUC, no entanto, não trata das normas de licenciamento ambiental no interior da zona de amortecimento, objeto da Resolução CONAMA nº. 13/90, deixando margem à interpretação de que esta norma deixou de vigorar. Mas, ao estabelecer que "nesta Zona as atividades humanas estarão sujeitas a normas e restrições específicas", fica implícito que tais restrições carecem de regulamentação. Uma vez que a lei que instituiu o SNUC não estabeleceu sanções para o descumprimento das normas relativas à zona de amortecimento, não há respaldo jurídico para fazer valerem essas normas a não ser aqueles contidos na Resolução nº. 13/90, no art. 27 do Decreto Federal nº. 99.274/90 e na Lei nº. 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais).

Posteriormente, o Decreto Federal nº. 3.942/01 revogou o art. 7º do Decreto nº. 99.274/90, retirando, do CONAMA, a competência de "estabelecer normas gerais relativas às unidades de conservação e às atividades que podem ser desenvolvidas em suas áreas circundantes". Mas o art. 27 continua em vigor e, portanto, pelo menos para a categoria de Estação Ecológica, a Resolução CONAMA nº. 13/90 continua em vigência.

Milaré (2007) discorda desse posicionamento. Para o autor, o art. 25 da Lei nº. 9.985/00 revogou a Resolução CONAMA nº. 13/90, que, em seu entender, dispunha sobre o mesmo objeto. Porém, este autor ressalta que: "os limites da zona de amortecimento e as normas específicas regulando os usos nela admitidos serão estabelecidos no ato de criação da unidade ou posteriormente" (p. 677). Portanto, para Milaré (2007), não existe mais motivo para se falar na zona de amortecimento de dez quilômetros no entorno da unidade, de acordo com o que dispunha a Resolução CONAMA nº. 13/90, sendo válida a delimitação e as normas que vierem a ser estabelecidas no plano de manejo. Porém, com base nas disposições contidas e ainda vigentes no Decreto Federal nº. 99.274/90, toda atividade potencialmente impactante no raio de dez quilômetros no entorno de uma unidade de conservação deverá ser objeto de licenciamento e, no processo, deve ser ouvido o órgão gestor da unidade. Esta é, também, a interpretação de Oliva (2003), que considera que a zona de amortecimento, definida no SNUC, é um refinamento da zona de entorno, definida pela Resolução CONAMA nº. 13/90, e pode agregar critérios e diretrizes fundamentais para o licenciamento ambiental e também para a proteção e o manejo desse território no entorno da unidade.

Vigora, ainda, o art. 1º, da Resolução CONAMA nº. 13/90, que determina caber ao órgão gestor, juntamente com os órgãos licenciadores e de meio ambiente, definir quais são as atividades que podem afetar a biota dos ecossistemas protegidos. Tais atividades, portanto, para que possam ser evitadas, devem ser claramente indicadas quando da elaboração das normas da zona de amortecimento, no plano de manejo. Resta uma lacuna na legislação nos casos em que a zona de amortecimento estabelecida no plano de manejo ultrapassar os dez quilômetros de que trata a Resolução CONAMA nº. 13/90.

A zona de entorno (dez quilômetros) é, ainda, protegida pela Lei nº. 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, que considera crime ambiental:

Art. 40. - Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº. 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

Assim, uma vez indicadas pelo órgão gestor e apontadas nas normas da zona de amortecimento estabelecidas pelo plano de manejo, as atividades que venham a ser indicadas como potencialmente impactantes para os ecossistemas das unidades de conservação passarão a ser crime ambiental, se desenvolvidas dentro da área delimitada como zona de amortecimento sem o devido licenciamento.

Esta particularidade da lei, no entanto, não é de conhecimento dos gestores de UCs, não tem sido levada ao conhecimento dos proprietários de áreas contidas nas zonas tampão de unidades de conservação, e não tem sido aplicada pelos órgãos licenciadores (VITALLI, 2007), que raramente cumprem o disposto na Resolução CONAMA nº. 13/90, a qual determina que, em todos os pedidos de licenciamento ambiental nessas áreas, o órgão gestor deve ser ouvido. Desta forma, a lei resulta inócua.

3 Zona tampão: natureza jurídica

A existência de normas incidindo sobre as propriedades particulares inseridas na zona tampão de unidades de conservação, invariavelmente, desperta questionamentos quanto à sua natureza jurídica e às suas interfaces com outros dispositivos legais.

A intervenção do Estado na propriedade privada foi estudada por alguns juristas, tais como: Bastos (1994), Di Pietro (2006), Gasparini (2002) e Meirelles (2008). O Estado intervém na propriedade privada com a finalidade de proporcionar qualidade de vida a toda coletividade e para assegurar a conservação do ecossistema, acabando por impor aos particulares certas limitações ao exercício do direito de propriedade.

De acordo com Meirelles (2008), os Estados social-liberais, ao mesmo tempo em que reconhecem e asseguram a propriedade privada e a livre empresa, condicionam o uso dessa mesma propriedade e o exercício de atividades econômicas nelas ao bem-estar social. Complementa o mesmo autor que, para usufruto e gozo dos bens e riquezas particulares, o Poder Público impõe normas e limites e, quando o interesse público o exige, intervém na propriedade privada e na ordem econômica, por meio de atos de império propensos a atender às exigências coletivas e a reprimir a conduta anti-social da iniciativa particular.

Essa intervenção, entretanto, não se realiza arbitrariamente, por critérios pessoais das autoridades. É normatizada pela Constituição e regulamentada por leis federais que disciplinam as medidas interventivas e estabelecem o modo e forma de sua execução, sempre condicionada ao atendimento do interesse público e ao respeito pelos direitos individuais assegurados pela mesma Constituição (MEIRELLES, 2008).

Alguns dos atos de intervenção Estatal na propriedade privada são: desapropriação, servidão administrativa, requisição administrativa, tombamento e limitação administrativa (BASTOS, 1994).

Dentre as modalidades citadas de intervenção, destaca-se a limitação administrativa, que é uma das formas pela qual: "o Estado, no uso de sua soberania interna, intervém na propriedade e nas atividades particulares" (MEIRELLES, 2008, p. 639). Reitera ainda o mesmo autor que "limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública, condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social" (p. 639).

Corrobora a idéia Di Pietro (2006), para quem:

"as limitações podem, portanto, ser definidas como medidas de caráter geral, previstas em lei, com fundamento no poder de polícia do Estado, gerando para os proprietários obrigações positivas ou negativas, com o fim de condicionar o exercício do direito de propriedade ao bem-estar social." (p. 145)

A zona de amortecimento, do SNUC, e a zona de entorno, da Resolução CONAMA nº. 13/90, objetos deste estudo, podem ser classificadas como limitação administrativa, pois ambas condicionam o exercício do direito de propriedade ao cumprimento da função ambiental da propriedade, uma vez que se baseiam na obrigatoriedade do proprietário zelar pela proteção e pela conservação ambiental em prol do bem-estar da coletividade.

Orlando (1997) segue a mesma linha de raciocínio ao afirmar que o uso do entorno de cada unidade de conservação deve ser controlado, impondo-se, ao particular, limitações administrativas ao exercício do direito de propriedade.

Porém, há diferenças entre os dois instrumentos em análise. A Resolução CONAMA nº. 13/90 impõe que o gestor da UC seja ouvido nos processos usuais de licenciamento ambiental, podendo propor ações de mitigação e compensação. Por sua vez, a zona de amortecimento prevista no SNUC possibilita que novas limitações administrativas, além das usuais, sejam estabelecidas pelo plano de manejo. Neste aspecto, é de fundamental importância que cada plano de manejo estabeleça, claramente, quais atividades na zona de amortecimento deverão ser obrigatoriamente licenciadas pelos órgãos competentes (art. 2º. da Resolução CONAMA nº. 13/90). Essa importância decorre do fato de que o licenciamento é um processo com sanções expressas a quem descumpra o que nele estiver disposto.

4 A zona tampão mediante outros institutos jurídicos

A existência da zona de amortecimento e a sua efetiva implantação como uma zona de uso diferenciado, com finalidade de funcionar como anteparo às ações possivelmente impactantes (fogo, erosão, invasão de plantas exóticas e espécies animais, dentre outras) sobre unidades de conservação, desencadeia questionamentos sobre competências e hierarquia no campo jurídico, analisadas a seguir.

4.1 Sobre as competências dos entes federativos em relação às áreas protegidas

Se, por um lado, cabe ao governo federal legislar sobre a conservação dos recursos naturais sob um ponto de vista amplo, as unidades de conservação situam-se nos municípios e esta circunstância faz com que a sua existência exija tratamento jurídico local, especialmente no tocante ao ordenamento territorial.

Para que as leis, quando forem aplicadas, não ensejem dúvidas e não acarretem conflitos, a Constituição Federal tratou de definir a competência de cada ente federativo para legislar sobre determinado assunto. A Constituição Federal previu dois tipos de competência para legislar, com referência a cada um dos membros da Federação: a União tem competência privativa e concorrente; os Estados e o Distrito Federal têm competência concorrente e suplementar e os Municípios têm competência para legislar sobre assuntos de interesse local e para suplementar as legislações federal e estadual (MACHADO, 2007).

Barroso (1992) constata que a proteção dos interesses ambientais realça certas minúcias do pacto federativo nacional, por englobar o exercício de atribuições político-administrativas comuns e atribuições legislativas concorrentes entre os entes federativos. Complementa o autor que as delimitações constitucionais da área de atuação de cada ente nem sempre são claramente avaliadas, cabendo ao Poder Judiciário solucionar os conflitos, que se mostrem inevitáveis e que necessitem da tutela estatal.

Na questão ambiental compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislarem concorrentemente sobre: florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (Constituição Federal, art. 24, inciso VI).

Cabe ressaltar, também, que os municípios possuem competência suplementar para promover o ordenamento territorial, por meio de planejamento e controle do uso do solo, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, inciso VIII, Constituição Federal).

4.2 Interesses econômicos versus conservação da natureza

Em tese, não há necessariamente uma separação material entre economia e ecologia. Ocorre que a base do desenvolvimento das relações produtivas está na natureza e a natureza só pode ser compreendida como integrante das relações humanas e, por conseqüência, também das relações econômicas (DERANI, 1997). Complementa a autora que esta união indissolúvel tem de se fazer sentir no ordenamento jurídico. Interesses econômicos e conservação de recursos naturais são tidos como valores constitucionais relevantes, sendo que os primeiros são disciplinados pelo art. 3º, inciso II, e a "defesa do meio ambiente" é disciplinada pelo art. 170, inciso VI, e art. 225, caput.

Tal conflito de interesses foi descrito na ementa publicada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tratando da supressão de vegetação natural em áreas de preservação permanente, nos casos em que a supressão fosse para utilidade pública. Essa ementa trata de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, questionando o artigo 1º da Medida Provisória nº. 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, na parte em que alterou o artigo 4º, caput e §1º a 7º, da Lei nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965.

A fundamentação utilizada pelo STF no julgamento da medida cautelar é de que a atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. A conservação da natureza e o desenvolvimento econômico só serão efetivos se o conceito de desenvolvimento sustentável for realmente empregado no exercício da atividade econômica. Apesar de apresentar argumentos protecionistas, o STF proferiu decisão desfavorável à questão ambiental, configurando-se, assim, um exemplo concreto de conflito entre interesses econômicos e interesses conservacionistas, em que se priorizaram os primeiros, decisão que pode repetir-se facilmente na zona tampão de unidades de conservação. O desafio está em conciliar o crescimento econômico e as premissas do desenvolvimento sustentável.

O conceito de desenvolvimento sustentável fortaleceu-se por meio da publicação do Brundtland Report em 1987 (GONÇALVES; DUARTE, 2006), que contribuiu com a propagação da seguinte definição de desenvolvimento sustentável: "é aquele que atende às necessidades do presente, sem comprometer o atendimento às necessidades das gerações futuras" (p. 52). Tal conceito foi incorporado em nosso ordenamento pela Constituição Federal (art. 225, caput).

4.3 A expansão urbana sobre áreas naturais

Unidades de conservação, muitas vezes, avizinham-se de núcleos urbanos e sofrem pressões constantes oriundas da própria urbe e, também, estão permanentemente sob a ameaça de que a cidade avance rumo aos limites da área protegida.

Metade da população mundial vive em cidades, com expectativa de aumento para 60% em 2030 (ACKERMAN, 2006), levando à inevitável expansão urbana. Em decorrência disso, as populações pressionam as áreas protegidas com o intuito de as ocuparem para fins de moradia ou para extraírem dessas áreas recursos para sua subsistência.

A colisão de interesses referentes à expansão urbana manifesta-se pela medição de forças de dois documentos técnicos de ordenamento do uso do solo pertencentes a diferentes níveis hierárquicos: o plano diretor do município e o plano de manejo da unidade de Conservação. O plano diretor (Constituição Federal, art. 182) trata do planejamento territorial municipal com o propósito de proporcionar aos munícipes o bem-estar social (qualidade de vida) e alcançar a sustentabilidade no ambiente urbano construído, como preconiza o Estatuto da Cidade (Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001). Por outro lado, conforme conceitua o SNUC (art. 2º, inciso XVII, e art. 27, §1º, §2º, §3º),

"o Plano de Manejo é o documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas e necessárias à gestão da unidade."

Como garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Constituição Federal, art. 225, caput), assegurando, com isso, a integridade da unidade de conservação a salvo dos interesses imobiliários? Tal questão pode ser resolvida por meio do plano diretor do município, que deve incorporar as diretrizes contidas no plano de manejo. Por outro lado, a delimitação da zona de amortecimento não pode ignorar o disposto no plano diretor, caso este já tenha sido elaborado e aprovado. A delimitação do perímetro urbano deverá respeitar, portanto, a precedência de criação dos instrumentos. Vale lembrar que ambos os instrumentos devem ser periodicamente revistos, mas não resta dúvida de que a expansão urbana deve ser evitada na zona de amortecimento.

4.4 Direito de propriedade versus direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

Com o reconhecimento jurídico da existência da zona de amortecimento, em que os proprietários vêem-se mediante a possibilidade de ter restringida a sua liberdade de decidir sobre as atividades econômicas em sua propriedade, para o bem do ecossistema protegido na unidade de conservação, vislumbra-se a possibilidade de um conflito entre o direito (coletivo) ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito (individual) de propriedade.

A questão que se coloca, no caso, é se cabe aos gestores da unidade de conservação impor limitações ou restrições ao exercício do direito de propriedade, quando as propriedades encontram-se situadas na zona de amortecimento.

Machado (2007), ao discorrer sobre direito de propriedade, zonas de amortecimento e corredores ecológicos, afirmou que o Poder Público, por meio do plano de manejo, pode restringir o uso da propriedade pública. Porém, ressaltou que as zonas de amortecimento e os corredores ecológicos, normalmente, não são de domínio público. Em sendo de domínio privado, são protegidos pela Constituição Federal de 1988, que assegura o direito de propriedade (art. 5º, inciso XXII e art. 170, inciso II), mas afirma que a propriedade terá de atender, obrigatoriamente, à sua função social (art. 5º, inciso XXIII).

Na opinião de Santos (2003), o direito de propriedade pode ser limitado nas zonas de amortecimento e nos corredores ecológicos, desde que não torne a propriedade inviável, sob pena de caracterizar apossamento administrativo, com a decorrente obrigação do Poder Público de indenizar o proprietário. Compartilha do mesmo pensamento Milaré (2007), que assevera que a zona de amortecimento não é elemento da unidade de conservação, mas por força da nova Lei nº. 9.985/00, fica sujeita a uma espécie de zoneamento obrigatório, pelo qual certas atividades econômicas são permitidas e regradas. Ressalta o autor que, tratando-se de propriedade privada, não cabe regra geral, a indenização, pois o imóvel apenas sofrerá certas restrições e uma regulamentação da atividade, e, obviamente, de modo não tão restritivo como ocorre dentro das unidades de conservação. Todavia, as limitações não podem inviabilizar o direito de propriedade e seu exercício, sob pena de ocasionar apossamento administrativo, com o conseqüente dever de indenizar por parte do Poder Público.

Se as normas estabelecidas no plano de manejo limitarem o pleno exercício do direito de propriedade, os gestores da unidade de conservação estarão exercendo um poder que não possuem, ou seja, o poder de polícia. Segundo Di Pietro (2006, p.128):

"Poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. Esse interesse público diz respeito aos mais diversificados setores da sociedade, tais como segurança, moral, saúde, meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio cultural e propriedade."

O conceito legal de poder de polícia origina-se do artigo 78, do Código Tributário Nacional (CTN).

Para Figueiredo e Leuzinger (2001), a criação de espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, inciso III, Constituição Federal), quando em áreas particulares, acarreta restrições ao exercício do direito de propriedade que nem sempre são indenizáveis, tendo em vista decorrerem, tais limitações, em grande parte, do cumprimento da função social da propriedade, em que se inclui a função ambiental.

O SNUC dispõe sobre doze tipos de unidades de conservação, dois dos quais não estão obrigados a ter zonas de amortecimento (art. 25, da Lei nº. 9.985/00): área de proteção ambiental (APA) e reserva particular do patrimônio natural (RPPN). As demais (estações ecológicas, reservas biológicas, parques nacionais, monumentos naturais, refúgios de vida silvestre, áreas de relevante interesse ecológico, florestas nacionais, reservas extrativistas, reservas da fauna e reservas de desenvolvimento sustentável), portanto, não podem realizar totalmente seus objetivos se não houver uma separação gradativa entre o meio ambiente antropicamente trabalhado e o meio ambiente natural (MACHADO, 2007).

Complementa o autor que há atividades e obras que não têm justificativa de estar na vizinhança de uma unidade de conservação, tais como: aeroportos, estações rodoviárias ou ferroviárias, distritos industriais, aplicação de agrotóxicos por meio de aviões ou helicópteros, experimentos agrícolas ou pecuários, com a introdução de organismos geneticamente modificados, e áreas de exercícios militares.

Machado (2007) pondera que os usos agrícolas ou pecuários anteriormente existentes na área de entorno da unidade de conservação, que se tornará zona de amortecimento, não podem ser impedidos, sob pena de a medida constituir uma desapropriação indireta.

As normas de gestão da zona de amortecimento que venham a ser estabelecidas no plano de manejo devem buscar "a integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas" (art. 27, §1º, do SNUC). Quanto ao direito de propriedade, diversos autores têm estudado o tema, tais como Derani (2002), Figueiredo (2004) e Machado (2007).

Destaca-se a acepção jurídica sobre o assunto apontada por Derani (2002, p.58), para quem:

"Propriedade traduz uma relação sobre a qual recai uma proteção jurídica. Não é a propriedade um direito. Direito é a sua proteção. Assim, direito de propriedade é o direito à proteção da relação de um sujeito sobre um objeto. Somente aquela relação que preenche requisitos determinados pelo direito é passível de ser protegida."

O Novo Código Civil Brasileiro (Lei nº. 10.406/02) manteve, no artigo 1.228, este conceito, além de inserir a preocupação ambiental ao propor, no §1º, que o exercício do direito de propriedade deve condicionar-se à preservação da flora, da fauna, das belezas naturais, do equilíbrio ecológico, assim como deve ser evitada a poluição do ar e das águas.

A natureza jurídica da função social da propriedade é preceito de ordem pública, não dependendo de mero ato de vontade das partes para ser anulado (NERY; NERY, 2002). Portanto, o parágrafo transcrito determina claramente ao proprietário o exercício de seu direito, em consonância com o cumprimento da função social e ambiental da propriedade.

Em síntese, Figueiredo (2004) discorre dialeticamente sobre a conectividade envolvendo o direito ambiental e o direito de propriedade, este último regulamentado também pelas regras dos direitos civil, administrativo e econômico. Portanto, as demais áreas jurídicas formam o sustentáculo legal ao princípio relativo à função social da propriedade em sua esfera ambiental.

Resulta disso que, mesmo com zonas de manejo definidas e claramente mapeadas, permanecem obscuras as restrições que podem ser impostas às propriedades situadas na zona de amortecimento, mediante a existência de outros instrumentos jurídicos que asseguram direitos aos proprietários. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei nº. 9.985/00) e o seu Decreto Regulamentador nº. 4340, de 22 de agosto de 2002, são omissos quanto às limitações ou restrições impostas aos proprietários de imóveis localizados na zona de amortecimento.

5 Zona tampão: da teoria à prática

Com base na análise de todo o arcabouço jurídico sobre o assunto e na realidade da gestão, foram relacionados, no Quadro 1, os principais temas que dizem respeito à efetiva implantação da zona de amortecimento de UCs, com as respectivas responsabilidades de gestores e proprietários, diferenciando se suas terras estão ou não incluídas na zona de amortecimento (ZA). Desta forma, considera-se que a existência desta zona pode trazer, efetivamente, benefícios à conservação, com ônus mínimo e benefícios eventuais aos proprietários vizinhos das áreas protegidas.


Verifica-se que cabe ao gestor, em um primeiro momento, estabelecer normas claras sobre atividades que não devem ser desenvolvidas na zona de amortecimento, de preferência durante as oficinas de elaboração do plano de manejo. Em um segundo momento, cabe ao gestor dar conhecimento aos órgãos licenciadores, fiscalizadores e da administração municipal, sobre a delimitação e as normas contidas no plano de manejo, referentes à zona de amortecimento. Em um terceiro momento, cabe ao gestor criar e assegurar o funcionamento do conselho, que será de grande valia no cumprimento ao disposto no plano de manejo.

Por último e indefinidamente, caberá ao órgão gestor desenvolver atividades voltadas à conscientização, à assistência técnica e ao fomento, destinadas às propriedades inseridas na ZA, para que se adéqüem à legislação ambiental, convertam o uso da terra para alternativas mais amigáveis à conservação e utilizem práticas agropecuárias ambientalmente corretas.

Quanto aos proprietários inseridos na zona de amortecimento, caberá a eles inteirar-se das normas e cumpri-las, participar das atividades do Conselho diretamente ou por representação e usufruir de eventuais benefícios oferecidos pelo órgão gestor para estimular o uso ambientalmente correto das terras da vizinhança.

Castanho Filho e Schwenck Jr. (2005) discutiram os problemas gerados pelas diferentes interpretações da lei quanto às atividades que podem ser desenvolvidas ao redor de UCs. Esses autores, ainda que não se tenham aprofundado nos aspectos jurídicos, direcionaram a sua argumentação para a conveniência de que a silvicultura fosse incentivada na zona de amortecimento, por seus efeitos ambientais benéficos, sem perder seu caráter produtivo e econômico.

Já Orlando (1997), ao tratar da zona tampão (zona de amortecimento e zona de entorno), considerou que a sua exploração deveria, o quanto possível, fazer uso das práticas tradicionais, dos estilos de vida localmente adaptados e do manejo sustentável dos recursos naturais. A autora ressaltou que é necessário um regulamento específico, além da norma geral, para cada unidade e sua zona de entorno, com descrição pormenorizada dos tipos de hábitat, em conjunto com a designação dos riscos que possam gerar problemas para os ecossistemas e as medidas de conservação cabíveis.

Complementou a autora que, conforme estabelecido na lei, caberá ao órgão gestor, juntamente com os órgãos licenciadores e do meio ambiente, definir as atividades potencialmente impactantes, que precisarão de licenciamento. Na opinião da mesma autora, as atividades consideradas nocivas não deveriam de modo algum ser licenciadas.

6 Considerações finais

Com base na análise do aparato jurídico vigente, considera-se que a zona de amortecimento, definida no SNUC, e a zona de entorno, definida na Resolução CONAMA nº. 13/90, podem ser classificadas como uma limitação administrativa, pois ambas impõem restrições ao exercício do direito de propriedade, com vistas à proteção dos recursos naturais. A zona de amortecimento prevista no SNUC possibilita que novas limitações administrativas, além das usuais, sejam estabelecidas pelo plano de manejo

Todavia, a instituição de uma área com restrições de uso ao redor das unidades de conservação no Brasil, ainda que bem intencionada, não se reveste da clareza e da objetividade esperadas das leis.

Na prática, cabe aos gestores das unidades de conservação, juntamente com os órgãos licenciadores, indicar quais atividades devem ser submetidas a licenciamento ambiental para que possam ser instaladas na zona de amortecimento da unidade de conservação. Entende-se que esta indicação deve ser feita no plano de manejo, mas o SNUC, que trata do assunto, é omisso quanto à necessidade de licenciamento ambiental na zona de amortecimento. Ademais, a zona de amortecimento determinada no plano de manejo não coincide com a zona de entorno estabelecida na Resolução CONAMA nº. 13/90.

Na falta de clareza desses institutos jurídicos, o plano diretor surge como um instrumento jurídico eficiente e de extrema importância, dentro do ordenamento territorial dos municípios, ao atribuir as áreas ao redor das unidades de conservação o status de zonas especiais, voltadas a mitigar os impactos sobre os recursos naturais das unidades de conservação.

Desse modo, a efetiva proteção das unidades de conservação por meio da limitação ou restrição do uso das propriedades situadas ao seu redor depende, essencialmente, do entendimento entre o órgão gestor, os órgãos licenciadores e a administração municipal. E, para que as normas estabelecidas não gerem conflitos, os proprietários da vizinhança devem ser envolvidos em todo o processo, de modo que tomem conhecimento das leis e compreendam as restrições de uso que lhes venham a ser impostas.

Recebido: 6/12/2007

Aceito: 12/8/2008

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  • Autor para correspondência:
    Patrícia De Luca Vitalli
    Escola de Engenharia de São Carlos
    Universidade de São Paulo
    E-mail:
  • *
    Trabalho derivado da Dissertação de Mestrado da primeira autora, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Engenharia Ambiental, Escola de Engenharia de São Carlos, USP (VITALLI, 2007)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      12 Ago 2008
    • Recebido
      06 Dez 2007
    ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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