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Desafios na construção de indicadores de sustentabilidade

Challenges in the construction of sustainability indicators

Resumos

Indicadores de sustentabilidade têm sido propostos para atender à necessidade de mensurar a distância entre a situação atual de dada sociedade e seus objetivos de desenvolvimento sustentável. A partir de pesquisa bibliográfica se analisam cinco propostas de indicadores e se identificam desafios a serem superados em sua construção para que sejam capazes de promover mudanças de comportamentos e subsidiar decisões.

Indicadores; Desenvolvimento; Sustentabilidade


Sustainability indicators have been proposed to address the need of measuring the distance between the reality of a given society and its sustainable development goals. This paper, based mostly on bibliographical research, analyses five indicators and identifies challenges to be overcome in their construction in order to allow them to promote behavioral changes and enlighten public decisions.

Indicators; Development; Sustainability


ARTIGOS

Desafios na construção de indicadores de sustentabilidade

Challenges in the construction of sustainability indicators

Roberto Pereira GuimarãesI; Susana Arcangela Quacchia FeichasII

IB. A. em Administração Pública, M. A. e Ph.D em Ciência Política, Professor da EBAPE – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV – Fundação Getúlio Vargas, Coordenador do NAPSA – Núcleo de Análises e Projetos Socioambientais e Vice-Presidente do Comitê Científico do IHDP – International Human Dimensions Program on Global Environmental Change

IIB. A. em Administração Pública e Mestre em Ciência Ambiental, Consultora e Coordenadora de Cursos na FGV, Rio de Janeiro – RJ, E-mail: susana.feichas@fgv.br

Autor para correspondência Autor para correspondência: Roberto Pereira Guimarães FGV/EBAPE - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas Praia de Botafogo, 190, Sala 522 CEP 22.250-900 – Rio de Janeiro, RJ E-mail: roberto.guimaraes@fgv.br

RESUMO

Indicadores de sustentabilidade têm sido propostos para atender à necessidade de mensurar a distância entre a situação atual de dada sociedade e seus objetivos de desenvolvimento sustentável. A partir de pesquisa bibliográfica se analisam cinco propostas de indicadores e se identificam desafios a serem superados em sua construção para que sejam capazes de promover mudanças de comportamentos e subsidiar decisões.

Palavras-chave: Indicadores. Desenvolvimento. Sustentabilidade.

ABSTRACT

Sustainability indicators have been proposed to address the need of measuring the distance between the reality of a given society and its sustainable development goals. This paper, based mostly on bibliographical research, analyses five indicators and identifies challenges to be overcome in their construction in order to allow them to promote behavioral changes and enlighten public decisions.

Keywords: Indicators. Development. Sustainability.

1 Introdução

O conceito de desenvolvimento sustentável, disseminado a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio-92, enseja mudanças de comportamento na forma como os seres humanos se relacionam com o meio ambiente, bem como no modo de formular, implementar e avaliar políticas públicas de desenvolvimento. Na operacionalização deste conceito emerge, nas agendas de governos e da sociedade, a necessidade de pensar em novas formas de mensurar o crescimento e de garantir a existência de um processo transparente e participativo para o debate e para a tomada de decisões em busca do desenvolvimento sustentável.

Neste contexto, um conjunto de indicadores de sustentabilidade exerce a função de advertir à comunidade sobre riscos e tendências do desenvolvimento, se constituindo como uma carta de navegação sobre o futuro (GUIMARÃES, 1998), onde se vislumbra um destino, se acompanha o trajeto e se corrigem os rumos.

Este trabalho, com base em pesquisa bibliográfica, analisa cinco propostas de indicadores que são relevantes pela grande repercussão que tiveram ao propor uma nova métrica para o desenvolvimento. Da análise resulta que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Índice de Bem-estar Econômico Sustentável (IBES), atualmente Índice de Progresso Genuíno (IPG), a Pegada Ecológica, os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e a Matriz Territorial de Sustentabilidade (CEPAL/ILPES), em função de seus objetivos, variáveis adotadas, forma de mensuração e comunicação, aportam contribuições significativas e diferenciadas para a construção de indicadores de sustentabilidade.

Apesar dessas contribuições, a presente análise identifica que há desafios a serem superados na construção de indicadores de sustentabilidade de modo a agregar concomitantemente aspectos considerados imprescindíveis para promover mudanças na sociedade e subsidiar decisões de políticas públicas, tais como: multidimensionalidade, comparabilidade, participação, comunicação e relacionamento entre as variáveis.

2 A razão para indicadores

2.1 Desenvolvimento sustentável

Segundo Guimarães (1998), as raízes modernas do conceito de desenvolvimento sustentável encontram-se na Conferência de Estocolmo em 1972, quando, pela primeira vez, chamou-se atenção para os impactos negativos do processo de desenvolvimento no meio ambiente e no tecido social, ocasião na qual tomadores de decisão do mundo inteiro foram alertados sobre a existência de outras dimensões do desenvolvimento, para além da dimensão econômica. Entretanto, atualmente, a definição mais aceita de desenvolvimento sustentável é a que ficou consagrada no Relatório Brundtland, de 1987, e foi difundida durante a realização da Rio-92, podendo ser resumida à seguinte sentença: "atender às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades" (WCED, 1987, p. 9).

Este conceito surge no momento em que se reconhece que o padrão de desenvolvimento em curso, que tem tido como objetivo central o progresso econômico, apresenta situações impossíveis do ponto de vista biofísico quando projetado para o futuro (GOODLAND, 1995). Apresenta ainda o paradoxo do incremento nos índices macroeconômicos, mas de deterioração de índices socioambientais (BOISIER, 1997). Tanto os limites biofísicos do Planeta como a deterioração do tecido social ensejam mudanças nos processos de decisão, implementação e avaliação de políticas públicas, na busca de uma nova forma de desenvolvimento.

Essas mudanças suscitam a necessidade de conscientizar a sociedade sobre a situação ambiental e social em que se encontra, de modo a fazer com que esta possa participar da definição dos rumos do desenvolvimento que deseja. Tais mudanças pressupõem ainda pensar estrategicamente os impactos positivos e negativos de decisões e ações tomadas pela sociedade, o que significa deixar de ter como meta somente o retorno econômico e incorporar outras dimensões à avaliação da realidade, considerando que o processo de desenvolvimento não é constante nem estável no tempo e no espaço. A partir dessa nova consciência, percebe-se que o desenvolvimento está sujeito tanto ao comportamento dos seres humanos, individual e coletivamente, e os processos sociais existentes em cada território; quanto ao tempo que os ambientes naturais levam para se recuperar e conservar a integridade dos ciclos vitais. Isso nos leva a pensar no compromisso e na responsabilidade das gerações presentes em relação às gerações futuras.

Em síntese, o processo de busca de um desenvolvimento sustentável exige proatividade, visão de longo prazo e acompanhamento dos resultados das decisões tomadas e ações implementadas. Neste processo, indicadores são instrumentos que permitem medir a distância entre a situação atual de uma sociedade e seus objetivos de desenvolvimento, bem como instrumentalizar a incorporação da sustentabilidade na formulação e na prática de políticas impulsionadas pelo Estado (GUIMARÃES, 1998).

2.2 Indicadores e sua história

A mensuração sistemática e rigorosa dos fenômenos sociais no mundo ocidental data da primeira metade do século XX, mas a partir dos anos 70, com o surgimento da agenda ambiental e do conceito de desenvolvimento sustentável, aprofundaram-se os esforços para desenvolver instrumentos que pudessem medir o progresso em direção à sustentabilidade. A globalização também contribuiu para a intensificação da tendência a parametrizar todas as questões socioambientais.

Entretanto, a complexidade dos fenômenos sociais e ambientais não é captada por simples parâmetros e relações de causalidade. Para que esta condição seja incluída nos processos de mensuração de maneira efetiva e real, é preciso agregar uma interpretação que considere questões qualitativas, históricas e também institucionais. Outro aspecto importante é o fato de as interações e dos ciclos da natureza não funcionarem no tempo dos processos econômicos, culturais e sociais. Isto torna a valoração do meio ambiente um exercício difícil. Contudo, uma noção de valor econômico que englobe bens e serviços ambientais, por mais arbitrária que seja, é mais eficaz do que a inexistência de parâmetro algum. É importante ter em mente, portanto, que todo e qualquer tipo de mensuração apresenta limites e não espelha a complexidade da sociedade (GUIMARÃES, 1998).

Com a publicação do relatório Brundtland a questão ambiental ganhou outra proporção, impulsionando pesquisas sobre indicadores de sustentabilidade. Canadá e outros países da Europa foram pioneiros em tentar delinear indicadores de sustentabilidade (QUIROGA, 2001). O trabalho com este tema, no entanto, se intensificou depois da RIO-92, com iniciativas da Comissão de Desenvolvimento Sustentável e outras propostas nacionais que incentivaram o progresso na área. É importante ressaltar que a Agenda 21, iniciativa proposta na Declaração da Conferência do Rio de Janeiro, no seu capítulo 40, recomenda a implementação de indicadores de desenvolvimento sustentável.

Há várias definições sobre o que é um indicador. Um indicador pode ser quantitativo e qualitativo, não sendo restrito a apenas uma dessas esferas. Um indicador não é apenas uma estatística, ele representa uma variável que assume um valor em um tempo específico. Por sua vez, uma variável é uma representação de um atributo de um determinado sistema, incluindo qualidade, característica e propriedade (QUIROGA, 2001). Em uma visão mais abrangente, um indicador é um sinal que aponta uma determinada condição (GALLOPÍN, 1996), com a finalidade de comunicar informações e de auxiliar na tomada de decisões. Finalmente, o objetivo de um indicador é apontar a existência de riscos, potencialidades e tendências no desenvolvimento de um determinado território para que, em conjunto com a comunidade, decisões possam ser tomadas de forma mais racional (TUNSTALL, 1994; GUIMARÃES, 1998). Portanto, indicadores, no sentido que estamos trabalhando, são um conjunto de sinais que facilitam a avaliação do progresso de uma determinada região na busca pelo desenvolvimento sustentável, sendo ferramentas crucias no processo de identificação de problemas, reconhecimento dos mesmos, formulação de políticas, sua implementação e avaliação.

Em síntese, para que indicadores sejam instrumentos de um processo de mudança rumo ao conceito de desenvolvimento sustentável, eles devem congregar características que permitam: mensurar diferentes dimensões de forma a apreender a complexidade dos fenômenos sociais; possibilitar a participação da sociedade no processo de definição do desenvolvimento; comunicar tendências, subsidiando o processo de tomada de decisões; e relacionar variáveis, já que a realidade não é linear nem unidimensional.

3 Análise de indicadores selecionados

Cinco indicadores foram escolhidos para fins deste trabalho: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice de Bem-estar Econômico Sustentável (IBES), atualmente Índice de Progresso Genuíno (IPG), a Pegada Ecológica, os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS) desenvolvidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Matriz Territorial de Sustentabilidade (CEPAL/ILPES). A escolha recaiu sobre essas propostas por sua visibilidade, boa aceitação e ampla divulgação na mídia, tornando-se num primeiro momento fonte de inspiração e pouco a pouco fonte de decisão para a sociedade. Passamos a apresentar, de forma sintética o surgimento de cada proposta, seu intuito, dimensões, variáveis e formas de cálculo, em seguida refletimos sobre suas principais contribuições e limitações.

3.1 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)

O IDH baseia-se no conceito de desenvolvimento humano. Foi proposto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 1990, e lançado no mesmo ano no Relatório do Desenvolvimento Humano. Medido anualmente, tem um papel crucial, por exemplo, nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas para 2015.

A proposta do IDH surgiu como uma contrapartida a um indicador altamente difundido, o produto interno bruto (PIB), que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. O IDH tem como ponto de partida a idéia de que para medir o desenvolvimento de uma população é preciso incluir aspectos culturais, políticos e sociais. Esse índice é o resultado do trabalho do economista Mahbud ul Haq, com a colaboração de Amartya Sen, entre outros (UNDP, 1990).

Este índice considera três componentes, utilizando um índice já bem estabelecido e adicionando dois novos. O primeiro componente é o PIB per capita, que, após ser retificado pelo poder de compra da moeda específico de cada país, representa a soma dos valores monetários dos bens e serviços de uma localidade em um espaço de tempo. Os novos componentes são longevidade e educação. O indicador utilizado para medir longevidade é a expectativa de vida ao nascer, e a educação é medida por meio de analfabetismo e da taxa de matrícula nos três níveis de ensino.

O IDH é então o PIB per capita + longevidade + educação. A média dos três componentes é somada com o mesmo peso para determinar o valor final, que é apresentado em um valor único e singular, entre 0 e 1, para todos os países. No início, as metas máximas e mínimas eram determinadas pelos países com maior e menor índice. Esta metodologia foi retificada nos anos seguintes, já que esse processo relativizava os IDHs dos países a partir do índice de outros países. Então, um valor mínimo e máximo para os componentes foi definido. O valor anual do PIB é marcado entre $100 e $40.000 per capita, a educação dos países é avaliada de 0 a 100 e a expectativa de vida, em 25 e 85 anos.

Logo que foi lançado, o IDH deu início a reflexões sobre a condição de o índice evidenciar diferenças e desigualdades regionais, aspectos qualitativos das variáveis consideradas em sua composição, e a forma de obtenção dos dados necessários ao seu cálculo (GUIMARÃES, 1998). Ao ser calculado para a maioria dos países apenas nacionalmente, as diferenças e desigualdades regionais e locais não são levadas em conta. Outro aspecto diz respeito aos dois componentes "novos", longevidade e educação. O IDH apenas indica como os recursos são alocados nas áreas de saúde e educação, não incorporando a desigualdade na distribuição. Registra dados quantitativos de avanço ou retrocesso, mas não diz nada, por exemplo, sobre a qualidade do ensino das pessoas que estão matriculadas e a qualidade de vida que as pessoas com maior longevidade tiveram. Sob o aspecto obtenção de dados, nem todos os países e regiões os têm disponíveis e quanto os têm, são de qualidade duvidosa. Esses fatos fragilizam a consistência e a precisão do índice, mas podem ser aperfeiçoados metodologicamente em sua base primária de dados. De qualquer forma, destaca-se como contribuição do IDH a incorporação de variáveis sociais na mensuração do desenvolvimento, tirando de foco a dimensão econômica, o que foi fundamental por permitir uma discussão sobre sustentabilidade. Sua capacidade de comunicação junto à sociedade revelou-se igualmente fundamental, o que contribuiu para que o IDH se transformasse uma referência mundial como indicador de desenvolvimento humano.

3.2 Índice de Bem-estar Econômico Sustentável (IBES), atualmente Índice de Progresso Genuíno (IPG)

O Índice de Bem-Estar Econômico Sustentável (IBES) é uma das mais originais e antigas propostas de um indicador de sustentabilidade. Criado por Herman Daly e John Cobb em 1989, o IBES é um único valor que indica a sustentabilidade dos níveis de bem-estar de uma população em um determinado tempo (DALY; COBB, 1989). Também surgiu como uma alternativa ao PIB e resulta da ponderação de variáveis econômicas, ambientais, sociais e distributivas, sendo medido anualmente.

O ponto de partida do IBES é o consumo privado, fixado por meio de valores nacionais depois de ajustes, negativos ou positivos, de três componentes: distribuição de renda, neste caso é usado o coeficiente de Gini; serviços fora do mercado, que, entre outros, envolve trabalho feminino dentro de casa; e formação de capital construído. O consumo privado é ajustado a partir dos gastos defensivos e não defensivos. Os defensivos se referem ao gasto privado que não necessariamente aumenta o bem-estar. Conseqüentemente, esses gastos são subtraídos do índice. Um exemplo é o gasto com acidentes de trânsito. Já os não defensivos dizem respeito a gastos que aumentam o custo privado e o bem-estar, como por exemplo, o gasto público com educação e saúde. Esses são, portanto, incorporados ao índice. Este índice também incorpora os custos da degradação ambiental, a perda de capital natural e os danos ambientais de longo prazo.

O uso do IBES revela uma disparidade entre ele e o PIB. A diferença entre os dois é que, de maneira geral, até a década de 1970 ou 1980 dependendo do país, o IBES apresentava uma tendência a aumentar. Depois desse período, este índice começou a cair, o que evidencia a degradação do meio ambiente e bem-estar da população (QUIROGA, 2001). Por seu turno, o PIB, ao medir exclusivamente a produção da riqueza que circula no mercado, apresentou somente uma tendência ascendente, mascarando desta forma, períodos de crescimento da riqueza mas de diminuição de bem estar ou maior degradação ambiental.

Este indicador foi reformulado por Cobb em 1995 e deu origem ao Índice de Progresso Genuíno (IPG). A nova metodologia inclui variáveis de gasto defensivo, como, trabalho voluntário e valor da perda de tempo livre (COBB; HALSTEAD; ROEW, 1995); ajusta a distribuição de rendas; soma variáveis relativas a trabalho doméstico e ao trabalho voluntário; e subtrai outras, como crime e poluição (REDEFINIG PROGRESS, 2008).

Como foi mencionado o IBES-IPG engloba as dimensões econômica, ambiental e social na sua elaboração, incluindo desde poluição a crime, provocando impacto quando apresentado e comparado com o PIB. Seu desmembramento apesar de complexo tem potencial para subsidiar no processo decisório, tendo em vista as variáveis que engloba, mostrando-se mais completo que o IDH. Cabem, especialmente, três observações sobre o IBES-IPG. A primeira é reconhecer a incorporação de aspectos sociais do desenvolvimento sustentável na sua metodologia. A segunda refere-se também a um avanço conceitual e metodológico que inclui a distribuição de recursos na sociedade, as transações fora do mercado que aumentam o bem-estar e o uso do capital natural. A terceira avaliação positiva decorre do fato de este índice oferecer um indicador dos benefícios que a produção e o consumo geram para a sociedade. A única limitação para a construção do IBES-IPG é assegurar a disponibilidade e acesso às estatísticas oficiais, em especial as relativas às Contas Nacionais.

3.3 Ecological footprint method – pegada ecológica

Wackernagel e Rees (1996), autores da obra que deu origem ao Ecological Footprint Method, apresentam a Pegada Ecológica como uma ferramenta que pode ajudar na definição de ações públicas rumo à sustentabilidade. Segundo os autores, trata-se de um conceito simples e compreensível, oriundo da ecologia e relacionado à capacidade de suporte do ecossistema. Da leitura da obra depreende-se que o método proposto mede o fluxo de energia e matéria necessária a suprir o consumo de determinada população e converte este gasto de matéria e energia em área de solo e água requerida da natureza para suportar esse fluxo (WACKERNAGEL; REES, 1996). Em outras palavras, consiste em medir a quantidade de área ecológica produtiva necessária para prover no tempo os recursos necessários às atividades humanas (GUIMARÃES, 1998). A partir de dados de consumo da população e do cálculo dos recursos necessários à produção desses produtos e serviços, é constituído um índice, denominado pegada ecológica, que indica a quantidade de terra requerida para fazer face àquele consumo.

No cálculo do consumo, os autores consideraram as seguintes categorias: alimentos, habitação, transporte, bens de consumo e serviços. Os dados de consumo são obtidos das estatísticas nacionais ou locais já existentes, o que diminui o custo com pesquisa de campo. Na outra ponta se contabilizam os recursos naturais necessários à produção dos bens e serviços consumidos de acordo com o seu aporte de energia, como: a área necessária para a correspondente captura de CO2, área degradada ou construída, área destinada à produção agropecuária e área de floresta.

O resultado da relação entre consumo e área ecológica é um índice numérico que expressa quantidade de território necessário por pessoa para fazer face ao seu consumo (ha/per capita). A área ecológica corresponde aos fluxos de matéria e energia que entram e saem de um sistema econômico, convertidos em área de terra ou água produtiva. Tomando-se como base de análise um país, o índice resultante, se positivo, indica que aquela população consome acima da capacidade de suporte do território que ocupa. Se negativo, aquele espaço ainda apresenta condições de atender um aumento de consumo. Portanto, quanto maior a área apropriada menor o grau de sustentabilidade (VAN BELLEN, 2005).

Os autores do método fazem uma autocrítica da ferramenta apresentada indicando que é uma simplificação da realidade. No cálculo de pegada ecológica consideraram que os sistemas produtivos usam as melhores práticas, não incorporaram todos os itens de consumo, os dados relativos à geração de resíduos e poluição, e os impactos provocados às funções ecológicas. Estas limitações apontadas pelos autores levam a supor que a pegada calculada para cada país é maior do que a apresentada.

3.4 Indicadores de desenvolvimento sustentável do IBGE

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou a terceira edição do livro Indicadores de Desenvolvimento Sustentável: Brasil 2008. Este trabalho faz parte de um movimento internacional para consolidar os princípios adotados na Rio-92, com o objetivo de disponibilizar um sistema de informações para o acompanhamento da sustentabilidade do padrão de desenvolvimento do País.

O trabalho do IBGE é baseado na proposta apresentada no documento Indicators of Sustainable Development: Framework and Methodologies, elaborado pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS) das Nações Unidas (IBGE, 2004).

O objetivo explicitado na publicação dos IDS é acompanhar a sustentabilidade do padrão de desenvolvimento do Brasil a partir de indicadores que dão conta de múltiplas dimensões. Os indicadores presentes na primeira edição foram, na sua grande maioria, atualizados e revistos, alguns excluídos e outros incluídos. A edição de 2008 apresenta 60 indicadores, dez a mais do que os apresentados na publicação de 2002, agrupados em quatro dimensões de sustentabilidade: ambiental, social, econômica e institucional. A primeira diz respeito à degradação ambiental e ao uso dos recursos naturais, e apresenta indicadores referentes à atmosfera, terra, água, balneabilidade, desertificação, tráfego de animais, etc. A dimensão social corresponde ao atendimento das necessidades humanas, qualidade de vida e justiça social, oferecendo indicadores sobre saúde, população, educação, trabalho e rendimento, habitação e segurança. A terceira dimensão, econômica, está ligada à performance macroeconômica e financeira, bem como ao uso de recursos não renováveis. A dimensão institucional refere-se à capacidade e ao esforço despendido para as mudanças necessárias à implementação do desenvolvimento sustentável, mensurada, por exemplo, pela existência de conselhos municipais e gasto público com proteção do meio ambiente. O IBGE assume que a dimensão institucional é a que mais requer desenvolvimento no sentido de encontrar outros indicadores para sua avaliação. Dois pontos merecem destaque positivo: alguns indicadores estão separados por sexo, cor e raça; e a matriz de relacionamento entre os indicadores (IBGE, 2008).

Na análise desta proposta se constata que: falta uma explicação mais profunda sobre como se chegou a esses indicadores; a participação da população na decisão sobre os indicadores não é mencionada; a escolha de indicadores nacionais também implica na discussão sobre até que ponto a diversidade brasileira está refletida no conjunto de indicadores. No entanto, a iniciativa do IBGE constitui-se num valioso banco de dados conhecido e disponível aos profissionais da área.

3.5 Matriz Territorial da sustentabilidade

Este sistema foi proposto por Guimarães (1998) em documento publicado pela CEPAL/ILPES, e busca aliar os conceitos de desenvolvimento territorial e de desenvolvimento sustentável. Considera que as decisões de política pública são implementadas em dado território onde de fato ocorre o desenvolvimento local, com efeitos sobre as pessoas que nele habitam. Outro aspecto trazido pelo autor com a idéia de desenvolvimento sustentável é que a trajetória do desenvolvimento não pode ser medida somente por índices econômicos que dão conta do crescimento econômico, e silenciam sobre da qualidade de vida da população e outras dimensões presentes num processo de desenvolvimento. Já o conceito de desenvolvimento sustentável traz a necessidade de incorporar novas dimensões ao processo, como a ecológica, ambiental, social, cultural, política e ética. A base territorial foi escolhida por Guimarães (1998) como forma de cada pessoa e comunidade se apropriar do conceito de desenvolvimento sustentável, incorporando-o ao seu dia-a-dia, internalizando-o de tal maneira que possa acompanhar os rumos delineados pelas políticas públicas e também participar do estabelecimento de objetivos e metas.

Para o autor, a sustentabilidade de dado território sofre a influência de cinco dimensões que se inter-relacionam e que se expressam pela equação POETA, onde P significa população em suas diferentes especificidades (tamanho, composição, densidade, dinâmica demográfica); O – organização social (padrões de produção, estratificação social, padrão de resolução de conflitos); E – entorno (ambiente físico e construído, processos ambientais, recursos naturais); T – tecnologia (inovação, progresso técnico, uso de energia); e A – aspirações sociais (padrão de consumo, valores, cultura).

Para avaliação do desenvolvimento regional e seu progresso, Guimarães (1998, p. 41) propõe indicadores em nove áreas: 1) existência de recursos naturais, 2) existência de atores sociais organizados, 3) existência de instituições locais para o desenvolvimento do território, 4) tipos de procedimentos para o desenvolvimento regional, 5) mudanças de cultura, 6) fortalecimento da cultura de confiança entre os atores, 7) capacidade de negociação dos atores locais, 8) acumulação de capital endógeno, 9) acumulação endógena de conhecimento e progresso técnico.

Na perspectiva do desenvolvimento sustentável, a partir das dimensões presentes na expressão POETA, propõe mais oito áreas: 10) perfil da população e dinâmica demográfica, 11) estratificação social e padrões de produção, 12) processos ambientais naturais e ambiente construído, 13) uso e substituição de recursos naturais não renováveis por renováveis, 14) conservação e recuperação de recursos naturais, 15) disponibilidade e uso de energia, 16) padrões de consumo, distribuição e acesso a serviços públicos, e 17) participação social, identidade cultural, relações de gênero e padrões de resolução de conflitos.

De modo a superar a separação entre desenvolvimento regional e desenvolvimento sustentável, Guimarães (1998) integra as 17 áreas e constrói uma Matriz Territorial de Sustentabilidade, composta por cinco tipos de capitais, a saber: natural, construído, humano, social e institucional, como ilustra o Quadro 1.


Para cada uma das dimensões indicadas é apresentada uma relação de indicadores e estatísticas que podem ser utilizadas na operacionalização da Matriz, de acordo com as séries históricas de dados existentes em cada local a ser analisado. Guimarães (1998) reitera que as estatísticas e indicadores apresentados são apenas ilustrativos, de modo que a operacionalização dos conceitos de desenvolvimento regional e de desenvolvimento sustentável possam atender às necessidades concretas dos atores sociais locais para articular projetos comunitários de desenvolvimento.

Valendo-se dos conceitos de sustentabilidade forte ou fraca, Guimarães, indica que as diferentes dimensões apresentadas poderiam ser agrupadas em dois eixos, conformando uma escala de 0 a 1, entre territorialidade forte e territorialidade fraca, segundo os elementos que indicam maiores ou menores condições para que ocorra um processo de desenvolvimento regional. O número 1 corresponde ao melhor ano de um indicador medido pela estatística. Esta medida torna a meta a ser atingida visível, facilitando o reconhecimento da população e a implementação de políticas para alcançá-la (GUIMARÃES, 1998).

A riqueza da Matriz está: em agregar diferentes dimensões do desenvolvimento sustentável, distanciando-se da visão eminentemente econômica; na utilização de variáveis e estatísticas existentes, o que diminui os custos com levantamento primário de dados; na possibilidade de participação da comunidade na construção da Matriz, com o objetivo das pessoas se apropriarem do processo de desenvolvimento; e na flexibilidade de buscar variáveis que reflitam as especificidades de cada realidade territorial. A complexidade da Matriz reside no uso de inúmeras variáveis que devem ser desmembradas de forma a caracterizar sua singularidade; e no agrupamento de uma multiplicidade de dados cuja interpretação dependerá das correlações que forem estabelecidas pelos tomadores de decisão e na comunicação de múltiplos indicadores ao público em geral.

No Quadro 2, indicam-se os aspectos relevantes e limitações de cada uma das propostas analisadas.


4 Desafios na construção de indicadores de sustentabilidade

Se o processo de busca do desenvolvimento sustentável pressupõe proatividade, visão de longo prazo, participação da sociedade, acompanhamento de resultados, os indicadores se constituem numa carta de navegação na medida em que apontam a situação atual e o destino a ser alcançado e possibilitam a correção de rumos e mudanças de comportamento. Além dos problemas administrativos, como de custo, aquisição de dados e problemas metodológicos na construção de indicadores, foram identificados, a partir do estudo desses índices, cinco desafios abrangentes para implementá-los: o rompimento com a hegemonia da dimensão econômica para medir o desenvolvimento; a possibilidade de comparabilidade que cada proposta analisada proporciona e, relacionado a isso, as dimensões mensuradas em cada proposta; a participação da comunidade na sua definição e sua operacionalização.

4.1 Rompimento com a hegemonia da dimensão econômica

Os indicadores mais difundidos até a década de 1980, não apenas no processo de tomada de decisão, mas também na sociedade, são os econômicos. O PIB, a taxa de juros, déficit público e demais estatísticas macroeconômicas, são indicadores já estabelecidos que foram internalizados pela população e amplamente utilizados na tomada de decisões nas instâncias públicas e privadas. Entretanto, indicadores econômicos não respondem à necessidade de medir e, consequentemente, avaliar outras dimensões crucias do desenvolvimento, como a social e a ambiental. Conforme já mencionado, a primazia do uso de indicadores macroeconômicos tem levado ao paradoxo de vivermos um aumento do crescimento econômico marcado pela diminuição do desenvolvimento social, indicando situações de degradação de bem estar (BOISIER, 1997). Por isso mesmo, o surgimento de indicadores para mensurar o desenvolvimento sustentável é fruto do reconhecimento de que outras dimensões devem medir o desenvolvimento de um território, rompendo com a hegemonia do uso de indicadores econômicos como critério para a tomada de decisões individuais ou coletivas.

As propostas de indicadores analisadas neste trabalho demonstram o esforço no sentido de ampliar a base de variáveis usadas nos exercícios de mensuração e análise social. O IDH introduz variáveis da dimensão social de forma simplificada. Já o IBES-IPG, os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável do IBGE e a Matriz Territorial da Sustentabilidade ampliam as dimensões, aproximando-se mais das variáveis que influenciam o processo de desenvolvimento do território. Já a Pegada Ecológica, segundo análise de Van Bellen (2005) é marcadamente ecológica e não inclui outras dimensões como a social, econômica e institucional. No entanto, considerando que o cálculo desse índice resulta da relação entre consumo e área ecológica, o valor atribuído ao consumo de bens e serviços pode revelar a renda média e padrão de consumo da sociedade e, portanto refletir, implicitamente, as dimensões social e econômica. Já o valor atribuído à área ecológica, pode mostrar resultados da implantação nos processos produtivos a partir de ferramentas como: ecoeficiência, produção mais limpa, ciclo de vida de produtos e outros, dando conta de melhorias ecológicas sem que haja necessariamente mudanças no padrão de consumo. Cabe ressaltar que padrões de produção mais eficientes, como os que têm ocorrido, por exemplo, com o lançamento de automóveis flex, não são suficientes para propiciar a sustentabilidade ambiental. Esta ocorrerá quando mudanças no padrão de consumo forem capazes de mudar não só a forma de produzir, mas os próprios produtos consumidos.

4.2 Possibilidade de comparabilidade

O processo da escolha de indicadores deve possibilitar a comparação temporal num mesmo território bem como a comparação entre territórios numa escala espacial e temporal. É desejável ainda que sejam capazes de comparar objetivos, frutos dos desejos da sociedade, com os resultados alcançados, oriundos das ações implementadas, indicando vazios entre o planejamento e a execução de políticas públicas e decisões tomadas, possibilitando além de comparações nas escalas anteriores, também comparações em termos do processo de gestão.

Comparações temporais comunicam aos tomadores de decisão e à sociedade a condição daquela medida em momentos diferentes, mostrando sua estagnação, melhora ou deterioração, o que permite identificar, analisar e tomar decisões no sentido de manter, maximizar ou minimizar efeitos. Possibilita também projetar tendências e analisar cenários. A comparabilidade espacial, entre duas bases territoriais, permite a classificação dos territórios e regiões, servindo de motivação para a busca de melhorias continuas. De fato, a classificação traz à tona o poder exercido pelo indicador utilizado com esta finalidade, na medida em que induz a valorar as variáveis que o compõe direcionando políticas públicas e investimentos que visam à obtenção de melhores resultados ano a ano. Este tipo de comparabilidade, além de suscitar uma reflexão sobre a medida usada, pressupõe certa padronização metodológica na base dos dados, sua obtenção e tratamento.

Sob os aspectos temporal e espacial, o IDH, IBES-IPG e a Pegada Ecológica são propostas que possibilitam essas comparabilidades. Já os IDS, pela sua multiplicidade de indicadores (sessenta), possibilitam comparações temporais de um mesmo indicador. Por ser uma proposta de caráter nacional, os IDS possibilitam ainda comparações para a grande maioria dos indicadores, entre os estados da federação. No entanto, qualquer comparação entre países dependerá de cotejar as fichas metodológicas para garantir o mínimo de padronização entre os dados. A observação com relação à comparação temporal é valida para a Matriz Territorial de Sustentabilidade, já que os indicadores podem ser escolhidos por cada comunidade. No entanto, o uso de uma escala de 0 a 1, pode vir a atender os critérios de comparabilidade espacial, desde que haja um paralelo entre os indicadores. Sob o aspecto da gestão, os indicadores analisados, atendem à comparabilidade temporal, subsidiando informações nas fases do diagnóstico, implementação e avaliação que ocorrem em tempos diferentes, mas não preenchem o vazio entre planejamento e execução, pois exigem a fixação de metas e análises complementares por parte dos tomadores de decisão.

À padronização necessária para a comparabilidade dos indicadores se coloca a questão da participação. Que atores sociais estabelecem a composição de sistema de indicadores?

Possibilidade de participação

A participação da sociedade na busca de um desenvolvimento sustentável tem como objetivo romper com os paradigmas que conduziram o desenvolvimento ao longo dos últimos séculos. Essa participação tem sido apontada como fator de conscientização e legitimação do processo de mudança, onde indicadores de sustentabilidade exercem as funções de destacar a diversidade, colocar em discussão o conceito de desenvolvimento sustentável e promover um processo democrático de planejamento e de monitoramento. Atualmente, no Brasil e em diversos países do mundo, a participação faz-se presente como princípio norteador na legislação ambiental e nas práticas de gestão, através de audiências públicas, fóruns de debate e órgãos colegiados, como instâncias consultivas ou deliberativas.

Gallopín (2003) aponta para a necessidade de adaptar os indicadores de sustentabilidade às escolhas, aspirações e projetos específicos de cada comunidade, dando-lhe a possibilidade de influenciar na definição do que entende por sustentabilidade, considerando as diferentes histórias, necessidades e realidades de cada território e sua diversidade cultural, social, econômica, e ecológica. Em reforço ao pensamento de Gallopín, Levin (1999) afirma que os sistemas naturais não são lineares. O que se observa no ambiente é, em parte, o resultado de acidentes históricos e da influência de migrações. Portanto, não existe uma receita para atingir o desenvolvimento sustentável, não sendo possível replicar a mesma fórmula em diversos territórios uma vez que estes apresentam diferenças locais (RIGOTTO; AUGUSTO, 2007). Analogamente, a participação na escolha dos indicadores propicia a legitimidade, eficiência e transparência dos mesmos (VAN BELLEN, 2005), exercendo a função de informar a população. Para tal, devem se revestir de características como: agregar e simplificar informações, tornarem visíveis fenômenos de interesse, quantificar, medir e comunicar (QUIROGA, 2001).

O IDH, IBES-IPG, Pegada Ecológica e Indicadores de Desenvolvimento Sustentável do IBGE são propostas apresentadas por especialistas, não havendo informação sobre a participação da comunidade na escolha dos indicadores e na forma de cálculo. Já a Matriz Territorial de Sustentabilidade explicitamente é uma proposta que viabiliza a participação da comunidade na construção dos indicadores e, em última instância, seu protagonismo no processo decisório sobre o desenvolvimento desejado. O propósito da participação se torna evidente na medida em que a Matriz não apresenta uma proposta definitiva de dimensões, apenas exemplifica indicadores, dando liberdade de escolha para que cada comunidade os defina, segundo o entendimento que dará ao desenvolvimento sustentável, de acordo com a existência de dados e a capacidade de operacionalização deste.

4.3 Critérios de operacionalização

Outro desafio diz respeito à forma de apresentação do indicador e sua capacidade de influenciar decisões e mudança de comportamentos. A pergunta crucial é como medir, usando um índice a partir de vários indicadores e variáveis ou trabalhar com um sistema de múltiplos indicadores e variáveis sem necessariamente a existência de um índice? Outras questões são: Qual é a finalidade do indicador? Qual é o grupo chave que um determinado indicador quer atingir?

Um único indicador dentro de uma escala de interpretação passa a informação de maneira fácil, contribuindo para sua internalização pela população. No entanto, uma das críticas mais recorrentes feitas a indicadores singulares é que eles simplificam a realidade, e não abrem possibilidades para analisar qual fator está mais precário. Quanto mais agregado for um indicador, maior será sua distância em relação aos problemas e a articulação de estratégias para dirimi-los (VAN BELLEN, 2005). Por outro lado, certo grau de agregação é imperativo para lidar com as múltiplas variáveis necessárias para avaliar a sustentabilidade.

O IDH, IBES-IPG e a Pegada Ecológica, por divulgarem um único valor, são de fácil comunicação. Já, os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável do IBGE são apresentados um a um, dificultando uma visão de conjunto, mas abrindo a possibilidade para a identificação de avanços e retrocessos e, portanto, tomar decisões sobre cada uma das dimensões e variáveis consideradas. Sob a forma de tabelas e gráficos, o que implica familiaridade para que os dados possam ser lidos de imediato, a informação fica limitada a especialistas. A ficha metodológica traz uma riqueza de informações sobre cada indicador, mas também de pouco impacto na comunicação junto ao público em geral. O documento relativo à Matriz Territorial de Sustentabilidade não indica a forma de divulgação dos indicadores que a comporiam, é de se supor que seria um a um, como os IDS.

O IDH, das propostas analisadas, é o que tem tido maior poder de comunicação e aplicação junto à população. Apresentado como valor único, comunica de forma fácil a todos os públicos a posição de dada localidade em um dado momento. Divulgado anualmente ao longo dos últimos anos, sua repercussão na mídia tem a capacidade de mobilizar decisões e ações da administração pública de modo a produzir melhorias e atingir um valor maior na próxima edição do Índice. Também tem influencia em decisões individuais, sendo, para uns, mais um critério a ser considerado na escolha de local para morar, e para outros uma forma de pressionar o poder público a promover melhorias.

A Pegada Ecológica tem grande impacto na comunicação com o público, chamando atenção para o modo de vida insustentável que leva, cumprindo seu papel de conscientização. Aponta também para a necessidade de mudanças no estilo de vida.

4.4 Relação entre as dimensões e suas interpretações

Não há um consenso sobre as dimensões do desenvolvimento sustentável, sendo-lhe atribuídas diversas interpretações, o que é refletido pelas diversas propostas de indicadores analisadas. Há, sim, um consenso sobre a qualidade multidimensional da sustentabilidade, sem que haja concordância sobre quais dimensões devem ser mensuradas. Alguns atores identificam cinco dimensões de sustentabilidade: social, econômica, ecológica, geográfica e cultural (SACHS, 1997 apud VAN BELLEN, 2005); outros apontam para as dimensões sociais, ecológicas e econômicas e as interações entre elas (GALLOPÍN, 2003; GUIMARÃES, 1998; VAN BELLEN, 2005). De todo modo, é consensual a idéia de que indicadores que ficam restritos a apenas uma dimensão não refletem a sustentabilidade de uma região.

Todas as propostas analisadas incorporam múltiplas variáveis segundo o propósito para qual foram desenvolvidas, conforme apontado anteriormente. O IDH, IBES-IPG e Pegada Ecológica, apresentados sob a forma de um único valor, integram variáveis e estabelecem relações que escapam do entendimento do público em geral, mas tem poder de comunicação. Os IDS do IBGE trazem uma contribuição significativa no que se refere à interação entre variáveis e indicadores ao apresentar uma matriz de relacionamento, que mostra as possíveis ligações entre os diferentes indicadores. No entanto, de maneira geral, pouco se avançou no sentido de dar seqüência às interações propostas, havendo necessidade de cruzar os dados e analisá-los à luz da realidade.

Da análise feita se verifica que cada proposta atende parcialmente às características de multidimensionalidade, comparabilidade, participação, comunicação e relacionamento entre as variáveis, mostrando avanços na forma de mensurar o desenvolvimento. No entanto, apresentam limitações no que se refere à capacidade de mobilizar os atores sociais para implementar mudanças cruciais em busca do desenvolvimento sustentável e de subsidiar o processo de gestão de políticas públicas.

5 Desenvolvimento sustentável e indicadores de sustentabilidade

O conceito de desenvolvimento sustentável traz para o centro do debate público que tipo de desenvolvimento a sociedade deseja, já que os impactos ambientais e sociais negativos evidentes desde Estocolmo em 1972 indicam a necessidade de mudança de paradigmas. Por outro lado, o conceito de desenvolvimento sustentável coloca em questão o entendimento que se tem dado à sustentabilidade, indicando que ambos estão longe de ser unânimes e que podem assumir diferentes matizes.

Por último, a operacionalização do conceito de desenvolvimento sustentável na construção de indicadores não ocorre de forma imparcial. Cada proposta privilegia determinados indicadores em detrimento de outros, sinalizando mudanças potenciais, sobre as quais cabem reflexões preliminares.

O IDH avança ao incorporar outras variáveis além da econômica. A repercussão que tem mostra seu potencial para promover melhorias continuas nas dimensões que mede: PIB per capita, longevidade e educação, apesar de não dar conta da distribuição desigual de oportunidades e de como a riqueza, longevidade e educação podem estar relacionadas ao padrão de consumo e ao preparo dos indivíduos para o mercado de trabalho.

A Pegada Ecológica apesar de ser considerada hermética e orientada por especialistas na sua concepção tem alto potencial educativo. Seu índice explicita a relação da sociedade com o meio ambiente, como também indica a intensidade do efeito de suas escolhas sobre os sistemas ambientais. Por outro lado, a pesquisa disponibilizada na internet para avaliação da pegada ecológica, na medida em que vem sendo aperfeiçoada, com perguntas categorizadas por tipo de consumo, e respostas alternativas que evidenciam consumos diferenciados, oferece indícios para que o respondente repense seus hábitos de consumo. Já no nível de uma comunidade ou país, o índice pode subsidiar uma reflexão sobre os processos produtivos, a tecnologia utilizada, o padrão de consumo, a busca de fontes alternativas de energia, o uso racional de recursos naturais, políticas públicas de transporte, produção e comercialização de alimentos, por exemplo. No nível global, à produção para exportação poderiam se agregar os custos relativos aos serviços ambientais presentes no processo produtivo de bens e serviços, tais como solo, água, energia solar, florestas. A incorporação desses custos sem dúvida provocaria mudanças nas relações comerciais entre regiões em desenvolvimento e desenvolvidas. A pegada ecológica se mostra uma ferramenta com potencial para promover mudanças estruturais no modus operandi de produção, comercialização, consumo e distribuição de renda, imprimindo mudanças de paradigmas para que se rume em direção à sustentabilidade.

Enquanto que os IDS se valem de indicadores existentes, refletindo uma postura conservadora, o IBES-IPG e a Matriz Territorial de Sustentabilidade, incorporam a suas propostas conceitos como gastos defensivos/não defensivos e desenvolvimento endógeno/exógeno, respectivamente, refletindo em uma nova forma de pensar o desenvolvimento, capaz de propiciar mudanças de comportamento na sociedade.

Em síntese, lograr o estabelecimento de indicadores de sustentabilidade capazes de promover mudanças de comportamento e subsidiar processos de decisão individuais e coletivos em busca do desenvolvimento sustentável passa pela agregação numa mesma medida de múltiplas dimensões, tais como: as propostas pelo IBES-IGP, IDS e Matriz; a capacidade de comunicação encontrada no IDH e Pegada Ecológica; a participação da comunidade indicada pela Matriz; e o relacionamento entre as variáveis presentes, principalmente, no IBES-IGP. É importante que indicadores de sustentabilidade sejam incorporados ao cotidiano e ao planejamento das pessoas, gestores e organizações como o são os indicadores econômicos.

Recebido: 30/3/2009. Aceito: 15/7/2009.

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  • Autor para correspondência:
    Roberto Pereira Guimarães
    FGV/EBAPE - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas
    Praia de Botafogo, 190, Sala 522
    CEP 22.250-900 – Rio de Janeiro, RJ
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      15 Jul 2009
    • Recebido
      30 Mar 2009
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