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Estimativa de aporte de recursos para um sistema de Pagamento por Serviços Ambientais na floresta Amazônica Brasileira

Estimation of resources allocation for a system of Environmental Services Payment in the Brazilian Amazon Rainforest

Resumos

Este trabalho tem por objetivo estimar o aporte de recursos necessários no caso de implantação de um mecanismo de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) na região da floresta Amazônica brasileira. As estimativas foram calculadas para o Arco do Desmatamento e para a Amazônia Legal e tiveram como base um custo de oportunidade de R$ 123,00 por hectare. A definição do público alvo das compensações foi feita com base na área e na renda gerada pelos estabelecimentos rurais dessas duas áreas.

PSA; Serviços ambientais; Desmatamento; Arco do Desmatamento; Amazônia brasileira


This paper offers an appraisal of a mechanism of Payments for Environmental Services (PES) in the Brazilian Amazon Rainforest. The estimates were performed for two regions: the Arc of Deforestation and the Legal Amazon. The estimates were based on a cost of opportunity of R$ 123.00 per hectare and the definition of the eligible public was based on the area and the income generated by the farms in these two areas.

PES; Environmental services; Deforestation; Arc of Deforestation; Brazilian Amazon


ARTIGOS

Estimativa de aporte de recursos para um sistema de Pagamento por Serviços Ambientais na floresta Amazônica Brasileira

Estimation of resources allocation for a system of Environmental Services Payment in the Brazilian Amazon Rainforest

Maria do Carmo Ramos FasiabenI; Daniel Caixeta AndradeII; Bastiaan Philip ReydonIII; Junior Ruiz GarciaIV; Ademar Ribeiro RomeiroV

IPesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Secretaria de Gestão e Estratégia, Embrapa Sede, Parque Estação Biológica, s/nº, CEP 70.770-901, Brasília – DF, Brasil, E-mail: maria.ramos@embrapa.br

IIProfessor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia, Avenida João Naves de Ávila, 2121, Bloco J, Bairro Santa Maria, CEP 38.408-100, Uberlândia – MG, Brasil, E-mail: caixetaandrade@ie.ufu.br

IIIProfessor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – Núcleo de Economia Agrícola e do Meio Ambiente. Caixa Postal 6135, CEP 13.083-857, Campinas – SP, Brasil, E-mail: basrey@eco.unicamp.br

IVDoutorando em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Caixa Postal 6135, CEP 13.083-857, Campinas – SP, Brasil, E-mail: jrgarcia@eco.unicamp.br

VProfessor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – Núcleo de Economia Agrícola e do Meio Ambiente, Caixa Postal 6135, CEP 13.083-857, Campinas – SP, Brasil, E-mail: ademar@eco.unicamp.br

Autor para correspondência Autor para correspondência: Maria do Carmo Ramos Fasiaben Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Secretaria de Gestão e Estratégia E-mail: maria.ramos@embrapa.br

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo estimar o aporte de recursos necessários no caso de implantação de um mecanismo de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) na região da floresta Amazônica brasileira. As estimativas foram calculadas para o Arco do Desmatamento e para a Amazônia Legal e tiveram como base um custo de oportunidade de R$ 123,00 por hectare. A definição do público alvo das compensações foi feita com base na área e na renda gerada pelos estabelecimentos rurais dessas duas áreas.

Palavras-chave: PSA. Serviços ambientais. Desmatamento. Arco do Desmatamento. Amazônia brasileira.

ABSTRACT

This paper offers an appraisal of a mechanism of Payments for Environmental Services (PES) in the Brazilian Amazon Rainforest. The estimates were performed for two regions: the Arc of Deforestation and the Legal Amazon. The estimates were based on a cost of opportunity of R$ 123.00 per hectare and the definition of the eligible public was based on the area and the income generated by the farms in these two areas.

Keywords: PES. Environmental services. Deforestation. Arc of Deforestation. Brazilian Amazon.

1 Introdução

A importância das florestas para a conservação do planeta e para o bem estar das gerações futuras é cada vez mais reconhecida pela enormidade de bens e serviços prestados à humanidade: elas contribuem para o equilíbrio do clima e das águas, abrigam uma valiosa biodiversidade, além de representar alternativa socioeconômica às populações que nelas vivem e de suprir a demanda da sociedade por seus produtos, desde que manejadas de forma correta para garantir sua sustentabilidade.

No caso da Amazônia brasileira, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE, 2007) mostram que a média de desmatamento anual foi de 20.441 km2 entre 2000 e 2006. A área acumulada desflorestada até 2006 foi de 679.899 km2, o que representa 13,23% da extensão total da Amazônia Legal. A taxa de perda de floresta é ainda mais dramática no chamado "Arco do Desmatamento", que compreende as bordas sul e leste da região (FEARNSIDE, 2005).

A implementação de um esquema de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) na região contribuiria para frear o desmatamento, além de auxiliar na redução da pobreza rural, aumentando o bem-estar dos povos da floresta. Especificamente, o presente estudo tem como objetivo oferecer estimativas do aporte de recursos necessários para implantação de um sistema de PSA na Amazônia, considerando o Arco do Desmatamento como região prioritária para este tipo de programa. O serviço ecossistêmico a ser compensado seria o seqüestro de carbono, dada a importância que a floresta tem na mitigação da emissão de gases de efeito estufa.

Os argumentos desenvolvidos neste trabalho desdobram-se em duas seções, além desta introdução e da conclusão. Na primeira, são discutidos alguns temas considerados relevantes no debate sobre mecanismos de PSA no Brasil. Na segunda seção são feitas algumas estimativas sobre os recursos necessários para fazer frente às compensações devidas em função de um público-alvo definido. Por fim, as considerações finais resumem de maneira sistematizada os pontos levantados ao longo do trabalho.

2 A discussão de PSA no Brasil: considerações relevantes

O conceito de PSA é claramente definido como um sistema de compensação aos provedores de um serviço ambiental concreto por parte dos usuários desse serviço (KIERSCH, 2005). Além de auxiliar na preservação do meio ambiente, os mecanismos de PSA também podem contribuir para o desenvolvimento econômico, sendo importantes na geração de renda aos seus beneficiários (ZILBERMAN et al., 2006; MAYRAND; PAQUIN, 2004; WUNDER, 2005; UNEP, 2006; PAGIOLA et al., 2005).

A discussão de implementação de um mecanismo de PSA na Amazônia passa necessariamente por alguns temas como o entendimento da dinâmica do desmatamento nesta região, o universo de produtores que vivem ali, questões relacionadas à titularidade das terras, além de experiências já vivenciadas em termos de políticas de compensação por serviços ambientais. A seguir, discute-se cada um desses tópicos separadamente.

2.1 Causas do desmatamento na Amazônia

A justificativa da criação do PSA para a Amazônia passa pela discussão das causas do desmatamento na região, o que tem sido objeto de significativa controvérsia.

Na literatura que analisa as causas do desmatamento da Floresta Amazônica, a especulação fundiária e a "pecuarização" são apontados como os seus principais causadores (IANNI, 1979; HALL, 1987; HECHT, 1989; MAHAR, 1989).

Reydon e Romeiro (2000) mostram que o principal motor da "pecuarização" é a existência de muita terra devoluta, passível de ser apropriada, que, associada à possibilidade de instalar a pecuária a baixos custos, torna o desmatamento uma estratégia imbatível de valorização do capital.

A pecuária é comprovadamente uma atividade altamente rentável na Amazônia. Ela é atrativa mesmo na escala dos produtores familiares extrativistas, uma vez que os ganhos obtidos da produção tradicional, mesmo acrescidos daqueles potenciais, advindos dos produtos não madeireiros da floresta (PNMF) são inferiores aos obtidos através da pecuária, o que torna o desmatamento bastante atraente para os diversos tipos de produtores (REYDON et al., 2001; REYDON et al., 2002).

Foi Margulis (2003) quem melhor evidenciou a alta rentabilidade da pecuária na Amazônia, principalmente em grande escala. O autor fez comparações com outras regiões do país e mostrou que, quanto mais integrado o processo, mais elevadas são as rendas advindas da pecuária. O autor também evidenciou que a ausência de regulação nos mercados de terras – que faz com que a grilagem seja fato corriqueiro – associa-se à pecuária na obtenção de elevados ganhos.

De um modo geral, o processo de ocupação do solo se inicia com a pecuária, para numa segunda etapa implementarem-se outras atividades, tais como a soja ou mesmo a cana-de-açúcar. A implantação do PSA tem como objetivo principal tornar a terra menos atraente à pecuária e à especulação com terras.

2.2 A magnitude do desafio brasileiro

Os números do desmatamento da Amazônia por si mesmos refletem a magnitude do problema a ser enfrentado. Considerando-se o período 2000/2006, a média de desmatamento para a Amazônia Legal ficou em torno de 20.441 km2 por ano, sendo que a partir de 2004 observa-se um arrefecimento no ritmo de desflorestamento anual, com uma queda nesta taxa de aproximadamente 25% em 2006 com relação a 2005. Não obstante, a área desmatada acumulada atinge altas proporções: dos 5.139.741 km2 da Amazônia Legal, 679.899 km2 (13,23% da área total) haviam sido desmatados até 2006, restando uma área total de floresta de 3.338.346 km2. A taxa de perda de floresta é mais dramática no chamado "Arco do Desmatamento", que compreende as bordas sul e leste da região (FEARNSIDE, 2005). Estimativas para esta última região apontam que sua extensão é de aproximadamente 65 milhões de hectares, onde se desmatam mais de 20.000 km2 por ano (SHIKI, 2007)1 1 Comunicação feita na Conferência "Payments for Ecosystem Services: from Local to Global", Costa Rica, março de 2007. .

Na tentativa de dimensionar o público potencial para um programa de PSA, trabalhou-se com a base de dados da agricultura familiar (base de dados SADE, elaborada através do Convênio INCRA/FAO) referente ao Censo Agropecuário de 1995/962 2 Reconhece-se a limitação aqui imposta, uma vez que o quadro da agricultura familiar no Brasil e na Amazônia deve ter sofrido importantes alterações desde a publicação do último Censo Agropecuário. Entretanto, são os dados disponíveis no momento. . A partir dessa base de dados, observou-se que existiam na Amazônia Legal3 3 A metodologia empregada neste trabalho para delimitação dos municípios que compõem a Amazônia Legal brasileira e o chamado Arco do Desmatamento é apresentada no item 2.2. mais de 816 mil estabelecimentos agropecuários4 4 O elevado número de estabelecimentos é influenciado pelo estado do Maranhão, que se caracteriza pela forte presença de minifúndios. Na Amazônia Legal, entre os estabelecimentos que tinham menos de 100 ha, cerca de 40% estavam no Maranhão, enquanto que no Arco do Desmatamento este percentual era de 34%. O Maranhão concentrava os estabelecimentos com menos de 5 ha. , cobrindo superfície superior a 120 milhões de hectares e cujo Valor Bruto da Produção (VBP) agropecuária correspondia, em valores da época, a cerca de R$ 5 bilhões5 5 R$ 10,81 bilhões em valores de outubro de 2007. . No estudo INCRA/FAO, cerca de 82% desses estabelecimentos foram considerados familiares e 8% patronais, sendo os restantes alocados predominantemente na categoria de entidades públicas, nas quais o proprietário é o Governo (Federal, Estadual ou Municipal). Os estabelecimentos familiares respondiam, por aproximadamente 40% do VBP, embora ocupassem 26% da área. A categoria dos estabelecimentos patronais ocupava mais de 70% da área e participava com 57% do VBP gerado pelos estabelecimentos agropecuários da Amazônia Legal.

Em relação ao Arco do Desmatamento, existiam aí cerca de 225 mil estabelecimentos, cuja área ocupada beirava os 50 milhões de hectares. Perto de 81% desses estabelecimentos foram classificados como familiares pela base de dados SADE. A proporcionalidade de área entre as diferentes categorias era próxima à descrita para o conjunto da Amazônia Legal (familiares ocupando 25% da mencionada área e patronais cerca de 71%), embora no Arco o percentual de produtores patronais fosse superior, estando próximo dos 11% do total de estabelecimentos. Aqui, os estabelecimentos familiares respondiam por 42% do VBP e os patronais, por 55%.

Os números apresentados mostram a magnitude e a complexidade da implementação de um sistema de PSA na Amazônia brasileira, onde o número de atores e a extensão territorial, por si sós, dificultam a implementação, o monitoramento, a fiscalização e os custos de transação do sistema. Isto sem contar com os aspectos legais relacionados ao pagamento e o grave problema da titularidade das terras, que serão discutidos em seguida.

2.3 Aspectos institucionais e fundiários

Um dos maiores entraves à implementação de um programa de PSA no Brasil é a falta de uma base jurídica que permita o recebimento pelos serviços ambientais e garanta a criação de um fundo para pagamento contínuo aos produtores.

Gusmão (2005) argumenta que a grande diversidade, que caracteriza o caso brasileiro, dificulta a implementação de mecanismos legais que possam normatizar instrumentos orientados à proteção e justiça ambiental. Essa dificuldade se torna ainda maior no caso das compensações por serviços ambientais, dado o grande número de agentes envolvidos, as questões sobre titularidade do bem ambiental e a heterogeneidade dos ecossistemas.

Outra questão relevante a ser enfrentada é a construção de uma institucionalidade que dê conta da implementação, monitoramento e avaliação de um sistema de PSA. A consolidação de um arcabouço institucional para a região amazônica é ainda mais complexa, dadas as características de grande número de produtores, elevada extensão territorial e difícil acesso, que podem elevar sobremaneira os custos de transação envolvidos.

Há que se ter em mente também que uma proposta de PSA para a Floresta Amazônica necessita enfrentar a problemática fundiária que pode ser resumida em: i) ausência e/ou insegurança de titulação das terras; ii) existência de terras devolutas; iii) elevado número de estabelecimentos de pequeno porte na região.

Parcela significativa das terras da região amazônica refere-se a terras devolutas: trata-se de áreas teoricamente pertencentes ao Estado, mas que na medida em que não são apossadas ou tituladas, estão passíveis de serem apropriadas privadamente. Quanto às terras devolutas, não existe informação precisa de sua extensão. Shiki (2007) apresenta uma estimativa de que 42% das terras da Amazônia Legal são consideradas devolutas, o que ultrapassa 2 milhões de km2.

Parte importante do desmatamento na Amazônia decorre, segundo Reydon (2007), do processo de ocupação de terras, principalmente as terras devolutas não cadastradas e/ou reguladas. Paralelamente ao processo de PSA há que se encontrar uma solução institucional para a apropriação estatal das terras devolutas.

O fato é que a ausência e/ou insegurança quanto à titulação das terras faz com que, no processo de concessão do PSA, torne-se difícil estabelecer a propriedade e, conseqüentemente, o pagamento ao proprietário.

Certamente, o pagamento pelos serviços da floresta fará com que os direitos de propriedade sejam profundamente fortalecidos. O processo de pagamento por serviços ambientais da floresta deve tornar as terras devolutas ainda mais atraentes de serem apossadas e ocupadas para a obtenção futura do benefício.

Portanto, previamente ao estabelecimento de um sistema de PSA, deve-se buscar soluções que levem a uma efetiva regulação e titulação da propriedade da terra no Brasil. Além dos custos envolvidos na solução deste complexo problema, haveria que se contar com órgãos afeitos, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), entre outros, para o efetivo controle por parte do Estado sobre estas áreas e, conseqüentemente, impossibilitar o apossamento (grilagem) e o desmatamento.

Outro problema relevante a ser enfrentado na Amazônia está ligado à dimensão das propriedades, dada a alta incidência de pequenos estabelecimentos na região. Na medida em que a área dos estabelecimentos seja insuficiente para a simples sobrevivência das famílias, é difícil se conceber que os proprietários mantenham 80% da sua área preservada, como preconiza a lei6 6 O inciso III, § 2º do art. 1º da Lei nº 4.771 de 15/09/1965 (Código Florestal), modificada pela Medida Provisória nº 2.166-67/01 de 24/08/2001, estabelece que Reserva Legal é a "área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas". O inciso I do art. 16 dessa mesma lei estabelece ainda que devem ser mantidos no mínimo 80% da propriedade rural situada em áreas de floresta da Amazônia Legal. .

A partir da base de dados SADE, observava-se na Amazônia Legal, à época do Censo 1995/96, que: i) 38% dos estabelecimentos (310 mil) tinham menos de 5 ha, a maioria concentrada no Maranhão, seguido pelo Pará e Amazonas; ii) outros 116 mil (14%) tinham entre 5 e 20 ha e estavam localizados principalmente no Pará, Amazonas, Maranhão e Rondônia; iii) 17% (mais de 137 mil) tinham entre 20 e 50 ha e se localizavam em especial no Pará, Maranhão, Rondônia e Amazonas e; iv) 13% (perto de 109 mil), entre 50 e 100 ha, localizados no Pará, Maranhão, Rondônia e Mato Grosso. Ou seja, mais de 80% dos estabelecimentos da região possuíam área inferior a 100 ha. Já para o Arco do Desmatamento se constatava que: i) pouco mais de 21% dos estabelecimentos (48 mil) tinham menos de 5 ha, encontrando-se em sua maioria também no Maranhão, seguido por Amazonas e Pará; ii) 10% (22 mil) tinham entre 5 e 20 ha, e estavam especialmente no Maranhão, Mato Grosso, Amazonas e Pará; iii) 23% (mais de 51 mil) tinham entre 20 e 50 ha, localizando-se em ordem de importância, no Pará, Maranhão e Mato Grosso e; iv) 21% (mais de 47 mil), entre 50 e 100 ha, estavam localizados em especial no Pará, seguido por Mato Grosso, Rondônia e Maranhão. Embora o problema da exigüidade das terras se planteasse no Arco de forma pouco mais branda que para a Amazônia Legal, ainda assim, perto de 75% dos estabelecimentos apresentavam área inferior a 100 ha.

Vale ressaltar, entretanto, que os estabelecimentos com menos de 100 ha representavam cerca de 11% da área total dos estabelecimentos agropecuários, tanto da Amazônia Legal como do Arco do Desmatamento, o que não faria destes produtores os grandes responsáveis pela escala do desmatamento na região.

Recorde-se que até quatro módulos fiscais classificam as propriedades como pequenas. Dados do INCRA/DFC de 2005 mostram que cerca de 99% dos municípios dos sete estados da região Norte, 97% dos municípios maranhenses e todos aqueles localizados no estado de Mato Grosso possuem módulos fiscais maiores ou iguais a 50 ha. Depreende-se que a grande maioria dos estabelecimentos da região amazônica teria dimensões inferiores à estabelecida como teto para sua classificação como pequena.

Este quadro mostra a necessidade de se adotarem políticas específicas para a região, focando, principalmente, os pequenos estabelecimentos, uma vez que essa massa de produtores se vê obrigada a fazer uso do desmatamento para a própria sobrevivência. O enfrentamento do problema do desmatamento e da questão social requer uma combinação de políticas, que passam por políticas agrícolas, fundiárias e de compensação dos serviços ambientais providos pelas florestas.

Existe a necessidade de se resolver o problema fundiário, que se traduz na disparidade da extensão dos estabelecimentos. Isto se faria através de um reordenamento fundiário, com a concessão de áreas que sejam ao menos iguais ao módulo rural, na medida em que este é o tamanho de propriedade que em tese garante a sobrevivência da família.

Em resumo, o ganho especulativo com o desmatamento é agravado pelo fato de que grande parte das terras ainda se encontra irregular, constituindo-se em apossamentos ou terras devolutas. A ausência de uma efetiva regulação das terras devolutas é um dos principais componentes do desmatamento. Isso ocorre, por um lado, pela ausência de propriedade formal, o que gera conflitos e insegurança para os pequenos e, por outro, viabiliza ganhos elevados através da ocupação, desmatamento e plantio de pastagens em terras devolutas. Decisivamente, a ausência de efetiva regulação do Estado sobre os mercados de terras tem agravado as questões sociais e ambientais no país.

2.4 Experiência de PSA no Brasil: o Proambiente

Considera-se também que a discussão sobre a implantação de um sistema de PSA na Amazônia deve levar em conta iniciativas brasileiras sobre o tema. Embora exista uma série de experiências no Brasil que podem ser enquadradas como esquemas de pagamentos por serviços ambientais, este sub-item se restringe a um breve relato sobre o Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural (Proambiente), do Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2002), considerado a iniciativa brasileira de maior amplitude em termos de PSA7 7 A descrição do Proambiente se apóia majoritariamente em informações obtidas através de comunicação pessoal fornecida pelo Ministério do Meio Ambiente. . O programa, nascido com o Grito da Terra 2000, pretende apreender a nova funcionalidade dos produtores rurais, os quais, além de produtores de alimentos e fibras, detêm um caráter multifuncional associando preservação de valores sócio-culturais, conservação do meio ambiente e prestação de serviços ambientais.

A trajetória do Proambiente pode ser dividida entre um Projeto da Sociedade Civil (2000/2002) e um Programa do Governo Federal, passando por um breve período de transição (2003). Atualmente, o Proambiente está alocado na Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável (SEDR) do MMA, sendo incorporado no Plano Plurianal (PPA-2004/2007).

São objetivos do programa: controle social da política pública e inclusão social, orçamento territorial, intensificação qualitativa do uso econômico da terra, fortalecimento de organizações sociais, assessoria técnica e extensão rural, além da certificação e remuneração por serviços ambientais. Os princípios do Proambiente passam pela gestão compartilhada, pelo controle social, pelo planejamento participativo da unidade de produção e dos recursos naturais (através da elaboração dos chamados Planos de Utilização da Unidade de Produção – PU) e pela certificação de serviços ambientais.

O Proambiente opera por meio de Pólos, que prestam serviços ambientais em escala de paisagem rural, a partir da implementação conjunta dos PUs. Cada Pólo é formado por um conjunto de grupos comunitários, sendo estes responsáveis pela elaboração dos Acordos Comunitários, os quais devem estar em consonância com os PUs e com o Padrão de Certificação de Serviços Ambientais. A partir dos Acordos Comunitários, certificadores designados pelo Instituto Nacional de Metrologia (INMETRO), selecionados por meio de edital público, certificam o cumprimento dos mesmos, dando direito aos produtores ao uso do selo do Proambiente e a outros benefícios, como remuneração dos serviços ambientais e fomento a projetos.

O valor inicialmente estipulado para ser pago a cada estabelecimento é de meio salário mínimo por mês, tomando por base o custo de se eliminar o fogo dos sistemas de produção. O programa possui atualmente 11 Pólos em diferentes fases de implementação e consolidação, envolvendo um total de aproximadamente 5.000 famílias. Aquelas vinculadas aos cinco primeiros Pólos implantados já estariam aptas a receber a compensação por serviços ambientais, o que foi garantido por parceria firmada com o MDS (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome) e executada ao longo de 2006. No total, foram alocados R$ 1,6 milhão, beneficiando 1.768 famílias, em projetos de seis meses a um ano de duração (R$ 100,00/mês).

O principal desafio do Proambiente é a constituição de uma base legal para Serviços Ambientais. Em junho de 2006 foi criado um Grupo de Trabalho (Portaria Ministerial nº 180) para discutir a fundamentação legal, os conceitos e critérios técnicos, a base de gestão e as formas de financiamento. A partir dos resultados desse Grupo de Trabalho, está sendo construída uma proposta de Projeto de Lei que viabilize uma política de PSA com recursos orçamentários. Além da preocupação com a base legal, o Proambiente reconhece explicitamente a problemática da titularidade das terras. Nos PUs são analisadas as condições de posse e uso das terras dos beneficiários e, através de levantamento, foi identificado que cerca de 32% dos contemplados pelo programa estão em assentamentos do INCRA.

3 Estimativas de recursos para a implementação de um sistema de PSA na Amazônia

Este tópico trata de um dimensionamento preliminar dos recursos requeridos para a implementação de um programa de PSA na região Amazônica. Os montantes se referem unicamente às compensações a serem pagas aos produtores. Apresenta-se a metodologia empregada neste cálculo, que considera o custo de oportunidade de preservação da floresta e a delimitação dos produtores que receberiam as compensações.

3.1 Custo de oportunidade da preservação da floresta

Segundo Young et al. (2007), nenhuma estratégia que vise à mitigação do desmatamento será bem sucedida se não levar em conta alguma estimativa do custo de oportunidade da manutenção da floresta em pé.

Para que si rva como referência para um programa de PSA, uma boa estimativa de custo de oportunidade deve levar em conta os diferentes tipos de sistema de produção praticados. Para atender a este critério, este estudo revisou na literatura três tipos de sistemas de produção praticados na Amazônia brasileira e os seus respectivos custos de oportunidade: i) sistemas de produção que englobam produtos alimentares e extrativismo; ii) sistemas de produção de soja; e iii) sistema de produção de pecuária de corte.

Reydon et al. (2001, 2002) estimaram a renda advinda dos produtos tradicionais na pequena produção associada aos produtos não madeireiros da floresta (PNMF), considerando propriedades com área média em torno de 200 ha de pastagem e área total média de 400 ha, no estado do Acre. A estimativa de renda da produção familiar extrativa foi comparada, em seguida, à renda proveniente da pecuária em propriedade de mesma escala. A hipótese básica destes estudos era que o desenvolvimento de mercados para os PNMF poderia gerar rendas para a pequena produção familiar que preservariam a floresta e desestimulariam a expansão da pecuária. Os autores obtiveram resultados compatíveis com a literatura e com informações de fontes secundárias. A renda total média (monetária e não monetária) que as famílias "dos povos da floresta" obtinham girava em torno de R$ 2.000,00/ano. Além disto, esta pesquisa obteve a informação de que estes pequenos produtores familiares tinham um efetivo interesse no desenvolvimento de mercados para PNMF, na medida em que estes lhes possibilitavam, sem sobre-trabalho, a duplicação da renda monetária. Portanto, o potencial de ganhos do extrativismo atual (castanha e borracha) e a produção agrícola de mandioca e outros produtos de subsistência podiam gerar uma renda anual média de aproximadamente R$ 4.000,00.

Por outro lado, Reydon et al. (2001, 2002) encontraram que os ganhos econômicos oriundos da exploração pecuária em estabelecimentos de mesma escala dos pequenos produtores familiares extrativistas era de aproximadamente de R$ 20.000,00 anuais. Inferiram, então, que o custo de oportunidade da manutenção da floresta girava em torno de R$ 16.000,00/ano por estabelecimento, o que representa a diferença entre a produção de subsistência e extração de PNMF e a renda obtida da pecuária. Este último valor dividido pela extensão de 200 ha fornecia um custo de oportunidade deste sistema de produção de R$ 80,00/ha/ano, à época do estudo8 8 R$ 119,22 em valores de outubro de 2007. .

Young et al. (2007), por sua vez, analisaram o custo de oportunidade associado à expansão do cultivo da soja no estado de Mato Grosso. Utilizando informações de instituições locais, os autores coletaram dados sobre o valor da produção, convertido em dólares, e sobre a área plantada e colhida de soja para os municípios daquele estado. Os resultados mostram que entre os anos de 2003 e 2005 a rentabilidade da soja na maioria dos municípios mato-grossenses oscilou entre US$ 50,00 e US$ 80,00 por hectare9 9 Utilizou-se a média dos valores mínimo e máximo do intervalo apresentado em forma gráfica pelo autor, o qual compreende a maioria dos municípios por ele analisados. Esse valor médio era de US$ 65,00/ha, equivalente a R$ 120,34 atualizados para outubro de 2007. .

Margulis (2003) também empreendeu esforços para o cálculo do custo de oportunidade da pecuária na chamada fronteira consolidada (Amazônia Oriental). Isso porque, segundo o autor, a rentabilidade dessa atividade é que dita, em última instância, o ritmo dos desmatamentos.

Selecionando alguns municípios da região estudada (Alta Floresta – MT; Ji-Paraná – RO; Paragominas – PA; Redenção – PA e Santana do Araguaia – PA), Margulis (2003) chega a rentabilidades da pecuária que variam de R$ 95,39 a R$ 138,91 por hectare e por ano (média calculada de R$ 107,28)10 10 R$ 129,98 em valores de outubro de 2007. , considerando projetos com 20 anos de duração. Tais resultados demonstram que a pecuária em algumas regiões da Amazônia é altamente rentável, confirmando a hipótese do autor de que a expansão das áreas de pastagem e do rebanho bovino é a principal causa dos desmatamentos, conforme dito anteriormente.

Para o cálculo do custo de oportunidade a ser empregado nas estimativas do montante de recursos para PSA neste trabalho, atualizaram-se os custos de oportunidade anteriormente descritos para outubro de 2007 pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), efetuando-se, em seguida, uma média dos custos relativos aos diferentes sistemas de produção apresentados pelos autores analisados. Obteve-se, a partir desses cálculos, o valor de R$ 123,00/ha/ano, que foi utilizado no presente estudo.

De posse do valor de referência para o pagamento das compensações, resta saber quem são os provedores dos serviços, isto é, aqueles que devem receber o pagamento a fim de interromperem suas atividades de desmatamento. Acredita-se que um programa de PSA bem sucedido deve envolver prioritariamente aqueles produtores localizados na região do Arco do Desmatamento, que é onde se verificam as maiores pressões sobre a floresta.

O presente estudo também fornece uma estimativa para os potenciais recebedores localizados em toda a Amazônia Legal. A seguir, são descritos os procedimentos para a delimitação dos municípios que fazem parte das duas regiões mencionadas.

3.2 Delimitação dos municípios do arco do desmatamento e da Amazônia Legal

O "Arco do Desmatamento" ou "Arco das Queimadas" compreende a área ao sul e leste da Amazônia, abrangendo municípios do sudeste do Acre, de Rondônia, do norte de Mato Grosso e de Tocantins, sul e leste do Pará e oeste do Maranhão, onde a expansão da fronteira agrícola e da atividade econômica em geral tem ocasionado grandes desmatamentos e queimadas nos últimos anos, segundo dados do INPE, 2007 e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA, 2007).

A seleção dos municípios se baseou em mapas disponibilizados pelo IBGE, 2007, na Pesquisa de Informações Básicas Municipais – Perfil dos Municípios Brasileiros (MMA, 2002), e no trabalho de Araújo et al. (2007). Com auxílio de técnicas de geoprocessamento e da Shapfile11 11 São mapas georreferenciados que descrevem um conjunto de objetos que possuem representação espacial e estão associados a regiões da superfície da Terra. do Brasil por unidades federativas e por municípios, atualizada até 2005, foi possível selecionar os municípios que se encontravam inseridos no Arco do Desmatamento.

Para a seleção dos municípios que compõem a Amazônia Legal12 12 O inciso VI, § 2º do art. 1º da Lei nº 4.771 de 15/09/1965 (Código Florestal), modificada pela Medida Provisória nº 2.166-67/01 de 24/08/2001, estabelece que fazem parte da Amazônia Legal "os Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e as regiões situadas ao norte do paralelo 13º S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44º W, do Estado do Maranhão" (BRASIL, 1965). foi utilizada a Shapefile disponibilizada pelo IBGE (2007) no site Geodésia, que identifica as unidades federativas que compõem essa região. Novamente, com auxílio de técnicas de geoprocessamento e da Shapefile do Brasil, foi possível identificar os municípios que compõem essa região, captando-se, num primeiro momento, aqueles municípios localizados em unidades federativas que estão completamente contidas na Amazônia Legal. Para aqueles municípios localizados parcialmente na área da Amazônia Legal, decidiu-se por incluí-los integralmente nesta região.

Os procedimentos acima adotados mostraram que 791 municípios estão localizados na Amazônia Legal e que 261 municípios estão enquadrados no Arco do Desmatamento. O próximo passo, descrito na seguinte seção, foi definir quais os produtores destes municípios seriam elegíveis para o recebimento do PSA e, por fim, estimar qual o montante total de recursos seria necessário para a implementação do PSA.

3.3 Estimativa do montante total de recursos para o PSA

O cálculo do montante de PSA foi feito considerando-se uma compensação aos produtores que representasse o custo de oportunidade de manter a floresta em pé, havendo-se estimado o valor de R$ 123,00/ha/ano, conforme descrito anteriormente.

Os dados referentes aos estabelecimentos agropecuários dos municípios elencados para o Arco do Desmatamento e para a Amazônia Legal foram extraídos da base de dados SADE. As estimativas oferecidas referem-se apenas a pagamentos diretos aos produtores, não incluindo outros custos, como os de implantação (custos iniciais do programa), monitoramento, avaliação, etc.

Estimativas para o Arco do Desmatamento

No Arco do Desmatamento encontravam-se, em 1995/96, cerca de 225 mil estabelecimentos, onde 81% eram familiares e 11% eram patronais. Os familiares – divididos pelo estudo INCRA/FAO em quatro categorias segundo a renda total percebida13 13 A Renda Total dos estabelecimentos familiares do estrato mais baixo (quase sem renda) pode ter sido puxada para baixo por estabelecimentos que não se enquadrariam como pobres, mas que podiam apresentar rendas negativas por motivos tais como frustração de safra e novos investimentos. Isto, entretanto, ocorria predominantemente nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul (GUANZIROLI, 2000). – ocupavam 25% da área, respondiam por 42% do VBP, 56% da renda total e detinham 77% do pessoal ocupado. Os patronais, por sua vez, possuíam 71% da área total dos estabelecimentos e respondiam por 55% do VBP, 40% da renda total e 16% do pessoal ocupado. A Tabela 1 apresenta a magnitude dessas informações.

Para o cálculo do PSA, estabeleceram-se três grupos de estabelecimentos, obtidos a partir da categorização original fornecida pela base de dados SADE. Os grupos considerados são: i) estabelecimentos familiares das três categorias inferiores de renda (renda média, baixa e quase sem renda) cujas áreas fossem inferiores a 100 ha; ii) todos os estabelecimentos familiares, independentemente da renda, e menores que 100 ha; iii) estabelecimentos familiares e patronais cujas áreas não ultrapassassem os 100 ha. O objetivo é mostrar o impacto acumulativo da inclusão de estabelecimentos nos diversos grupos considerados no total do montante requerido para o PSA. Os critérios estabelecidos para delimitação dos diferentes grupos foram a renda percebida e a área dos estabelecimentos. Tais critérios se justificam pelo fato de que o objetivo aqui é o de oferecer uma alternativa sócio-ambiental para os pequenos produtores.

O cálculo do montante para compensação considerou o pagamento de R$ 123,00/ha/ano para 80% da área de cada grupo, extensão prevista por lei para manutenção da cobertura florestal na Amazônia. Compensando-se apenas os estabelecimentos familiares de menores rendas e com áreas inferiores a 100 ha (grupo 1), o valor total para o PSA é de R$ 420,10 milhões por ano. Para todos os familiares (grupo 2), isto é, somando-se ao primeiro grupo os familiares de maiores rendas e com áreas inferiores a 100 ha, o montante para PSA atinge o valor R$ 463,44 milhões/ano. Agregando-se, ainda, todos os patronais cujos estabelecimentos não ultrapassem 100 ha (grupo 3), tem-se que o total de recursos requeridos é de R$ 492,55 milhões. A Tabela 2 apresenta um resumo das estimativas calculadas, bem como a área e a renda total por grupo de estabelecimentos considerados.

É interessante notar o que significa o montante de PSA em termos de renda percebida pelos estabelecimentos. Percebe-se que no primeiro grupo o montante de PSA se aproxima da renda total auferida pelos estabelecimentos, enquanto que nos grupos 2 e 3 o montante de PSA representa uma parcela proporcionalmente menor da renda, o que pode ser parcialmente explicado pelo fato de que os estabelecimentos incluídos nestes dois últimos grupos possuem uma renda maior.

Embora se tenha adotado a suposição de que os estabelecimentos considerados possuem condições de cumprir a legislação que prevê a destinação de área para Reserva Legal, parece ser plausível afirmar que boa parte destes produtores já não deve deter o equivalente a 80% de seus terrenos sob mata, o que implicaria, nestes casos, em planos de reflorestamento e de manejo sustentável dos bosques. Uma quantificação neste sentido exige, entretanto, um estudo mais aprofundado sobre os custos envolvidos com atividades de reflorestamento.

Estimativas para a Amazônia Legal

Este sub-item tem por objetivo apresentar as estimativas do montante de recursos necessários se o programa de PSA fosse ampliado para a Amazônia Legal. A Tabela 3 apresenta os dados sobre número de estabelecimentos, área total, valor bruto da produção, renda total e pessoal ocupado por categorias. Em termos percentuais, na Amazônia Legal, por ocasião do Censo Agropecuário de 1995/1996, 82% dos estabelecimentos eram familiares. Estes estabelecimentos ocupavam 26% da área, respondiam por 40% do VBP agropecuária da região, 56% da renda total e empregavam 78% do pessoal ocupado na agricultura. Os estabelecimentos patronais (8% do total) ocupavam 70% da área, 57% do VBP agropecuária, 39% da renda total e 13% do pessoal ocupado.

Adotando os mesmos critérios, isto é, mesma estratificação dos estabelecimentos e mesma forma de cálculo do PSA usados para o Arco do Desmatamento, as estimativas mostram que os montantes requeridos para o PSA em toda a Amazônia Legal são de R$ 1,05 bilhão por ano para o grupo 1, R$ 1,17 bilhão para o grupo 2 e R$ 1,24 bilhão para o grupo 3 (Tabela 4).

Observando-se os valores da relação PSA-Renda para os estabelecimentos da Amazônia Legal, nota-se que os percentuais são menores do que aqueles obtidos para o Arco. Isso pode ser explicado pelo fato de que, em termos médios, os estabelecimentos do Arco são proporcionalmente maiores, elevando, pois, o montante requerido para PSA. De fato, comparando-se a relação área/estabelecimento no Arco do Desmatamento e Amazônia Legal, percebe-se que tal relação é significativamente maior, para todos os grupos, na primeira região. Por outro lado, olhando-se pelo lado da renda, observa-se que a relação renda/estabelecimento é ligeiramente superior no Arco do Desmatamento.

Uma vez definidos os montantes de recursos para um programa de PSA, cabe a discussão sobre as possíveis fontes de financiamento para este tipo de programa. Além do estabelecimento de uma base legal e institucional que garanta que os recursos cheguem a seus potenciais beneficiários, o sucesso financeiro de um mecanismo de PSA está diretamente vinculado à disponibilidade de recursos internos e ao grau de envolvimento de atores globais. Isso porque os serviços ecossistêmicos – alvo dos mecanismos de PSA – geram benefícios em escala global, o que demonstra a pertinência da participação de fundos externos no seu financiamento.

Embora não seja objetivo deste trabalho analisar as formas de financiamento de programas desta natureza, cabe mencionar as sugestões feitas por Young et al. (2007). Ao estudarem a viabilidade de implementação do Pacto Nacional pela Valorização da Floresta e pelo Fim do Desmatamento na Floresta Amazônica, propõem a utilização de oito fontes possíveis de recursos, distribuídas entre os estados da Amazônia Legal, a União e investidores externos. No âmbito estadual, os autores propõem a alteração ou criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) ambiental, o aumento do endividamento dos estados da região Norte e a redistribuição da destinação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos estados da Amazônia Legal. No âmbito federal, propõem a destinação de recursos adicionais do Orçamento Geral da União, solicitar novos recursos ao BNDES, com a criação de produtos específicos, o redirecionamento de recursos do Fundo Constitucional para Financiamento do Norte e Centro-Oeste (FNO e FCO, respectivamente) e agregação do valor das multas. Quanto aos recursos externos, consideram que os mesmos devem vir de fontes privadas e públicas.

Para um cenário otimista, Young et al. (2007) prevêem a constituição de um fundo de R$ 9.010 milhões, com participação de 80% de recursos internos e 20% de recursos externos. Para um cenário pessimista, no qual são retiradas as fontes de elevado grau de dificuldade (CIDE, que implica em mudança legal, e recursos do BNDES) e reduzida a possibilidade de endividamento dos estados da região Norte, além dos recursos externos e do FNO e FCO, a previsão é de um fundo de R$ 6.920 milhões. Ambos os cenários prevêem um programa com duração de sete anos.

4 Considerações finais

Este trabalho teve como objetivo contribuir para a discussão sobre políticas de PSA no Brasil, oferecendo estimativas do aporte de recursos necessários para este tipo de programa na região Amazônica. O serviço ambiental focado é o seqüestro de carbono, cuja compensação poderia reduzir o desmatamento na região e aumentar o bem-estar dos povos que vivem na floresta.

O passo inicial para a implementação de um programa de PSA envolve a identificação dos provedores do serviço ambiental que se quer compensar. Os dados analisados indicam que a maioria dos estabelecimentos na região (mais de 80% para a Amazônia Legal e cerca de 75% para o Arco do Desmatamento) possui áreas menores que 100 ha, extensão exígua para a Região Amazônica. Diante disso, o presente estudo considera como sendo prioritários para o recebimento de PSA aqueles estabelecimentos com área inferior a 100 ha, uma vez que se utilizam do desmatamento para garantirem sua sobrevivência. Além da área, outro critério utilizado para priorizar os beneficiários do programa de PSA foi a renda auferida pelos estabelecimentos.

Tomando-se um custo de oportunidade de R$ 123,00/hectare, as estimativas calculadas mostraram que o total de recursos para PSA varia entre R$ 420,10 milhões/ano e R$ 492,55 milhões/ano para o Arco do Desmatamento, dependendo do público alvo definido. O menor valor está associado aos estabelecimentos familiares de menores rendas e com áreas inferiores a 100 ha, considerados como sendo os prioritários, enquanto que o maior valor refere-se a todos os estabelecimentos (familiares e patronais) menores que 100 ha. Para a Amazônia Legal os valores obtidos variam entre R$ 1,05 bilhão e R$ 1,24 bilhão por ano, considerando a mesma estratificação dos estabelecimentos e a mesma metodologia de cálculo.

Espera-se que um programa de compensação pelos serviços ambientais prestados pelos pequenos proprietários na Amazônia traga impactos sociais de relevância, pois as oportunidades de geração de renda para este conjunto de produtores são escassas. Se por um lado o programa contempla seus objetivos sociais, por outro pode se questionar o real impacto que este teria sobre as taxas de desmatamento, já que os principais agentes do desflorestamento são os grandes produtores, majoritariamente aqueles ligados à pecuária de grande escala. No entanto, a adoção de adequadas políticas, entre elas o PSA, dirigidas aos pequenos produtores pode arrefecer o desmatamento na fronteira da floresta, reduzindo o contingente de mão-de-obra barata que serve à grande exploração, que pressiona o avanço sobre a floresta.

Entre os desafios para a implementação de um mecanismo de PSA na Amazônia, citam-se aqueles ligados à base legal, ainda não resolvidos, mas que estão sendo discutidos no âmbito de iniciativas já em andamento, como o Proambiente. Ressalta-se também o problema da precária regulação do mercado de terras, com a existência de grandes extensões de terras devolutas. A definição de direitos de propriedade torna-se crucial para o sucesso de um programa dessa natureza, pois é preciso definir os proprietários dos serviços ambientais gerados e que devem ser compensados.

Deve-se ter em mente também que a construção de mercados de serviços ambientais requer uma participação efetiva do Estado na sua regulamentação e fiscalização, especialmente no caso da Amazônia, onde o processo de pagamento por serviços ambientais da floresta deve tornar as terras devolutas ainda mais atraentes de serem apossadas e ocupadas com vistas a alcançar o benefício, aumentando, ao invés de reduzir, os níveis de desmatamento.

Notas

Recebido: 16/4/2008. Aceito: 2/1/2009.

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  • ZILBERMAN, D.; LIPPER, L.; MCCARTHY, N. Putting payments for environment services in the context of economic development Roma: ESA, 2006. (Working Paper 06-15).
  • 1
    Comunicação feita na Conferência "Payments for Ecosystem Services: from Local to Global", Costa Rica, março de 2007.
  • 2
    Reconhece-se a limitação aqui imposta, uma vez que o quadro da agricultura familiar no Brasil e na Amazônia deve ter sofrido importantes alterações desde a publicação do último Censo Agropecuário. Entretanto, são os dados disponíveis no momento.
  • 3
    A metodologia empregada neste trabalho para delimitação dos municípios que compõem a Amazônia Legal brasileira e o chamado Arco do Desmatamento é apresentada no item 2.2.
  • 4
    O elevado número de estabelecimentos é influenciado pelo estado do Maranhão, que se caracteriza pela forte presença de minifúndios. Na Amazônia Legal, entre os estabelecimentos que tinham menos de 100 ha, cerca de 40% estavam no Maranhão, enquanto que no Arco do Desmatamento este percentual era de 34%. O Maranhão concentrava os estabelecimentos com menos de 5 ha.
  • 5
    R$ 10,81 bilhões em valores de outubro de 2007.
  • 6
    O inciso III, § 2º do art. 1º da Lei nº 4.771 de 15/09/1965 (Código Florestal), modificada pela Medida Provisória nº 2.166-67/01 de 24/08/2001, estabelece que Reserva Legal é a "área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas". O inciso I do art. 16 dessa mesma lei estabelece ainda que devem ser mantidos no mínimo 80% da propriedade rural situada em áreas de floresta da Amazônia Legal.
  • 7
    A descrição do Proambiente se apóia majoritariamente em informações obtidas através de comunicação pessoal fornecida pelo Ministério do Meio Ambiente.
  • 8
    R$ 119,22 em valores de outubro de 2007.
  • 9
    Utilizou-se a média dos valores mínimo e máximo do intervalo apresentado em forma gráfica pelo autor, o qual compreende a maioria dos municípios por ele analisados. Esse valor médio era de US$ 65,00/ha, equivalente a R$ 120,34 atualizados para outubro de 2007.
  • 10
    R$ 129,98 em valores de outubro de 2007.
  • 11
    São mapas georreferenciados que descrevem um conjunto de objetos que possuem representação espacial e estão associados a regiões da superfície da Terra.
  • 12
    O inciso VI, § 2º do art. 1º da Lei nº 4.771 de 15/09/1965 (Código Florestal), modificada pela Medida Provisória nº 2.166-67/01 de 24/08/2001, estabelece que fazem parte da Amazônia Legal "os Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e as regiões situadas ao norte do paralelo 13º S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44º W, do Estado do Maranhão" (BRASIL, 1965).
  • 13
    A Renda Total dos estabelecimentos familiares do estrato mais baixo (quase sem renda) pode ter sido puxada para baixo por estabelecimentos que não se enquadrariam como pobres, mas que podiam apresentar rendas negativas por motivos tais como frustração de safra e novos investimentos. Isto, entretanto, ocorria predominantemente nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul (GUANZIROLI, 2000).
  • Autor para correspondência:
    Maria do Carmo Ramos Fasiaben
    Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Secretaria de Gestão e Estratégia
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      02 Jan 2009
    • Recebido
      16 Abr 2008
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